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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – IFCS


Nome: Karen Guimarães Bonfim
DRE: 120133175
Disciplina: Teorias sobre o fascismo
Professor: Jorge Chaloub
Período: 2023.1

Uma análise e comparação entre os conceitos de Banalidade do Mal ( Arendt) e


Necropolítica ( Mbembe)

Primeiramente é necessário especificar a diferenciação desses conceitos e os


contextualizar de acordo com a sua conjuntura. Enquanto Hannah Arendt discorre sobre
o Holocausto e o fascismo, Mbembe disserta sobre biopoder e biopolítica com enfoque
na necropolítica. Os 2 autores têm em comum um ponto de normalização da violência e
barbárie pelo Estado e pela sociedade nas diferentes conjunturas.

No livro “ Eichmann em Jerusalém”, a autora acompanha o julgamento de Eichmann e


chega a conclusões de que aquele mal da qual ele praticava não se situava em um mal
horrendo, porém uma questão de um mal constante e burocrático, um mal rotineiro, logo
uma prática diária, um mal autorizado pelo Estado, pelas instituições, um mal aceito pela
ideia de cumprimento das leis do Estado das ordens do governo e o que se imaginava
como certo. Eichmann alegava Inocência por apenas se dizer um funcionário do governo,
um servidor que cumpria ordens do que acreditava ser o certo conforme a lei vigente.
Partindo desse ponto, para Arendt essa era uma justificativa perigosa, utilizar do
cumprimento de leis era um meio para o crescimento de regimes totalitários e do fascismo
e também banalização da razão e mínimo de coerência do ser humano.

Dessa forma Arendt situa Eichmann como um homem que buscava a ascensão social e
por conseguinte estaria disposto a fazer o que fosse para obter sucesso e a partir do desejo
de ascensão na esfera de poder público e social , Partindo para a prática do mal mesmo
que uma prática burocrática, logo suas alegações de Inocência não poderiam ser aceitas,
pois Eichmann agia com uma racionalidade individual, para o seu bem individual e não
ao bem coletivo.
E assim autora consegue demonstrar a partir do julgamento de Eichmann, um “mero”
funcionário do estado como o mal, a morte e o horror eram estatizados, burocráticos a
partir das funções de servidores comuns a plenos olhos e como a ascensão do fascismo se
deu por esses meios e a organização e poder desse estado para executar o mal.

Já Mbembe traz a teoria da necropolítica, que seria o poder de matar do estado ou melhor
dizendo o poder do estado de ditar quem deve morrer ou quem pode viver, tendo como
base as noções de biopoder de Foucault e as formas do estado de controle de população.
O autor tenta demonstrar e explicar as variadas formas na contemporaneidade a tentativa
de execução de determinados grupos, como exemplo a população negra e os parâmetros
de raça do estado.

Na atualidade se compreende a ideia de igualdade plenos direitos entre os indivíduos


sejam homens ou mulheres ou crianças e sejam quais forem as raças ou etnias, porém a
realidade social que se coloca sobre essas diversidades se impõe pela violência pela
marginalidade pela morte que é oficializada pelo próprio Estado. Para o autor existem
zonas de morte e nessas zonas os grupos atingidos são grupos biológicos que são
selecionados a partir do racismo, tendo como ideia a visão de inimigo a ser combatido ,
colocando o grupo marginalizado como a razão do problema e o extermínio desse grupo
como a solução do mesmo, criando se assim uma ideia de emergência uma necessidade
fictícia da existência do dito inimigo para sim haver a justificativa para essa função
assassina do Estado.

Para Mbembe , essa ideia de extermínio dos inimigos do estado vem está ligado com o
período colonial e dessa forma ele faz críticas análises de Foucault por conta da visão e
viés eurocêntrico de percepção, pois existem fatores e fenômenos ligados ao imperialismo
colonial que Foucault ignora em certo ponto.

