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A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE

Tim Ingold

EVOLUÇÃO

Há muitos anos assisti à palestra de um ilustre geneticista, a respeito de evolução. Segurando


uma pedra em sua mão, ele observou que, caso a soltasse, haveria um considerável grau de
certeza de que ela cairia no chão. Creio que todos na plateia concordaram com isso. É
igualmente certo, assim ele declarou em seguida, que as espécies evoluíram. Essa analogia
enganosa não me sai da mente desde então, por três razões. Primeiro, afirmações de certezas
parecem ser um estranho ponto de partida para fazer ciência. Afinal, foi somente porque
Darwin se recusou a aceitar a certeza de que as espécies tinham sido criadas pela ordem
divina que chegamos a ter uma teoria da evolução. Segundo, lembrei-me da objeção trazida
por Canon Kingsley, há mais de um século, contra a afirmação de uma inevitabilidade similar
no que concerne à da evolução da sociedade. Uma pedra que se deixasse cair, Kingsley
observou, não necessariamente atingiria o solo se alguém decidisse apanhá-la na queda. Seu
ponto de vista, naturalmente, era de que a liberdade humana não poderia ser diretamente
compreendida dentro de um enquadramento de lei mecânica. Terceiro, isso me levou a
considerar que se não fosse devido a um imenso mal-entendido na história desse tema –
resultante da extensão acrítica, ao domínio orgânico, de ideias amplamente difundidas sobre
evolução social –, os biólogos contemporâneos estariam hoje em dia nos dizendo que
acreditar que as espécies evoluíram é profundamente errôneo. Vou explicar.

O verbo "evoluir", do latim evolvere, originalmente significava ‘estender’ ou ‘desdobrar’.


Darwin, como é bem sabido, usa a palavra somente uma vez na primeira edição do livro A
origem das espécies. É, de fato, a última palavra do livro e é usada no seu sentido original para
transmitir a idéia da história da vida como uma grandiosa procissão de formas que se
desdobram diante do olhar atemporal do naturalista que as observa. Assim como a Terra gira
em sua rotação segundo leis gravitacionais fixas, escreveu Darwin, "infinitas formas das mais

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belas e maravilhosas têm evoluído e estão evoluindo” 1. Esta é apenas mais uma imagem
metafórica – um floreio final num trabalho em que proliferam tais imagens. [Mas] Quando se
tratava das reais modificações pelas quais as espécies passaram, mudanças que ele procurou
explicar mediante sua teoria da variação por seleção natural, Darwin foi bem mais preciso.
Ele não falou de evolução, e sim de "descendência com modificação" [descent with
modification], referindo-se com isso à geração sequencial de formas ligadas entre si
genealogicamente, cada uma diferente, em minúcias, das que a precedem e das que a
seguem. Na verdade, ele teria boas razões para evitar o conceito de evolução. Pois este, tendo
primeiramente entrado na biologia com a teoria do homúnculo proposta por Charles Bonnet
a respeito da pré-formação embrionária, já tinha sido apropriado pelo filósofo social Herbert
Spencer num sentido totalmente diferente [do original], embora não menos estranho às
premissas que fundamentaram a teoria de Darwin.

Spencer havia tomado conhecimento, em segunda mão, do trabalho do embriologista alemão


Karl Ernst Ritter Von Baer, que apresentara a proposição de que o desenvolvimento de
qualquer organismo consistia num processo de diferenciação estrutural que levava, na
descrição de Spencer, "de uma homogeneidade incoerente para uma heterogeneidade
coerente". Num artigo de 1857, dois anos antes de Darwin publicar o livro que se tornou um
marco da época, Spencer especulava que este princípio de desenvolvimento poderia
governar não somente a constituição dos seres vivos a partir de suas células, mas também a
constituição das sociedades a partir de seus membros individuais, das mentes a partir dos
elementos da consciência e, com efeito, de todo o universo a partir dos constituintes básicos
da matéria. Tendo, originalmente, chamado seu princípio de "lei do progresso", ele
rapidamente substituiu “progresso” por "evolução", tendo em vista que o primeiro termo
estava associado de maneira demasiado estreita às teorias de desenvolvimento
exclusivamente humano. Na visão de Spencer, o progresso da humanidade não era mais que
uma parte indissociável da marcha total [overall advance] da vida, que por sua vez era parte
integrante do desenvolvimento do cosmos como um todo. Ao ler subsequentemente a obra de

1[nrt] em inglês: have been and are being evolved. O verbo to evolve, em inglês, correspondente a
evoluir, em português, admite construção passiva: uma tradução que respeitasse esse aspecto seria
algo como: infinitas formas (...) têm sido e estão sendo desenvolvidas/desdobradas. (Na tradução
portuguesa de Joaquim da Mesquita Paul: “.... uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas,
saídas de um começo tão simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!”)
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Darwin, Spencer se convenceu de que tinha encontrado para sua lei evolucionária uma
confirmação independente, vinda de dentro do campo da biologia. De fato, Spencer nunca
considerou o trabalho de Darwin como algo mais do que um acessório para a sua própria
filosofia sintética.

Parece que Darwin não ficou muito impressionado com o estilo grandioso da especulação
filosófica de Spencer. Não obstante, instado pelo codescobridor da seleção natural, Alfred
Russell Wallace, foi persuadido a tomar a frase de Spencer, "a sobrevivência do mais apto",
como uma alternativa possível para a "seleção natural", nas edições posteriores da Origem.
Ele não se deixou, no entanto, convencer de que a modificação das espécies por seleção
natural necessariamente implicasse progresso ou avanço em qualquer sentido absoluto.
Segundo sua teoria, os organismos devem se adaptar às condições de vida prevalecentes,
quaisquer que sejam, e se no processo houver algum avanço em termos de diferenciação
estrutural ou complexidade total, as razões para isso estarão nas condições particulares, não
no mecanismo geral. No fundo, Darwin simplesmente não estava preocupado com a evolução
da vida tal como Spencer a tinha concebido – ou seja, como fase de um movimento cósmico
que continuamente se constrói em estruturas sempre novas e cada vez mais complexas,
mediante suas propriedades particulares de auto-organização dinâmica. Seu propósito era
muito mais modesto: compreender os ajustamentos, remodelagens e refinamentos
intermináveis daqueles engenhosos e multiformes dispositivos pelos quais a corrente da vida
– "tendo sido originalmente soprada", como ele o colocou, "em algumas poucas formas ou em
apenas uma" – foi levada para cada recanto e cada fresta do mundo habitável. Foi Spencer,
não Darwin, quem viu em ação, neste processo de modificação adaptativa, a mão da evolução.
E ao assim fazer, ele deu início a uma confusão que tem sido perpetuada por gerações de
biólogos, chegando diretamente até os arquitetos da "síntese moderna", como Theodosius
Dobzhansky e Julian Huxley.

