Você está na página 1de 10

FILOSOFIA E LITERATURA NO ENSINO MÉDIO: UM ENSAIO

INTERDISCIPLINAR COM JACK LONDON E SUA CRÍTICA AO NIILISMO


RADICAL

Douglas Henrique Antunes Lopes1


Luís Fernando Lopes2

RESUMO

O tema deste trabalho foi a relação entre a Literatura e a Filosofia considerando o desafio de
concretizar a interdisciplinaridade no cotidiano dos professores do Ensino Médio. Assim
apresentou-se a alegoria naturalista de Jack London enquanto crítica ao niilismo radical como
um ensaio prático de proposta interdisciplinar para trabalhar Filosofia e Literatura no Ensino
Médio. O objetivo geral foi analisar a pertinência de se trabalhar Literatura e Filosofia em uma
perspectiva interdisciplinar preservando a singularidade e as especificidades de cada
disciplina, uma vez que só é possível falar e buscar concretizar uma prática interdisciplinar se
as disciplinas e suas especificidades forem mantidos. Para dar conta do objetivo proposto no
presente trabalho partiu-se de alguns apontamentos históricos a fim de mostrar o quanto a
Literatura e a Filosofia, respeitadas as suas especificidades, estão próximas em seu
desenvolvimento histórico. Em seguida apresentou-se um exemplo analítico de prática
interdisciplinar considerando a alegoria naturalista de Jack London enquanto crítica ao niilismo
radical como um ensaio prático interdisciplinar para trabalhar Filosofia e Literatura no Ensino
Médio. Espera-se que os resultados apresentados nesse trabalho possam colaborar para o
desenvolvimento de pesquisas na área educacional, mas especificamente nos campos do
ensino de Filosofia e da Literatura, assim como para encarar o desafio da interdisciplinaridade
na Educação Básica.

Palavras-chave: Filosofia, Literatura, Jack London, interdisciplinaridade, Ensino


Médio.

1 INTRODUÇÃO

Preservadas as suas singularidades, Literatura e Filosofia são disciplinas que


guardam profundas relações históricas. Não por acaso as obras filosóficas são
consideradas pelo seu valor literário, assim como as obras literárias também são
reconhecidas pelo seu conteúdo filosófico. Deste modo as produções filosóficas e
literárias foram e são fundamentais para o desenvolvimento da humanidade.
Não obstante a essa profunda relação histórica, Literatura e Filosofia também
são marcadas por certas características que por vezes levam ao distanciamento,
medo do conteúdo em razão de sua complexidade e até mesmo a retirada do currículo
oficial, como ocorreu no caso da Filosofia. Respeitadas as suas especificidades,

1Doutor em Educação. Professor do Centro Universitário Internacional UNINTER. luis.l@uninter.com


2Mestre em Filosofia. Professor do Centro Universitário Internacional UNINTER.
douglas.l@uninter.com
Literatura e Filosofia são de fatos áreas complexas que demandam disciplina e
esforço para serem compreendidas. Entretanto, considerá-las isoladamente ou como
disciplinas opostas seria um erro desmentido pela trajetória histórica dessas áreas.
Reiteradamente acusa-se a Filosofia de ser inútil, assim como do descaso para
com a Literatura e do consequente não aprendizado dos alunos na Educação Básica
e mesmo no Ensino Superior. Não são poucos os exemplos, basta olhar para a
realidade das escolas públicas brasileiras. Há falta de professores, professores
improvisados tanto na área de Filosofia como na de Literatura o que demostra uma
compreensão equivocada, que entende essas disciplinas como inúteis ou
desnecessárias, o que acarreta consequências trágicas na qualidade da formação
oferecida pelo sistema educacional brasileiro.
Nesse sentido, consideramos que uma abordagem interdisciplinar adequada
entre filosofia e Literatura será importante para ambas no sentido de enfrentar os
desafios que lhes são inerentes. Assim como a Filosofia poderá contribuir para uma
valorização da Literatura na trajetória educacional, também a Literatura poderá
contribuir para mostrar o valor da Filosofia e mais especificamente da reflexão rigorosa
na formação humana em uma perspectiva integral e integradora.

