Você está na página 1de 9

Pietro Ferretti Rocco

Quem Veio Primeiro, Darwinismo Social ou Biológico?

Introdução

É possível ouvir que Charles Darwin foi uma pessoa à frente de seu tempo. As suas
contribuições para a biologia de fato foram algo além do relevante. Contudo, tais
caracterizações geralmente acompanham alguns predicados de elevação moral. Há a noção de
que Darwin estava alheio aos preconceitos de sua época e do seu ciclo social. Quando Darwin
presenciou o castigo no tronco de uma pessoa negra na Bahia, ele se sentiu ofendido, chegou
a brigar com o capitão do Beagle, Robert FitzRoy. Após esse acontecimento dizem que
Darwin não voltaria nunca mais ao Brasil, pois não conseguiria ver nem um cachorro sendo
tratado daquela maneira. Eventualmente, grande parte das pessoas que estudaram
minimamente esse autor já ouviram essa história.
Além dessas exaltações, há um senso comum de que A Origem das Espécies estava
focada totalmente nos estudos biológicos da evolução, e após a dissipação dessa obra pessoas
a usaram para justificar o imperialismo e a superioridade da raça branca através do
“Darwinismo Social”. A partir de um sentimento de má fé ou através de uma leitura errônea
da Magnum opus de Darwin nasceu uma pseudociência determinista que considerava um
trajeto para as sociedades por meio do progresso e da civilização capaz de profetizar o futuro
mediante uma síntese do passado.
Para quem lê A Origem, a priori, pode abstrair essa noção. Há inúmeras passagens
desse livro em que podemos comprovar a formação do “Darwinismo Social” dessa maneira.
Logo no início de sua obra Darwin discute sobre a inconsistência da questão da raça/espécie.
Para ele o limite entre uma raça e outra é muito tênue e ao tentar encontrar uma regra haverá
sempre várias exceções. Através dessa contestação ele desenvolve um dos seus principais
argumentos: a variabilidade singular entre indivíduos das espécies. A principal força motriz
da especialização são as características que cada indivíduo possui e ao serem passadas para as
futuras gerações elas vão se aglutinando até gerar uma espécie nova. Mas essas características
só irão fixar e gerar variedades distintas do ser inicial através da seleção natural. Darwin
evoca a “natureza” muitas vezes em um senso metafísico e pela qual irá pôr à prova tais
variabilidades por meio do clima, geografia, disponibilidade de comida, seleção sexual etc
(DARWIN, 2018). Ao levar em conta que quanto mais variações existem em uma espécie
mais as chances dela sobreviver nas lutas pela sobrevivência, assim sendo, daria para propor
que Darwin era a favor da variabilidade de características entre as raças, ou melhor, que
Darwin acharia bom as diferenças presentes entre as distintas etnias e grupos humanos?
Outro ponto que Darwin discute em sua maior obra e que afirma o pensamento que o
evolucionismo biológico de Darwin gerou o as ciências biodeterministas é a ineficiência da
seleção artificial, feita pelos humanos, em comparação a seleção natural, feita pela natureza.
Para ele a seleção feita pela natureza é mais completa e tem a capacidade de agir nas menores
nuances e apropriada para cada condição enquanto que a seleção artificial chega ser até
ridícula, pois atua de forma superficial e egoísta. Em suas próprias palavras:

O homem interfere apenas em caracteres externos e visíveis; a natureza


despreza as aparências, exceto na medida em que possam ser úteis a um ser. Ela atua
em cada um dos órgãos internos, em cada diferença constitutiva, no maquinário da
vida como um todo. O homem seleciona apenas para o seu próprio bem; a natureza,
apenas para o bem do ser do qual ela cuida. Ela trabalha integralmente cada
caractere selecionado, até que o ser adquira condições de vida adequadas. [...] Quão
débeis são os desejos e esforços do homem! E quão exíguo é o tempo à sua
disposição! Por isso, suas produções não se comparam àquelas acumuladas pela
natureza ao longo de períodos geológicos inteiros. E não admira que o caráter dos
produtos da natureza seja muito mais "autêntico" que os do homem ou que eles se
mostrem infinitamente mais bem-adaptados às mais complexas condições de vida e
tragam o selo de um artifício muito mais elevado. (DARWIN, 2018, p. 146)