Será proveitoso especular sobre o que poderia ter acontecido se esta confusão nunca tivesse
acontecido. Em lugar da biologia evolucionária de hoje, com suas alegações às vezes
exageradas de ter produzido nada menos que uma completa explicação da vida, teríamos um
ramo mais estreito e menos presunçoso da ciência biológica que trataria especificamente dos
mecanismos da adaptação orgânica. Seus praticantes, seguindo os passos de Darwin, se

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considerariam estudiosos da descendência com modificação, só que, dentro do espírito dos
tempos modernos, teriam se habituado a abreviá-la por DCM. Sem dúvida a nova geração de
teóricos da DCM estaria sempre pronta a corrigir quem quer que tolamente pensasse na
modificação adaptativa das espécies como equivalente a algum tipo de evolução. Isso
significa, diriam eles, confundir a mudança filogenética com o desenvolvimento ontogênico.
Somente este último, tal como ratificado [underwritten, ‘assegurado’] por um programa único
que se acha codificado na dotação genética do organismo, tem o caráter de desdobramento
progressivo de uma complexidade organizada, ao qual é adequado aplicar o conceito de
evolução. A descendência com modificação não segue um programa; ao contrário, ocorre por
causa das imperfeições no mecanismo mediante o qual as informações são copiadas de uma
geração para outra. As imperfeições asseguram que, no desenvolvimento dos organismos,
não haja dois programas que sejam idênticos. No que toca à questão tão debatida de se a
evolução ocorre ou não no domínio que já foi chamado de "superorgânico" – agora mais
comumente conhecido como "sociocultural" –, nossos teóricos da DCM se absteriam de
tomar posição. Eles não mostrariam, no entanto, a marcada intolerância de seus
correspondentes na vida real (ou seja, biólogos evolucionários modernos) para com
cientistas sociais que continuam a associar a idéia de evolução com a de um movimento de
desenvolvimento progressivo na cultura ou na sociedade. Longe de repreenderem estes
cientistas sociais pelo mal-entendido quanto à natureza da evolução, os teóricos da DCM
observariam que os métodos e conceitos do paradigma darwiniano são aplicáveis na
explicação da mudança social e cultural, somente na medida em que esta última não seja um
processo evolucionário.

Continuando no mesmo roteiro [acima descrito], vamos supor que me tivessem pedido para
contribuir com um capítulo sobre a evolução da sociedade. Vocês e eu certamente
esperaríamos, como os nossos predecessores de um século atrás, que o capítulo se
reportasse à afirmação de que a vida social é caracterizada por um processo irreversível de
crescimento e desenvolvimento, não diferente daquele do organismo individual. Convencido
como estou de que a vida social é parte integrante do movimento total da vida orgânica, e
não conduzida em um nível superior de existência, poderia apresentar a vocês uma proposta
de nova síntese sociobiológica. A biologia que eu mostraria, entretanto, não seria parte da

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teoria da DCM. Eu começaria a partir do trabalho dos biólogos do desenvolvimento
[developmental biologists], que se propuseram a compreender as dinâmicas da morfogênese
– o processo que atravessa a interface emergente entre ambiente e organismo, e no qual a
forma orgânica é gerada e estabelecida. Num artigo publicado em 1991, apresentei uma
proposta seguindo essas linhas, e ainda sou da opinião de que a biologia do desenvolvimento,
e não a teoria da DCM na sua face neodarwinista [neodarwinian] atual, é o lugar mais
promissor para iniciar o projeto de integração da ciência biológica com a social. Mas o
problema vai bem mais fundo que isso. Não é apenas uma questão de decidir se a evolução
social deveria ser comparada, em primeira instância, a um processo de desenvolvimento
ontogênico ou de mudança filogenética. Precisamos, mais fundamentalmente, reconsiderar
as premissas sobre as quais a distinção entre ontogenia e filogenia foi classicamente traçada.
Vou retornar a este problema no final deste capítulo.

Pois bem, na situação histórica real em que me encontro, em contraste com a situação
imaginária que acabei de apresentar, o conceito de evolução foi apropriado pela biologia
neodarwinista para significar um processo de mudança filogenética mediante variações
submetidas a seleção natural. E tendo sido convidado para escrever sobre a evolução da
sociedade, tenho certeza de que vocês esperam que eu me reporte à afirmação de que a
forma social é também, de algum modo, produto de um processo seletivo. Não acredito que
esta afirmação se justifique e pretendo argumentar contra ela. Porém não é meu propósito
sustentar que precisamos de um tipo de teoria para os seres humanos e de outro para o
resto do reino animal; tampouco quero vir em defesa de Canon Kingsley no sentido de
afirmar que os seres humanos, tendo se tornado conscientes das leis da natureza, são livres
para contrariá-las quando o quiserem. Pelo contrário, pretendo mostrar que um paradoxo da
biologia evolucionária neodarwinista é que ela supõe, ainda que não compreenda, o processo
histórico pelo qual certos humanos puderam vir a elaborá-la. Embora Darwin pudesse
explicar a seleção natural, a seleção natural não pode explicar Darwin! Se quisermos – e
acredito que deveríamos – buscar uma compreensão que volte a incluir [reembed] a história
humana no continuum da vida orgânica, então é preciso transformar [recast – remodelar] por
inteiro o modo como pensamos a evolução. No que aqui se segue, sugiro como isto poderá
ser feito. Antes de avançarmos, entretanto, devo considerar o significado do outro termo-

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chave do título. Permitam-me então fazer uma digressão sobre o tema da evolução da
"sociedade".

