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CAPÍTULO II

DISCUTIR OS PROCESSOS QUE DETERMINARAM O INÍCIO DA


DESIGUALDADE ENTRE O HOMEM ORIGINAL E O SER PRÉ-SOCIAL.

“Nada neste mundo é permanente, excerto a mudança e a


transformação”. HERÁCLITO1

Nessa parte significativa de sua tese, o escritor afirma que o homem


selvagem, (como qualquer ente/vamos retirar esta passagem/ela é
desnecessária e não precisaria ser explicada), sofreu mudanças significativas
em um lento e constante progresso. E que, o homem em seu estado natural,
por vezes, sente-se atraído em buscar facilidades. Juntar-se-á a uma mulher e
formará pequenos grupos familiares. Apenas acenos já não são mais
suficientes [...] A linguagem reclama sua vez; criará ferramentas cada vez mais
sofisticadas para caçar, pescar e se perpetuar. A perfectibilidade é um dos
traços desse homem. E é esta facilidade de se aperfeiçoar que o diferencia
dos outros animais. Mas da mesma forma, a perfectibilidade, não é
estabelecida com igual dose entre os homens. (colocar a referência).

Essas pequenas ‘facilidades’ foram lhes trazendo certo conforto e


felicidade. E vendo que todas estas comodidades poderiam ser aperfeiçoadas
quando se juntassem a outros da sua espécie. O homem agora é
hipoteticamente observado além do físico. Os pequenos vínculos sociais são
formados. Amor próprio, paixões, infelicidades, preferência, compaixão, são
sentimentos despertados quando o homem se afasta do seu estado natural.
Mesmo com as modestas evoluções, os primeiros homens encaminham-se na
iminência da linguagem e, com resultado: o conhecimento.

1
Heraclito ou Heráclito de Éfeso (Ἡράκλειτος ὁ Ἐφέσιος, Éfeso,
aproximadamente 500 a.C. - 450 a.C.) foi um filósofo pré-socrático considerado o "Pai
da dialética". Recebeu a alcunha de "Obscuro" principalmente em razão da obra a ele atribuída
por Diógenes Laércio, Sobre a Natureza, em estilo obscuro, próximo ao das
sentenças oraculares. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito> – 02/02/2020 às 18:12h
Em um novo despertar, agora, um pouco mais distante de toda proteção
fornecida pela natureza. A desigualdade não será só física; as potencialidades
individuais invocavam as paixões e os instintos morais, a inveja. Ademais, terá
como resultado as incompatibilidades de alguns. Assim como, conflitos e
tensões – que são atributos de convivência em sociedade.

Novos obstáculos obrigarão os homens a arranjar novas ferramentas,


menos “naturais” que galhos e as pedras: assim, aumenta a distância
entre a natureza e o homem, distancia criada pelo artifício a que este
recore para melhor dominar seu meio. (STAROBINSKI, 2011, p. 43)

O objeto de estudo de Jean-Jacques Rousseau, o homem em estado


natural, desponta para um novo episódio: a sociabilidade. Este homem que
carrega em sua natureza ancestral traços significativos de um homem bom e
piedoso e, que as circunstâncias os conduzirão, em principio, a pequenas
associações. Mas que, nesse estado vigente vê-se impossibilitado de
retroceder, ou seja, o homem doravante cheio de paixões, não é feliz.

O ‘novo homem’ distancia-se vagarosamente do que lhe foi prescrito


pela natureza. Porém nada obstante, a sorte do homem natural reivindica
mudanças. As paixões e a razão resultarão em conselheiros constantes. Em
fim, STAROBISNSKI (2011, p. 9) afirma que, Rousseau tratou sua obra como
se “constituísse uma ficção vivida”. Por certo que, as discrições hipotéticas do
autor, ao expor os sucessivos cenários intermediário do homem selvagem,
contribuíram para que ele chegasse a esta conclusão.