2 LITERARUTA E FILOSOFIA: O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO


ENSINO MÉDIO

Vivemos em uma sociedade que cada vez mais está conectada com as mais
variadas formas de acesso virtual. Estamos deixando de lado o contato com aqueles
que nos estão próximos. Hoje em dia se utiliza as redes sociais e a seus milhares
aplicativos para quase “tudo” e a educação não está fora dessa realidade. Com isso
vários questionamentos estão sendo realizados. Até onde à educação tradicional vai
ser utilizada e até que ponto às novas mídias, com toda facilidade de acesso, pode
contribuir para a educação de nossa sociedade e principalmente de nossas crianças
e adolescentes.
Hoje, pelos menos parte da população tem muito acesso a informação de todas
as maneiras e com uma velocidade espantosa. Porém, algumas questões surgem
sobre o quanto essas informações podem auxiliar na educação de nossos cidadãos.
Nesse sentido, consideramos oportuno recorrer aos antigos gregos para buscar
inspiração a fim de enfrentar os desafios contemporâneos da educação brasileira e
mais especificamente aqueles relacionados ao desafio da interdisciplinaridade e do
ensino de Literatura e Filosofia no Ensino Médio.
Conforme Bertolini & Nunes (2018), Paideia é um termo antigo, do grego, usado
para sintetizar a educação da sociedade grega. De início era usado apenas para dizer
sobre a educação familiar, os bons modos e a moralidade. Nesse sentido, podemos
dizer que a concepção de educação é desde a antiguidade clássica mais do que uma
mera transmissão de conhecimento a alunos em sala de aula e uma tarefa de extrema
responsabilidade para quem a desempenha independente de qual seja o nível ou
esfera do conhecimento.
Exemplos clássicos de Paideia grega são encontrados na República de Platão
e na obra: As Leis, um diálogo no qual ele trata de vários assuntos e a discussão é
baseada em compreender a conduta do cidadão e a promulgação das leis. Platão
analisa o estado das coisas existentes em Atenas da sua época e critica o fato de não
haver uma legislação para regular os problemas da educação. É característico, tanto
na República como nas Leis, mais especificamente nas Leis, tratar de uma educação
de bases filosóficas e eugenésicas para uma infância boa e saudável em relação à
procriação de filhos. As leis sobre o matrimônio vão dar origem mais tarde às leis da
educação, pois ele vai usá-las como base para tal (FILHO, 2014).
Já para Aristóteles, a Paideia dos primeiros anos de vida deveria ser orientada
para uma influência no vigor físico em detrimento das outras áreas. Daí sucede a
importância dada a alimentação e aos exercícios físicos desde a tenra idade. No
entanto, há aqui um princípio aristotélico que chega até os nossos dias, a saber Orthós
lógos (a medida certa), evitando assim exageros, zelando pela ausência do excesso
e cuidando da criança como um todo. Além de tratar de outros aspectos da educação
infantil, Aristóteles também aborda a educação dos jovens, e começa tratando da
educação como uma questão política, antes mesmo das práticas pedagógicas, pois
em todo o tempo não há como tratá-las em separado (FILHO, 2014).
Assim, a preocupação de Aristóteles estava em educar os jovens para que
ocupassem o seu tempo livre com atividades prazerosas que os levassem à felicidade.
Nesse sentido, e tomando o devido cuidado para não incorrer em anacronismo,
convém questionar: e hoje, qual o papel da sociedade na educação dos jovens? Como
os pais devem agir e participar na educação? Qual é realmente o seu papel? São
algumas das questões que se apresentam.
De nossa parte, partimos da premissa que o maior desafio é demonstrar como
a educação é fundamental para a formação da sociedade e dos indivíduos que nela
estão inseridos. Formar as próximas gerações para que tenhamos uma sociedade
mais digna e justa nas questões sociais.
A educação no Brasil em plena pandemia precisa ser vista como formadora de
pessoas pensantes e livres, que fazem suas escolhas baseadas em fatos e não como
pessoas de massa de manobras. Precisamos de uma sociedade crítica e atuante
pelos seus direitos e cumprindo seus deveres. Nesse sentido é que no tópico seguinte
propomos um ensaio prático sobre a alegoria naturalista de Jack London enquanto
crítica ao niilismo radical e que pode ser aplicada no contexto do Ensino Médio.