SOCIEDADE

A palavra sociedade vem do latim societas e apareceu no inglês pela primeira vez no século
XIV [em português, é do século XV, segundo Houaiss]. Seu significado original era de
‘companhia’, um sentido preservado em nossas noções contemporâneas de "sociável" e
"sociabilidade", com suas conotações de amizade e intimidade. Em resumo, sociedade
representava as qualidades positivas de calor [ou amabilidade: warmth], familiaridade e
confiança nos interrelacionamentos pessoais, face a face – qualidades também encarnadas
[epitomized] pelo conceito de comunidade. De fato, até o século XVII, societas e communitas
figuraram como termos praticamente sinônimos. No século XVIII, entretanto, viu-se o início
de uma mudança decisiva no significado da palavra "sociedade", em direção a um sentido
mais geral e abstrato, cada vez mais afastado da experiência dos seres humanos em seus
relacionamentos reais. Inicialmente, essa nova concepção do que foi chamado de "sociedade
civil", estava ligada a um desafio direto às estruturas de poder arraigadas e às divisões
hierárquicas tradicionais do estado absolutista. Assim, a idéia de sociedade civil derivou seu
significado, no século XVIII, de sua oposição ao poder estatal, contrapondo ao regime
rigidamente desigual do estado uma associação de cidadãos iguais e livres, cada qual com
direito a buscar seus interesses particulares por meio de contratos com outros desses
indivíduos sempre que houvesse vantagem mútua. Nessa visão liberal e democrática, o
modelo da sociedade era o mercado, e o das relações sociais eram as transações mercantis:
transitórias, de interesse próprio, implicando somente pactos exteriores em vez de qualquer
tipo de envolvimento interpessoal duradouro e profundo. Sociedade, segundo este modelo,
não era mais que o agregado das transações entre indivíduos.

Muitos comentaristas dos séculos XVIII e XIX lamentaram o que consideravam como perda
do sentido da comunidade, resultante do estabelecimento da ordem da sociedade civil. Perdidos
estavam a confiança, o companheirismo e a familiaridade, que eram considerados, talvez
romanticamente, como as marcas registradas da comunidade tradicional agrária ou
camponesa, substituídos pelos interesses múltiplos, concorrentes e antagônicos da sociedade
burguesa. Esta foi a fonte das famosas metáforas de Darwin, "luta pela sobrevivência", e de

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Spencer, "sobrevivência do mais apto". Uma das afirmações clássicas da oposição entre
comunidade e sociedade encontra-se na obra do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies,
intitulada Gemeinschaft und Gesellschaft, publicada em 1887. Gemeinschaft é
convencionalmente traduzido como "comunidade"; Gesellschaft, como "sociedade" ou como
"associação". "O fato elementar da Gessellschaft," escreveu Tönnies, "é o ato de permuta que
se apresenta na sua forma mais pura quando é considerado como desempenhado por
indivíduos que são estranhos um para o outro, sem terem nada em comum, e que se
confrontam de uma maneira hostil e essencialmente antagônica". Portanto, na época em que
Tönnies escrevia, ocorrera uma inversão completa no significado de sociedade: do sentido
original de familiaridade e sociabilidade para o polo oposto, de hostilidade e antagonismo
mútuos.

Já mencionei que a idéia de sociedade civil, como um conjunto de interações entre interesses
distintos e concorrentes, se opunha não somente às primeiras noções de societas como
campo de sociabilidade, mas também às convenções estabelecidas e hierárquicas da
autoridade estatal. No entanto, a natureza da distinção entre sociedade e estado, e a relação
entre eles, tem permanecido altamente controversa. O problema surge porque a sociedade
civil não é realmente possível sem o estado. Os teóricos políticos têm reconhecido, desde que
Thomas Hobbes escreveu seu Leviatã, em 1651, que uma sociedade baseada na livre busca
do interesse próprio só pode funcionar harmoniosamente se for regulamentada, de modo que
que ninguém, ao procurar seus interesses, viole a liberdade de outros de fazer o mesmo. A
própria existência da sociedade civil deveria supostamente depender do estabelecimento do
estado, concebido como um mecanismo concebido para facilitar um funcionamento suave da
vida social. Outros teóricos, porém, identificaram a própria sociedade com as instituições de
regulação e em última instância, portanto, com o estado. Para eles, as transações motivadas
por interesses próprios e não por obrigação eram consideradas – semelhantemente àquelas
no mercado – como puramente econômicas, e não propriamente sociais. Segundo seu ponto
de vista, a sociedade era coextensiva com os domínios da lei e da moralidade e consistia numa
estrutura de regras e obrigações apoiadas basicamente pelas sanções às quais se confere a
mais alta autoridade. Aqui o conceito de sociedade não se constitui nem por oposição à
comunidade, nem por oposição ao estado, mas sim ao indivíduo. Esta foi a premissa

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fundamental com base na qual Émile Durkheim, escrevendo no final do século XIX, expôs seu
manifesto a favor da, então, nova ciência da sociologia; também foi esse o ponto crucial de
seu desacordo com Herbert Spencer. Para Spencer não havia na sociedade propósito maior
que ultrapassasse os desejos de seus constituintes individuais. Durkheim, ao contrário,
sustentou que o contato entre os indivíduos em sociedade não é algo exclusivamente externo,
e que ele dá origem a certa interpenetração de mentes, da qual emerge uma consciência de
ordem mais elevada – coletiva e não individual –, que constrange e disciplina a busca de
desejos inatos, em nome da sociedade como um todo.

Portanto, a história recente das ideias nos legou três noções bem diferentes e aparentemente
contraditórias do que seja uma sociedade. Todas estão situadas dentro de uma longa e
continuada controvérsia entre filósofos, políticos e reformadores ocidentais a respeito do
exercício adequado dos direitos humanos e das responsabilidades. Nessa controvérsia, o
significado particular atribuído à "sociedade" tem variado de acordo com sua oposição,
alternadamente, às noções de indivíduo, comunidade e estado. Em oposição ao indivíduo, a
sociedade conota um domínio de regulação externa – identificado ou com o próprio estado ou,
nos regimes em que não há administração centralizada, com instituições reguladoras
comparáveis – que serve para refrear a expressão espontânea de interesses privados, em
nome dos ideais públicos de justiça coletiva e de harmonia. Em outros contextos, no entanto,
especialmente aqueles de nacionalismo emergente, a sociedade vem a representar o poder do
povo – como uma comunidade imaginada ou real, vinculada por história, língua e
sentimentos partilhados – contra as forças impessoais e burocráticas do estado. E ainda, em
outros contextos, a sociedade está em oposição à comunidade e conota o modo de associação
de seres racionais ligados por contratos mútuos movidos por interesses próprios, cujo
exemplo mais acabado é o mercado, em vez de laços particularistas, cujo exemplo mais típico
é o das relações de parentesco ou de amizade.

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FIGURA 1. O significado de sociedade pode variar dentro de um espaço semântico definido pelos ideais
da “sociedade civil”, da nação e do Estado.