Como ou sem razão, Rousseau não consentiu em separar seu


pensamento e sua individualidade, suas teorias e seu destino
pessoal. É preciso considerá-lo tal com se apresenta, nessa fusão e
nessa confusão da existência e das ideias. Assim, somos levados a
analisar a criação literária de Jean-Jacques como se ela
representasse uma ação imaginária [...]. (STAROBINSKI, 2011, p. 9)

Foram lentos e progressivos os vários processos que levaram o homem


primitivo a abrirem mão de um estado onde eles eram completamente livres e
felizes; mergulhou-se em outra natureza, que eles mesmos, por vez, buscaram
criar para si. Eles afastavam-se cada vez mais do que lhes fora prescrito pela
natureza. E a partir de agora, as circunstâncias, mais do que às leis da
natureza serão encarregadas em guiá-los. De sorte que, tanto à abundância e
a felicidade que horas desfrutavam em sua condição animal, cederá lugar a
infelicidade e ao trabalho de muitos.

E evidente que não foram circunstâncias promovidas puramente pelos


acasos naturais, mas em sua maioria estas alterações eram engendradas pela
razão humana. E suas consequências levaram a um desencadeamento de
ações que se tornaria fruto da desigualdade, e que portanto, fonte da
infelicidade humana.

De fato, não é concebível que essas primeiras transformações,


qualquer que seja os meios pelos quais se deram, tenham alterado a
um só tempo e da mesma maneira todos os indivíduos da espécie;
porém, tendo-se uns aperfeiçoados ou deteriorados, e havendo
adquirido várias características, boas e ou más, que de modo algum
eram inerentes à sua natureza, os outros permaneceram por mais
tempo em seu estado natural. (ROUSSEAU, 1985, p. 41)

Em um ciclo surpreendente dos seus escritos, Rousseau descreve


metafisicamente, como teria sido o homem ainda não socializado. Pequenas
mudanças comportamentais e morais estão surgindo de forma gradativa. Este
ser hipoteticamente retratado além do físico e, que agora demonstra alguns
aspectos artificiais em suas ações é notadamente refletido no sentido
etimológico. E é essa visão ‘além do físico’ que irá nortear alguns parágrafos
do trabalho do autor.

Os destaques dessas mudanças são geralmente atributos da alma e


consequentemente alterações morais frente aos seus semelhantes. Esta
gênese do bom selvagem enuncia as pequenas reflexões e progressos em sua
indústria. Os novos obstáculos encontrados fizeram com que o homem pré-
social buscasse soluções praticas. E com isso, contribuindo para uma forma
mais organizada em suas tarefas diárias.

Assim, àquele homem que ainda não estava socializado, mas, sentia-se
potencialmente livre; com uma disposição que o impulsiona cada vez mais em
direções ainda incertas. Com essas atitudes, faz com que ele descobrisse que
é possível tratar questões que doravante eram muito complexas para serem
enfrentadas. Por esse meio, por exemplo, os animais maiores não serão
motivo para que eles deixem de caça-los. Logo que, aprenderam a desenvolver
armadilhas ou até mesmo a se juntarem para surpreenderem as presas.

[...] a alma humana alterada no seio da sociedade por mil causas que
se renovam sem cessar, pela aquisição de uma multiplicidade de
conhecimentos e de erros, pelas mudanças sofridas na constituição
dos corpos e pelos continuo choque de paixões, adquiriu, por assim
dizer, outra aparência, a ponto de estar quase irreconhecível.
(ROUSSEAU, 1985, p. 40).

O processo que supostamente conduziu os bons selvagens rumo aos


primeiros sentimentos do coração humano foram amor conjugal e o cuidado
materno/paterno. Mas, também, imagina o autor, fez surgir, de igual forma, a
diferença entre homens e mulheres. Elas ficaram encarregadas de atender os
filhos, o homem e a cabana. Enquanto àquele atentava em promover alimento
e a segurança do pequeno grupo familiar. Esta pequena sociedade, por vez,
juntava-se a outro grupo para, com mais eficiência, garantir alimentos suficiente
para todos. Desse jeito, como resultado, menor esforço e uma maior eficiência
em suas empreitadas.

