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Anotações François Dosse “História do Estruturalismo vol. I”.

18. O desvario da razão: a obra de Michel Foucault.

- “Michel Foucault faz ressurgir o esquecido, o recalcado da razão e abre assim para
uma nova sensibilidade histórica que já não é mais a da valorização dos heróis (que
estão cansados), nem a da glorificação dos réprobos (a dialética ficou tolhida em seus
nós em 1956), mas a dos esquecidos da história, investigados em todos os seus traços
atrás dos muros onde a razão os encerrou. Assim Michel Foucault ‘abria novas terras ao
permitir que também a prisão, o manicômio /.../ se integrassem num campo de reflexão
como outras tantas situações penosas, outras tantas vicissitudes de natureza teórica e
política’”. (pág. 169)

Trecho em referência a publicação de História da Loucura num momento em que o


etnocentrismo europeu é questionado tanto do ponto de vista intelectual a exemplo da
publicação de Tristes Tropiques da Levi-Strauss como também do ponto de vista
prático-político pelos movimentos de descolonização, no que concerne a França, a
guerra da Argélia.

- “A reflexão sobre a guerra é nele essencial; ela alicerça um paradigma central em sua
obra em torno das noções de estratégia, de tática dos poderes, de rupturas, de relações
de força... Em sua abordagem da governabilidade, capacidade de cada um para avaliar a
conduta do outro, em todos os níveis da atividade social e privada, Michel Foucault
coloca a problemática da guerra como um momento essencial, pois é nesse nível que se
joga o enfrentamento com a morte.” (172)

Como afirmava a situação do autor no parágrafo precedente, a ameaça da guerra tornou-


se um paradigma existencial para ele em determinado momento de sua vida. Esse dado
biográfico não é sem importância para Dosse que nele enxerga uma experiência que
futuramente se desdobra na produção intelectual de Foucault ao produzir suas reflexões
sobre a sexualidade e seus cursos no Collège de France onde sua metodologia de
investigação torna-se quase uma incursão militar sobre os objetos postos ao seu
escrutínio.

- Início dos anos 1950 Foucault tem contato com algumas influências perenes em suas
reflexões tais como Nietzsche, Heidegger e Marx, esse último através de Althusser.
Além desses nomes pode-se destacar a influência de Maurice Blanchot em sua escrita
no uso do oxímoro por esse autor, Bataille, Raymond Russel, Rene Char e Samuel
Becket irão produzir um fascínio em Foucault pelas experiências limites tais como a
morte – experiencia que acompanhou através da instiga intelectual, mas também através
da angústia, se poderíamos dizê-lo, de sua tentativa de suicídio. (175-6)

- É em Upsalla, cidade da Suécia, em que Foucault se dirige em 1955 que toma contato
com Georges Dumézil cujas reflexões lhe fornecem a base para seu pensamento
genealógico. Dumézil é creditado por Foucault em seu livro História da loucura e
citado novamente no jornal Le Monde em entrevista quando estabelece um paralelo
entre a ideia de estrutura de Dumézil e o seu trabalho onde tenta encontrar normas
estruturadas da experiência e suas variações. (177) [procurar entrevista, datada de 1961,
22 de julho!]

- “Michel Foucault problematiza em sua tese a pretensão de um discurso científico


particular, o saber psiquiátrico, e estuda as condições de validade, da possibilidade deste
último. Ele planta deliberadamente o seu periscópio no ocração da história ocidental
para interrogar a razão triunfante: ‘será que, no caso de uma ciência tão duvidosa quanto
a psiquiatria, não se poderia deslindar de um modo mias certo os efeitos de poder e
quais os de saber?’ [...] descreve assim lugares e modos de validação das sentenças de
um saber psiquiátrico ainda pouco seguro. Tal abordagem leva-o a privilegiar a
historicização de seu objeto. [...] O discurso historicizado deve perguntar-se qual é a
força de uma ciência, destrinçar o que nela existe de não científico, e ‘como, em nossa
sociedade, os efeitos de verdade de uma ciência são, ao mesmo tempo, efeitos de
poder’”. (178)

- Ainda sobre a História da loucura: “[...] atém-se aos limites do social sem se
comprometer numa história social que procurasse restabelecer uma coerência global da
sociedade ocidental. Nesse plano, ele já se situa no terreno privilegiado de um
estruturalismo que atribui à esfera do discursivo uma autonomia máxima em relação às
contingências sociais”. (180)

- Sobre essa publicação Roland Barthes enxerga nela uma primeira transposição do
estruturalismo para o campo da historiografia, situando Foucault ao lado de Levi-
Strauss e Lacan sem, no entanto, definir uma base mínima que os interligue em seu
pensamento (uma observação que nos aponta para uma questão fundamental sobre a
filiação nesse movimento – quem ou em que condições pode-se ser considerado
estruturalista?). (182)
- Num primeiro momento a publicação de Foucault não interessara os psiquiatras, será
apenas no final dos anos 1960, principalmente por conta de Maio de 68 que a obra desse
filosofo vira a corresponder a uma sensibilidade coletiva e a um interesse generalizado -
incluso psiquiatras – havidos por transformações, a exemplo dos antipisiquiatras algo-
saxões como Roland Laing e David Cooper. (183)

- “Trata-se, neste caso, de uma crítica radical da modernidade e de suas categorias.