Há também a questão dos discursos, pois a partir dos discursos das autoridades do Estado
é possível que sejam promovidas inimizades entre grupos, tal como entre alemães e
judeus que levou a Alemanha nazista, como também os discursos que promovem o
racismo na sociedade em geral. Todos esses discursos acabam por incentivar o
extermínio de um determinado grupo, o colocam como um inimigo a ser combatido pelo
estado para resolução de problemas “limpeza” da sociedade.

Compreendendo as dissertações tanto de Arendt como de Mbembe, é interessante pensar


em qual contexto as sociedades que ali estão exemplificadas estão inseridas, partindo da
Alemanha nazista de Arendt até a contemporaneidade da sociedade neoliberal. O que une
esses 2 conceitos é a ideia do inimigo a ser combatido e o estado como operador desta
função, porém cabe diferenciar as conjunturas, enquanto em Arendt vemos a inflamação
de um país europeu contra contra judeus, Mbembe adentra numa questão histórica e
colonial mais longa.

Tendo a noção de que na Alemanha nazista ocorreu um fenômeno de ascensão de um


regime fascista e a aceitação daquela população de discursos com viés nacionalistas
tomaram algo dentro daqueles indivíduos, um caso muito próprio e muito especifico do
“inimigo” a ser combatido, no caso alemão os judeus eram a “praga” da nação e a partir
de toda a imagem e discursos criados envolta disso criados pelo próprio Estado, ocorre a
aceitação, a normalização de corpos judeus como os corpos a serem destruídos, fossem
pelos mais variados motivos: ladrões de emprego, o mito de avareza judia, a ideia de
pureza racial e ademais.

Contudo, Mbembe traz uma analise muito mais profunda desse discurso e dessa função
do Estado em relação a populações marginalizadas, como a população negra que sofre
um processo histórico de marginalização, sendo segregada, sendo o inimigo a ser
combatido nos mais variados contextos, fosse no processo de segregação racial
americana, no apartheid na África do Sul ou mesmo no Brasil com todo o processo de
marginalização de pessoas negras pós escravatura e período colonial. Logo, partindo
dessa questão histórica é possível compreender todo o discurso criado ao longo de séculos
para a criminalização desses povos, deixados à margem da sociedade durante o
colonialismo e atualmente no processo neoliberal e dessa forma, no contexto
contemporâneo o individuo negro é o inimigo, é o marginal, o ladrão que age contra o
cidadão de bem, que atrapalha sua rotina e assim o Estado intensifica esse discurso, toma
sua licença para matar, usar sua função assassina tendo como alvo essa população não
abastada.

Também é interessante pensar as diferenças de atitudes da sociedade nas dadas


situações. Enquanto os judeus sofreram uma hostilidade muito direta e violenta em um
espaço “curto” de tempo pela questão da intensidade do fenômeno totalitário, a questão
necropolítica trata da violência obviamente, porém a violência diária, pouco a pouco, na
servidão dessas pessoas, na colocação delas em posições inferiores, na negação secular
de oportunidades de elevação social e direitos.
Assim, compreendendo a violência a qual esses indivíduos foram submetidos nos
contextos já apresentados, se deve analisar a o processo desmoralização desses corpos em
que se tornaram alvos de extermínio para o Estado e os pretextos para tal, entrelaçando
os conceitos da banalidade do mal e da necropolítica pela falta de humanidade em ambos
os processos. Esses conceitos se conectam tanto pela violência na sua forma física como
institucional, seja pelas atrocidades cometidas aos judeus nos campos de concentração, a
negação aos princípios básicos humanitários a aqueles indivíduos, a falta de proteção de
um Estado justo e humano e no lugar disso um regime que tem como política, como lei
de ordem o extermínio e segregação.

Concomitantemente, a segregação e a busca por extermínio de uma determinada parcela


da população não se encontra apenas nesse contexto histórico do holocausto, mas segue
firme como politica pública “disfarçada” no neoliberalismo na contemporaneidade, onde
a polícia caça “marginas”, usuários de drogas e todos os tipos de escórias definidas
socialmente, ignorando todo o processo que leva a essa situação. Dito isso, a escória em
países com herança colonial, assim como o Brasil, tem cor e em base a cor é preta.