Mas, contudo, verificou-se que essas facilidades aos poucos foram


diminuindo o vigor físico que naturalmente o homem original possuía. Quer
dizer, o homem pré-social de forma acanhada, porem constante, substituía
sua força braçal contida em sua robustez natural, pela perfectibilidade na
fabricação de ferramentas, armadilhas, armas, estratégias.

Todas essas possibilidades foram cunhadas por força das suas


necessidades e paixões. Assim, esses dois sentimentos formam juntos o
mecanismo acionador da perfectibilidade. No entanto, tal qual, acertadamente
descreveu Cortella (2016, p. 15), “[...] no momento em que passa a guardar o
resultado da coleta com a intenção de utilizar no futuro, esta passa a ser uma
ação transformadora e consciente”. Portanto, embora o desenvolvimento da
razão tivesse um resultado inversamente proporcional ao que a natureza lhe
entregou, o homem substituía os dons naturais sem se dar conta que
fisicamente estava se tornando mais fraco e artificial.

Cada família se tornou uma pequena sociedade, tanto mais unida por
ser apego recíproco e a liberdade seus únicos vínculos; foi então que
se estabeleceu a primeira diferença na maneira de viver dos dois
sexos, que até então só haviam tido uma. As mulheres tornaram-se
mais sedentárias e se acostumaram a tomar da cabana e das
crianças, enquanto o homem ia buscar a subsistência comum. Os
dois sexos começaram também, graça a uma vida um pouco mais
amena, a perder algo de sua ferocidade e de seu vigor [...].
(ROUSSEAU, 2017, p. 75).

O autor procura demonstrar em seus relatos que, a sociedade nascente


é forjada com uma ideia grosseira (por que grosseira?) de compromisso mútuo.
Assim que, ao buscar a sua preservação energicamente, o homem em seu
estado natural, viu-se na iminência de melhorar suas ferramentas e estratégia
para conseguir o seu alimento e, igualmente, se proteger de outros animais
selvagens. Contudo, a solidão – que então lhe parecia algo natural e bom –
nessa nova fase, já não parece ser sua melhor companhia: buscará agora
unir-se a outro da mesma espécie, para juntos melhorar suas empreitadas à
procura de alimentos, com mais eficiência e segurança.

O homem formará pequenos grupos familiares. Unir-se-á, de forma mais


permanente a uma mulher. E dessa maneira, ver-se-ia na eminência de buscar
mais alimentos, de se abrigar melhor e mais seguro. Visto que, ao engendrar
essas pequenas sociedades, ele viu que não poderia mais viver exposto como
antes. Com isso, aumentando gradativamente suas necessidades e suas
preocupações. Logo que, com as construções de moradias cria-se o primeiro
sentimento de propriedade.

Em pouco tempo, deixando de dormir debaixo da primeira árvore ou


de se abrigar em cavernas, ele descobriu algum tipo de machado de
pedra dura e cortante que serviria para cortar a madeira, cavar a terra
e fazer cabanas de ramagens, que depois pensaram em cobrir com
argila e barro. Foi a época de uma primeira revolução que trouxe o
estabelecimento e a diferenciação das famílias e que introduziu uma
espécie de propriedade, de que talvez já tenha nascido querelas e
combates. (ROUSSEAU, 2017, p. 75).
O desejo cada vez maior – nesse novo estado de sociedade onde as
dificuldades aumentavam gradativamente – pelo conhecimento – pois nesse
momento o conhecimento começa a representar poder. O que será
desencadeado em novas práticas e facilidades na busca pelo alimento. Já
que, o vigente estado demanda maior esforço individual para atender o
coletivo. Criar novas ferramentas para caçar, pescar, por exemplo, passou a
fazer parte de uma necessidade fundamental.

Uma vez que, os homens estavam saindo do estado de natureza e se


fixando em pequenos grupos que os impediam de fazerem longas jornadas na
busca pelo alimento. Sendo assim, nesse momento, valer-se de técnicas mais
eficazes de colheita, plantio, caça, pesca, tornar-se-á, imprescindível para
suas sobrevivências. Não é mais possível colher e dormir na mesma árvore.
Porquanto, o homem selvagem não caminha mais sozinho nas vastas florestas
imaginadas pelo autor.

