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O Modernismo Paulista Não É A Totalidade
O Modernismo Paulista Não É A Totalidade
(Fonte: “São Paulo”, de Tarsila do Amaral. Óleo sobre tela. Coleção da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil, adquirido
pelo Governo do Estado de São Paulo, 1929. Reprodução)
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o personagem, nasceu negro dizer um pragmático; mas nem intenções de reinventar o Brasil,
entre os indígenas, tornando-se por ser pura e dura a narrativa reuniu quase exclusivamente
branco ao chegar a São Paulo, dessa história tem de ser única, brancos de elite.
onde vai tentar recuperar a porque se trata de uma forma Uma história da literatura
muiraquitã, que está nas mãos de dominação, no sentido de no Brasil pode perfeitamente
de um italiano imigrante. Como Bourdieu — “aquilo que permite prescindir do estilo rupturista,
entender essa trama? a uma ordem social reproduzir- exclusivista e açambarcador do
Não há dúvida de que se no reconhecimento e Modernismo paulista, em favor
o eixo de sentido realmente no desconhecimento da de buscar o desenho de linhas
significativo está entre a arbitrariedade que a institui”, de força variadas, em tensão ou
Amazônia e São Paulo; o resto algo que não se dá apenas em convivência, constatáveis
é paisagem circunstancial. no plano da “perpetuação na ampla geografia cultural do
Claro que uma obra de ficção econômica, mas, sobretudo, país. Não há apenas uma forma
tem todo o direito de postular no âmbito de sua reprodução de ser moderno (e nem mesmo
o mundo que melhor lhe cultural” [3]. é preciso ser moderno, seja lá
parecer, mas é também certo o que isso signifique), nem há
que qualquer fantasia pode *** apenas um caminho para contar
ser interpretada em confronto a história das letras num país
com a experiência real. O caso Examinar esse processo como o nosso. A totalidade que
aqui é que estamos diante de pode nos levar a uma o construto histórico chamado
uma interpretação do país, no perspectiva mais ampla e aberta, Modernismo nos faz crer que
contexto de um movimento que certamente reconhecerá seja única é um castelo de cartas,
vitorioso — movimento mais valor moderno em uma série quando submetida ao confronto
que literário, político em sentido de autores e obras anteriores com os fatos lidos criticamente.
próprio, com o Modernismo à Semana e sem qualquer
paulista funcionando como o soft relação com ela, assim como,
* Luís Augusto Fischer é professor de
power discursivo e imagético da obviamente, reconhecerá Literatura Brasileira da Universidade
ascensão da economia paulista na vanguarda paulista um Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
ao primeiro posto no conjunto movimento de interesse, capaz É crítico literário e desenvolve
do Brasil. de propor uma série de ideias pesquisas na área de história da
É de perguntar: e o resto? E interessantes, assim como de literatura brasileira e americana.
aqueles “pré”? Vão ser figurantes forjar obras de valor que, porém, Seu livro mais recente é “A ideologia
apenas? Vão servir apenas de pertencem, como tudo o mais, modernista — A Semana de 22 e sua
cenário? E é de constatar: toda ao domínio empírico da história, consagração” (Todavia, 2022).
a história brasileira até então, este chão em que se disputam
forjada no espaço da plantation interesses e valores. Notas
baiana, nordestina e fluminense, O debate agora 1. Muitos outros exemplos de
para nem falar do Centro-Oeste estabelecido no país, quando inventividade se podem ler em
e o Sul, toda ela é igualmente finalmente a luta antirracista e Metrópole à beira-mar – O Rio
moderno dos anos 20 e em
empurrada para um imenso antimachista tomou o primeiro
As vozes da metrópole – Uma
exílio, outra forma de “pré”, plano (faltando ainda ganhar antologia do Rio dos anos 20, de
como se sua existência tivesse protagonismo o debate CASTRO, R. São Paulo: Companhia
sido apenas a preparação antiecocida), tem proporcionado das Letras, 2019 e 2021.
para esse devir supostamente momentos de revisão 2. Uma demonstração longa desse
radiante e libertador. importantes. Boa hora para rever processo se encontra em meu
Por acaso numérico ou o valor do trabalho de brasileiros livro: FISCHER, L. A. A ideologia
modernista – A Semana de 22
não, depois de 1822 o Brasil afrodescendentes, assim como e sua consagração. São Paulo:
foi narrado e pensado a partir de mulheres, em sua luta para Todavia, 2022.
do Rio de Janeiro, tanto quanto encontrar jeitos, modernos ou 3. Verbete “Dominação”, por HEY, A.
depois de 1922 a sede foi São não, de expressar as coisas, P. Vocabulário Bourdieu. CATTANI,
Paulo. Sim, o nome disso é antes e/ou fora da Semana A. e outros. (org.). Belo Horizonte:
história, pura e dura, poderá paulista, que, malgrado suas Autêntica, 2017.