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RESUMO
O tema deste trabalho foi a relação entre a Literatura e a Filosofia considerando o desafio de
concretizar a interdisciplinaridade no cotidiano dos professores do Ensino Médio. Assim
apresentou-se a alegoria naturalista de Jack London enquanto crítica ao niilismo radical como
um ensaio prático de proposta interdisciplinar para trabalhar Filosofia e Literatura no Ensino
Médio. O objetivo geral foi analisar a pertinência de se trabalhar Literatura e Filosofia em uma
perspectiva interdisciplinar preservando a singularidade e as especificidades de cada
disciplina, uma vez que só é possível falar e buscar concretizar uma prática interdisciplinar se
as disciplinas e suas especificidades forem mantidos. Para dar conta do objetivo proposto no
presente trabalho partiu-se de alguns apontamentos históricos a fim de mostrar o quanto a
Literatura e a Filosofia, respeitadas as suas especificidades, estão próximas em seu
desenvolvimento histórico. Em seguida apresentou-se um exemplo analítico de prática
interdisciplinar considerando a alegoria naturalista de Jack London enquanto crítica ao niilismo
radical como um ensaio prático interdisciplinar para trabalhar Filosofia e Literatura no Ensino
Médio. Espera-se que os resultados apresentados nesse trabalho possam colaborar para o
desenvolvimento de pesquisas na área educacional, mas especificamente nos campos do
ensino de Filosofia e da Literatura, assim como para encarar o desafio da interdisciplinaridade
na Educação Básica.
1 INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade que cada vez mais está conectada com as mais
variadas formas de acesso virtual. Estamos deixando de lado o contato com aqueles
que nos estão próximos. Hoje em dia se utiliza as redes sociais e a seus milhares
aplicativos para quase “tudo” e a educação não está fora dessa realidade. Com isso
vários questionamentos estão sendo realizados. Até onde à educação tradicional vai
ser utilizada e até que ponto às novas mídias, com toda facilidade de acesso, pode
contribuir para a educação de nossa sociedade e principalmente de nossas crianças
e adolescentes.
Hoje, pelos menos parte da população tem muito acesso a informação de todas
as maneiras e com uma velocidade espantosa. Porém, algumas questões surgem
sobre o quanto essas informações podem auxiliar na educação de nossos cidadãos.
Nesse sentido, consideramos oportuno recorrer aos antigos gregos para buscar
inspiração a fim de enfrentar os desafios contemporâneos da educação brasileira e
mais especificamente aqueles relacionados ao desafio da interdisciplinaridade e do
ensino de Literatura e Filosofia no Ensino Médio.
Conforme Bertolini & Nunes (2018), Paideia é um termo antigo, do grego, usado
para sintetizar a educação da sociedade grega. De início era usado apenas para dizer
sobre a educação familiar, os bons modos e a moralidade. Nesse sentido, podemos
dizer que a concepção de educação é desde a antiguidade clássica mais do que uma
mera transmissão de conhecimento a alunos em sala de aula e uma tarefa de extrema
responsabilidade para quem a desempenha independente de qual seja o nível ou
esfera do conhecimento.
Exemplos clássicos de Paideia grega são encontrados na República de Platão
e na obra: As Leis, um diálogo no qual ele trata de vários assuntos e a discussão é
baseada em compreender a conduta do cidadão e a promulgação das leis. Platão
analisa o estado das coisas existentes em Atenas da sua época e critica o fato de não
haver uma legislação para regular os problemas da educação. É característico, tanto
na República como nas Leis, mais especificamente nas Leis, tratar de uma educação
de bases filosóficas e eugenésicas para uma infância boa e saudável em relação à
procriação de filhos. As leis sobre o matrimônio vão dar origem mais tarde às leis da
educação, pois ele vai usá-las como base para tal (FILHO, 2014).
Já para Aristóteles, a Paideia dos primeiros anos de vida deveria ser orientada
para uma influência no vigor físico em detrimento das outras áreas. Daí sucede a
importância dada a alimentação e aos exercícios físicos desde a tenra idade. No
entanto, há aqui um princípio aristotélico que chega até os nossos dias, a saber Orthós
lógos (a medida certa), evitando assim exageros, zelando pela ausência do excesso
e cuidando da criança como um todo. Além de tratar de outros aspectos da educação
infantil, Aristóteles também aborda a educação dos jovens, e começa tratando da
educação como uma questão política, antes mesmo das práticas pedagógicas, pois
em todo o tempo não há como tratá-las em separado (FILHO, 2014).
Assim, a preocupação de Aristóteles estava em educar os jovens para que
ocupassem o seu tempo livre com atividades prazerosas que os levassem à felicidade.
Nesse sentido, e tomando o devido cuidado para não incorrer em anacronismo,
convém questionar: e hoje, qual o papel da sociedade na educação dos jovens? Como
os pais devem agir e participar na educação? Qual é realmente o seu papel? São
algumas das questões que se apresentam.
