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- “Michel Foucault faz ressurgir o esquecido, o recalcado da razão e abre assim para
uma nova sensibilidade histórica que já não é mais a da valorização dos heróis (que
estão cansados), nem a da glorificação dos réprobos (a dialética ficou tolhida em seus
nós em 1956), mas a dos esquecidos da história, investigados em todos os seus traços
atrás dos muros onde a razão os encerrou. Assim Michel Foucault ‘abria novas terras ao
permitir que também a prisão, o manicômio /.../ se integrassem num campo de reflexão
como outras tantas situações penosas, outras tantas vicissitudes de natureza teórica e
política’”. (pág. 169)
- “A reflexão sobre a guerra é nele essencial; ela alicerça um paradigma central em sua
obra em torno das noções de estratégia, de tática dos poderes, de rupturas, de relações
de força... Em sua abordagem da governabilidade, capacidade de cada um para avaliar a
conduta do outro, em todos os níveis da atividade social e privada, Michel Foucault
coloca a problemática da guerra como um momento essencial, pois é nesse nível que se
joga o enfrentamento com a morte.” (172)
- Início dos anos 1950 Foucault tem contato com algumas influências perenes em suas
reflexões tais como Nietzsche, Heidegger e Marx, esse último através de Althusser.
Além desses nomes pode-se destacar a influência de Maurice Blanchot em sua escrita
no uso do oxímoro por esse autor, Bataille, Raymond Russel, Rene Char e Samuel
Becket irão produzir um fascínio em Foucault pelas experiências limites tais como a
morte – experiencia que acompanhou através da instiga intelectual, mas também através
da angústia, se poderíamos dizê-lo, de sua tentativa de suicídio. (175-6)
- É em Upsalla, cidade da Suécia, em que Foucault se dirige em 1955 que toma contato
com Georges Dumézil cujas reflexões lhe fornecem a base para seu pensamento
genealógico. Dumézil é creditado por Foucault em seu livro História da loucura e
citado novamente no jornal Le Monde em entrevista quando estabelece um paralelo
entre a ideia de estrutura de Dumézil e o seu trabalho onde tenta encontrar normas
estruturadas da experiência e suas variações. (177) [procurar entrevista, datada de 1961,
22 de julho!]
- Ainda sobre a História da loucura: “[...] atém-se aos limites do social sem se
comprometer numa história social que procurasse restabelecer uma coerência global da
sociedade ocidental. Nesse plano, ele já se situa no terreno privilegiado de um
estruturalismo que atribui à esfera do discursivo uma autonomia máxima em relação às
contingências sociais”. (180)
- Sobre essa publicação Roland Barthes enxerga nela uma primeira transposição do
estruturalismo para o campo da historiografia, situando Foucault ao lado de Levi-
Strauss e Lacan sem, no entanto, definir uma base mínima que os interligue em seu
pensamento (uma observação que nos aponta para uma questão fundamental sobre a
filiação nesse movimento – quem ou em que condições pode-se ser considerado
estruturalista?). (182)
- Num primeiro momento a publicação de Foucault não interessara os psiquiatras, será
apenas no final dos anos 1960, principalmente por conta de Maio de 68 que a obra desse
filosofo vira a corresponder a uma sensibilidade coletiva e a um interesse generalizado -
incluso psiquiatras – havidos por transformações, a exemplo dos antipisiquiatras algo-
saxões como Roland Laing e David Cooper. (183)
São anos de grandes transformações econômicas desde o final do séc. XVIII, bem como
um momento em que os ideais do iluminismo e de 1789 vão sendo postos a crítica entre
os franceses, muito por conta da experiência na URSS. Será nesse ambiente crítico aos
valores da democracia ocidental que o estruturalismo se enraíza. “Uma crítica da
modernidade, do caráter formal da democracia, desenvolve-se a partir daí, não mais em
nome de um marxismo em refluxo, mas a partir de Heidegger, de Nietzsche, ou traduz-
se pelo refúgio na clausura do texto e em sua arquitetônica interna”. (187-8)
Do ponto de vista político mais imediato, esse momento é marcado pelo governo De
Gaulle que conseguiu estabilizar a vida política francesa ao mesmo tempo que se
cercava de ministérios técnicos, no que concerne a intelectualidade francesa esse
impacto pode ser observado pela deposição da Escola Normal Superior em detrimento
da Escola Nacional de Administração enquanto polo de formação da elite dirigente do
país. Esse deslocamento também significou a predominância do pensamento tecnocrata
sobre as humanidades, sendo o estruturalismo um suporte desse pensamento, segundo
George Balandier. (188)
- “Portanto, 1956 varre uma boa parte das sequelas da guerra para numerosos
intelectuais do ocidente, muito antes que 1989 venha completar a limpeza no Leste.