3 ENSAIO PRÁTICO: A ALEGORIA NATURALISTA DE JACK LONDON


ENQUANTO CRÍTICA AO NIILISMO RADICAL

A noção de além do homem em Nietzsche ecoou nas investigações de um sem


número de pensadores e continua a ser objeto de investigação por pesquisadores
como Jorge Luiz Viesenteiner (2006), Oswaldo Giacóia Júnior 2010) e Paul Van
Togeren (2018), para citar apenas alguns deles. Também fomentou o
desenvolvimento de várias perspectivas, tais como estética, histórica e democrática.
Jack London é um dos primeiros escritores que conseguiu sustentar-se apenas
com suas publicações, produzindo mais de cinquenta livros, distribuídos entre diversos
gêneros, tais como romances, contos, memórias, cartas, etc. Dado o volume de seus
escritos, bem como a variedade de temas abordados, torna-se dificultoso fazer um
estudo capaz de abranger toda sua obra, deste modo, nos deteremos no seu romance
intitulado The Wolf of Sea (O Lobo do Mar) de 1904 e a relação dessa obra com alguns
conceitos basilares do pensamento de Nietzsche, tais como “além do homem”, a moral
do senhor e a moral de escravo. Esta narrativa [The Wolf of Sea] nos apresenta os
embates entre Humphrey van Weyden, crítico literário que tinha como dogma o crença
de que a vida é a mais preciosa das coisas existentes, e Wolf Larsen, o severo capitão
do Gohst - um barco pesqueiro de focas - durante a luta que os dois personagens
travam pela sobrevivência em alto mar durante constantes situações de risco.
Num primeiro passo, consideraremos as influências que London recebe de
Nietzsche através das cartas em que o escritor cita o pensador alemão.
Posteriormente, apreciaremos a alegoria construída por London em “O Lobo do Mar”.
Por fim, vamos observar qual o alcance dos conceitos nietzscheanos nessa
composição3.

3.1 LONDON E NIETZSCHE

Jack London escreve suas narrativas no período de transição entre o realismo


e o naturalismo. As cartas do autor evidenciam a influência que recebe de pensadores
como Friedrich Nietzsche e Charles Darwin. Ao longo do trabalho analisou-se como
os conceitos de seleção natural de Darwin e de além do homem de Nietzsche se
desdobram no romance intitulado “O Lobo do Mar”, sobretudo no que se refere aos
embates entre os personagens Humprey Van Weyden, crítico literário e humanista
romántico, que por desventura naufraga e é resgatado pelo Ghost, navio pescador de
focas de Wolf Larsen, capitão niilista, cuja personalidade emerge como a própria
brutalidade da natureza. London considera O Lobo do Mar como uma crítica em
relação ao individualismo egoísta sustentado pela noção de além do homem em
Nietzsche.
Patrick Dooley (2012), ao investigar as influências filosóficas de Jack London,
diz que não há dúvidas quanto ao interesse do escritor pelas obras de Nietzsche. Em
1904 (ano da publicação de “O Lobo do Mar”) London escreveu a Charmian Kittredge
(escritora e sua futura esposa) dizendo que tinha lido sobre grandes ideias na
“Genealogia da Moral” e em “Assim Falou Zaratustra” (LABOR et al., 1988, p.446).
Em 1906 escreveu a Frederic Bamford - “Pessoalmente eu gosto muito de Nietzsche,
mas não posso ir até o fim com ele”(Labor et al., 1988, p.584). Em 1912 ele escreveu
a George P. Brett - “Como você sabe, eu estou num campo intelectual diferente
daquele de Nietzsche, mas nenhum homem no meu próprio campo me empolga tanto
quanto Nietzsche”(Labor et al., 1988, p.1072).
Em “The Tools of My trade - The Annotated Book’s in Jack London’s Library”
(1986), Hamilton faz um trabalho de catalogação e resumo de comentários, marcações
e anotações de mais de mil livros da biblioteca do escritor, dos quais se pode encontrar

3Antes de tudo, faz-se necessário alertar para o fato de que London recebeu uma série de influências,
o que torna difícil elaborar uma leitura uniforme e coerente a seu respeito, mas podemos dizer com
certa segurança que os literatos se referem a ele como um naturalista. Apesar de muitos naturalistas
evitarem narrativas que tenham a moralidade enquanto pano de fundo, London traz à tona conceitos
da filosofia nietzscheana, talvez pela sua abordagem que possibilita uma visão para “além da moral”,
mas essa é uma discussão para outra oportunidade.
os títulos “O Caso Wagner”, “O Crepúsculo dos Ídolos”, “Nietzsche Contra Wagner”,
“O Cair da Noite” e “A Genealogia da Moral”, devidamente comentados por Jack
London.4