Surgindo então as primeiras dificuldades, o indivíduo deve recorrer à


própria iniciativa ou exercitar sua criatividade para aprender a vencê-
las. A altura das árvores, por exemplo, ou a concorrência de outros
animais, levou-o a exercícios corporais. As condições climáticas – os
longos invernos ou os longos verões – levaram-no a uma nova
indústria: alguns inventaram a pesca, e outros, em condições
diferentes, a caça. (FORTES, 1989, p. 60)

O selvagem era livre para procurar seu alimento, descansar onde bem
lhe conviesse. Mas, foi a sua própria liberdade que veria a uni-los a um
progresso danoso e artificial. E apesar de só o homem possuir a faculdade da
perfectibilidade, ou seja, a faculdade de se aperfeiçoar; mudar seu espaço e a
si próprio. Essas mudanças acumuladas ao logo dos anos foram suficientes
para levá-lo a um estado deplorável. Assim, o homem que ativa a razão é o
mesmo que hora despreza a natureza, ao buscar para hoje o que a terra só iria
lhe fornecer amanhã.

Assim sendo, é irrefutável que a liberdade e a razão cooperaram para


ativar no homem selvagem o sentido da perfectibilidade. Esta de certo modo, e
de forma diferente em cada pessoa, aciona o mecanismo do amor próprio. Que
por sua vez irá provocar as paixões no ser humano.
Porque o homem é perfectível, não cessou de acrescentar suas
invenções aos dons da natureza. E desde então a história universal,
embaraçada pelo peso continuamente crescente de nossos artifícios
e de nosso orgulho, adquire o andamento de uma queda acelerada
na corrupção: abrimos os olhos com horror para um mundo de
máscaras e de ilusões mortais, e nada assegura ao observador (ou
ao acusador) de que ele próprio seja poupado pela doença universal.
(STAROBINSKI, 2011, p, 23).

A razão, afirma o autor, é sem dúvida para o homem a maior das


incoerências existente nos seres humanos. Uma vez que, para ele o estado de
reflexão é contrário à natureza. Pois, inocentemente o ser humano usa a razão
para cada vez mais afastar-se de sua natureza original. Logo, a razão
“contribui” de forma efetiva para o constante aperfeiçoamento de sua faculdade
de aperfeiçoar-se.

A sua perfectibilidade produz de forma quase ilimitada, modificações na


natureza e no próprio ser. Isso porque, o desenvolvimento sucessivo e os
acontecimentos externos provocam no mortal o despertar das suas
potencialidades, conduzindo-os a novas práxis. Com isso, novas formas de
conquistar seu alimento, de construir ferramentas, de morar, aparecem como
um raio a cada instante. Ou seja, modificar a natureza parece ser condição
essencial para que ele consiga autocriar-se.

[...] a maioria de nossos males resultam de nossa própria atuação, e


que poderíamos evitar quase todos conservando a maneira de viver
simples, uniforme e solitária, que nos foi prescrita pela natureza. Se
ela nos destinou a sermos sãos, ouso quase afirmar que o estado de
reflexão é contrário à natureza e que o homem que medita é um
animal corrompido. (ROUSSEAU, 1985, p. 57).

O selvagem, antes livre, solitário e sem obrigações aparente,


influenciado perfectivelmente, tenta modificar a cada dia suas ferramentas que
hora se faz necessário para ele. Da mesma forma, o meio onde vive. Com a luz
vieram às preferências particulares. Desse modo, o homem rousseauniano
afastou de si o que a natureza de melhor lhe ofertou: a felicidade original, a
liberdade e o amor de si.
De modo igual, a razão, às paixões e a liberdade (esta última foi à única
que trouxera do homem natural/será? Minha posição é a de que os elementos
da natureza humana ainda sobrevivem no homem civil) juntas contribuíram
para formar o alicerce da perfectibilidade – um tipo de estrada sem fim
aparente; de mão única; sem volta. Esta faculdade quase ilimitada parece ter
presa e empenha-se em produzir a luz insensatamente (melhore esta frase,
pois não está clara). Entendimentos que farão mutações no homem solitário
que a cada dia se distancia mais de sua origem. Logo que, suas novas
criações precisam ser colocadas em questão.