Apresenta-se então a questão de saber como é que se pode ser marxista com tudo aquilo
que se sabe?”. (189)
- O estruturalismo nos anos 1950 aparecia como uma alternativa ao marxismo que
agonizava incerto ao seu futuro.
- “O seu projeto de arqueologia das ciências humanas (originalmente a obra deveria ter
por subtítulo: ‘Arqueologia do estruturalismo’) é definido por Foucault nesse programa
como a expressão da vontade de fazer aparecer a nossa cultura numa posição de
estranheza semelhante à maneira como percebemos os nambiquaras descritos por Levi-
Strauss. Portanto, não se trata, em absoluto, de traçar as linhas de continuidade do
desdobramento de um pensamento numa lógica contínua e evolutiva mas, pelo
contrário, de sinalizar as descontinuidades que fazem com que a nossa cultura passada
nos pareça fundamentalmente outra, estranha a nós próprios, numa distância restaurada:
‘Foi essa situação etnológica que eu quis reconstituir’; e Foucault investe contra toda e
qualquer iniciativa de identificação com a figura puramente efêmera do homem, ao
mesmo tempo recente e destinado a desaparecer proximamente. Deus está morto, e o
homem segue-o para um desaparecimento irresistível, para a qual trabalham, em
especial, as ciências que se valem de sua existência: ‘Paradoxalmente, o
desenvolvimento das ciências humanas convida-nos mais ao desaparecimento do que a
de uma apoteose do homem’”. (367-8) [citações do próprio Foucault em Lectures pour
tous 1966, publicada em 1988. Pesquisar”].
- “[...] ainda que se trate de um estruturalismo muito particular, uma vez que o
estruturalismo de Foucault não está fundamentado na existência de estruturas. É ‘um
estruturalismo sem estruturas’ [Piaget], o que faz François Ewald dizer que Foucault
jamais foi estruturalista, e que seu projeto era mesmo o de combater a ideia de estrutura
e, por conseguinte, o estruturalismo. [...] Essa tensão interna, ainda não sentida pelo
Foucault de 1966, provem da sua posição ambígua de filósofo que se instala no núcleo
das ciências sociais para subvertê-la desde o interior. Mas essa posição, longe de ser a
de uma contestação do fenômeno estruturalista, alimenta-se dele [...]”. (369)
- “Esse descentramento do homem, quando não a sua dissolução, induz uma outra
relação com a temporalidade, com a historicidade, sua pluralização e imobilização,
assim como um deslocamento do olhar para as condições exteriores que determinam as
práticas humanas [...] O homem está submetido, portanto, a temporalidades múltiplas
que lhe escapam, não podendo nesse quadro ser sujeito, mas somente objeto de puros
eventos exteriores a ele [...] O homem articula-se sobre o já começado da vida, do
trabalho e da linguagem, e encontra fechadas, portanto, as vias de acesso ao que seria
sua origem, seu advento”. (372)
- A modernidade é aquela que toma consciência dessa ilusão que é homem e da
preponderância da própria consciência, do cogito cartesiano. A história que Foucault
escreve recusa os esquemas evolutivos e de progresso para falar dos saberes, adota ao
invés disso um foco sobre as múltiplas transformações que ocorrem na sociedade e suas
descontinuidades. O descontinuo aparece para Foucault em dois momentos na cultura
ocidental: no século XVII e no século XIX, momentos esse que também marcam o
surgimento e a ruptura entre duas epistemes. Em Les mots et les choses Foucault assume
um método verdadeiramente estruturalista, o mais estruturalista de seu percurso, que o
permite saltar entre os discursos, entre as epistemes para ressaltar dentro do campo da
história essa dimensão sincrônica de seus objetos de pesquisa. (375-4)
- Dosse afirma que Foucault desemboca num relativismo histórico na medida em que
produz um pensamento em que o valor de verdade das diferentes etapas do saber não é
mais determinável, pois são apenas discursos historicamente localizáveis. As
configurações do saber em uma determinada época não transitórias, as estruturas de
validação do conhecimento não conteriam nenhuma verdade para além de si mesmas.