A quê, então, nos referimos quando falamos de [, por exemplo, ] "sociedade britânica" [ou
“sociedade brasileira” etc.] ? Talvez queiramos dizer algo que esteja mais próximo de uma
comunidade imaginada de pessoas do que de uma livre associação de cidadãos, ou mais
próximo do governo e das instituições do estado do que da nação, ou, novamente, mais
próximo a uma associação de cidadãos do que ao estado. Em resumo, o significado de
sociedade pode ser aproximado desta ou daquela forma, conforme mostrado na Figura 1,
dentro de um espaço semântico triangular, cujos vértices são representados pelos ideais da
sociedade civil, da nação como comunidade, e do estado como autoridade suprema. E a partir
deste breve excurso acerca de um conceito, a conclusão a ser tirada, que extraio de um artigo
recente intitulado "Inventando a sociedade", do antropólogo Eric Wolf, é que as afirmações a
respeito da natureza e existência da sociedade não são simples declarações de fatos brutos,
mas alegações [ou argumentações: claims], "encaminhadas e representadas [enacted] a fim
de produzir um estado de coisas [state of affairs] que previamente não existia". Em outras
palavras, o conceito de sociedade não vigora fora do tempo e da mudança, nem denota alguma
verdade eterna acerca da condição da humanidade, como se as sociedades fossem coisas que
sempre existiram "lá fora", independentemente das afirmações que têm sido feitas, de tempos
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em tempos, a respeito delas. Em vez disso, como Wolf aponta, "o conceito de sociedade tem
uma história, uma função histórica dentro de determinado contexto, numa parte específica
no mundo". Povos diferentes, localizados em momentos específicos nesta história e com
propósitos políticos definidos, adotaram o conceito, moldaram-no a suas necessidades e o
utilizaram para sustentar seus argumentos ou substanciar a causa que defendiam.

Mas não é a história, em si mesma, um processo da vida social, que se dá pela atividade
intencional de pessoas que já estão situadas em relacionamentos e contextos ambientais que
lhes foram legados por efeito das ações de seus predecessores? Como Karl Marx escreveu, no
Dezoito Brumário, de 1869, "os homens fazem sua própria história, todavia, não a fazem
como gostariam que fosse, não a fazem sob circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas
sob as circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado". Aqueles
que procurarem construir uma ordem de sociedade, qualquer que seja seu fundamento
ideológico, já devem habitar num mundo de outras pessoas e relacionamentos, de modo que
as formas institucionais que criarem serão elas próprias constituídas dentro do fluxo da vida
social. Para colocar de outra forma, a realidade da vida social não está contida nas coisas que
chamamos de sociedades, na mesma medida em que a história não está contida nas
produções da mente humana. Wolf adverte que para apreender esta realidade precisamos
pensar de modo relacional – "em termos de relações engendradas, construídas, expandidas,
abolidas; em termos de interseções e superposições, e não em termos de entidades sólidas,
delimitadas e homogêneas, que se falseiam sem questionamento e sem mudança" [that
perjure without question and without change].

Quando se adota tal perspectiva relacional, torna-se possível perceber que pode haver vida
social na total ausência de qualquer coisa reconhecível como uma sociedade. Para
exemplificar este ponto, eu gostaria de me reportar, de um modo geral, ao que os numerosos
estudos têm mostrado em relação à forma de vida das pessoas que conhecemos pela
designação de caçadores e coletores. É característico dessa forma de vida que as pessoas se
relacionem umas com as outras, e também, de fato, com os componentes não humanos do
meio ambiente, na base de íntima familiaridade e companheirismo. Este é o significado da
observação frequentemente relatada, de que a vida social do caçador-coletor está baseada em
relacionamentos face a face. Há um sentido de mutualidade, de as pessoas se relacionarem

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diretamente, e não como ocupantes de cargos ou como detentoras de status formais. Este
mutualismo, entretanto, é combinado com um forte respeito pela autonomia pessoal. Pode-se
agir levando outras pessoas em consideração, na esperança e na expectativa de que elas
façam o mesmo, mas não se pode forçá-las a corresponder. Qualquer tentativa de
comprometer a autonomia de ação de uma outra pessoa, colocando-a em situação de
obrigação ou coação, significa trair a confiança [mútua] e negar o relacionamento. Mas, pela
mesma razão, a sociabilidade normal será estendida a qualquer um que se disponha a
mostrar o tipo de consideração e sensibilidade às necessidades alheias, que é parte essencial
do que significa ser uma pessoa. Conforme o antropólogo James Woodburn observou,
"simplesmente não há base para exclusão". Em resumo, o mundo dos caçadores e coletores
não é um meio socialmente segmentado, pois é constituído por relações de incorporação, e
não de exclusão, relações graças às quais os outros são "agregados" [draw in] em vez de
serem "repartidos" [parcelled out].

Espero ter dito o bastante para mostrar que se trata aqui de uma forma de socialidade que é
totalmente incompatível com o conceito de sociedade, quer este signifique os interesses
imbricados da "sociedade civil", a comunidade imaginada do grupo étnico ou da nação, ou as
estruturas reguladoras do estado. Em primeiro lugar, a pretensão [claim] do caçador-coletor à
autonomia pessoal é bem o contrário do individualismo implicado no discurso ocidental
sobre a sociedade civil. Este último postula o indivíduo como agente racional completo e
autossuficiente, constituído de modo independente e prévio à entrada na esfera pública da
interação social, ao passo que a autonomia do caçador-coletor é relacional, visto que a
capacidade que a pessoa tem de agir por iniciativa própria emerge de uma história de
envolvimento contínuo com os outros em contextos de atividades práticas e conjuntas. Em
segundo lugar, num mundo onde a sociabilidade não está confinada nos limites da exclusão, as
pessoas não definem a si próprias como "nós" em vez de "eles", ou como membros deste
grupo em vez daquele, nem dispõem, para descreverem-se como coletividade, de uma palavra
distinta da palavra genérica para designar "pessoas". É por isso que forasteiros [outsiders] –
exploradores, comerciantes, missionários e antropólogos –, quando procuraram nomes que
designassem o que eles percebiam como sendo distintos [discrete] bandos, tribos ou
sociedades de caçadores-coletores, acabaram frequentemente recorrendo a rótulos exógenos,

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usados pelos povos vizinhos como termos pejorativos em relação aos caçadores e coletores
de sua vizinhança. Finalmente, o princípio de confiança que vigora no cerne da socialidade
caçadora-coletora não aceita relações de dominação de nenhuma espécie. Tais relações,
porém, estão necessariamente implicadas em qualquer sistema de instituições reguladoras
que legitimam e autorizam certas pessoas a controlar as ações dos outros, em nome da
sociedade. Não basta, portanto, observar, em um idioma antropológico agora obsoleto, que
caçadores-coletores vivem em "sociedades sem estado", como se suas vidas sociais fossem de
certa forma deficientes ou incompletas, como que aguardando para serem completadas pelo
desenvolvimento evolucionário de um aparato estatal. Em vez disso, o princípio da sua
socialidade, conforme PIERRE CLASTRES expressou no título de seu livro de 1974, é
fundamentalmente contra o estado.

