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PONTO DE VISTA

DO BECO AO BELO:
dez teses sobre o regionalismo
na literatura

Ligia Chiappini

peila: a de que o region:wsmo, que seto­


In'roclu�.
res da crítica literária brasileira conside­
ravam uma C!legoria ullrapassada, conti­
Sla inlroduc;ào talvez fosse dispensá­
nuaw. presente e, até mesmo, tinha-se
vel, mas como as dez leses apresen­
tomado tema de pesquisas muito atuais,
ladas a seguir foram escrilas e lidas para
ganbando uma amplirude maior na inter­
um público de especialisaas em literatura,
secção dos esrudos literários e artisticos,
por oClSião do n Simpósio Luso-Afro­
históricos e etnológicos. E de que, naru­
Brasileiro, ocorrido na Universidade de
ralmente, o incremento de '3is estudos
Lisboa em abril de 1994, e como agora
se devia, em grande parte, ao reapareci­
elas se dirigem a historiadores e cientisaas
mento dos regionalismos, como decor­
sociais, vale a pena hislorL'U' um pouco
rência só aparentemente paradoxal da
do percurso que me levou a pensá-bs,
chamada g1obalinção.
explicando algullL1S intenções e alusões.
Há muitos anos trabalho com o regio­ José Carlos Garbuglio, professor de
nalis mo literário. No início, com escrito. literarura brasileira na USP, hoje aposen­
res e obras da literarura gaúcha, I depois, tado, escreveu certa vez que o regio na1js..
ampliando meu interesse fara os vários mo tinha "fôlego de gato". Pois O que
regionalismos brASileiros; mais recente­ minha pesquisa conslatou é que isso não
mente, no âmbito da literatura compara­ ocorre só no Brasil O regionalismo é um
da, confronlando essa tendência em di­ fenômeno universal, como tendência 1i­
ferentes litera ruras da Europa e das Amé­ terária, 01'2. mais ora menos atuante, tan­
ricas, do romantismo aos nossos dias.3 to como movimento - ou seja, como
Um le""n lamento bibliográfico feito rnaniCesL1ção de grupos de escritores que
em 1992-93 e o conlato com vários espe­ programaticamente defendem sobreru­
cialistas no assunto em diversas universi­ do uma Iiterarura que lenha por ambien­
dades européi.1S confll1lLua m uma sus- te, lema e tipos uma certa região rur.aJ.

Estudos HlstórJcos, JUo de Janeiro, 'rol. 8, D. 1St 1995, p. 153-159.


154 UTI.OOS HISTÓIKDS. 1995nI

em oposição aos costumes, valores e gos­ scrvadorisrno. As teses comlÍdam a rcL1ti­


to dos citadinos, sobretudo das grandes vizar esse juím, fundadas no seguinte ar­
capiL1ls - quanto na forma de obras que gumento: se é verdade que o regionaIismo
conccc'izem, ma.is ou menos livremente, corno movimento c criação de obras ser­
tal programa, m e s m o q u e inde· viu a políticas nacionalistas estreitas e t0-
pendentemente da adesão explícita de talitárias, como � do "Sangue e Solo" de
seus autores. Hitler ou �da "França Profunda"deVJCby,