3.2 ALÉM DO HOMEM E O LOBO DO MAR

Übermensch (além do homem) designa os indivíduos destinados a praticar as


virtudes heróicas da moralidade mestra, os quais devem fazer emergir uma cultura
aristocrática superior. Um tipo de homem portador de características como egoísmo,
severidade, força de vontade e afirmação da vida; seus descendentes deveriam
alcançar um patamar tão elevado que se distanciariam tanto do homo-sapiens como
este se distanciou dos macacos.
De acordo com Nietzsche (1988) existem apenas duas formas de moralidade -
a moral do senhor e a moral do escravo - os senhores possuem vontade de poder em
proporções heróicas, enquanto os escravos possuem vontade de poder demasiado
limitada. Essa divisão social implica em uma divisão ética, a moral dos senhores
possui um código de egoísmo diametralmente oposto à moral dos escravos, que
pertence aos fracos. Nietzsche sustenta que um sistema social e ético como o descrito
acima implicaria no desenvolvimento do übermensch5.
Wolf Larsen, personagem de O Lobo do Mar, é dotado de um individualismo
amoral e predatório, de modo que London tentou, de modo consciente, criar a imagem
da concepção nietzscheana de além do homem. Wolf Larsen é capaz de controlar

4
Os escritos de Nietzsche inspiraram London abrindo caminhos e fornecendo argumentos para suas
narrativas, no entanto, o escritor acreditou ter-se distanciado do pensador alemão, de modo que
escreve para H.E. Kelsey em 3 de abril de 1915 - “Por favor, leia meus romances O Lobo do Mar e
Martin Eden - ambos são acusados de recorrerem ao conceito de além do homem de Nietzsche”
(LABOR et al., 1988, p.1439). Em 4 de agosto escreve para J. H. Greer - “Fui mais estimulado por
Nietzsche do que por qualquer outro escritor no mundo. Ao mesmo tempo, fui seu inimigo intelectual.
Ambos meus romances, Martin Eden e O Lobo do Mar foram críticas a sua noção de além do homem
feitas por mim”. (LABOR et al., 1988, p. 1485). Em 5 de novembro escreve para Mary Austin - “Há
muitos anos, no início da minha carreira de escritor, eu ataquei a ideia de além do homem de Nietzsche.
Isso estava em O Lobo do Mar, muitas pessoas o leram, mas ninguém descobriu que essas críticas
eram relativas à noção de além do homem” (LABOR et al., 1988, p. 1513).
5 Os conceitos de Nietzsche passaram a ser atrativos para London, na medida que foram subsídios