A CIÊNCIA E O CAÇADOR-COLETOR

Vou agora retornar ao problema da evolução, permanecendo por enquanto com a


antropologia dos caçadores e coletores. Para os teóricos modernos da evolução humana, os
caçadores-coletores têm um significado muito especial – tão especial, na verdade, que se eles
não existissem teriam quase certamente sido inventados. Parece que a teoria evolucionária
requer os caçadores-coletores. Para mostrar o porquê, terei de despertar o fantasma de uma
velha questão que tem ocupado as mentes dos pensadores ocidentais por séculos, sem que,
aparentemente, tenhamos nos aproximado de uma solução. É a questão de se os seres
humanos diferem dos outros animais em grau ou em natureza. A idéia de que nenhuma
ruptura radical separa a espécie humana do resto do reino animal é uma idéia antiga, que
remonta à doutrina clássica de que todas as criaturas podem ser situadas numa escala simples
da natureza ou na Grande Cadeia do Ser [Great Chain of Being], que conecta as formas mais
baixas de vida às mais elevadas, numa sequência uniforme. Cada etapa ao longo da cadeia era
concebida como gradual, ou, como se dizia, "a natureza nunca dá saltos". Darwin, em sua
teoria da evolução por seleção natural, substituiu a imagem da cadeia simples pela de uma
árvore ramificada, mas a idéia de mudança gradual permaneceu. Segundo a visão que se tem
da evolução de nossa espécie, tal como se pode encontrar em qualquer livro de estudos
moderno, os nossos ancestrais tornaram-se humanos gradualmente, ao longo de incontáveis
gerações. Supõe-se que uma sequência ininterrupta de formas conecte os macacos de cerca

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de cinco milhões de anos atrás – dos quais descendem tanto os seres humanos quanto os
chimpanzés –, passando pelas primeiras criaturas hominídeas de dois milhões de anos atrás,
até chegar a pessoas como vocês e eu, autênticos humanos qualificados como da variedade
"anatomicamente moderna": Homo sapiens sapiens.

Pois bem, na qualidade de relato da evolução biológica humana, não há nada de errado aí;
mas o que dizer da história humana? Os teóricos do século XVIII, aderindo à filosofia do
Iluminismo, tenderam a considerar a história como a narrativa da ascensão da humanidade,
desde a selvageria primitiva até a civilização e a ciência modernas. Mas eram também fiéis à
doutrina de que todos os seres humanos, em todos os lugares e épocas, têm em comum um
conjunto de capacidades intelectuais básicas, e neste sentido podem, assim, ser considerados
iguais entre si. Essa doutrina era conhecida como "unidade psíquica da humanidade". As
diferenças nos níveis das civilizações foram atribuídas a desigualdades no desenvolvimento
dessas capacidades comuns. Era como se os povos tidos como primitivos estivessem num
estágio mais inicial na sua carreira em busca de um currículo essencial comum à
humanidade como um todo. Em resumo, para esses pensadores do século XVIII, os seres
humanos se diferenciavam em grau de outras criaturas no que tange a suas formas
anatômicas, mas diferenciavam-se em natureza [isto é, qualitativamente2] do resto do reino
animal, na medida em que eram dotados de mentes – ou seja, das capacidades de raciocínio,
imaginação e linguagem – que foram capazes de passar por seu próprio desenvolvimento
histórico dentro da moldura fornecida por uma forma corporal constante. Até mesmo Lineu,
que deu o passo ousado de incluir os seres humanos em seu sistema taxonômico [ou seja,
classificando-(n)os como animais], sob a designação de Homo, teve dificuldade em descobrir
critérios bem definidos segundo os quais distinguir anatomicamente entre humanos e
macacos, e preferiu em vez disso apontar a distinção humana por meio de um conselho:
nosce te ipsum – "conhece-te a ti mesmo". Somente os humanos, pensava Lineu, poderiam
procurar saber, mediante seus poderes de observação e análise, que tipo de seres eles são.

2 [nrt] a expressão “diferença de natureza” [difference in kind], por oposição a “diferença de grau” [difference
in degree] remete (mas não se resume) a diferenças qualitativas que não se reduzem a diferenças quantitativas
(por exemplo, entre gelo e água). Falar de uma suposta diferença de natureza, e não de grau, entre humanos e
animais implica – como aliás fica expresso na sequência do parágrafo – que o tipo de diferença que há entre
humanos e todas as outras espécies seria diferente e irredutível às diferenças entre as espécies não humanas.
Ou ainda, em outras palavras, que humanos não seriam só animais diferentes, mas algo diferente do que são os
animais.

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Não há cientistas entre os animais.

O impacto imediato da teoria da evolução humana de Darwin, apresentada em seu livro The
descent of man [traduzido como A descendência do homem e A origem do homem], de 1871,
foi o de subverter tal distinção. As diferenças quanto à capacidade mental foram atribuídas
aos diferentes graus de desenvolvimento de um órgão corporal, o cérebro, de modo que
pessoas civilizadas foram consideradas como possuidoras de cérebros maiores e mais bem
organizados do que os de pessoas primitivas, da mesma forma que os cérebros destas eram
considerados maiores e mais bem organizados do que os dos macacos. A história humana –
ou o que agora passara a ser chamado de evolução da sociedade –, segundo essa concepção,
andava de mãos dadas com a evolução do cérebro, mediante um processo de seleção natural
no qual o desafortunado selvagem, posto no papel do derrotado na luta pela sobrevivência,
estaria cedo ou tarde destinado à extinção. Quando Wallace sugeriu, em seu livro
Contributions to the theory of natural selection [Contribuições à teoria da seleção natural], de
1870, que os cérebros dos selvagens primitivos poderiam ser tão bons quanto os dos
filósofos europeus e, portanto, projetados [designed] para serem mais capacitados do que, na
verdade, lhes era exigido nas suas condições de vida simples, ele foi desprezado como um
espiritualista de ideias extravagantes. Pois – assim argumentou-se [contra a ideia de Wallace]
– a seleção natural apenas dotará o selvagem da capacidade cerebral de que ele necessita.
Somente um Criador poderia pensar em preparar o selvagem para a civilização antes que
este a alcance.