Por fim, em sua obra como um todo percebe-se que o conceito de evolução
desenvolvido não apresenta uma causa ou um caminho a ser seguido. Os caracteres que são
escolhidos pela natureza acontecem de forma aleatória e regida pela própria natureza. É um
ponto bem distinto dos autores do “Darwinismo Social”, pois se formos traçar um ponto em
comum entre todos eles é que estes defendem um cume que foi alcançado pelos europeus.
Além do mais podemos abstrair que Darwin assume um relativismo dos animais e da
natureza. Em nenhum momento de sua obra ele insinua que há uma espécie mais apta ou uma
que fracassou na luta da vida. Pelo contrário, Darwin coloca todas as espécies no mesmo
degrau ao afirmar que todas elas estão propensas a seleção natural ou, consequentemente,
serem extintas. Novamente é um argumento que o afasta das teorias que, hipoteticamente, o
sucederam. A concepção de que há raças humanas que se localizam em um estágio
evolucionário vantajoso e outras que se situam em uma posição inferior é um tipo ideal dessas
ciências do século XIX.
Darwin coloca o ser humano em seus argumentos em comentários muito pontuais,
podendo ser contados nos dedos de uma mão. Como estratégia ele “evitou ao máximo
qualquer consideração que sugerisse que o ser humano também estaria sujeito aos mesmos
princípios da seleção natural que governaria o planeta” (DEL CONT, 2008, p. 202). Ele já
sabia que iria desafiar parte da Inglaterra vitoriana ao contestar o mito de Adão e Eva.
Contudo, o escândalo seria ainda maior se comparasse a origem da “dignidade humana” aos
animais e as plantas. Entretanto, após a sua obra ganhar forças além do meio acadêmico, em
1871, doze anos após a publicação de A Origem das Espécies, Darwin escreve A
Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo. Nesse texto ele coloca em prática a
sua teoria da evolução e da seleção natural no ser humano. Porém, todas aquelas impressões
discutidas acima desaparecem. Neste livro Darwin apresentou uma faceta bastante diferente
da personalidade intelectual presente em A Origem. “Há claramente uma passagem de uma
concepção relativista da natureza a uma firme crença na ascensão do homem em direção à
iluminação moral e intelectual” (INGOLD, 2019, p. 74). Alguns termos são usados nesta obra
como: bárbaros, selvagens, civilizados, inferiores, superiores, progresso, degradação etc.
Além de comparações anatômicas para argumentar a inferioridade de uns e a superiores de
outros, Darwin utiliza do método comparativo para atribuir características à algumas culturas.
(DARWIN, 1974) Ele utiliza também alguns raciocínios eugenistas para selecionar
artificialmente em favor do progresso e da civilização.

Devemos, portanto, suportar o efeito, indubitavelmente mau do fato de que


os fracos sobrevivem e propagam o seu gênero, mas pelo menos deveriam deter a
sua ação constante impedindo os membros mais débeis e inferiores de se casarem
livremente como os sadios. Este impedimento poderia ser indefinidamente
incrementado pela possibilidade de os doentes do corpo e do cérebro evitarem o
matrimônio. (DARWIN, 1974, p. 162)

O que pode ter acontecido com Darwin nesse período entre essas duas obras? Será que o
Darwinismo Social se desenvolveu tão rápido que corrompeu o pensamento naturalista de
Darwin? Certamente não. O pensamento da superioridade europeia e o sentido de progresso já
circulavam na Europa havia muito tempo. Para esclarecer mais essa questão irei tentar
explicar o contexto em que essa sociedade estava mergulhada através de uma breve história
dos estudos da mente humana e, em especial, da antropologia.

