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Análise e Argumentação

Thomas Malthus, Ensaio sobre o Princípio da População, capitulo 1

1 Ao ingressarmos no argumento, devo pressupor ter deixado fora de questão, por


2 enquanto, todas as simples conjeturas, ou seja, todas as oposições cuja provável
3 verificação não poderá ser inferida com base em quais quer fundamentos filosóficos. Um
4 escritor pode dizer-me estar convencido de que o ser humano acabara por transformar-
5 se em um avestruz. Não posso contradize-lo devidamente. Mas, para ter esperança de
6 convencer uma pessoa razoável de sua opinião, ele deve mostrar que o pescoço dos seres
7 humanos tem se alongado gradualmente, que seus lábios se tornaram mais duros e mais
8 proeminentes, que seus pés e pernas mudam de formato todos os dias e que o cabelo e
9 os pelos começam a se transformar em chumaços de penas. E, até que a probabilidade
10 de uma mudança tão fantástica possa ser mostrada, seria uma declarada perda de tempo
11 e saliva discorrer sobre a felicidade do homem em tal estado; descrever seus poderes,
12 tanto ao correr quanto ao voar, apresentá-lo em uma condição na qual todos os luxos
13 mesquinhos seriam desdenhados, na qual ele gastaria seu tempo apenas na coleta do
14 que fosse necessário à sua vida e na qual, consequentemente, a porção de trabalho de
15 cada homem seria pequena e sua porção de lazer, vasta.
16 Acredito estar em condições de apresentar convenientemente dois postulados.
17 Primeiro: os alimentos são necessários para a existência do homem. Segundo: a paixão
18 entre os sexos é necessária e continuará perdurando em seu estado atual mais ou menos
19 inalterada.
20 Essas duas leis, desde que adquirimos algum conhecimento sobre a humanidade,
21 parecem ser leis imutáveis da natureza e, como não presenciamos até agora nenhuma
22 alteração nelas, não temos o direito de concluir que vão deixar de ser o que sabemos que
23 são agora sem um ato de força imediato daquele Ser que elaborou pela primeira vez o
24 sistema do universo e que, para o bem de suas criaturas, ainda executa, segundo leis
25 imutáveis, suas várias ações.
26 Não conheço escritor algum que tenha suposto que nesta terra o homem acabara
27 sendo capaz de viver sem comida. Mas o senhor Godwin conjeturou que a paixão entre
1 os sexos pode, com o passar dos tempos, extinguir-se. Como, no entanto, ele considera
2 essa parte de seu trabalho um desvio rumo à terra da conjectura, não me ocuparei com
3 isso mais do que o suficiente para dizer que os melhores argumentos sabre a
4 perfectibilidade do homem advêm da observação do grande progresso já realizado por
5 ele desde o estado selvagem e da dificuldade em dizer aonde acabará chegando. Mas, no
6 sentido da extinção da paixão entre os sexos, nenhum progresso realizou-se até agora.
7 Ela parece existir no presente com tanta força quanto há 2.000 ou 3.000 anos. Há
8 exceções individuais agora como as houve sempre. No entanto, como o número dessas
9 exceções não parece aumentar significativamente, seria com certeza uma maneira muito
10 pouco filosófica de argumentar, de inferir meramente da existência de uma exceção que
11 a exceção se tornaria, com o tempo, a regra e a regra, a exceção.
12 Pressupondo então como admitidos os meus postulados, digo que o poder
13 populacional é infinitamente maior do que o poder existente na Terra de produzir
14 alimentes para o homem. A população, se não for controlada, cresce em progressão
15 geométrica. Os meios de subsistência crescem apenas em progressão aritmética. Uma
16 pequena familiaridade com os números mostrará a imensidade do primeiro poder
17 quando comparado com o segundo.
18 Em virtude da lei de nossa natureza que torna os alimentos necessários para a
19 vida do homem, os efeitos desses dois poderes desiguais precisam ser mantidos em
20 equilíbrio. Isso implica um enérgico e constante controle operacional a respeito da
21 população a partir das dificuldades de subsistência. Essa dificuldade deverá incidir em
22 algum ponto e deverá necessariamente ser sentida por uma grande parte da
23 humanidade. Por meio dos reinos animal e vegetal, a natureza espalhou sementes da
24 vida por todos os cantos, da forma mais profusa e liberal. Em termos relativos, porém,
25 vem limitando a oferta de espaço e alimentos para cultivá-las.
26 Os germes da existência contidos nesta porção de terra, tendo comida e espaço
27 em abundância para se expandir, preencheriam milhões de mundos ao longo de alguns
28 milhares de anos. A necessidade, essa imperiosa e sempre presente lei da natureza,
29 restringe-os dentro dos limites prescritos. A raça das plantas e a raça dos animais recuam
30 diante dessa grande e restritiva lei. E a raça dos homens não pode, independentemente
31 dos esforços da razão, escapar dela. Entre as plantas e os animais, seus efeitos são a perda
32 de sementes, a doença e a morte prematura. Entre os seres humanos, a miséria e o vício.
1 A primeira, a miséria, é uma consequência absolutamente necessária dela. O vício
2 é uma consequência altamente provável e o encontramos predominando de forma
3 abundante. Mas ele não deveria, talvez, ser considerado uma consequência
4 absolutamente necessária. A provação da virtude e resistir a todas as tentações de
5 curvar-se ao mal.
6 Essa desigualdade natural entre os dois poderes, o da população e o da produção
7 da terra, e aquela notável lei de nossa natureza que precisa manter os efeitos deles em
8 equilíbrio constituem a grande dificuldade que me parece insuperável no caminho da
9 perfectibilidade da sociedade. Todos os outros argumentos são de importância menor e
10 subalterna quando comparados com este. Não vejo como o homem conseguiria escapar
11 do peso dessa lei, que permeia toda a natureza animada. Nenhuma igualdade imaginada,
12 nenhuma regulamentação agrícola, por maior que fosse seu alcance, conseguiria
13 cancelar a pressão dela, ainda que por apenas um século. E ela, consequentemente,
14 parece decisiva quanto à impossibilidade de haver uma sociedade cujos membros
15 vivessem todos tranquilos, felizes e em ócio relativo, sem sentir nenhuma ansiedade
16 quanta a prover os meios de subsistência para si mesmos e para suas famílias.
17 Assim, se as premissas estiverem corretas, o argumento é conclusivo no sentido
18 de rejeitar a perfectibilidade da humanidade como um todo. Com isso, tracei o esboço
19 geral do argumento, mas o examinarei com mais vagar e acredito que acabará por ficar
20 demonstrado que a experiência, a verdadeira fonte e fundamento de todo o
21 conhecimento, confirma inapelavelmente a verdade dele.

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