Mas, é claro, Darwin estava errado e Wallace certo, embora poucos tenham-lhe dado esse
crédito. Os cérebros dos caçadores-coletores supostamente primitivos são, sim, tão bons e tão
capazes de conduzir a idéias sofisticadas e complexas quanto os dos filósofos e cientistas
ocidentais. Entretanto, as noções racistas a respeito da superioridade mental inata dos
colonizadores brancos europeus sobre os povos indígenas foram notavelmente persistentes
na antropologia biológica. Foi só depois da Segunda Guerra Mundial, e das atrocidades do
Holocausto, que tais noções cessaram de ser toleradas nos círculos científicos. Isto, porém,
deixou os darwinistas com um problema nas mãos. Como conciliar a doutrina da
continuidade evolucionária com o compromisso, mais recente, com os direitos humanos
universais? A Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas afirmou mais uma vez a

14
igualdade fundamental de todos os seres humanos no presente e no futuro ̶ e, por implicação,
também no passado. Se todos os humanos são semelhantes por serem capazes de raciocínio
e de consciência moral – em outras palavras, se todos os humanos são seres que, segundo os
preceitos jurídicos ocidentais, podem exercer direitos e responsabilidades –, então devem ser
de um tipo [kind] que difere qualitativamente de todos os outros seres que não têm tal
capacidade. Em algum lugar ao longo do percurso, nossos ancestrais devem ter cruzado o
limiar de uma condição para a outra, da natureza para a humanidade.

Confrontada com este problema, havia somente um caminho para a ciência moderna seguir,
qual seja, voltar para o século XVIII. De fato, a maioria dos comentaristas contemporâneos da
evolução humana parece estar vigorosamente, e inadvertidamente, reproduzindo a visão do
século XVIII em tudo que lhe é fundamental. Há [segundo essa visão 3] um processo (a
evolução) que leva de nossos ancestrais simianos [semelhantes a macacos: ape-like] aos
seres humanos que têm forma biologicamente, ou "anatomicamente", moderna; e há outro
processo (cultura ou história) que leva de um passado primitivo da humanidade até a ciência
e a civilização modernas, mas sem modificar-nos biologicamente. A história, conforme os
psicólogos David Premack e Ann ]ames Premack formularam recentemente, é "a sequência
de mudanças pelas quais passa uma espécie enquanto permanece biologicamente estável", e
de todas as espécies do mundo, somente os humanos a têm. Tomados em conjunto, conforme
mostrado na Figura 2, os eixos da evolução biológica e da história da cultura estabelecem na
sua interseção um ponto originário singular, sem precedente na evolução da vida, no qual
supõe-se que nossos ancestrais teriam cruzado o limiar para a verdadeira humanidade e
embarcado no curso da história.

3
[nrt] Tenha-se em mente que o autor prosseguirá apresentando criticamente uma concepção que não é a dele e que
só mais adiante apresentará sua própria.

15
FIGURA 2. A origem dos “humanos modernos”, no ponto de interseção entre as linhas da evolução
biológica e da história cultural.

Considere-se agora o fato notável de que, quando cientistas querem salientar a continuidade
evolucionária entre macacos e humanos, estes são quase sempre retratados como antigos
caçadores-coletores (ou, se se tomam como exemplo os caçadores-coletores
contemporâneos, eles são comumente considerados como fósseis culturais, congelados no
tempo desde o início da história). De acordo com um cenário que é hoje amplamente aceito,
foi nas condições de vida de caçadores-coletores, no período Pleistoceno, que evoluíram as
capacidades biológicas – bipedalismo, uso de ferramentas, cérebros grandes, formação de
casais macho-fêmea [male-female pair-bonding], e assim por diante – que supostamente nos
tornaram humanos. Assim, afirma-se que cada um de nós carrega, como parte fundamental
de nossa composição biológica, um conjunto de capacidades e disposições que originalmente
surgiram como adaptações às exigências de caça e de coleta nos ambientes do período
Pleistoceno. É claro que o que foi adaptativamente vantajoso para nossos predecessores
caçadores-coletores pode não ser tão adequado à vida em ambientes urbanos densamente
povoados, onde as pessoas têm acesso a uma alta tecnologia, cujo potencial destrutivo está
muitissimo além de tudo que nossos ancestrais poderiam ter imaginado. A isso se atribuem

16
muitos dos problemas endêmicos da civilização moderna, dos acidentes de trânsito às guerras
mecanizadas. Mas a ideia de que até mesmo o moderno habitante urbano é afligido por este
legado do nosso passado evolucionário está por trás do interesse persistente, tanto popular
quanto acadêmico, pelos caçadores e coletores contemporâneos, cuja forma de vida é
considerada como a que mais de perto se assemelha à condição das populações ancestrais, e
cujo estudo poderia, portanto, revelar-nos algo de nossa natureza interior. Supõe-se que
dentro de cada um de nós haja um caçador-coletor lutando para sair.

Já deve estar claro por que motivo a ciência e o pensamento ocidentais, inclusive a ciência da
evolução, precisam de caçadores e coletores. Com efeito, a categoria "caçador-coletor" surgiu
para caracterizar a condição original da humanidade na encruzilhada de dois processos de
mudanças – um evolucionário, o outro, histórico – cuja separação é logicamente necessária
para salvaguardar a pretensão [claim] da ciência de deter autoridade para produzir um relato
de como funciona a natureza, apesar do reconhecimento de que o cientista (que, como todos
nós, é somente humano) pertence a uma espécie que, ela própria, evoluiu até sua forma
atual por um processo de variação submetido a seleção natural. Os humanos não evoluíram
como cientistas, mas considera-se que tenham evoluído com a capacidade de serem
cientistas, como aliás também a capacidade de ler e escrever, tocar piano, dirigir carros e até
mesmo enviar foguetes à Lua; enfim, a capacidade de fazer tudo que os seres humanos já
fizeram ou ainda farão. O homem de Cro-Magnon de 30.000 anos atrás, caso tivesse nascido e
crescido no século XX, poderia ter sido um Einstein. Seu cérebro era igualmente grande e
complexo. Mas no tempo em que viveu, o momento ainda não estava maduro para este
potencial "se manifestar”. Supõe-se, assim, que entre os polos da natureza e da razão,
representados tipicamente pelas figuras contrastantes do caçador-coletor e do cientista,
estende-se a totalidade da história humana. Há uma certa ironia aí. Como já observei, os
biólogos há muito tempo cooptaram a noção de evolução para descrever aquilo que Darwin
tinha chamado de "descendência com modificação" e têm criticado acidamente os cientistas
sociais, que continuaram a usar essa noção em seu sentido original de desenvolvimento
progressivo. Mas eles mesmos não conseguem evitar uma visão da História – como o
desdobramento de capacidades ou potenciais pré-evoluídos – que é fundamentalmente