Seria triste para nós vermo-nos forçados a convir que essa faculdade
quase ilimitada que o distingue, é a causa de todas as desgraças do
homem. É ela que, com o tempo o tira dessa condição originária, na
qual vivera dias tranquilos e inocentes; é ela que, com o passar dos
séculos, faz desabrochar seu saber e seus erros, seus vícios e suas
virtudes, quem, afinal, o faz tirano de si mesmo e da natureza.
(ROUSSEAU, 1985, p. 61).

De certo que todo o desenvolvimento do homem selvagem não seria


possível sem que antes tivesse um longo e árduo progresso em sua maneira
de se comunicar. Os grunhidos e gestos sem sentido, aos poucos perdia seu
lugar. Em vista disso, com a fruição da comunicação os principais sentidos do
homem primitivo foram ampliando-se de forma estável e crescente. A fala
parece ter sido para o homem uma espécie de “primeiro motor”.

Os primeiros grupos familiares emergem timidamente, surgindo


pequenas sociedades que trouxeram limitadas reflexões. E como
consequência, produzindo mais facilmente dentro do mesmo grupo. Mas
também, tiveram como resultado as primeiras comparações, o orgulho de si
mesmo, o amor ao bem-estar, às paixões, o amor próprio. Por tudo isso, o
selvagem, devido às necessidades, aprende a se comunicar. Logo, estende
sua habilidade e molda junto com outras famílias, maneira mais produtiva de
trabalhar a terra, conquistar seu alimento e construir suas moradias.

A semelhança da estátua de Glauco, que o tempo, o mar e as


tempestades haviam desfigurado de tal maneira que mais parecia a
um animal feroz que a um Deus, a alma humana alterada no seio da
sociedade por mil causas que se renovam sem cessar, pela aquisição
de uma multiplicidade de conhecimento e de erros, pelas mudanças
sofridas na constituição dos corpos e pelo continuo choque de paixão,
adquiriu, por assim dizer, outra aparência, a ponto de estar quase
irreconhecível. (ROUSSEAU, 1985, p. 40).

Há de supor que o primeiro formato da linguagem do homem em seu


estado natural, deverá ter sido um tipo de grito. Muito provavelmente esta
‘linguagem’ tenha surgido de forma natural, instintiva. Um simples pedido de
socorro, ou até mesmo, a tentativa de alertar outro animal que estivesse na
preeminência de algum infortúnio. Ou seja, possivelmente, em determinado
momento o selvagem na eminência de se preservar ou usar o que de melhor a
natureza lhe entregou – o amor de si e a piedade – para proteger outrem, foi o
suficiente para despertar em si, a chave que abriria a porta do conhecimento:
à linguagem.

Porém, Jean-Jacques Rousseau deixa claro que, a linguagem e às


ideias nasceram longe da solidão. Porquanto, a comunicação e o
conhecimento só prosperam em meio à sociedade. Assim, é quase impensável
o selvagem desenvolver conhecimento, sem que para isso, antes tenha
aprendido a se comunicar, primeiro em seu grupo social, e em seguida com
outras sociedades.

E Rousseau conclui (1985, p. 69), “Aliás, as ideias gerais só podem se


introduzir no espírito com ajuda das palavras e o entendimento não as
apreende senão por meio de preposições”. Portanto, foi preciso primeiro que o
homem pré-social apurasse sua comunicação, para em seguida potencializar
o conhecimento.