O estudioso da fia;ão regionalista e dos não é menos verdade que também tem,
rnanifeslOS e polêmiCls que a cercam tam­ nesses e em outros países, contestado es­
bém se sente contagiar pela persistência sas mestnRS políticas e aproximado solida­
do objelO, declkando seu tempo a um riamente o kitor da ddade do homem
tema fora de moda, pesquisando autores pobre do campo, auxilia.ndo-nos a vencer
fora de moda, representantes de uma es­ preconceitos, respeiL1r a diferença e aL1r­
tética fora de moda. Mas, '." tamente por gar nossa sensibilidade ao descohrir a hu­
isso, porque não se deixou enganar pelo manidade do outro de classe e de cultura.
aparente simplismo dessa tendência, hoje Na mesma linha, as teses levantam ain­
volta �moda meio sem querer, só porque da um problema elementar tnRS crucial
pcrm.1nece intrig;ulo peL1s questões teóri­ para pensar a questão: em vez de explicar
cas, es!ét;cas e éticas que o regionalismo a obra regionalista bem realizada, negan­
não deixou de levantal: ao longo de, pelo do sua relação com o regionalismo para
menos, um século e meio. afirmar imediatamente sua uni�rsalida­
Mas remar contra a maré sempre traz de, seria predso enfrentar, pela análise
um certo mal-es tar. E só recentemente eu trabalhosa de cada caso, a' questão de
percebi que esse mal-estar tinha muito a como se dá a superação dos limites da
ver com uma divisão que o mesmo regio­ tendência, de dentro dela mesma, pela
nalismo provoca no pesquis.'ldor: entre o potencialização de suas possibilidades ar­
des.1grado ante a maior parte das obras ústicas e éLicas, isto é, como se resolve em
dessa tendência, porque estreitas, esque· cada caso, o problema já enunciado clara­
m.íticas, pitorescas, superficiais e conde­ mente por George Sand em seus prefá­
nadas "ao beco que não sai do beco c se cios, e reenunciado, entre nós, com cJare­
contenta com o beco·\ no dizer de Mário :za de mestre, por An tônio Cánrlido há
de Andrade,4 e a atração que exercem quase trinta anos: cri.1r urna linguagem
sobre ele principalmente aquelas que que suprisse com ycrossimilh ança a ass�
conseguem superar as diflCul<L,des pró­ metria radical entre o cscrilOr e o leilOr
pri.15 do projeto regionallsL1 e que, como citadino em relação ao personagem e ao
tal, ganbRm o estatuto de obras-primas terna ruraI e regional, humanizando o lei­
tão ou mais significativas esteticamente tor em vez de alien.í·lo em reL1ção ao
do que qualquer romance ou conlO ur­ homem ruraI representado. Ou, nos ter­
bano com pretens.'io cosmopolita. mos em que a esaitora francesa enunciou
Esse mal-estar, de certo modo, gerou esse problema em meados do século pas­

esL1S teses, onde tento problem.1tizar juí­ sado, furer um narrador ou um persona­

ros críticos estereotipados que generaJi­ gem f':llar romo se à sua direita tivessem

:zam par� a tendência como um IOdo as um parisiense e � sua esquerda um cam­


IimiClÇÕC5 estéticas e ideológicas da maior ponês.5

parte, reconheço, <L15 obras que o regio­ TanlO no ClSO de George Sand quanto
nalismo tem produzido. Pois não tU para no de Antônio Cándido, o que se enf.tino •

postular que tudo na tendência é tenden­ é a relação inextricá vcl entre o ideológico
cioso ou que tudo aí é caiporismo e con- e o estético. Ou seja, ambos evidenciam
POI!TO OEVISTA·OO 1[(0 AO BELO ISS

que o úniro modo de não distanciar pre· ferentes roblemas do homem pobre

conceiruosamente O leilOr do homem do brasileiro.
campo que essa ficção quer retralaC é São essas algumas das questões e m
estabelecer pela arte uma ponte amorosa jogo nas leses, que apareceram assim
que llie pennila S"ir dos seus guelOS como um esforço de sÚllese, lenlando
dtadinos, comunicando-se com e apren· deixar claro o que já licou menos obscuro
dendo sobre outros laIltos becos desle para mim, depois de tanlOS encontros,
mundo. desencoOl.ros e reencontros com escrito·
tes, obras e movimentos rcgio nalistlS.
Na verdade, a hislÓria do regionalismo
Elas são O marco, portanto, de um ponto
mostra que ele sempre surgiu e se desen­
de chegada da pesqu isa, mas também um
volveu em conflilO com a mode rnização,
desalio e um ponlO de partida, pois o que
a indusrrialização e a urbanização. Ele é.
se impõe daqui para a frente é estudar
portanlO, um fenômeno moderno e, pa­
pelo menos alguns casos exemplares, do
radoxalmente, urbano. No Brasil, não foi
presenle e do pa�sado, do Brasil e do
diferente. Já tive ocasião de moslJ"ar6 que
a primeira geração modemisla saudou a exterior, que possam concorrer concre·
laCnente à demonstração dessas teses ain­
modernização endossando o ,gosto e os
da um laIlto hipotéticas enquanto não for
w10res cL'lC(ueles que IUCr.lYoUll com ela,
feito esse novo trabalho que continua a
sem alentar para as dores, desvalorcs e
exigir muito fôlego da crítica.
desgostoS dos que com ela perdiam. Dai
indusiveo entusiasmo um IanlO ingênuo
da primeira hora que fez Guilherme de
Almeida bzer do regionalismo o princi­
pal alvo a atacar e m suas conferênc11S
Teses
pelo Brasil, como defcnsor da "cruzada
novol", por volla de 1925. Dai o ataque
violento do próprio Mário dcAndrade ao 1_ A obra literária regionalisL� lem sido
regionalismo corno "praga nacional", juí· definida como "qualqucr livro que, inten­
20 que ele iria relativizar 'na maturidade. cio n.'lImente ou não, trad llza peo11jarida·
des IOCIis",8 definição que alguns tentam
Uma das conclusões quc se pode tirar explicitar enumerando tais peculiaridades
dessa hislÓria do regionalismo brasileiro ("costumes, crendices, superstições, mo­
é que a transição dUicil nos reajustes dismo" e vinculando-as a urna área do