L’Histoire de la Folie apresenta-se sobretudo como sintoma de uma época, primeiros
passos de uma nova postura estrutural adaptada à história ocidental, valorização do
recalcado. Pois a busca da verdade situa-se então no não-dito, os brancos, os silêncios
de uma sociedade que se desvenda pelo que esconde. Nessa qualidade, a loucura é um
objeto ideal, duplamente assumido por uma antropologia histórica e pela psicanálise”.
(185)

19. Crise do marxismo: degelo ou regelo?

- 1956 o ano de ruptura entre a intelectualidade francesa, germe da geração de 1966 e


hora do nascimento do estruturalismo enquanto fenômeno intelectual que sucedeu o
marxismo. Esse ano é marcado pelo relatório de Khrustchev durante o 20º Congresso
dos PCUS e o esmagamento da revolução húngara. A crítica ao modelo soviético
começa a adquirir independência no seio da esquerda. Nas palavras de Dosse os anos de
1956-68 serão os anos luto sobre as esperanças perdidas. “Debruçam-se então sobre o
que resiste à mudança, sobre o que não permite ao voluntarismo político triunfar. A
sensibilidade coletiva faz prevalecer as invariantes, as imobilidades”. (187)

São anos de grandes transformações econômicas desde o final do séc. XVIII, bem como
um momento em que os ideais do iluminismo e de 1789 vão sendo postos a crítica entre
os franceses, muito por conta da experiência na URSS. Será nesse ambiente crítico aos
valores da democracia ocidental que o estruturalismo se enraíza. “Uma crítica da
modernidade, do caráter formal da democracia, desenvolve-se a partir daí, não mais em
nome de um marxismo em refluxo, mas a partir de Heidegger, de Nietzsche, ou traduz-
se pelo refúgio na clausura do texto e em sua arquitetônica interna”. (187-8)

Do ponto de vista político mais imediato, esse momento é marcado pelo governo De
Gaulle que conseguiu estabilizar a vida política francesa ao mesmo tempo que se
cercava de ministérios técnicos, no que concerne a intelectualidade francesa esse
impacto pode ser observado pela deposição da Escola Normal Superior em detrimento
da Escola Nacional de Administração enquanto polo de formação da elite dirigente do
país. Esse deslocamento também significou a predominância do pensamento tecnocrata
sobre as humanidades, sendo o estruturalismo um suporte desse pensamento, segundo
George Balandier. (188)

- “Portanto, 1956 varre uma boa parte das sequelas da guerra para numerosos
intelectuais do ocidente, muito antes que 1989 venha completar a limpeza no Leste.
Apresenta-se então a questão de saber como é que se pode ser marxista com tudo aquilo
que se sabe?”. (189)

- “A história já não se apresenta como esperança de um futuro melhor, mas interroga-se


em suas falhas para tentar compreender no que ela pôde conter em si mesma os germes
da barbárie. Essa fenda de 1956 ‘levou-nos a não ser mais obrigados a esperar alguma
coisa’. Em vez de sentir-se levado pelo fluxo contínuo da história, o intelectual, segundo
Michel Foucault, deve sinalizar o campo dos possíveis e o das impossibilidades numa
dada sociedade, sem esperar a chegada do Messias, encarnado pelo partido como guia
na conquista da salvação terrena. Mas antes mesmo de se reconstituir uma área de
pesquisas e uma identidade, cumpre romper com um partido que se atribuía as virtudes
de um foco de sociabilidade, família de adoção com seus ritos, seus costumes... todo um
habitus”. (189)

- O estruturalismo nos anos 1950 aparecia como uma alternativa ao marxismo que
agonizava incerto ao seu futuro.