Assim, como corpos judeus foram rechaçados no holocausto, desprezados pela


sociedade alemã, os corpos negros são renegados a todo instante de forma massiva na
contemporaneidade dado o processo e construção da marginalização dos mesmos, a
negação de cidadania e o rebaixamento social pelo Estado, onde há toda uma construção
da necessidade de extermínio desse povo, da incompreensão que possam ter valor social
como corpos para a sociedade. Logo, quando esses corpos não têm valor para o Estado,
para a nação, então se tornarão o peso, o alvo, o que precisa ser combatido.

Outra comparação interessante se dá na diferenciação do que eram os judeus e os seus


papéis na sociedade alemã antes do holocausto e a perda desses nomes importantes
durante os acontecimentos, como cita Arendt:

“Na Alemanha de hoje, essa ideia de judeus ‘importantes’ ainda não foi esquecida. Veteranos e outros
grupos privilegiados não são mais mencionados, mas o destino de judeus ‘famosos’ ainda é deplorado à
custa de todos os outros. Não são poucos, principalmente entre a elite cultural, os que ainda lamentam
publicamente o fato de a Alemanha ter despachado Einstein, sem perceber que era um crime muito maior
matar o pequeno Hans Cohn da esquina, mesmo que ele não fosse nenhum gênio. (Arendt, pág.151)”

É possível observar assim a questão de visão valor desses corpos pela sociedade e elite
alemã, um corpo judeu com valor era um corpo intelectualmente útil de alguma forma, já
uma criança sem muitos saberes ou posição prestigiada era um corpo sem valor a nação.
Dessa forma, também é possível comparar com o contexto da marginalização colonial,
compreendo a organização e a desvalorização que a elite colonial e hoje neoliberal
promoveu à populações marginalizadas, buscando os impedir de ascensão seja financeira
ou intelectual, perpetuando ainda mais a ideia de não valor e agregação desses indivíduos
a sociedade, os projetando como atrasados e incapazes em um mundo capitalista e
neoliberal cheio de “oportunidades”, tornando-os assim o inimigo.

Nesse sentido, a banalidade do mal e a necropolítica se relacionam também partindo da


função assassina do Estado e de como esse Estado projeta e cria alvos para serem
exterminados, inventam culpados para as mazelas, para os mais diversos problemas e
assim se coloca em posição de matar, executar e destroçar tais populações ou tais
indivíduos, buscando promover a solução dos problemas taxando os que na realidade
mais precisam do Estado e do seu zelo, como corpos matáveis. Tanto a necropolítica
como a banalidade do mal traçam no Estado e na sociedade a normalização da morte e do
horror, seja na situação do holocausto ou no contexto neoliberal, esses conceitos tratam
da morte como uma questão estatizada e também buracratizada pelo Estado sejam por
leis ou por métodos, funcionários de gabinetes no governo nazista ou simplesmente pela
polícia militar ou qualquer instituição pública que possa promover violência em nome da
lei, da “segurança” e todas as desculpas possíveis que permitam a exterminação de corpos
vulneráveis e marginalizados por determinados e longos processos e a aceitação social
dessas situações seja em um fenômeno como em um regime fascista, seja no dia a dia da
sociedade contemporânea .

Em suma, embora Arendt e Mbembe tenham uma diferença de temporariedade e


também de tipos de processos e acontecimentos que cada autor analisa, se deve afirmar
como essas noções se conectam, mesmo com suas singularidades e frisando também a
importância de cada dissertação para a compreensão dos dados acontecimentos e como
cada um deles se colocam na sociedade para a observação de fenômenos, de organizações
tanto sociais e também politicas na atualidade, sejam em um especifico evento histórico
e devastador como o holocausto ou um processo também histórico e secular da
marginalização de uma parcela da sociedade como ocorre com a população pobre e negra.

Referências:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 13-31, 128-151.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. N1, 2018.

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