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Mas se a história moderna, à época de Nietzsche, é vista por este último, pelo
menos no plano teórico, como uma experiência que nada tem a oferecer ao homem, nem
no tempo presente nem no futuro passado - lembrando que, neste último caso, quaisquer
promessas em nível transcendental rumos a futuros mundos paradisíacos, seja em relação
ao além-túmulo ou em relação à ordem terrena, são vistas pelo filósofo como uma
quimera, um “profetismo” desprovido de sentido -, a história real, poucos anos depois da
passagem do homem do “martelo” por esse mundo, parece ter dado uma mãozinha ao
ceticismo do bigodudo alemão. Refiro-me às duas guerras mundiais, praticamente unas,
em especial naquilo que elas representaram em termos de aspectos sombrios, que são
aqueles relacionados à destruição e à ruína. Ocorre que as duas guerras mundiais, naquilo
que representaram em termos de negação absoluta da condição humana, deitaram por
terra muitas das esperanças destiladas no inconsciente coletivo ao longo de décadas, isto
para não falar da permanente ameaça atômica logo após o armistício, com a emergência
da famigerada “Guerra Fria”, a qual, uma vez deflagrada, jamais poderia ser uma guerra
localizada e sim uma guerra planetária que simplesmente destruiria a humanidade, tal
como ironicamente refletida pelo olhar do grande físico alemão Albert Einstein, presente
em certa assertiva de domínio público. Interrogado como seria a Terceira Guerra Mundial,
o físico saiu-se com essa: “não sei com que armas a III Guerra Mundial será lutada. Mas
a IV Guerra será lutada com paus e pedras”.
De modo que o contexto entre que vai do fin-de-siècle, época de Nietzsche, até o
segundo pós-guerra é marcado por profundas incertezas, cujo corolário é o desencanto
para com o moderno, e desencantar-se com o moderno significa ter que conviver com um
mundo que parecia em ruínas, e isto já a partir da Primeira Guerra Mundial com a
chamada “geração perdida”, constituída por sujeitos desencontrados, fragmentados,
completamente à deriva. Aliás, situação que tendeu a se acentuar nos anos subsequentes
até a eclosão da Segunda Guerra Mundial e suas consequências desastrosas. Pois foi
exatamente em meio a toda essa turbulência que veio à tona o estruturalismo, inicialmente
em âmbito linguístico, com Ferdinand de Saussure e as escolas linguísticas de Moscou e
Praga; na sequência em âmbito literário com a escola formalista russa; por último, no
ambiente das ciências humanas, inicialmente em âmbito antropológico, espraiando-se
depois pelos outros campos das humanidades. Ora, estruturalismo que é estruturalismo se
oferece, em qualquer de suas modalidades, como um anti-humanismo, vale dizer, como
um campo do pensamento constituído por estruturas que subsumem os sujeitos. Acontece
que tais estruturas pensantes são tomadas como auto-referentes, sem quaisquer remissões
para mundos referenciados, isto é, aqueles que formam o mundo social e histórico em que
vivemos.
Temos, no primeiro caso, uma corrente de pensamento que aposta alto numa
autonomia da linguagem em relação ao mundo social e histórico, linguagem tomada sob
a forma de um sistema com base na articulação interna entre todos os signos linguísticos,
cuja auto-referencialidade pretende um corte profundo entre palavras e coisas. A mesma
ideia é aplicada nos casos em que o objeto é o texto literário, entendido como sistema de
signos auto-referenializados, em que cada produto literário formaria um produto
autônomo, pois se literatura remete a alguma coisa remete a literatura e não a um extra-
literário ou a aspectos da vida efetiva. E a mesma ideia é válida ainda para os modelos
em Antropologia, a primeira ciência social a se render aos encantos estruturalistas.
De modo que o estruturalismo, ainda que tenha predominado para valer apenas
nos anos 1960 - espécie de década estrutural por excelência -, sua compreensão exige que
se dialogue inicialmente com suas matrizes linguístico-literárias, haja vista que foi com
esse vínculo matricial que tudo começou: de um lado, com Saussurre, para quem sistema
de linguagem basta-se a si mesmo, sem remissões ao extralinguístico, e, de outro lado,
com o Círculo Linguística de Praga, corrente que desenvolveu, por intermédio do russo
Roman Jacobson, noção de estrutura aplicada ao campo da fonética. Isto para não falar
no formalismo literário russo, uma espécie de desdobramento do corte saussurreano entre
palavras e coisas aplicado em âmbito literário, para o qual a obra literária forma um texto
autônomo, sem compromissos cognitivos de qualquer natureza para com o mundo da
vida. Só depois de um mergulho nessas novas formulações radicais em âmbito
linguístico-literário é que o caminho é aplainado para a emergência do estruturalismo no
âmbito das ciências humanas, a começar pela antropologia. No primeiro caso, temos o
estruturalismo linguístico professado por Ferdinand de Saussure e seus desdobramentos
nas escolas linguísticas de Moscou e Praga, na esteira dos quais surgiram escolas
formalistas em literatura, com destaque para os formalistas russos a partir dos anos 1920.
E, no segundo caso, temos a emergência do estruturalismo nas ciências humanas, com
destaque para a antropologia estrutural nos termos de Claude Levi-Strauss, já mencionada
acima, e do marxismo estruturalista nos termos de Louis Althusser. Trata-se, no caso de
Claude Levi-Strauss, da elaboração de certo modelo de parentesco, em que o parentesco
real praticamente desaparece, cedendo lugar a conjunto de estruturas mentais invariantes
sob a designação de estruturas elementares do parentesco. E, no caso de Louis Althusser,
da proposição de um marxismo esvaziado de toda e qualquer dimensão humana, cujo
corolário é a exigência de um marxismo liberto do chamado “Jovem Marx”, parte
perfeitamente descartável, tendo validade apenas o Marx da economia política e, por
conseguinte, do modo de produção enquanto uma totalidade sincronicamente articulada.
E, como decorrência do predomínio dos estruturalismos, eis o que temos: a) uma visível
perda do referente da linguagem e, consequentemente, um escancarado medo da história;
e b) um apagamento do sujeito, significando, com isto, não sua morte física, mas sua
desaparição enquanto sujeito de querer ou sujeito da ação, haja vista tornar-se uma
espécie de marionete em meio ao jogo das determinações estruturais.