- Alguns grupos marxistas já haviam iniciado a crítica as posições marxistas dominantes


a época, a exemplo dos intelectuais reunidos em torno da revista Socialisme ou
Barbarie, fundada em 1949, como Cornelius Castodiariadis e Claude Lefort. Esse grupo
denunciava o estruturalismo como uma adaptação da vulgata ao modelo dominante do
capitalismo, ao mesmo tempo que provocava um esvaziamento da história viva e
fomentava o pensamento tecnocrático. Em 1956 ainda nesse contra-ataque pela via
marxista temos a revista Arguments que propõe uma revisão crítica do marxismo bem
como das contradições da modernização. Essa revista foi fundada por Edgar Morin e
teve como integrante nomes como Roland Barthes. (192)
- “O verdadeiro beneficiário da crise de 1956 é, pois, o estruturalismo, cujas referencias
do programa, como vimos, foram fixados muito antes, dado que mergulha suas raízes
nos começos do século. Esse paradigma permitia, pelo menos, prevalecer-se de um
certo nível de cientificidade e de operacionalidade numa província particular do saber,
ao preservar o horizonte da universidade própria dos compromissos de outrora sem o
referir a nenhum voluntarismo na transformação do mundo, ao limitar-se a procurar
compreendê-lo melhor, e ao integrar as figuras da alteridade e do inconsciente”. (194)

32. O segundo fôlego do marxismo.

- “A nova leitura althusseriana vai permitir um verdadeiro banho de juventude para um


marxismo renovado e expurgado de seu destino funesto. De todos os lados, apoderam-se
desse Marx da maturidade para fazer dele o estandarte da cientificidade de sua
disciplina, como testemunha o extraordinário êxito comercial de Pour Marx, obra, no
entanto, eminentemente teórica. Por outro lado, a concepção globalizante do
althusserismo permite a cada continente do saber sentir-se parte diretamente envolvida
numa aventura comum. Marx encontra-se na interseção de todas as pesquisas,
verdadeiro denominador comum de todas as ciências sociais”. (345)

As reflexões de Althusser reverberaram para outros campos de saber e, apoiando-se na


onda estruturalista, foi capaz de modificar o próprio campo das ciências sociais. Para o
próprio autor suas reflexões representavam uma renovação do marxismo na medida em
que podia tirar essa corrente de pensamento da sua origem pautada em considerações
metafísicas e fazer dele um instrumento de análise cientifica. (348)

34. 1966: O ano-luz II. Foucault vende como pãezinhos.

- “O seu projeto de arqueologia das ciências humanas (originalmente a obra deveria ter
por subtítulo: ‘Arqueologia do estruturalismo’) é definido por Foucault nesse programa
como a expressão da vontade de fazer aparecer a nossa cultura numa posição de
estranheza semelhante à maneira como percebemos os nambiquaras descritos por Levi-
Strauss. Portanto, não se trata, em absoluto, de traçar as linhas de continuidade do
desdobramento de um pensamento numa lógica contínua e evolutiva mas, pelo
contrário, de sinalizar as descontinuidades que fazem com que a nossa cultura passada
nos pareça fundamentalmente outra, estranha a nós próprios, numa distância restaurada:
‘Foi essa situação etnológica que eu quis reconstituir’; e Foucault investe contra toda e
qualquer iniciativa de identificação com a figura puramente efêmera do homem, ao
mesmo tempo recente e destinado a desaparecer proximamente. Deus está morto, e o
homem segue-o para um desaparecimento irresistível, para a qual trabalham, em
especial, as ciências que se valem de sua existência: ‘Paradoxalmente, o
desenvolvimento das ciências humanas convida-nos mais ao desaparecimento do que a
de uma apoteose do homem’”. (367-8) [citações do próprio Foucault em Lectures pour
tous 1966, publicada em 1988. Pesquisar”].

- “[...] ainda que se trate de um estruturalismo muito particular, uma vez que o
estruturalismo de Foucault não está fundamentado na existência de estruturas. É ‘um
estruturalismo sem estruturas’ [Piaget], o que faz François Ewald dizer que Foucault
jamais foi estruturalista, e que seu projeto era mesmo o de combater a ideia de estrutura
e, por conseguinte, o estruturalismo. [...] Essa tensão interna, ainda não sentida pelo
Foucault de 1966, provem da sua posição ambígua de filósofo que se instala no núcleo
das ciências sociais para subvertê-la desde o interior. Mas essa posição, longe de ser a
de uma contestação do fenômeno estruturalista, alimenta-se dele [...]”. (369)

- “Les mots et les choses situa-se, sobretudo, na linha do trabalho de Geoge


Canguilhem. Foucault analisa aí igualmente a história científica a partir das
descontinuidades e da desconstrução nietzscheana das disciplinas estabelecidas. Essa
base nietzscheana da abordagem de Foucault reconhece-se numa rejeição radical do
humanismo. O homem-sujeito de sua história atuante, consciente de sua ação,
desaparece. [...] A sua posição central no pensamento ocidental não passa de ilusão,
dissipada pelo estudo dos múltiplos condicionamentos que ele sofre”. (370)