Que se imagine a quantas ideias devemos ao uso da palavra; o


quanto a gramática exerce e facilita as operações do espírito; que se
pense nos trabalhos inconcebíveis e no tempo infinito que deve haver
custado a primeira invenção das línguas; que se acrescente essa
reflexões às precedentes e se calculará quantos séculos foram
necessários para desenvolver sucessivamente no espírito humano as
operações de que eram capaz. (ROUSSEAU, 1985, p. 65)

O único animal que, supostamente, teme à morte e, tem consciência do


significado de liberdade é o homem provido da razão. A natureza, de certa
forma facilitou à aproximação do homem selvagem com outros de sua espécie.
Este ser que agora invoca(explique este invocar), ainda, a regra do direito
natural ao ver na sociabilidade uma garantia para sua preservação e de seu
bem-estar.

Sendo assim, a sociedade em si não teria modificado à essência do


homem(comente esta frase). Mas, o homem vivendo em sociedade
desenvolveu paixões que naturalmente não são atributos da sua alma. Pois, é
quase impossível explicar os motivos que levaram o homem a depender de
outro. Segue então que, a sociabilidade é a raiz do ser moral, das paixões [...]
E consequentemente, de alguma forma, essa mesma sociedade produz no
homem o fruto da necessidade com um eterno sabor de felicidade. No entanto,
dificilmente esta será saboreada.

O mal se produz pela história e pela sociedade, sem alterar a


essência do indivíduo. A culpa da sociedade não é a culpa do homem
essencial, mas a do homem em relação. Ora, com a condição de
dissociar o homem essencial e o homem em relação, com a condição
de separar sociabilidade e natureza humana, pode-se atribuir ao mal
e à alteração histórica uma situação periférica em relação à
permanência central da natureza origina. (STAROBINSKI, 2011, p.
34).

Com as facilidades da vida em sociedade, bem como, os obstáculos e


contingências e, todas suas particularidades, levaram o homem a
modificações singulares. A convivência cada dia mais frequente com outros da
sua raça desenraizaram na essência humana sentimentos que teoricamente,
não irá rever-lós(rever grafia) enquanto mortal. Como exemplo o amor-de-si,
este será substituido pelo amor próprio. Como concluiu o genebrino
(ROUSSEAU, 1985, p. 76): “O homem selvagem não possui esse admirável
talento; por falta de sabedoria e razão sempre se vê entregar-se ao primeiro
sentimento da humanidade”.

O amor-próprio comporta-se no homem social como o tempero da razão.


Logo que, sem a compaixão o homem seria incapaz de sentir o sofrimento de
outrem e buscar socorrê-lo indo a sua defesa. Portanto, o amor-próprio zela
pelo bem-estar seu e se compadece pelo outro [...] Assim como, a repugnância
inata, que sente ao ver um desconhecido sendo morto ou torturado de forma
considerada covarde pelo espectador. (o amor-próprio é o sinal do egoísmo, e
não da compaixão). Rever parágrafo.

Nos escritos de Rousseau, ele procura demonstrar sistematicamente


que o amor-próprio, a compaixão porta-se como um guia no homem social. Em
outras palavras, sem esse conselheiro o comportamento humano seria
correspondente ao que ele tinha quando vivia livre e solitário comandado pela
natureza. Não o bastante, pouco irá importar-se com o alimento de amanhã,
ou até mesmo, com as reações – que hoje presumir-se-ia penosa – de
sofrimento de sua prole. (rever parágrafo).

É a razão que engendra o amor-próprio, e é a reflexão que fortalece;


é ela que mergulha o homem em si mesmo; é ela que o afasta de
tudo que o incomoda e o aflige. É filosofia que isola; é por ela que ele
diz em segredo, diante de um homem que sofre: ‘Morre, se queres;
eu estou em segurança’. Só os perigos da sociedade como um todo
perturbam o sono tranquilo do filósofo e o arranca do seu leito.
(ROUSSEAU, 1985, p. 76).

Para Rousseau, é a qualidade de homem livre que diferencia o homem


dos outros animais. Já que, à natureza manda... Mas, o homem livre
formulador de ideias, questiona, resiste, desobedece. Pois, o homem vivendo
em sociedade permitiu que as paixões prosperassem por todo lado. Desde
que, sendo às paixões originaria da vida coletiva, elas florescem pela
necessidade. E que portanto, só aprimoram-se com o conhecimento.