sucessivos da nossa economia aos avan· país: IoIregiona1ismo gaúcho", IoIregio naJis­
ços do capitalismo mundial se trama de mo nordestino", "regionalismo paulista"...
modo específico e a literatura tcnde a Tomado assim, amplarnenle, pode-sefular
reconlaC o processo ora como decadên­ IanlO de um regionalismo rural quanlO de
da ora como ascensão, ora com pess imis­ um regionalismo urbano. No limite, toda
mo, ora com otimismo, dependcndo de obra literária seria regionalista, enquanlO,
que lado está: da modernmção Ou da com maiores ou menores mediações, de
ruina. Quando consegue superar o oti­ modo mais ou IUcnos explicito Ou mais ou
mismo autocentr;ldo das elites ganhado­ menos ma.scarado , expressa seu momen·
ras ou o simples re«eÍltimento das (ra­ 10 e lugar. HislOricam ente, porém, à len­
ções perdedoras, expressando o modo dên<;ia a que se deno minou rogionalisla
como o pobre "paga o paIO" em um e . em·literatura vincula-se a obras que ex­
outro caso, ela supe.ra laCnbém os limites pressarn regiões ru� e neL1S Situamsuas
estreilOS da ideologia, para virar forma de ações e personagens, procurando expres
conhecimenlO e vivência solitária dos di- sar suas particularidades lingüísticas.
156 ESTUDOS HISTÓRICOS· 199ini

2. Há quem vincule o regionalismo rário hoje, em muilOS palses, inclusive


Ulerário � tradição grcco-Iatina do idíLio e aqui, reaparece disrutindo queslões de
da paslorJJ. Mas é em mead os do século identidade problemática e de ecologia.)
XlX, com George Sand na França, Waher
Scon na Inglalcrra e BcrÚlOld Auelbach na 4. Com a modernização das téroicas
A1emmh a, que essa tradição é relOmada agrícoL1s, o êxodo rural, o desenmlvimen-
na forma dc romance regionalista que, daí 10 das cidades e de uma UlCralUra urbana,
para a freOlc, começa a ";.cr da tensão o regionalismo tem sido visto coroo ullr.l·
enu-e o idiUo rom:1ntico e a representação passado . retrógrado, IocaHsmo estreito e
redisca, tentando progressivamente dar reacionário tanlO do ponlO de vista estéti­
espaço ao homcm pobre do campo, cuja co quattm do ideolôgico. Essa crítica es­
voz busca concrel;zar paradoxalmente quece, no entlnto, que ele é um fenôme­
pela ICIra, num esforço de 1Om.-\.1a audivel no eminentemente moderno e universa�
ao leimr da ci<�lde, de onde surge e para COnlrapOnlO necessário da urbanização e
a quaJ se destina essa lilcrarura. A tensão

da modcrniz;! ção do campo e da ddade


entre idíLio e re:úismo correspondem ou· sob o capil3lismo. Por isso, continua a
tras constilutivas do regionalismo: entre
existir e a dar frutos como uma COrrente
nação e regi:io, or:úi<L1de e letra, campo e temático-formal contradilória onde lêm
cidade, cstória romanesca e rom.1Ilcc; cn· lug:u' os reacionários e os progrcssisL'lS; os
tre a visão noscílgica do passado e a de· nostálgicos, os xenófobos mas L'I111bé m os
núncia das miséri:lS do presente. inconform.1dos com a divi.s.10 injusta do
mundo enu-e ricos e pobres. Uma corren­
3. Regionalismo na literatura, como te que deu origem a grandes obras, como
tema de eslUdo, constilui um desafio teó­ as de Faulkner, Verga, Rulfo, Carpentier,
rico, na medida em que defronta O eslu­ Arguedas e Guimarães Rosa.
dioso com queslÕcs <L1s m:tiscandenlCSda
teoria, da crítica c da hislÓria literárias, lajs 5. 00 ponlO de vistl dos eslUdos lilerã­
como os problemas do vJJor; da relação rios, O regionalismo é uma tendência te­
entre arle e socie dade; das relações da mática e formal que se :úlrma de modo
lileralura com as ciências humanas; das marginal à "grande Uteralura", confundin­
UlcralurascanôniClls e n.10<an ônicas e das do-se freqüenlemente com a pedagogia, a
fronteiras movediças entre clãs. EslUdar o etnologia e o folclore. Certos aulores de
regionalismo hoje nos leva a constatar seu lCXIOS de reconhecida qua1i<L1de eslética
caráter universal e modClllo. Surgindo não tinham intenção de ir além do leSte­
como reação ao iluminis mo e � cenlrali>;!­ munho, do registro de conlOS e lendas
ção do Estado-nação, hoje se realU,li>;! orais, ou, quando muilo, de fazer hêslÓria.
como reação � chamada g1obalização. Se, E o caso, no Brasil, de um JOão Simôcs
,