De nossa parte, partimos da premissa que o maior desafio é demonstrar como
a educação é fundamental para a formação da sociedade e dos indivíduos que nela
estão inseridos. Formar as próximas gerações para que tenhamos uma sociedade
mais digna e justa nas questões sociais.
A educação no Brasil em plena pandemia precisa ser vista como formadora de
pessoas pensantes e livres, que fazem suas escolhas baseadas em fatos e não como
pessoas de massa de manobras. Precisamos de uma sociedade crítica e atuante
pelos seus direitos e cumprindo seus deveres. Nesse sentido é que no tópico seguinte
propomos um ensaio prático sobre a alegoria naturalista de Jack London enquanto
crítica ao niilismo radical e que pode ser aplicada no contexto do Ensino Médio.
3Antes de tudo, faz-se necessário alertar para o fato de que London recebeu uma série de influências,
o que torna difícil elaborar uma leitura uniforme e coerente a seu respeito, mas podemos dizer com
certa segurança que os literatos se referem a ele como um naturalista. Apesar de muitos naturalistas
evitarem narrativas que tenham a moralidade enquanto pano de fundo, London traz à tona conceitos
da filosofia nietzscheana, talvez pela sua abordagem que possibilita uma visão para “além da moral”,
mas essa é uma discussão para outra oportunidade.
os títulos “O Caso Wagner”, “O Crepúsculo dos Ídolos”, “Nietzsche Contra Wagner”,
“O Cair da Noite” e “A Genealogia da Moral”, devidamente comentados por Jack
London.4
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Os escritos de Nietzsche inspiraram London abrindo caminhos e fornecendo argumentos para suas
narrativas, no entanto, o escritor acreditou ter-se distanciado do pensador alemão, de modo que
escreve para H.E. Kelsey em 3 de abril de 1915 - “Por favor, leia meus romances O Lobo do Mar e
Martin Eden - ambos são acusados de recorrerem ao conceito de além do homem de Nietzsche”
(LABOR et al., 1988, p.1439). Em 4 de agosto escreve para J. H. Greer - “Fui mais estimulado por
Nietzsche do que por qualquer outro escritor no mundo. Ao mesmo tempo, fui seu inimigo intelectual.
Ambos meus romances, Martin Eden e O Lobo do Mar foram críticas a sua noção de além do homem
feitas por mim”. (LABOR et al., 1988, p. 1485). Em 5 de novembro escreve para Mary Austin - “Há
muitos anos, no início da minha carreira de escritor, eu ataquei a ideia de além do homem de Nietzsche.
Isso estava em O Lobo do Mar, muitas pessoas o leram, mas ninguém descobriu que essas críticas
eram relativas à noção de além do homem” (LABOR et al., 1988, p. 1513).
5 Os conceitos de Nietzsche passaram a ser atrativos para London, na medida que foram subsídios
para construção de seus personagens, os quais precisavam ter uma postura de autonomia e força
frente a realidade, fossem eles crianças fatigadas e famintas nas fábricas de tecelagem, vagabundos
a cruzar a América em trens de carga para fugir do inverno rigoroso, mineradores, caçadores no Alaska
ou marujos lançados contra a violência do mar. Nunca lhes coube uma postura de fraqueza ou
permissividade diante da natureza ou de outros indivíduos. London encontrou em Nietzsche a
possibilidade de vitória para o indivíduo amoral, possuidor da combinação entre força física e
genialidade.
situações imprevistas e difíceis sendo o senhor dos homens de sua embarcação, sua
amoralidade o faz superior aos escravos. A prioridade de Larsen é o poder, não a
sobrevivência, de forma que não possui medo diante de nenhum perigo.
O capitão costuma exibir o seu poder em atos cruéis (como quando ordena que
um marujo escale uma vela para costura-la durante uma tempestade) realizados
sempre que aparecem oportunidades, pois acredita que servir é o mesmo que sufocar
- “É melhor ser um rei no inferno do que um escravo no céu” (LONDON, 1904; p.
118). Larsen subordina seus desejos ao seu instinto de domínio, sempre que algum
subordinado o desobedece, é severamente punido ou assassinado.
A paixão desenfreada de Larsen por exercer sua vontade sobre os outros vem
ao encontro da afirmação de Nietzsche de que a vontade de poder é o instinto primário
do homem. O capitão sempre procura uma saída lógica para as lutas, se entusiasma
com elas tanto no sentido intelectual quanto no físico. É capaz de comemorar um
furacão no meio do Pacífico porque o encara como um desafio para a sua
embarcação, regozija-se quando quando encontra outras embarcações para competir
na pesca de focas, pois encontra a oportunidade de manifestar suas habilidades
superiores diante dos concorrentes. Larsen faz questão de apresentar a todo
momento argumentos lúcidos de que a dominação do homem forte sobre os fracos
deve prevalecer.