No momento pré-social representado por Rousseau, afloram


sentimentos como, inveja, orgulho, infelicidade, discórdia. Esses sentimentos,
embora nefastos, fluíam-se por todo canto; oriundos das necessidades criadas
pelo homem. Este que insiste em abandonar a natureza. E essas demandas,
por sua vez, eram influenciadas pelas paixões nascentes. Por esses motivos,
o autor em suas especulações faz crer que a única paixão natural no homem é
o amor-de-si e a piedade. Conclui-se então que, os demais sentimentos das
paixões só se desenvolvem em sociedade e, de forma antinatural.

Ao lado do amor de si, há outro combustível natural da ação. É o que


Rousseau chama de pitié ou compaixão. É nessa paixão primitiva que
reside a fonte de todas as futuras virtudes sociais. Posteriormente
desenvolvida, uma vez consumado o laço social, ela se transformará
na consciência ou no instinto moral. Capacidade de sair de si e de se
identificar com o outro é por sua presença em nós que podemos,
livrando-nos de nosso egoísmo de civilizados, nos lançar na
reconstrução da imagem do homem primitivo. (FORTES, 1989, P.
57).

Os povos, de um modo geral, optaram por juntar-se em cabanas.


Pequenos grupos familiares avizinhavam-se de outras, para juntos construírem
novas associações. Onde o princípio fundamental em comum era o bem-estar.
Ou seja, “instruídos pela experiência de que o amor do bem-estar é o único
móvel das ações humana”, sustentava Rousseau (1985, p.87).

Na representação hipotética rousseauniana é descrito o exato momento


onde o homem terá a primeira ideia de propriedade. E que, de igual modo, da
desigualdade e das paixões geradas pela desconfiança e necessidades. As
preferências cresciam alimentadas pelas comiserações e animadas pelos
ciúmes, compaixão, prudência, inveja. E também comparações, tais como:
mais forte, fraco, feio, bonito e toda sorte de sentimentos análogos.

Cada qual começou a olhar os outros e a também querer ser olhado,


e a estima pública teve um preço. Aquele que cantava ou dançava
melhor, o mais belo, o mais forte, o mais hábil ou o mais eloquente,
tornou-se o mais considerado; e assim foi dado, a um só tempo, o
primeiro passo para a desigualdade e para o vício. Dessas primeiras
preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo, de outro,
a vergonha e a inveja; e a fermentação provocada por esses novos
germes produziu por fim resultados desastrosos à felicidade e à
inocência. (ROUSSEAU, 1985, p. 90-91).

O tempo pedia passagem, tinha pressa. Quanto mais ele corria,


igualmente, desvendava o entendimento humano. Quanto maior fosse o
esclarecimento do espírito do ex-selvagem, maiores eram as suas
necessidades.

Com efeito, as paixões multiplicavam-se. A solidão e a árvore para


comer e descansar fora substituídas por uma família e uma cabana. Grupos
que em outro momento reunia-se esporadicamente para caçar tinha nesse
instante o desejo comum de compartilhar o mesmo espaço. Ou seja, não eram
mais encontros casuais. Mas, a partir desse estágio, grupos distintos, e com
algum tipo de afinidade, construía seu rancho próximo um do outro. Assim, de
alguma forma ajudavam-se mutuamente para tratarem de sua preservação.

Os usos do conhecimento serão sempre tão estáveis e corrompidos


como são os próprios humanos. Os humanos usam o que sabem
para satisfazer suas necessidades mais urgentes – mesmo que o
resultado seja sua ruína. [...] Em suas vidas diárias, os humanos
lutam para computar lucros e perdas. Quando em tempos
desesperados, agem para proteger sua prole, vingar-se de inimigos
ou simplesmente da vazão a seus sentimentos. (GRAY, 2007, p. 44).