Apesar de situar-se no campo da história nosso autor produz um conhecimento que é
anti-histórico a ser um conhecimento pautado na pura sincronia e ao não levar em
consideração qualquer referente histórico. (377)
- Dosse ressalta que a relação do estruturalismo com essa atmosfera de desencanto não
pode ser entendida de maneira mecânica, há que se pensar essa corrente de pensamento
em termos de autonomia em relação ao contexto pessimista da época que se soma como
o esgotamento de alguns paradigmas como o evolucionista, o fenomenológico e o
funcionalista.
- Há toda uma série de eventos que são assimilados que provocam a crise da consciência
europeia desde o Holocausto até a desilusão quanto as possibilidades de libertação do
julgo da opressão provocada pela URSS e seu totalitarismo. Maio de 68 reacende por
um momento a esperança, mas será apagada com o esmagar dos levantes na Hungria.
“Para toda uma geração, a esperança revolucionária, exposta às investidas das forças da
opressão, é devolvida ao status de mitologia, reduzida a fantasia e confinada, reprimida
como mito do século XIX. Essas grandes passagens que, em última instancia, atraiam os
intelectuais com suas promessas sofrem uma erosão irreversível numa sociedade
ocidental que já se pensa como decorrente de uma história quente mas parece recorrer às
sociedades primitivas a fim de privilegiar uma relação fria com uma temporalidade
pregada ao solo, na imobilidade”. (391)
- “Pode-se entender nesse nível o êxito do estruturalismo como uma resposta dos
filósofos ao desafio lançado pelas ciências sociais, oriundas essencialmente da mesma
matriz filosófica. Os filósofos, abalados pela concorrência de disciplinas de vocação
mais cientifica, mais pragmática, realizando uma articulação ente os conceitos e o
campo, reagiram apropriando-se do programa deles a fim de corrigir e reformar sua
própria posição no campo intelectual”. (421)
Outras considerações estão diretamente ligadas ao tipo e a forma dos pensamentos tais
como a tradição anti-moderna espiritualista na França e o desenvolvimento da
epistemologia nesse país. “O fascínio pelo estruturalismo proviria do atraso acumulado
na França em relação aos seus vizinhos europeus. A França permaneceu à margem dos
debates do começo do século em torno da problemática da linguagem. [...]” Levi-
Strauss, Barthes e Lacan seriam a explosão retardada dessas discussões já efetuadas pela
Escola de Viena e que foi assimilada com pouco cuidado pelos filósofos franceses que
possuíam então uma influência da linguística saussuriana já superada.
- “[...] o sujeito está de volta por razões que não decorrem verdadeiramente de uma
temporalidade própria da disciplina linguística mas dos efeitos sobre esta do movimento
de maio de 1969, das novas interrogações que surgiram de súbito nas ciências humanas
e que permitiram especialmente ao sujeito reaparecer pela janela após ter sido expulso
pela porta”. (65)
10. Nanterre-a-louca.
- Maio de 1968 provoca o refluxo de algumas temáticas deixadas de lado até então tal
como a história, que ajudaria a dinamizar as estruturas, e o sujeito, visto agora pelas
lentes psicanalíticas. (142) 68 também provocou algumas reorientações por parte dos
estruturalistas a exemplo de Michel Foucault.
“Nessa primavera de 1968 nasce, portanto, um novo Michel Foucault, que vai encarnar
as esperanças e combates de uma geração estudantil, a de maio de 68. Esses
acontecimentos incitam Foucault a reintroduzir a prática num horizonte até então
puramente discursivo. Estará doravante presente em todos os combates, em todas as
resistências contra as diversas formas de exercício disciplinar. Lançará assim em 8 de
fevereiro de 1971 uma nova organização, o Grupo de Informações sobre as Prisões
(GIP), cujo manifesto é assinado também por Jean-Marie Domenach e Pierre Vidal-
Naquet. Vai se envolver totalmente (até transformar o seu próprio apartamento em local
para sediar essa organização) nesse combate contra as condições de detenção nas
prisões francesas, recebendo as famílias dos presos para tornar pública, visível, essa
face oculta do sistema democrático. Não ocupando Foucault nenhum lugar de poder na
França em maio de 68, terá escapado à contestação antimandarianto, favorecendo a feliz
osmose que irá viver com o movimento a partir do outono de 1968, com o seu regresso
a Paris. Mas ele é a exceção no âmago de um período que parece manifestar, vis-à-vis
do conjunto dos estruturalistas, uma só e mesma reação de rejeição”. (147)
- Arqueologia do saber redigida por Foucault em sua estádia na Tunísia tem como
propósito responder às críticas recebidas sobre sua publicação anterior, As palavras e as
coisas, vindas do círculo de epistemologia da rua d’Ulm e pela nova geração
althusseriana. Essa obra concede uma nova orientação ao trabalho de Foucault que tenta
se distanciar de sua filiação estruturalista para aliar-se agora aos historiadores dos
Annales, aproximação que o coloca ao lado dessa classe sem situá-lo no mesmo campo,
prova disso serão os diálogos quebrados e a ênfase de Foucault em sua abordagem dos
documentos enquanto filósofo.