para um pensamenlO não-dial ético, a cha­ Lopes NelO ou de um Euclides da Cunha


mada "aldeia global" suplanlou definitiva­ Os críticos costumam menosprezar o cc·
mente a "aldeia" e IUdo o que dela fuJe e giona1ismo por essa impureZíl, julgand(H)
por ela se inlCCCSSC, a dialética nos tlZ també m conservador tanlO do ponlo de
considerar que a questio regional e a de­ vista estético quanto do ponto de vista
fes- das particulari dades locais hoje se ideológico. Campo minado de preconcei­
repõem com força, quanlo mais não seja tos, O regionalismo se presta a equívoco s
como reação aos riscos de homogeneida­ da crítica. Esta quan do encontra um bom
de cullUral, � destruição da na lUren e às escrilOr na tendência trata de relativizar,
dificu ldades de vida e trabalho no "paraíso de apagar o parentesco, utilizando Outra
neoliheraJ". (por isso O regionalismo Ute- nomenelalUra (a moda hoje é "sense of
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place", nos Estados Unidos; já foi "super­ DO, =por.ineo e démodé. Da mesma
n o Brasil, onde em breve forma, um esaitor regionalista que escre­
sed, "regionalismo cósmioo", o que é pre· va hoje como George Sand ou como Ver­
visível d1do o grande pn:stígio do critiro ga. O defeito não esL1 em George 5.md
Davi Arrigucd Jr. que acaba de ulili>;í-b nem em Verga, nem na tendênci ..
..l rcgi�
também referindo-se a Guimarães Rosa nalisL1, m1S Da 1:1.IL1 de cullUra, de esforço
num brilhante ensaio sobre Grande ser­ e de "dcsconfiôrnctro" para superá·los,
1O
tão: IlCroCÚlS). superando as dillculd1des especificas d1
ficção n:gion;l1ista, que eles enfrenL1ram
cada um a seu modo, com os recursos de
6. É compreensível o esforço da critica
suas respectivas épocas.
para e:xcIuirda ICndência os grandes 3U1O­
res, já que nela o número de obras litera­
8. É imporL1nte distinguir o regiona­
riamente menos expressivas L1.Ivez seja
lismo como movimento político, cultural
maior que em outras, porque proporc:jo..
e, mesmo, literário, das obras que decor­
nal ao grau de dillculd1de que a especifi­
rem deste direta ou indiretamente. Mui­
cid1de d1 empres.1 do regionalismo lilerá­
rio implica. O argumenlo d1 critica para L'lS vrzrs programa e obra mantêm uma