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teleológica!4

Em suma, a biologia evolucionária contemporânea permanece presa na mesma contradição


que nunca deixou de haver desde o início. Sua afirmação de que os seres humanos diferem de
seus predecessores em grau e não em qualidade [isto é, por variações que se deram de modo
gradual], só pode ser sustentada se se atribui o movimento total da História, desde a caça e
coleta pleistocenas até a civilização e a ciência modernas, a um processo cultural ou social
que difere qualitativamente, e não em grau, do processo de evolução [no sentido que o termo
adquiriu depois de Darwin: de descendência com modificação sob seleção natural]. Esta
contradição não é, obviamente, senão um exemplo específico de um paradoxo mais geral que
está no cerne do pensamento ocidental, que só consegue compreender o envolvimento
criativo dos seres humanos no mundo quando os extrai deste. A desvinculação ou o
desengajamento do observador humano em relação ao mundo a ser observado, que produz a
dicotomia entre razão e natureza, é de fato central para o projeto da ciência natural,
incluindo-se aí a ciência da biologia evolucionária. Fixando o olhar no espelho da natureza, o
cientista vê seus próprios poderes de raciocínio refletidos de volta na forma invertida da
seleção natural. Apesar das alegações dos teóricos evolucionários, de que se livraram dos
dualismos arcaicos de sujeito-objeto e mente-corpo, que caracterizam o pensamento
ocidental, tais dualismos ainda estão presentes, embora deslocados para a oposição entre o
cientista, diante de cuja imaginação soberana revelam-se os desígnios da natureza, e o
caçador-coletor, cujo comportamento é interpretado como aquilo que resulta das disposições
inatas instaladas pela seleção natural, e das quais ele não tem consciência. Mesmo quando a
biologia neodarwinista proclama a continuidade evolucionária entre a humanidade e o resto

4 [nrt] teleologia é o modo de pensar segundo “causas finais”, isto é, explicando fenômenos ou processos em
função das consequências ou resultados a que supostamente estariam destinados ou predeterminados. A
concepção (neo)darwiniana rompe com a teleologia de um ‘projeto’ ou ‘intenção’ que governaria as
modificações das formas vivas, ou mesmo de uma direção definida na sua sucessão, pois o quadro explicativo
fala em mutações aleatórias e em adaptações às mudanças ambientais (também aleatórias, no que concerne aos
organismos e espécies), sem ter em vista nenhum resultado final predefinido. A crítica do autor, aqui, incide
sobre a presença ativa do modo de pensar teleológico, mesmo por parte de cientistas que em princípio refutam a
teleologia, quando se trata das concepções a respeito de um desenvolvimento de capacidades mentais, que se
daria na história como ‘progresso cumulativo e unidirecional’ da sociedade ou da cultura (que por sua vez teria
sido possibilitado pela suposta transição original da animalidade à humanidade). (Note-se que o autor não está
argumentando que esteja errado pensar em termos de desenvolvimento, como a história ou o crescimento de
um organismo a partir da célula, nem que não haja processos de descendência com modificação; a crítica é à
noção de que o desenvolvimento histórico aumente o grau de humanidade afastando progressivamente da
natureza (e dos caçadores-coletores supostamente originários).

18
do reino animal, ocorre que esta continuidade afinal se aplica aos humanos caçadores-
coletores, não aos humanos cientistas, e que a única forma pela qual tanto os cientistas
quanto os caçadores-coletores podem caber no mesmo âmbito é reafirmando a distinção
essencial entre a humanidade e a natureza, comprometendo assim a tese da continuidade.

DA EVOLUÇÃO À HISTÓRIA

Para resolver o paradoxo da distinção e da continuidade, precisamos encontrar um modo de


compreensão humana que parta da premissa de nosso engajamento no mundo, e não de
nosso afastamento dele. Considero ser esta a tarefa central de minha própria disciplina, a
antropologia. E o que torna os antropólogos especialmente qualificados para desempenhá-la
é sua estreita familiaridade com os modos de compreensão [ou de pensamento –
understandings] não ocidentais. Este é, então, o ponto no qual eu gostaria de retomar minha
discussão anterior quanto à socialidade dos caçadores e coletores. Mostrei que ela é
fundamentalmente relacional, no sentido de que as pessoas ganham existência [come into
being] dentro dos contextos das histórias de seu envolvimento contínuo com outras. As
relações estão envolvidas [enfolded] nas pessoas, em suas capacidades particulares,
disposições e identidades, e se desdobram [ou des-envolvem: unfold] em ações sociais
intencionais. Esse envolvimento-e-desdobramento, no entanto, não pode ser compreendido
nos termos do discurso dominante ocidental sobre o indivíduo e a sociedade – um discurso
que tende a negar aos caçadores e coletores qualquer tipo de vida social. [Mas] E se, em vez
de ver as vidas dos caçadores-coletores com olhos ocidentais, invertermos a perspectiva e
aplicarmos ao exame de nossa própria experiência uma compreensão aguçada pela escuta do
que os caçadores e coletores têm a nos dizer?

Creio que descobriremos, então, que uma corrente subjacente de socialidade relacional não
está, de modo algum, limitada a caçadores e coletores, mas atravessa e conecta as vidas das
pessoas por toda parte, no passado e no presente, até mesmo as dos habitantes urbanos
modernos, como nós. Se assim for, então as implicações dessa forma de socialidade, no que
diz respeito à constituição de pessoas, podem ser generalizadas. Isso significa que não mais
podemos aceitar a ideia, central para a ortodoxia neodarwinista, de que as capacidades
humanas são pré-especificadas, antes do desenvolvimento, em virtude de algum dom inato
que cada indivíduo recebe no momento da concepção. Minha afirmação, em sentido

19
contrário, é que tais capacidades surgem como propriedades emergentes de todo um sistema
em desenvolvimento [developmental system], o qual desde o início se constitui mediante a
condição situada [emplacement] da pessoa-em-formação no interior de um campo de
relações mais abrangente – inclusive, e principalmente, os relacionamentos com outras
pessoas.