- “Esse descentramento do homem, quando não a sua dissolução, induz uma outra
relação com a temporalidade, com a historicidade, sua pluralização e imobilização,
assim como um deslocamento do olhar para as condições exteriores que determinam as
práticas humanas [...] O homem está submetido, portanto, a temporalidades múltiplas
que lhe escapam, não podendo nesse quadro ser sujeito, mas somente objeto de puros
eventos exteriores a ele [...] O homem articula-se sobre o já começado da vida, do
trabalho e da linguagem, e encontra fechadas, portanto, as vias de acesso ao que seria
sua origem, seu advento”. (372)
- A modernidade é aquela que toma consciência dessa ilusão que é homem e da
preponderância da própria consciência, do cogito cartesiano. A história que Foucault
escreve recusa os esquemas evolutivos e de progresso para falar dos saberes, adota ao
invés disso um foco sobre as múltiplas transformações que ocorrem na sociedade e suas
descontinuidades. O descontinuo aparece para Foucault em dois momentos na cultura
ocidental: no século XVII e no século XIX, momentos esse que também marcam o
surgimento e a ruptura entre duas epistemes. Em Les mots et les choses Foucault assume
um método verdadeiramente estruturalista, o mais estruturalista de seu percurso, que o
permite saltar entre os discursos, entre as epistemes para ressaltar dentro do campo da
história essa dimensão sincrônica de seus objetos de pesquisa. (375-4)

- Dosse afirma que Foucault desemboca num relativismo histórico na medida em que
produz um pensamento em que o valor de verdade das diferentes etapas do saber não é
mais determinável, pois são apenas discursos historicamente localizáveis. As
configurações do saber em uma determinada época não transitórias, as estruturas de
validação do conhecimento não conteriam nenhuma verdade para além de si mesmas.
Apesar de situar-se no campo da história nosso autor produz um conhecimento que é
anti-histórico a ser um conhecimento pautado na pura sincronia e ao não levar em
consideração qualquer referente histórico. (377)

- “A perspectiva do Foucault de 1966 participa plenamente do teoricismo ambiente do


estruturalismo, ao qual dá uma resposta filosófica partindo do primado da razão pura, da
representação das estruturas da experiencia enquanto articuladas com base na
constituição de objetos epistemológicos”. (378).

36. Na hora da pós-modernidade.

- “Uma nova relação com a temporalidade institui-se de forma imperceptível no


transcorrer do século XX no ocidente. A Europa perdeu ao mesmo tempo sua posição
dominante e seu papel de modelo para o resto da humanidade. Desde o começo do
século, em Viena, no coração do velho e decadente império dos Habsburgos, surgiu uma
cultura a-histórica”. (387) [sobre essa última afirmação pesquisar C. Schorske. Fin de
siècle Vienna 1979].
Essas transformações que impactam o continente europeu passam pela experiência das
duas grandes guerras mundiais que colocam em xeque a ideia de progresso e dos ideais
iluministas ou civilizacionais da modernidade, o deslocamento do centro do capital para
os EUA faz a Europa ter sua importância diminuída sob o crepúsculo do que um dia foi
o centro da civilização.

- “A provincialização da razão ocidental, a descoberta da irredutibilidade da resistência


de outras lógicas, de pluralidade cultural, alimentaram um profundo pessimismo, uma
espécie de teologia negativa. [...] A teorização da incapacidade do homem para ter o
domínio sobre sua história coletiva ou pessoal, a ênfase atribuída à sua incompletude, a
pavana para a razão ocidental defunta, anunciam simultaneamente um trabalho mais
rigoroso, mais lúcido, dessa mesma razão ocidental”. (389)

- Dosse ressalta que a relação do estruturalismo com essa atmosfera de desencanto não
pode ser entendida de maneira mecânica, há que se pensar essa corrente de pensamento
em termos de autonomia em relação ao contexto pessimista da época que se soma como
o esgotamento de alguns paradigmas como o evolucionista, o fenomenológico e o
funcionalista.

- Há toda uma série de eventos que são assimilados que provocam a crise da consciência
europeia desde o Holocausto até a desilusão quanto as possibilidades de libertação do
julgo da opressão provocada pela URSS e seu totalitarismo. Maio de 68 reacende por
um momento a esperança, mas será apagada com o esmagar dos levantes na Hungria.

“Para toda uma geração, a esperança revolucionária, exposta às investidas das forças da
opressão, é devolvida ao status de mitologia, reduzida a fantasia e confinada, reprimida
como mito do século XIX. Essas grandes passagens que, em última instancia, atraiam os
intelectuais com suas promessas sofrem uma erosão irreversível numa sociedade
ocidental que já se pensa como decorrente de uma história quente mas parece recorrer às
sociedades primitivas a fim de privilegiar uma relação fria com uma temporalidade
pregada ao solo, na imobilidade”. (391)

- O estruturalismo através da antropologia participa dessa atmosfera de contestação do


progresso, de sua pluralização através do reconhecimento das formas irredutíveis de
uma sociedade em ralação a outra, negando assim os valores que as hierarquizavam,
nivelando os povos e estabelecendo sua incomensurabilidade – algo que os movimentos
por descolonização irão precipitar. “[...] o estruturalismo seria a expressão de um
momento histórico muito particular, de uma conjuntura marcada pelo imobilismo
político e a consolidação dos sistemas”. (394)

- Há transformações desse período que implicam também as elites intelectuais


dirigentes (397), como já mencionado mais acima.