para construção de seus personagens, os quais precisavam ter uma postura de autonomia e força
frente a realidade, fossem eles crianças fatigadas e famintas nas fábricas de tecelagem, vagabundos
a cruzar a América em trens de carga para fugir do inverno rigoroso, mineradores, caçadores no Alaska
ou marujos lançados contra a violência do mar. Nunca lhes coube uma postura de fraqueza ou
permissividade diante da natureza ou de outros indivíduos. London encontrou em Nietzsche a
possibilidade de vitória para o indivíduo amoral, possuidor da combinação entre força física e
genialidade.
situações imprevistas e difíceis sendo o senhor dos homens de sua embarcação, sua
amoralidade o faz superior aos escravos. A prioridade de Larsen é o poder, não a
sobrevivência, de forma que não possui medo diante de nenhum perigo.
O capitão costuma exibir o seu poder em atos cruéis (como quando ordena que
um marujo escale uma vela para costura-la durante uma tempestade) realizados
sempre que aparecem oportunidades, pois acredita que servir é o mesmo que sufocar
- “É melhor ser um rei no inferno do que um escravo no céu” (LONDON, 1904; p.
118). Larsen subordina seus desejos ao seu instinto de domínio, sempre que algum
subordinado o desobedece, é severamente punido ou assassinado.
A paixão desenfreada de Larsen por exercer sua vontade sobre os outros vem
ao encontro da afirmação de Nietzsche de que a vontade de poder é o instinto primário
do homem. O capitão sempre procura uma saída lógica para as lutas, se entusiasma
com elas tanto no sentido intelectual quanto no físico. É capaz de comemorar um
furacão no meio do Pacífico porque o encara como um desafio para a sua
embarcação, regozija-se quando quando encontra outras embarcações para competir
na pesca de focas, pois encontra a oportunidade de manifestar suas habilidades
superiores diante dos concorrentes. Larsen faz questão de apresentar a todo
momento argumentos lúcidos de que a dominação do homem forte sobre os fracos
deve prevalecer.
Os tripulantes do Ghost também estão condenados a serem controlados pelo
Lobo, pois com sua mentalidade de escravos se adequam ao papel de servir o seu
senhor. A vida de Larsen está acima de todas as outras no navio, de modo que todos
os eventos que ocorrem no Ghost representam a divisão de valores entre senhores e
escravos.
Humphery Van Weyden é frequentemente provocado por Larsen - “você é
impotente”, “sua moral convencional é mais forte do que você. Você é escravo das
opiniões convencionais dentre as pessoas que o cercam, deveria ler a respeito”. De
acordo com o capitão, a ética de Van Weyden se identifica com a do rebanho, portanto
pertence à classe dos escravos, cujo o único mérito que possuem é o de servir aos
senhores.
Mais tarde, através de suas cartas London alegava que “O Lobo do Mar” era
uma crítica em relação à noção de além do homem de Nietzsche. O contraponto ao
personagem de Larsen é Van Weyden, jovem crítico literário que vive com uma
pensão herdada do pai, ex-militar. Van Weyden vem de um contexto urbano e burguês
bastante diverso daqueles homens que ganham a vida no mar. No entanto, durante
uma viagem de visita, sofre a desventura de um naufrágio e é resgatado pelo Ghost,
não tendo alternativa a não ser subordinar-se à Larsen. Weyden se coloca sempre
contrário a Larsen durante seus embates, apesar das acusações do Lobo, Weyden é
o único da embarcação capaz de se opor à submissão através de argumentos
racionais, única razão pela qual ele não é assassinado como os outros opositores.
Sempre que tem oportunidade Weyden demonstra generosidade e comporta-
se de modo altruísta. O literato ganha a confiança dos tripulantes da embarcação,
mostrando que as chances de sobrevivência aumentam com o trabalho colaborativo,
resgata a teoria da evolução de Darwin para dizer que as matilhas de lobos, as
revoadas de aves e os cardumes de peixes aumentam as chances de sobreviver
diante dos perigos oferecidos pelos seus predadores. Cada indivíduo tem um papel
indispensável para a sobrevivência dos grupos. Ao apresentar uma postura altruísta,
o personagem procura demonstrar que a sobrevivência não depende somente da
força e do poder, mas da capacidade de integrar-se a um grupo.
No entanto, Weyden não passa pelo Ghost sem transformar-se. Na medida em
que é submetido a situações de tensão, sobre as quais é necessário o resgate dos
instintos primitivos, o personagem se sobressai ao criar soluções que exigem vigor
físico e habilidade intelectual, os quais passa a valorizar e aprimorar.
É difícil compor uma abordagem coerente das obras de Jack London, romântico
e altruísta por um lado, defensor do indivíduo e da vontade, por outro. Nunca se expôs
às frias atividades das ciências e da filosofia, pois ao mesmo tempo que era
intelectualmente curioso, era impressionável. Perto do fim de sua vida, desiludido e
cansado de lutar contra as ideias, chegou a lamentar que tivesse aberto os livros. Sua
atividade extensiva de leitura o colocou em contato com muitas concepções que eram
estranhas a sua natureza. London assimilava as ideias que se aproximavam dele,
alterava outras para adequar-se ou os aniquilava completamente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objeto a relação entre a Literatura e a Filosofia