assim fIzer é que a qualid1de lilerária de reL1çãO lens.1, quando não se contradi­
suas obras os elevaria do t<gional ao uni­
zem a.bel1amente, exigindo uma análise
das distinL1S med',çõcs que reladonam
versal. Mas freqüentemenle ela esquece
a obra liter.íri.1 com a rcaJid1de natur.ll e
que é o seu espaço hislÓrico-geogr:lfiro,
soei.1.I. O regionalismo, lido como movi­
en lr.lnbado e vivcnciado pela consciên cia
mento, penodo ou lendência fechada em
d1S personagens, que permite concretizar
o universal. O problema não nos parece si mesma num determinado período his­
LÓrico em que surgiu ou alcançou maior
L1nto distinguir os tipos de region:l1ismo
prestigio, é empobrecedor: um Ismo en­
mas distinguir, como em qualquer 1Cn­
dência, as obras boas d1S m;ís, estetica­
tre L'ln lOS.
mente filando. NesL1S, o efeito sobre os O regionalismo lido como Um.1 ten­
leitores será acanhado como soado aca­ dência mutável onde se enquadram
nhados o espaço, os d rnrnas, os caracteres, aqueles escritores e obras que se esfor­
a lingu.1gem, o pensamenlo e as idéi.1S. çam por fIzer [1.Iar o homem pobre d1S
NaqueL1S, r, ecess.m1ffiente, por menor áreas rurais, expressando uma região
que seja a regi.'io, por mais provinci.ma para além da geografia, é uma tendênci.1
que seja a vid1 Dela, haverá grand=, o que tem suas difJcuJdades específicas, a
espaço se aL1rg.1r.Í no mundo e o tempo maior das quais é tomar verossímil a fala
finito na elemid1de, porque o beco se do outro de classe e de cultura para um
transfigurará no belo e o belo se exprimirá público citadino e preconceituoso que,
no beco. somente por meio da arte, poderá enten­
der o diferente como eminentemente
7_Só podemos suslenL1CqueumFaulk­ outro e, ao mesmo tempo, respeitá-lo
nceou urnGuimarácsUosa sáo regiooalis­ como um mesmo: "homem humano".
tLS, se entendermos que o regionalismo,
como IO<L1 lendência litcrfuia, não é esLi­ 9_ O defeito que muiL1S vezes a critica
tico. Evolui. É hislÓrico, enquanto alCaves­ aponta no esaitor regionalisL1, do pitoles·
sa e é atravessado pela hislória Um esai­ co, da cor local, do desaitivismo, foi a seu
lord,lileratura funListica que escreva hoje tempo uma dura ronquisL1. Da mesma
como Poe ou como os rom1ncisL'lS do forma, na pinlUra, só depois de pinL1C com
gótico cerL1ffiente será tido como epígo- peneição a figura, O piOlor pode aludir a
158 ESTUDOS HISTÓRICOS - Imn!

ela por traços, cores e1uzes; só depois de diante de obras que se enqua dram na
descrever romo quem pinta uma paisa. tendência regionalista é, por isso, inda­
gem, o escritor pode indicá-la pela alusão, gar da função que a regionalidade exeree
conseguida seja por imagens, seja pela nelas; e perguntar como a arte da palavra
sonorid:!de e ritmo, seja pelo modo de ser faz com que, através de um materi:d que
e de f.l'r das personagens. Em qualquer parece confiná-Ias ao beco a que se refe­
dos casos, o grande escritor region.lista é rem, algumas alcancem a dimensão mais
aquele que sabe nomear; que sabeo nome geral da bele"" e, com ela, a possibilidade
exato das árvores, Dores, pássaros, rios e de fuJar a leitores de ou trOS becos de
monlanbas. Mas a regi30 descrita ou alu­ espaço e tempo, pennanecendo, cn·
dida não é apenas um lugar fisicamente quanto outras (mesmo muitaS que se
localizhel no mapa do país. O mundo querem imediatamente cosmopolitas,
narrado (Lia se 1000liza neces&viamcnlc urbanas e modernas) se perdem para
em uma detennin.,da regi:io geogmIka­ uma história permanente da leilura.
mente reconheáve� supondo muito maís
um compromisso entre referência geográ­
Ika e geogmfia ficcional.
Tr.ua-se. portanto, de negar a visâo
ingênua da cópia ou reOexo fotográfICO Nota.
da região. Mas, ao mesmo tempo, de
reconhecer que. embora ficcional, o es­ 1. Especialmente em Regionalismo e m�
demlsmo: ° "caso" gaúcho (São P:!u1o, Atica,
,