38. A crise de crescimento das ciências sociais.

- “[...] são mais as divergências, as contradições que importam, também para os


estruturalistas, se existem pontos em comum, decorrentes do fato de pensar na mesma
época, as oposições seriam mais pertinentes e por trás do engodo de sua
homogeneidade, os conflitos e polêmicas que agitaram todos esses investigadores foram
particularmente veementes”. (420)

- “Pode-se entender nesse nível o êxito do estruturalismo como uma resposta dos
filósofos ao desafio lançado pelas ciências sociais, oriundas essencialmente da mesma
matriz filosófica. Os filósofos, abalados pela concorrência de disciplinas de vocação
mais cientifica, mais pragmática, realizando uma articulação ente os conceitos e o
campo, reagiram apropriando-se do programa deles a fim de corrigir e reformar sua
própria posição no campo intelectual”. (421)

- Para Dosse o estruturalismo foi o fenômeno francês que obteve repercussão


internacional. O autor levanta alguma hipóteses para o surgimento desse fenômeno na
França: o peso das humanidades de uma forma que acabava por bloquear o
desenvolvimento das ciências sociais; a tradição do intelectual engajado na França que
remonta ao século XVIII, ao que não deixa de chamar atenção na medida em que o
estruturalismo se articulava coma recusa do voluntarismo político, o que no entanto não
impedia figuras que participavam do movimento busca atingir públicos mais variados
através da participação nos circuitos midiáticos – algo que não se observava nos EUA
ou na Alemanha da época.

“Os lances no jogo de poder subjacente no debate teórico do estruturalismo são


representados pela nova ambição das jovens ciências sociais em face da situação de
monopólio das humanidades tradicionais. Ai encontramos de novo a especificidade
francesa de uma Universidade particularmente centralizado, rotineira, velha herança
napoleônica, inalterada ao longo das décadas de 50 e 60. O peso das humanidades é
ainda revelado pela posição central que ocupou, na elaboração do paradigma estrutural,
uma instituição como a Escola Normal Superior da rua de Ulm, lugar de criação e
elaboração de importantes revistas do período [...]”. (430)

Destaca-se como característica do fenômeno a relação dos intelectuais franceses com a


história de seu país: “Eles adquirem subitamente consciência, numa França
descolonizada e pacificada, de que já não habitam mais no que se apresentava desde
1789 como guia da humanidade”. O intelectual francês já não possuía a sensação de
fazer história humana e por isso expulsa a história de seu horizonte. (430)

Outras considerações estão diretamente ligadas ao tipo e a forma dos pensamentos tais
como a tradição anti-moderna espiritualista na França e o desenvolvimento da
epistemologia nesse país. “O fascínio pelo estruturalismo proviria do atraso acumulado
na França em relação aos seus vizinhos europeus. A França permaneceu à margem dos
debates do começo do século em torno da problemática da linguagem. [...]” Levi-
Strauss, Barthes e Lacan seriam a explosão retardada dessas discussões já efetuadas pela
Escola de Viena e que foi assimilada com pouco cuidado pelos filósofos franceses que
possuíam então uma influência da linguística saussuriana já superada.

O estruturalismo é, portanto, um produto francês que “se saboreia pela necessidade de


exotismo”. (431)

Anotações François Dosse “História do Estruturalismo vol. II”.

4. Beneviste: a exceção francesa.

- “[...] o sujeito está de volta por razões que não decorrem verdadeiramente de uma
temporalidade própria da disciplina linguística mas dos efeitos sobre esta do movimento
de maio de 1969, das novas interrogações que surgiram de súbito nas ciências humanas
e que permitiram especialmente ao sujeito reaparecer pela janela após ter sido expulso
pela porta”. (65)

6. O segundo alento dos Durkheimianos: Pierre Bordieu.

- O exemplo de Bourdieu torna-se ilustrativo da situação intelectual desse período, ou


pelo menos, esboça algumas posições e dilemas existentes nessa conjuntura.
“Por essa posição, Bordieu assume o paradoxo da maior parte dos estruturalistas,
intelectuais de esquerda que estão abertos para a mudança, que desenvolvem no plano
teórico as armas da crítica numa perspectiva progressista e que são, ao mesmo tempo,
seduzidos por um paradigma que encerra todas as veleidades de mudança e anuncia
assim o fim da história, mas que oferece, em contrapartida, garantias de cientificidade,
uma possível apreensão do social coisificado com a ambição de captá-lo como
totalidade [...]”. (91)

7. 1967-68: a efervescência editorial.