Antes de Darwin
Ao nos defrontarmos com uma situação nova, geralmente consiste em uma reação de
menosprezar as formas de religião, sociais ou estéticas que são distantes das quais estamos
acostumados. O efeito disso é bem recorrente em alguns casos. Na Grécia Antiga, tudo o que
não fazia parte da cultura grega era taxado como “bárbaro”. Em algumas etnias se auto
designam por um termo semelhante ao “homem” ou "bons", enquanto que nas sociedades
vizinhas que não compartilhavam a mesma virtude eram desumanizadas ou zoomorfizadas.
Os termos “selvagens” ou “degenerados”, que foram usados repetidas vezes na Europa no
século XIX, empregam um sentido semelhante à palavra “bárbaro”. Contudo, a repetição
desse efeito acaba os colocando em pé de igualdade (LÉVI-STRAUSS, 2017). "Quanto mais
se busca estabelecer discriminações entre as culturas, maior a proximidade em relação
àquelas que se pretende recusar” (LÉVI-STRAUSS, 2017, p. 343). Ao analisar o passado
através desse argumento podemos trazer respostas para acontecimentos que acontecem nos
dias atuais, porém, não pretendo aqui me alongar nessa orientação. A intenção é tentar
observar o passado através de seus próprios conceitos e entender em qual momento certas
ideias surgiram.
O Iluminismo foi um dos precursores das ideias que iriam se desenvolver
posteriormente ao que chamamos de antropologia. Durante o século XVII, a sociedade
europeia obteve contato com outras etnias devido ao expansionismo marítimo, o que
condicionou ideias sobre a diferenciação e origem do ser humano. Montesquieu, Adam
Smith, Anne Robert Turgot, Voltaire e Thomas Hobbes desenvolveram estudos sobre a
unidade da mente humana (STOCKING, 1987). As suas conclusões se basearam em um
método que iria ser usado recorrentemente pelos antropólogos: o método comparativo que
consiste, em suma, em equiparar etnias tendo como norma a europeia. É nesse momento
também em que o pensamento de uma sucessão linear e progressiva ganha forma.

Muitas premissas metodológicas, sequências gerais do desenvolvimento e


concepções específicas do evolucionismo sociocultural podem ser encontradas
nessas correntes de pensamento: a unidade psíquica humana, o método comparativo,
os estados do desenvolvimento intelectual e sócioeconômico, a mudança de uma
sociedade militar para um comercial, ideais do fetichismo primitivo, despotismo
oriental estático e o vigor do homem europeu em zonas temperadas. (STOCKING,
1987, p. 19, tradução minha)