considerando o desafio de concretizar a interdisciplinaridade no cotidiano dos
professores do Ensino Médio. Assim apresentou-se a alegoria naturalista de Jack
London enquanto crítica ao niilismo radical como um ensaio prático de proposta
interdisciplinar para trabalhar Filosofia e Literatura no Ensino Médio. O objetivo geral
foi analisar a pertinência de se trabalhar Literatura e Filosofia em uma perspectiva
interdisciplinar preservando a singularidade e as especificidades de cada disciplina,
uma vez que só é possível falar e buscar concretizar uma prática interdisciplinar se as
disciplinas e suas especificidades forem mantidos.
A relação de London com a filosofia6 vem ao encontro de seu individualismo.
Ele foi inclinado a aceitar fragmentos de sistemas filosóficos ou a recusá-los de acordo
com a compatibilidade de suas necessidades emocionais. Os textos de London
apresentam as contrariedades típicas da sua geração, o individualismo e o altruísmo,
a razão e o instinto, a fé e a ciência, compõe as mesmas narrativas. O pragmatismo
e os discursos de sustentação do programa imperialista ganhavam força, enquanto as
perspectivas europeias de consciência de classe chegavam ao mesmo tempo nos
EUA, essas influências compunham uma consciência não homogênea, através de,
por vezes, interpretações subjetivas das ideologias, por outras, uma escolha
cuidadosa de parte delas.
Para além das incoerências dos personagens de Jack London, que na maioria
das vezes refletia suas próprias contradições, pode-se dizer que O Lobo do Mar tem
uma influência decisiva da filosofia nietzscheana, sobretudo no que diz respeito à
distinção entre moral do senhor e moral do escravo e a noção de além do homem. No
entanto, não podemos dizer que London se opõe a esses conceitos como declarou
em algumas cartas, pelas razões, a saber, o personagem de Larsen é construído a
partir da imagem do “senhor”, do homem nobre e superior, egocêntrico, poderoso,
cruel e predatório. Weyden é a representação do escravo, o homem fraco e incapaz
de invertar-se dada sua aceitação dos acordos firmados pelo rebanho. Apesar de
Weyden opor-se a Larsen, ele próprio adere à afirmação da vontade e da força e
chega ao fim da narrativa declarando seu individualismo. Não sabemos se Weyden é
o oposto de Larsen ou se ele próprio torna-se “senhor”, superando o capitão através
do domínio exercido sobre a tripulação do Ghost.

6
O que London pensa a respeito da filosofia é consistente com seu individualismo: “A filosofia que se
encontra abaixo do coração da vida é distorcida. Quando a filosofia é fortemente provocativa por um
mês, dizendo ao indivíduo o que ele deve fazer, e ele diz ‘EU GOSTO’, a filosofia brilha. A filosofia é,
muitas vezes, a forma de um homem explicar as coisas de acordo com as suas próprias preferências"
(LONDON, 1921, p. 163, tradução nossa). Esta passagem nos ajuda a entender seu ecletismo, como
implicação seus personagens também eram uma mescla desarmoniosa das suas próprias posições.
Seus heróis possuíam as características ou ideias que considerava grandes ou únicas para si.
Espera-se que os resultados apresentados nesse trabalho possam colaborar
para o desenvolvimento de pesquisas na área educacional, mas especificamente nos
campos do ensino de Filosofia e da Literatura, assim como para encarar o desafio da
interdisciplinaridade na Educação Básica.

REFERÊNCIAS

BORTOLINI, Rosane Wanderscheer; NUNES, César. A Paideia grega: aproximações


teóricas sobre o ideal de formação do homem grego. Resumo Filos. e Educ.,
Campinas, SP, v.10, n.1, p.21-36, jan./abr. 2018.

FILHO, Fausto dos Santos Amaral. Os filósofos e a educação. Chapecó: Argos,


2014.

DOOLEY, K. Patrick. Jack London’s Materialistic and Pragmatic Philosophy. Journal


of Literature and Art Studies. Vol.2, No. 2, 2012. St. Bonaventure University, St.
Bonaventure, USA.

GIACOIA JR., O. A autosupressão como catástrofe da consciência moral. Estudos


Nietzsche. Vol. 1, n. 1, p. 73-128, jan./jun. 2010.

HAMILTON, David Mike; The Tools of My Trade”: The Annotated Books in Jack
London’s Library. Seatle: University of Washington, 1986.

LABOR, Earle; LEITZ, Robert. The letters of Jack London. Stanford, C.A.: Stanford
University Press, 1988.

LONDON, Charmian. The Book of Jack London. New York. New Century Co. 1921.

LONDON, Jack. Sea-Wolf. McKinlay, Stone & Mackenzie, New York, 1904.

NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Herausgegeben


von Giorgio Colli und Mazzino Montinari. Berlin: Walter de Gruyter, 1988. 15 Bände.

TONGEREN, Paul van. Friedrich Nietzsche and European Nihilism. Newcastle


upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2018.

VIESENTEINER, Jorge Luiz. A Grande Política em Nietzsche. Rio de Janeiro:


Annablume, 2006.

Você também pode gostar