Os tripulantes do Ghost também estão condenados a serem controlados pelo
Lobo, pois com sua mentalidade de escravos se adequam ao papel de servir o seu
senhor. A vida de Larsen está acima de todas as outras no navio, de modo que todos
os eventos que ocorrem no Ghost representam a divisão de valores entre senhores e
escravos.
Humphery Van Weyden é frequentemente provocado por Larsen - “você é
impotente”, “sua moral convencional é mais forte do que você. Você é escravo das
opiniões convencionais dentre as pessoas que o cercam, deveria ler a respeito”. De
acordo com o capitão, a ética de Van Weyden se identifica com a do rebanho, portanto
pertence à classe dos escravos, cujo o único mérito que possuem é o de servir aos
senhores.
Mais tarde, através de suas cartas London alegava que “O Lobo do Mar” era
uma crítica em relação à noção de além do homem de Nietzsche. O contraponto ao
personagem de Larsen é Van Weyden, jovem crítico literário que vive com uma
pensão herdada do pai, ex-militar. Van Weyden vem de um contexto urbano e burguês
bastante diverso daqueles homens que ganham a vida no mar. No entanto, durante
uma viagem de visita, sofre a desventura de um naufrágio e é resgatado pelo Ghost,
não tendo alternativa a não ser subordinar-se à Larsen. Weyden se coloca sempre
contrário a Larsen durante seus embates, apesar das acusações do Lobo, Weyden é
o único da embarcação capaz de se opor à submissão através de argumentos
racionais, única razão pela qual ele não é assassinado como os outros opositores.
Sempre que tem oportunidade Weyden demonstra generosidade e comporta-
se de modo altruísta. O literato ganha a confiança dos tripulantes da embarcação,
mostrando que as chances de sobrevivência aumentam com o trabalho colaborativo,
resgata a teoria da evolução de Darwin para dizer que as matilhas de lobos, as
revoadas de aves e os cardumes de peixes aumentam as chances de sobreviver
diante dos perigos oferecidos pelos seus predadores. Cada indivíduo tem um papel
indispensável para a sobrevivência dos grupos. Ao apresentar uma postura altruísta,
o personagem procura demonstrar que a sobrevivência não depende somente da
força e do poder, mas da capacidade de integrar-se a um grupo.
No entanto, Weyden não passa pelo Ghost sem transformar-se. Na medida em
que é submetido a situações de tensão, sobre as quais é necessário o resgate dos
instintos primitivos, o personagem se sobressai ao criar soluções que exigem vigor
físico e habilidade intelectual, os quais passa a valorizar e aprimorar.
É difícil compor uma abordagem coerente das obras de Jack London, romântico
e altruísta por um lado, defensor do indivíduo e da vontade, por outro. Nunca se expôs
às frias atividades das ciências e da filosofia, pois ao mesmo tempo que era
intelectualmente curioso, era impressionável. Perto do fim de sua vida, desiludido e
cansado de lutar contra as ideias, chegou a lamentar que tivesse aberto os livros. Sua
atividade extensiva de leitura o colocou em contato com muitas concepções que eram
estranhas a sua natureza. London assimilava as ideias que se aproximavam dele,
alterava outras para adequar-se ou os aniquilava completamente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O que London pensa a respeito da filosofia é consistente com seu individualismo: “A filosofia que se
encontra abaixo do coração da vida é distorcida. Quando a filosofia é fortemente provocativa por um
mês, dizendo ao indivíduo o que ele deve fazer, e ele diz ‘EU GOSTO’, a filosofia brilha. A filosofia é,
muitas vezes, a forma de um homem explicar as coisas de acordo com as suas próprias preferências"
(LONDON, 1921, p. 163, tradução nossa). Esta passagem nos ajuda a entender seu ecletismo, como
implicação seus personagens também eram uma mescla desarmoniosa das suas próprias posições.
Seus heróis possuíam as características ou ideias que considerava grandes ou únicas para si.
Espera-se que os resultados apresentados nesse trabalho possam colaborar
para o desenvolvimento de pesquisas na área educacional, mas especificamente nos
campos do ensino de Filosofia e da Literatura, assim como para encarar o desafio da
interdisciplinaridade na Educação Básica.
REFERÊNCIAS
HAMILTON, David Mike; The Tools of My Trade”: The Annotated Books in Jack
London’s Library. Seatle: University of Washington, 1986.
LABOR, Earle; LEITZ, Robert. The letters of Jack London. Stanford, C.A.: Stanford
University Press, 1988.
LONDON, Charmian. The Book of Jack London. New York. New Century Co. 1921.
LONDON, Jack. Sea-Wolf. McKinlay, Stone & Mackenzie, New York, 1904.