- Momento em que o estruturalismo ganha bastante tração mediática e se torna símbolo


do que é moderno, agrupando aos olhos do público os autores do momento ao seu
entorno.

“O estruturalismo triunfa, portanto, num momento em que as fundações do edifício


mostram as primeiras fissuras, em que as vontades de extravasamento, de superação ou
de radicalização do fenômeno já estão bem definidas. Essa defasagem traduz
simplesmente temporalidades diferentes entre a investigação, os colóquios, os dossiês
de revistas especializadas, por uma parte, e a repercussão na imprensa, por outa. [...]
Uns e outros não se cansarão, doravante, de rechaçar toda e qualquer forma de
rotulagem estruturalista, para evitar verem-se vítimas do refluxo da onda, duplamente
previsível: em virtude do caráter efêmero desse gênero de entusiasmo coletivo, e porque
críticas cada vez mais radicais e numerosas surgem no próprio campo estruturalista”.
(97)

- Dosse aponta que Foucault se inseria e se definia dentro do estruturalismo.

“Numa entrevista concedida a uma jornal tunisiano em 1967, Foucault divide o


estruturalismo em duas formas: um método fecundo que se aplica a diversos domínios
particulares do saber e um estruturalismo que ‘seria uma atividade pela qual teóricos
não especialistas se esforçam por definir as relações atuais que podem existir entre tal
ou tal elemento da nossa cultura, tal ou tal ciências, tal domínio prático e tal domínio
teórico etc. por outras palavras, trata-se de uma espécie de estruturalismo generalizado e
não mais limitado a um domínio científico preciso’. Esta segunda forma de
estruturalismo é, sem dúvida, aquela em que Foucault se reconhece plenamente: com
efeito, permite ao filósofo preservar sua especificidade em relação ao conjunto do
campo em desenvolvimento das ciências sociais, já que é o único estruturalismo capaz
de confirmar ou de invalidar suas conclusões ‘científicas’, graças à sua posição de recuo
em face dos diversos terrenos de investigação particulares”. (106)

10. Nanterre-a-louca.

- Aqui Dosse questiona-se sobre a confluência entre o movimento estruturalista e maio


de 1968. Não seria paradoxal haver um “[...] vínculo entre um pensamento que faz
prevalecer a reprodução das estruturas, o jogo das lógicas formais em sua sincronia, e
um acontecimento que recorre à solução de continuidade como contestação radical,
ruptura total no seio de uma sociedade de consumo em pleno crescimento?” (131)

11. A desforra de Jean-Paul Sartre.

- Maio de 1968 provoca o refluxo de algumas temáticas deixadas de lado até então tal
como a história, que ajudaria a dinamizar as estruturas, e o sujeito, visto agora pelas
lentes psicanalíticas. (142) 68 também provocou algumas reorientações por parte dos
estruturalistas a exemplo de Michel Foucault.

“Nessa primavera de 1968 nasce, portanto, um novo Michel Foucault, que vai encarnar
as esperanças e combates de uma geração estudantil, a de maio de 68. Esses
acontecimentos incitam Foucault a reintroduzir a prática num horizonte até então
puramente discursivo. Estará doravante presente em todos os combates, em todas as
resistências contra as diversas formas de exercício disciplinar. Lançará assim em 8 de
fevereiro de 1971 uma nova organização, o Grupo de Informações sobre as Prisões
(GIP), cujo manifesto é assinado também por Jean-Marie Domenach e Pierre Vidal-
Naquet. Vai se envolver totalmente (até transformar o seu próprio apartamento em local
para sediar essa organização) nesse combate contra as condições de detenção nas
prisões francesas, recebendo as famílias dos presos para tornar pública, visível, essa
face oculta do sistema democrático. Não ocupando Foucault nenhum lugar de poder na
França em maio de 68, terá escapado à contestação antimandarianto, favorecendo a feliz
osmose que irá viver com o movimento a partir do outono de 1968, com o seu regresso
a Paris. Mas ele é a exceção no âmago de um período que parece manifestar, vis-à-vis
do conjunto dos estruturalistas, uma só e mesma reação de rejeição”. (147)

12. Lacan: “foram as estruturas que saíram às ruas”.

- “O efeito de maio de 68 sobre o estruturalismo é, portanto, contraditório: antigo e


novo se misturam, racionalismo cientista e anti-racionalismo estão ligados, inclusive no
pensamento dos próprios autores. Em todo caso, o evento-68 não terá sido sem efeitos
no plano teórico; se não foi deflagrador nem de uma extinção do estruturalismo nem do
seu triunfo, maio de 68 terá deslocado, de fato, as linhas, acelerado as evoluções em
curso desde 1966-67”.