Algumas décadas mais tarde a antropologia iria ganhar mais forma. Contudo, o que,
geralmente, entendemos como antropologia não tem o mesmo significado de anteriormente.
A antropologia desse momento englobava a antropologia física que estuda a anatomia e a
taxonomia dos grupos humanos; paleoantropologia que estudava os fósseis humanos e a
antropologia cultural e social que compreendia os estudos dos artefatos, costumes humanos e
na etnologia. Uma constatação da antropologia física podia gerar soluções para a antropologia
cultural. A base de dados usada durante esse período era de, principalmente, relatos de
viajantes e missionários europeus ao redor do mundo. O método comparativo, em alguns
casos, não era usado apenas duas etnias distintas mas também a bíblia como modelos de
situações e costumes de referência ou como um meio para retirar as pessoas da “selvageria”.
Todavia em alguns relatos, por exemplo o de Sir George Grey, transmitiu alusões de que não
adiantava a interferência humana nos povos “primitivos”, pois essa função seria destinada
apenas para deus. (STOCKING, 1987)
Para os antropólogos de gabinete, os relatos obtidos refletem bastante na análise dos
resultados. A teoria da degenerescência foi muito reconhecida na época. Este argumento se
divide em duas vertentes. Um sustentava a unidade de todos os povos através da criação de
Adão e Eva, por uma representação alegórica ou não da bíblia ao depender do autor ou da
escola. Esta concepção foi chamada de monogenia. “As raças humanas são produtos da
degeneração da perfeição do Paraíso. A degeneração atingiu diversos níveis, menor no caso
dos brancos e maior no caso dos negros” (GOULD, 2014, p. 26). A outra ramificação era
intitulada de poligenia era mais excludente e ainda mais nociva. Esta afirmava que as “raças
humanas” eram espécies distintas e separadas as quais descendiam de mais de um Adão.
Assim, como as pessoas que não eram europeias constituíam outra forma de vida e que
estavam possivelmente submetidas a regressar ainda mais nessa escala, não participavam da
“igualdade do homem”. Uma técnica que foi recorrentemente usada para alegar a
degenerescência foi a craniometria e a antropometria.
A degenerescência persistiu por muito tempo, contudo, houve grandes mudanças em
suas concepções. Entre meados do século XIX houve a revolução científica e os acadêmicos
da época tentavam solucionar problemas mais no espectro racional e científico do que em
relação aos religiosos e bíblicos. Durante esse momento também George Cuvier demonstra
que o tempo geológico da terra é muito maior do que se pensava. Sua teoria catastrofista, a
comprovação do fenômeno da extinção e suas reconstruções paleontológicas, além de
permitir, em sua época, melhor compreensão da história natural dos seres 'desaparecidos'
(extintos) e viventes, ele refutou a ideia bíblica de que a terra possuía alguns milhares de anos
e sim milhões de anos. Grandes exposições científicas também começaram a ocorrer na
Europa nesse momento. Esses eventos forçaram as pessoas a pensarem de outra forma a
origem e o progresso da civilização (STOCKING, 1987). Todavia, o advento da revolução
científica proporcionou uma justificativa ainda melhor surgiu para a degenerescência.
Os monogenistas continuaram a estabelecer hierarquias lineares das raças
segundo seus respectivos valores mentais e morais; os poligenistas tiveram então
que admitir a existência de um ancestral comum perdido nas brumas da pré-história,
mas afirmavam que as raças haviam estados separadas durante um tempo
suficientemente prolongado para desenvolver diferenças hereditárias significativas
quanto ao talento e à inteligência. (GOULD, 2014, p. 65).

Portanto, a degenerescência não foi abandonada e sim aperfeiçoada. Louis Agassiz,


taxonomista e criacionista, comparavam os grupos humanos para engendrar suas teorias
segregacionistas. O também criacionista Samuel George Morton pesava crânios de distintas
etnias humanas, a que tinha menos volume craniano era considerada a mais degenerada. Com
esses acontecimentos, estabelece uma norma de comparação que iria ser um consenso: os
grandes primatas. Várias características anatômicas específicas de chimpanzé foram
encontradas com mais frequência em grupos étnicos africanos, o racismo científico das
hierarquias humanas estava comprovado. Quando alguma parte da anatomia humana era
identificada como degenerada, os costumes e os seus sentidos morais da etnia que tem essa
característica eram também colocados em situações de menor desenvolvimento. Entretanto,
não havia modelos que pudessem explicar o processo de origem do homem através dos
primatas. (GOULD, 2014, 65; STOCKING, 1987)
As pessoas que contribuíram para essas pesquisas carregam consigo as marcas da sua
própria história e cultura. Ao estudar os símios é introjetado a eles um protótipo de alguma
característica que é intrínseco a sua própria cultura nos comportamentos dos símios. Portanto,
são “ciências” baseadas em métodos quantitativos e ideias controversas para a reconstrução
da realidade desses animais. Como foram moldadas em um contexto Europeu em uma busca
de um progresso onde o fim culmina no homem branco, os símios servem de substitutos dos
homens que não representam a norma (HARAWAY, 1990). Grande parte desses dados
coletados consistia em um grande erro que podemos observar nos dias atuais - sem falar das
constantes falsificações e ocultações de dados os quais, inúmeras vezes, se considerar tais
teorias com os dados corretos, indicam “degeneração” do homem branco europeu - a de que
correlação não indica causalidade (GOULD, 2014). Ou seja, se há certa população que possui
uma proporção elevada entre o rádio (osso do antebraço) e o úmero (osso do braço) - traços
presentes nos grandes símios menos no ser humano e que foi estudado durante esse período -
não quer dizer que a respectiva população possui um intelecto inferior e muito menos está em
um estágio evolucionário ancestral. O corpo humano pode ser medido de inúmeras maneiras.
Pode-se assim encontrar várias formas de tentar encontrar um padrão entre algumas etnias,
contudo sempre haverá exceções.
O corpo humano pode ser medido de mil maneiras. Qualquer investigador
convencido de antemão da inferioridade de determinado grupo pode selecionar um
pequeno conjunto de medições para ilustrar a maior afinidade do mesmo com os
símios. (Tal procedimento, evidentemente, também poderia ser aplacado no caso de
indivíduos brancos do sexo masculino, embora ninguém ainda tenha tentado. Os
brancos, por exemplo, tem lábios finos - propriedade que compartilham com os
chimpanzés - enquanto que a maioria dos negros africanos tem lábios mais grossos
e, consequentemente, mais “humanos”) (GOULD, 2014, p. 79)