- Ao inserir a ideia de prática discursiva em suas reflexões Foucault consegue
distanciar-se do paradigma estruturalista e ao mesmo tempo participar da sensibilidade
do final dos anos 60. Ao refletir sobre a práxis Foucault responde diretamente a segunda
geração de althusserianos.
“[...] É essa inovação capital de Foucault que lhe permite desviar o paradigma estrutural
da esfera exclusiva do discurso, aproximando-o assim do marxismo. Essa noção de
prática ‘estabelece uma linha divisória decisiva entre L’Archeologie du savoir e Le mots
e les choses’. A ruptura essencial co o estruturalismo situa-se, com efeito, nessa nova
afirmação segundo a qual ‘as relações discursivas não são internas ao discurso’. Essa
posição não significa que Foucault tenha abandonado o campo discursivo.” (268)
O ponto em comum aqui seria a seriação, a divisão em série de seus materiais de estudo.
- Anos 1970 será sua virada genealógica onde o corpo passa a participar da dialética
discurso/poder. O corpo daqueles silenciados na história, seu projeto consiste em dar-
lhes voz ao mesmo tempo que explicita os mecanismos que a recalcaram, essas
pertencentes a ao discurso libertador do iluminismo. Há uma crítica aberta a
modernidade ocidental em suas obras.
- “Somente após essa fase de atividade militante, mas alimentada por esta, é que é
publicado, em 1975, Surveiller et punir. Essa obra situa-se na encruzilhada de vários
caminhos. Ela ilustra bem a vontade, expressa em L’archeologie du savoir, de superação
do campo da discursividade para estabelecer o vínculo entre práticas discursivas e
práticas não-discursivas. Mas, ao mesmo tempo, é a expressão do programa genealógico
de pesquisa dos pontos de aplicação do poder sobre o corpo e de localização do modo
de problematização da prisão num momento muito preciso da história ocidental.
Foucault adota como objeto particular de estudo a prisão como modalidade, entre
outras, de exercício do poder”. (284)
- O trabalho de Foucault converge com de alguns historiadores tais como o de Michelle
Perrot, autora com grande apreço a obra foucaultiana.
“[...] Nesses primeiros tempos da história das mulheres do começo dos anos 70, trata-se
sobretudo de exumar uma realidade ocultada, de fazer a história dos esquecidos, de
tornar visível o recalcado da história. Compreende-se que o encontro entre Foucault,
que trabalhava para devolver a voz aos prisioneiros, e Michelle Perrot, às mulheres, não
podia deixar de ser fecundo”. (289)
- “Seu objetivo não é proceder a uma análise global da sociedade: ‘o meu projeto era,
desde o início, diferente do dos historiadores. /.../ O meu tema geral não é a sociedade, é
o discurso Verdadeiro/Falso’. Repete que trabalha no sentido estrito da narração dos
eventos, mas que seu objeto não é o campo da história social. Seu quadro de análise se
situa num outro nível, o das práticas discursivas.” (289-90)
- Sobre Vigiar e punir: “Não se trata de um estudo sobre a sociedade francesa nos
séculos XVIII e XIX, nem de uma história da razão punitiva. O diálogo só pode ser um
diálogo de surdos, já que Foucault não faz outra coisa senão atravessar alguns canteiros
de história como filósofo, cujo objetivo primordial é mostrar que a instância global do
real, cara aos historiadores, é um engodo que cumpre desmistificar”.
“Ora, o que o efeito Gulag revela, é que basta ouvir, ler, ver para compreender, ao invés
de uma certa especulação conceitual com pretensões científicas que tinha
desempenhado o papel de cortina de fumaça e impedido de discernir o que estava
verdadeiramente em jogo na tragédia em curso, bem como a cumplicidade objetiva
daqueles que apoiavam os carrascos”.