“Tudo o que importunava anteriormente o estruturalismo antes de 1968 para lhe


assegurar o desenvolvimento, seja o gerativismo, as teorias da enunciação, a
intertextualidade, a crítica do logocentrismo: é o triunfo de tudo isso que maio de 68
assegura, ao acelerar o processo de extravasamento a que Manfred Frank chamou o
‘neo-estruturalismo’”. (159)

22. Foucault e a desconstrução da história. 1. L’Archeologie du savoir.

- Arqueologia do saber redigida por Foucault em sua estádia na Tunísia tem como
propósito responder às críticas recebidas sobre sua publicação anterior, As palavras e as
coisas, vindas do círculo de epistemologia da rua d’Ulm e pela nova geração
althusseriana. Essa obra concede uma nova orientação ao trabalho de Foucault que tenta
se distanciar de sua filiação estruturalista para aliar-se agora aos historiadores dos
Annales, aproximação que o coloca ao lado dessa classe sem situá-lo no mesmo campo,
prova disso serão os diálogos quebrados e a ênfase de Foucault em sua abordagem dos
documentos enquanto filósofo.
- Ao inserir a ideia de prática discursiva em suas reflexões Foucault consegue
distanciar-se do paradigma estruturalista e ao mesmo tempo participar da sensibilidade
do final dos anos 60. Ao refletir sobre a práxis Foucault responde diretamente a segunda
geração de althusserianos.

“[...] É essa inovação capital de Foucault que lhe permite desviar o paradigma estrutural
da esfera exclusiva do discurso, aproximando-o assim do marxismo. Essa noção de
prática ‘estabelece uma linha divisória decisiva entre L’Archeologie du savoir e Le mots
e les choses’. A ruptura essencial co o estruturalismo situa-se, com efeito, nessa nova
afirmação segundo a qual ‘as relações discursivas não são internas ao discurso’. Essa
posição não significa que Foucault tenha abandonado o campo discursivo.” (268)

- Segunda Dosse a influência dos Annales e dos epistemologos como Bachelard e


Canguilem constituem apenas uma tensão aparente, pois “Foucault percebe uma
evolução convergente entre, de uma parte, a história do pensamento, a nova crítica
literária, a história das ciências que multiplicam as rupturas, a localização das
descontinuidades, e, de outra parte, a disciplina histórica que faz refluir o episódio sob o
peso das estruturas: ‘Com efeito, são os mesmos problemas que se formulam aqui e lá,
mas que provocaram na superfície efeitos inversos. Esses problemas podem resumir-se
numa palavra: o questionamento do documento’.” (269)

O ponto em comum aqui seria a seriação, a divisão em série de seus materiais de estudo.

- “Essa historicização do estruturalismo constitui, de fato, um segundo tempo da história


estruturalista depois de 1967: ‘A arqueologia foucaultiana distingue-se com muita
clareza do estruturalismo taxinômico, como o de Lévi-Strauss’. Foucault substitui a
reflexão sobre a estrutura e o signo pelo estudo da série e do evento. Mas esse
deslocamento para a história, percebido como uma adesão com armas e bagagens pelos
novos historiadores dos Annales, que verão em Foucault aquele que está em condições
de conceitualizar sua prática, constitui efetivamente uma adesão enganosa. Pois o olhar
de Foucault é o do filósofo que, numa filiação nietzscheo-heideggeriana, decide
desconstruir o território do historiador. É a esfera discursiva que interessa a Foucault e
não o referente, que continua sendo o objeto privilegiado do historiador”. (270)

O que interessa a Foucault é introduzir a descontinuidade temporal na história, fazer


flutuar os documentos sobre seus contextos, mostrar uma rede de relações complexas
em detrimento de causalidades simples. O viés nietzscheano fica aparente nesse autor a
partir do momento em que assume a impossibilidade do fundamento, assume-se como
um arqueólogo relativista que toma o campo da história como espaço de trabalho com o
intuito não de desacreditá-la, mas de expor os construtos que a compõe, trazer a luz o
entorno que compõe o campo de visibilidade, desvendando assim os jogos de ótica que
a tornam inteligível ou crível.

- L’Archeologie du savoir tem por alvo a hermenêutica e a fenomenologia, como é bem


explicitado por Foucault, mas há uma outra linha intermitente de crítica da qual Dosse
nos fala, um outro alvo de sobre a qual a crítica recai: a filosofia analítica tão cara ao
mundo anglo-saxão. Dosse sustenta essa hipótese de L’Archeologie ser uma crítica
velada a filosofia da linguagem. L’Archeologie e Les Mots mantém-se de certa forma
numa mesma linha de continuidade, ambas possuem sua filiação estruturalista em que o
que está em jogo é o sujeito e a intencionalidade, embora L’Archeologie tenha
introduzido a reflexão a historicização.