Quando um método de medir o corpo humano não comprovava a inferioridade de


algumas etnias o tal artifício era descartado e partiam para o próximo. A superioridade
europeia era vista como um axioma tanto que até os seus procedimentos não os convenciam.
(GOULD, 2014)
A estratificação racial era visível, contudo, não possuíam modelos que pudessem
justificar o processo de desenvolvimento humano e a degenerescência das raças. E. B Tylor,
John Lubbock, John McLenaan e Alfred Wallace teorizaram sobre como se deu a evolução do
homem. Eles estavam escrevendo concomitantemente com Darwin. Tylor foi o que mais
escreveu com foco na “evolução cultural”. A Cultura Primitiva foi lançado após A Origem
das Espécies, e nesse livro ele diz que suas ideias não foram concebidas e se desenvolveram
do trabalho de Darwin. Tylor era contrário a teoria da degenerescência. Para ele não era
possível regredir na escala evolutiva, pelo contrário, o seu raciocínio pregava uma progressão
contínua até a civilização. Os “primitivos” estavam dando os primeiros passos na construção
do edifício da cultura. Para ele seria como comparar uma casa em ruínas a um jardim a ser
construído. “To my mind the popular phrases about “city savages” and “street Arabs” seem
like comparing a ruined house to a builder 's yard” (TYLOR, 1871, p. 38). Para Tylor era
necessário estudar os povos “não civilizados”, pois como um arqueólogo encontra fósseis em
camadas rochosas, é possível encontrar os estágios que levaram a sociedade europeia à
civilização. Quando Tylor fala da cultura de um povo particular ele quer se referir a um
“estágio da cultura” ou grau de cultura daquele grupo, em outras palavras, sua posição na
escala evolutiva (INGOLD, 2019). Assim sendo, o método comparativo foi de extrema
importância para Tylor. Já que a cultura é o desenvolvimento de costumes e a confecção de
artefatos que vão levar ao progresso, Tylor usava o conceito de cultura no singular já que esse
trajeto linear unia o “primitivo” com o “civilizado”. Para justificar a diversidade de modos de
expressão cultural, ele ressalta a importância da representação geral que cada atividade atua.

Tylor de de fato identifica as espécies com a prática ou o hábito; em outras


palavras, com uma determinada instrução ou o conjunto de instruções que são a base
de todos e cada exemplar da expressão comportamental. Do mesmo modo, todo arco
e flecha é construído segundo um padrão que inclui certos elementos preconcebidos
e invariáveis, por meio dos quais ele pode ser reconhecido como um representante
de sua classe, apesar da individualidade de seu fabricante (INGOLD, 2019, 62).