No entanto, segundo as conjecturas do autor, foram essas facilidades


alcançadas na vida em grupo, que levou o homem a se levantar um contra o
outro. Ele afirma que, quando o primeiro humano teve a ideia de fincar no solo
uma estaca; estabelecendo um espaço qualquer como seu e ninguém se
prontificou a arrancar-lhe das mãos para impedi-lo que prosseguisse; foi o
suficiente para que o outro estabelecesse o princípio da propriedade.

O autor especulou ainda que com a criação da propriedade vieram as


desigualdades. Logo porque, com esse feito, o homem passou a depender do
seu semelhante para lavrar a terra e cuidar dos animais domesticados por
todos. Pois, às necessidades nascentes não paravam de se intensificar e, às
paixões, do mesmo modo, de se multiplicar. Assim, aquele que consentiu
enterrar o poste, no chão sem dono, nessa ocasião, lamentou-se junto ao
cercado do seu senhor mendigando o sustento de sua família.

O primeiro que, cercado um terreno, arriscou-se a dizer: “isso é meu”,


e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o
verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras,
mortes, miséria e horrores não teria poupado ao gênero humano
aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse
gritado ao seu semelhante: Fugi às palavras desse impostor; estareis
perdidos se esquecerdes que os frutos pertencem a todos, e que a
terra não é de ninguém. (ROUSSEAU, 1985, p. 84)

Desta maneira, em seu manifesto, Rousseau inferiu que são duas as


características da desigualdade, a saber: A primeira, ele chama de natural, pois
consiste na idade, força, qualidade da alma. Sendo que a outra – que só
aparece mais tarde para o homem – é a moral. Esta só surge quando o homem
começa a viver em pequenos grupos familiares, e com o desenvolvimento da
alma tende a se destacar entre as principais desigualdades.

Assim, portanto, de forma bem simplória, o homem junta-se a uma


mulher para formar pequenos grupos familiares. E com isso, perpetuar a
espécie – nasce o sentimento paternal, de existência e conservação – estes
dois últimos são agora conduzidos por um espírito mais elaborado. Ao precisar
cada vez mais de alimentos, aprimora suas técnicas de caça e conservação
dos alimentos. Os primeiros grupos familiares emergem timidamente, surgindo
pequenas sociedades, e acanhadas reflexões. Que rapidamente iria conduzi-
los a uma rudimentar comunicação.

Por tudo isso, o selvagem, devido às necessidades, aprende a trabalhar


a terra e construir suas moradias – o amor conjugal se estabelece entre as
famílias. Assim através da sua perfectibilidade e, dá compreensão do que seria
propriedade começam a dá seus primeiro passos rumo à desigualdade. Assim
como, as diferenças entre as pessoas, e até mesmo no interior das famílias –
a diferença entre homem e mulher.

Distintos grupos unidos por seus costumes reúnem-se debaixo de uma


árvore, por exemplo, para compartilharem varias formas de lazer. Já não são
mais solitários. Logo, com a convivência em grupo surge também o sentimento
de inveja, discórdia, ciúmes. Com isso, o mais forte começa por querer
disputar com o mais fraco. O homem que hora se juntará para assim melhorar
suas ‘forças’, se vê de forma particular, com desprezo ou consideração.
Afastava-se cada vez mais do seu estado natural, ou seja, a piedade natural
estava desaparecendo e dando lugar a um ser “racional”.

Dessa maneira, o homem pré-social ao começar fazendo comparações,


primeiro observando as diferenças entre os animais, depois entre os animais
consigo, e em seguida com seus pares. Fez nascer manifestar em cada ser
uma espécie de reflexão que, consequentemente iria leva-lo a fazer certas
percepções mais complexas. Como por exemplo: que alguns eram mais fortes,
ágeis, medrosos. Ou seja, todas essas observações o levaram ao sentimento
de orgulho, desconfianças e concorrência. Assim, tirando conclusões ainda de
forma rudimentares, começa a nascer uma vaga noção do bom, belo, forte, ou
seja, o sentimento de superioridade, inveja em seu estado embrionário. Isto
posto, por consequência, essas mudanças acumuladas ao logo dos anos foram
suficientes para levar o homem selvagem a um estado deplorável vivendo em
sociedade.

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