paço regional criado IHerari.,mente


aponta, como pormdor de símbolos, 1978) eNo entretanJo dos tempos./iteraJura
para um mundo histórico-soci:l.1 e uma e história em João Simões Lopes Neto (São
região geográfica existentes. Na obra re­ P:!ulo, Martins Fontes, 1988).
gionalista, a regi30 existe como regiona­ 2. Ver especialmente o ensaio "Vellia pra·
\idade e esta é o resultado da determina­ ga? Regionalismo lilCl'fuio",
. (org.), América Latina, palarlJ"a, literatura e
ção como regi. i.o ou província de um
ClJtllra (São P:!u1o, Memorial da América La­
espaço ao mesmo tempo vivido e subje­
tin:vEd. da Unicarnp, 1994, v. 2).
tivo, a região rural int.er nalizada à ficção,
momento estrutural do texto literário, 3 . Tratl*sc de uma pesquisa em andamento
que pretende desenvolver o ensai o acima, re­
mais do que um espaço exterior a ele.
escrevendo a história do regionalismo brasilei­
ro, sob o horizonte da história de oouos regi<>­
10. Se o local e o provincial não são vistos n.,lismos europeus e amenemos. Esms leses
como pura matéria mas como modo de JX>I1ruam algumas questões introdutórias a
esse Ir.JlxJ!ho. .
formar, como perspectiva sobre o mun­
do, a dicotomia entre local e universal se "Regionalismo", em
4. M:lrio de Andrade,
toma f.ts' O importante é ver corno o Diário Nacional (São P:!u1o, 14 fev. 1928).
univers:d se reali", no particular, supe­ 5. Antônio Cindido, "A literatura e a forma­
rando-se corno abstração na concretude ção do homem", em Ciência e C.JtllTa (São
deste e permitindo a este superar-se P:!u1o, n24, 24 set. 1972), p. 803. GeorgeSand,
como concreto na generalidade daquele. prc6kio ao romanoeFr�is le cbamp/.

Desse modo, as "peculi:trid:Jdes regio­ 6. Ver texto citldo na nota 2.


nais" alcançam urna existência que as 7. Idelll. ibidem.
transcende. Assim, espaço fechado e 8. A definição i: de Lúcia Migud Pereira em
mundo, ao mesmo tempo objetivos e História do literaJura brasileira, prosa de
subjetivos, não necess itam perder sua jIcção de 1870 a 1920 (Rio de Janeiro, José
amplitude simbó lica. A função da aítica Olympio/MEC. 1973), p. 179.
POIIIO DE VISTA ·DO BUO AO BELO 159

9. Conforme Caio Poriírio Carneiro, em ço pata destilar do rcgjorulismo a ctwa CSle­


"Ficçio regional brosileira", Anais doI Encon­ bcamente significatica é v.ilido se CXX'osidoar.
tro de Uteratuta Brasileira (São Paulo, Câmar.l mos o qwnto o tolUO regionalismo ad. ar­
doUvro). jCgado de oonol:lÇÕes que accrmmm a visão
.
10. "Scnsc oi pbcc" é um termo que apa� pr('lC()OC.OtvosJ da-_A"'�
u.;t1U01Ua, mas a muc:1ança

cc em v.úi.as publ.icu;õr5 sobre o assunto. No


de laminoJogia não rcsoJ>e o ptobl ema, ape­
nas peaPCP13 a insuficiência da reDoma sobre
livro de Nordstrom '-'us, Tbeodore Roelbke,
a sua apori6cidadc. oomo já oconia no coa0
WüJ/am Slaffi>rd, and GarySnyder: lhe ecol<;
gIca/ metapbor as lran5jJ1med reg/ontlJ/sm hoje dássi co de Mary Rohrbcrger, "Ibe ques­
(Uppsola, University oC Uppsala, 1989), a 0<­ tion cl rcgionalism: limitation and trar\S(u ....

pressão é atribuída a c:scritores novos que a dence", em Philip Stcvick, 1beAmer/cansbort


utiJimriam oom o inwito explicito de difaut­ story 1�1915: a a/11caJ bistory (fernpJe
Çlt-se dos velhos regionaliSt:lS do "local coloro Uni,asity, Twayne Publishers, 1984), quedes­
norto-amcncano. "Super-regionalismo" é uma en-.ol\1!: uma longa e oonfllsa argumenmção,
CXjJR"Ssão que Antônio Cândido, no toao já oom 00se em aitérios estruturais muito fracos
e disrutíYeis, p:ua excluir Faulkner, Stcinbcxk
citldo, utilizou p:ua distinguir a obra de Gu;.
c outros grandes 31uores norte-americanos do
mar.ics Rosa como estan do dentro e fora da
nOS5-1 tradição regjona1ist:L Num artigo ainda
regionalismo literário.
inédito ("O mundo misturado, romana: e cx­
periência em Guimarães Rosa"), Davi Arrigucci
jr. prderiu utilizar O u::rmo "regionalismo <'á;. (Recebido para publ/caçiio em
mico" que Harry Lcvin emprega p:ua "designar maio de 1995)
a tendência de Jojott de lanÇlt o leitor dos

sub(u-bios de Dublin à Ó<bitl das sele esferos".


Hj, ainda, quem utilize a expressão "hipcr-rc> IJgia Odapplol é professora til1lbr de
gjonalismo" oom a mesma ílCCpçiO. Esse esfor- teoria literária e literatura comparada na USP .

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