Portanto, percebe-se que o evolucionismo social foi um tema que, durante um século,
movimentou inúmeras pesquisas. Darwin não teria como não absorver tais pensamentos como
chegou até a dialogar entre eles.

Conclusão

Como podemos ter observado, o “Darwinismo Social” é anterior ao Darwin. É claro que após
os trabalhos de Darwin esses pensamentos foram potencializados, mas não indica o começo
de uma ideia de progresso rumo à civilização. Em contraposição, o que justificaria então a
mudança de tom entre A Origem e A Descendência? Na sua obra de 1871, Darwin dialoga e
tece elogios dos trabalhos de Wallace, Galton, Lubbock, McLenaan e Tylor e como vimos
tinha o pensamento de uma estratificação social como os outros. Francis Galton, criador do
conceito de eugenia moderna, era seu primo, Lubbock, amigo de infância e chegou a escrever
artigos com Wallace (intitulado de: On the tendencies of species to form varieties).
As primeiras críticas ao pensamento evolucionista cultural e social só começaram a
ser feitas no começo do século XX com Franz Boas. Boas traz o relativismo cultural e crítica
o método comparativo. Para Boas os fenômenos humanos podem se desenvolver de diferentes
fontes, ou seja, não se pode relacionar que certas manifestações se devem às mesmas causas e
nem que há relações entre si ao comparar fenômenos de etnias distintas. Uma forma de
explicar certas manifestações semelhantes ele discute a ideia da difusão cultural.

Casamentos intertribais, guerra, escravidão e comércio tem sido algumas


das muitas fontes de constante introdução de elementos culturais estrangeiros, de
maneira que uma assimilação cultural deve ter ocorrido sobre areas continuas. Desse
modo, parece-me que, onde não se pode comprovar uma influência imediata do
meio ambiente sobre tribos vizinhas, a suposição deve ser sempre em favor da
conexão histórica entre elas. [...] Mas os estágios culturais que representam esse
período foram encobertos por tantas coisas novas que se devem ao contato com
tribos estrangeiras, que eles não podem ser descobertos sem o mais minucioso
isolamento de tais elementos alienígenas. (BOAS, 2004, p. 36)

Outros também colocaram em xeque as ideias do evolucionismo social como, por


exemplo, Ruth Benedict, Bronislaw Malinowski e, principalmente, Claude Lévi-Strauss.
Entretanto, foram argumentos que, para Darwin, não chegaram ao seu tempo.
Em conclusão, Darwin possivelmente possuía esses preconceitos enquanto realizou a
sua viagem no Beagle e quando escreveu A Origem. Talvez não tenha tocado nos assuntos
que faziam parte da rotina acadêmica europeia para não impactar mais ainda a sociedade em
que vivia. Mas a explicação que mais me agrada é a de que quando um alpinista chega no
cume de uma montanha ele consegue observar a sua pequenez e seu lugar irrisório no mundo.
Em suas viagens pelo mundo no navio Beagle talvez Darwin tenha chegado em algum
momento no cume. Em A Origem é uma concepção a partir do cume, em A Descendência no
pé da montanha.

Bibliografia

BOAS, Franz. As limitações do método comparativo da antropologia. In: Antropologia


Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
DARWIN, Charles. A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo. São Paulo,
SP: Hemus, 1974.
_______________. A origem das espécies por meio da seleção natural ou A preservação das
raças favorecidas na luta pela vida.São Paulo, SP: Ubu Editora, 2018.
GOULD, Stephen J. A Falsa Medida do Homem. 3ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2014.
HARAWAY, Donna J. Primate Visions: Gender, race and nature in the world of modern
science. New York: Routledge, 1990.
INGOLD, Tim. Evolução e Vida Social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. In: Antropologia Estrutural dois. 1° edição. São
Paulo, SP: Ubu Editora, 2017.
STOCKING, George W. Victorian Anthropology. The Free Press: Nova York, 1991.
TYLOR, Edward B. Primitive Culture. Vol. 1. Londres: Brandbury, Evans, and co., Printers
whitefriars, 1871.

Você também pode gostar