23. Foucault e a desconstrução da história. 2. Surveiller et punir.

- Anos 1970 será sua virada genealógica onde o corpo passa a participar da dialética
discurso/poder. O corpo daqueles silenciados na história, seu projeto consiste em dar-
lhes voz ao mesmo tempo que explicita os mecanismos que a recalcaram, essas
pertencentes a ao discurso libertador do iluminismo. Há uma crítica aberta a
modernidade ocidental em suas obras.

- “Somente após essa fase de atividade militante, mas alimentada por esta, é que é
publicado, em 1975, Surveiller et punir. Essa obra situa-se na encruzilhada de vários
caminhos. Ela ilustra bem a vontade, expressa em L’archeologie du savoir, de superação
do campo da discursividade para estabelecer o vínculo entre práticas discursivas e
práticas não-discursivas. Mas, ao mesmo tempo, é a expressão do programa genealógico
de pesquisa dos pontos de aplicação do poder sobre o corpo e de localização do modo
de problematização da prisão num momento muito preciso da história ocidental.
Foucault adota como objeto particular de estudo a prisão como modalidade, entre
outras, de exercício do poder”. (284)
- O trabalho de Foucault converge com de alguns historiadores tais como o de Michelle
Perrot, autora com grande apreço a obra foucaultiana.

“[...] Nesses primeiros tempos da história das mulheres do começo dos anos 70, trata-se
sobretudo de exumar uma realidade ocultada, de fazer a história dos esquecidos, de
tornar visível o recalcado da história. Compreende-se que o encontro entre Foucault,
que trabalhava para devolver a voz aos prisioneiros, e Michelle Perrot, às mulheres, não
podia deixar de ser fecundo”. (289)

- “Seu objetivo não é proceder a uma análise global da sociedade: ‘o meu projeto era,
desde o início, diferente do dos historiadores. /.../ O meu tema geral não é a sociedade, é
o discurso Verdadeiro/Falso’. Repete que trabalha no sentido estrito da narração dos
eventos, mas que seu objeto não é o campo da história social. Seu quadro de análise se
situa num outro nível, o das práticas discursivas.” (289-90)

- Sobre Vigiar e punir: “Não se trata de um estudo sobre a sociedade francesa nos
séculos XVIII e XIX, nem de uma história da razão punitiva. O diálogo só pode ser um
diálogo de surdos, já que Foucault não faz outra coisa senão atravessar alguns canteiros
de história como filósofo, cujo objetivo primordial é mostrar que a instância global do
real, cara aos historiadores, é um engodo que cumpre desmistificar”.

“Foucault punha a história na berlinda, interrogando-se, como toda sua geração


estruturalista, para entender como, no próprio berço da civilização ocidental, ela tinha
podido dar origem ao monstro nazista e ao totalitarismo stalinista. No âmago de sua
relação com a história existe, sem dúvida, esse traumatismo que o leva a não se
contentar com aparências enganadoras, a revelar o avesso e a apreender, por trás das
proclamações do iluminismo, o estabelecimento de dispositivos de submissão: por trás
da liberdade, a grande reclusão; por trás da fraternidade, exclusão. É uma visão sombria
da história a que nos oferece Foucault, uma crítica radical da modernidade”. (290)

25. As ilusões perdidas I. O efeito Gulag.

- o estruturalismo enfrenta questões quanto a seu programa e vários choques externos,


dentre eles está o choque de natureza política causado pelo confronto do programa
estrutural com a conjuntura dos anos 1970, em específico as histórias vindas do leste
europeu que diziam respeito ao governo soviético. Agora vivencia-se uma conjuntura
política em que se opõe democracias ao totalitarismo. As digressões epistemológicas
que colocavam em questão a apreensão da realidade feitas pelos intelectuais se
defrontava com o efeito Gulag, a situação de dissidência vinda do Leste.

“Ora, o que o efeito Gulag revela, é que basta ouvir, ler, ver para compreender, ao invés
de uma certa especulação conceitual com pretensões científicas que tinha
desempenhado o papel de cortina de fumaça e impedido de discernir o que estava
verdadeiramente em jogo na tragédia em curso, bem como a cumplicidade objetiva
daqueles que apoiavam os carrascos”.

“Progressivamente, os intelectuais vão reconciliar-se com um certo número de valores


ocidentais considerados até então mistificadores, puramente ideológicos. Ironizar os
valores democráticos se torna mais difícil e a desconstrução de todos os aparelhos dessa
democracia deve ser reavaliada em relação à sua positividade. O intelectual orgânico já
estava morto há muito tempo, é agora o intelectual hipercrítico que conhece uma crise
de abatimento. Não surpreende que se tenha podido falar em seguida do ‘silêncio dos
intelectuais’, acentuado ainda depois de 1981”. (305)

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