Discordo, portanto, do meu colega Michael Carrithers quando afirma que a socialidade deve
ser compreendida como um traço geneticamente codificado e herdado, "que se expressa nos
indivíduos" e "se estabelece por força da seleção natural". Para Carrithers, as relações sociais
são os resultados manifestos da associação de múltiplos indivíduos, cada um
independentemente pré-programado para um comportamento cooperativo ou altruístico.
Meu ponto de vista, ao contrário, é que a socialidade é imanente naquele campo de relações
no interior do qual cada vida humana se inicia e através do qual ela busca se realizar
plenamente. Sem dúvida, em certo sentido a socialidade está lá desde o início, e desse ponto de
vista ela pode ser considerada como inata. Mas com isso quero dizer que ela é originária para
a constituição, não de indivíduos distintos e separados, e sim dos relacionamentos que
abrangem o mundo no qual se habita [dwelt-in world]5. Imanente a este mundo, a socialidade
é o solo relacional no qual cresce [ou se desenvolve – grows] toda a existência humana.
Assim, em vez de considerar a socialidade como algo que evolui, devemos pensar nela como
sendo o potencial gerador de um campo relacional, cujo desdobramento equivale ao próprio
processo evolucionário. Qual é, então, o significado de evolução?

Para colocar nos termos mais gerais, a evolução é o processo no qual os organismos ganham
existência [come into being] com suas formas e capacidades particulares e, mediante suas
ações ambientalmente situadas, estabelecem as condições de desenvolvimento de seus
sucessores. E os seres humanos estão enredados nesse processo tanto quanto os organismos
não humanos. Crianças humanas, assim como as crias de muitas outras espécies, crescem
em ambientes providos pelo trabalho de gerações anteriores, e ao fazer isso passam a trazer
em seus corpos as formas de sua habitação no mundo – em suas habilidades específicas,

5[nrt] A intenção do autor não é designar a parte habitada do mundo, e sim contrapor sua compreensão do
campo relacional imanente – a constituição dos seres, das pessoas, em um mundo com o qual a relação é de
envolvimento e participação –, à ideia científica ocidental de um mundo (ou uma realidade) ao qual o sujeito é
exterior e que é por este representado (em vez de habitado).

20
sensibilidades e tendências. Mas não as carregam em seus genes, e nem é necessário invocar
algum outro tipo de veículo para a transmissão intergeneracional de informação, cultural e
não genética, que explique a diversidade dos arranjos sociais humanos. É a própria noção de
informação, isto é, a noção de que a forma é introduzida [(nrt) in-forma-ção] nos contextos
ambientais de desenvolvimento, que está errada aqui. Pois, como já mostrei, é dentro do
movimento da vida social, nos contextos dos entrosamentos práticos [engagements] dos
seres humanos uns com os outros e com seus ambientes não humanos, que as formas
institucionais são geradas – inclusive aquelas formas que recebem o nome de "sociedades".

Além disso, esse movimento [da vida social], conforme vimos, não é nada menos que o
processo da história. Já me referi ao comentário de Marx, de que história é algo que as
pessoas produzem para si próprias. Tomando a deixa de Marx, o antropólogo Maurice
Godelier propôs que os seres humanos fazem a história porque não apenas vivem em
sociedade, mas participam de sua criação. Meu ponto de vista, porém, é que a criação de
formas sociais não acontece num vácuo, mas sim tendo como pano de fundo as coisas que as
pessoas fazem e as que elas fizeram no passado, configurando as condições de
desenvolvimento para as gerações seguintes. Permitam-me sugerir uma analogia com a
agricultura. Os camponeses não criam as plantações, eles as cultivam. Por meio de seu
trabalho nos campos, estabelecem as condições ambientais para o desenvolvimento saudável
das plantas. E assim como os agricultores cultivam as plantações, assim também as pessoas
"cultivam" umas às outras. É no cultivo das pessoas, sugiro eu, e não na criação da sociedade,
que se faz a história.

Podemos agora ver de que modo, ao considerar como ponto de partida a "pessoa em seu
ambiente", em vez do "indivíduo autossuficiente", é possível dissolver a dicotomia entre a
evolução e a história, que tem sido a fonte de tantos problemas e mal-entendidos no passado.
Na qualidade de um movimento em que as pessoas, mediante suas próprias práticas sociais
e em suas mútuas relações, estabelecem suas respectivas condições de desenvolvimento, a
história não é senão uma instância específica de um processo que está em andamento por
toda a extensão do mundo orgânico. Daí não precisarmos de uma teoria para explicar como
os macacos se tornaram humanos e de outra para explicar como (alguns) humanos se
tornaram cientistas. E uma vez que reconheçamos que a história é, com um nome diferente,

21
a continuação de um processo evolucionário, desaparece aquele ponto de origem constituído
pela interseção dos eixos histórico e evolucionário, e a busca pelas origens da sociedade, da
história e da humanidade torna-se a busca de uma ilusão.

Mas o argumento que propus aqui não derruba apenas a divisão entre evolução e história;
ele também atinge o cerne do princípio segundo o qual a teoria ortodoxa distingue entre
evolução e desenvolvimento, ou entre filogenia e ontogenia. A base desse princípio é que o
que cada indivíduo recebe de seus antecessores é uma especificação formal [i.e., da sua
forma], independente do contexto, conhecida como o genótipo, que então se expressa ou se
“realiza” no curso de sua história de vida, na forma concreta de um fenótipo ambientalmente
específico. Desde que a assim chamada doutrina lamarckiana da transmissão hereditária de
características adquiridas foi derrubada por August Weismann, no fim do século XIX, tem-se
assumido que somente as características do genótipo, e não as do fenótipo, passam de uma
geração a outra.

A ideia de que os elementos constituintes de um projeto [design] são assim importados para
o organismo [ou transportados para o seu interior], como uma espécie de arquitetura
evoluída, antes do desenvolvimento desse organismo dentro de um contexto ambiental, é,
acredito, uma das grandes ilusões [delusions: equívocos, alucinações] da biologia moderna.
Certamente, cada organismo inicia a vida com sua guarnição de DNA no genoma; mas o DNA,
por si só, não especifica nada. Não há "leitura" do código genético que não seja ela própria
uma parte do desenvolvimento do organismo em seu ambiente. É óbvio que o organismo
não inicia a vida somente com o DNA. O que é literalmente passado adiante de uma geração
para a outra, conforme Susan Oyama apontou em seu importante livro The Ontogeny of
Information: Developmental Systems and Evolution [Ontogenia da informação: sistemas de
desenvolvimento e evolução], "é um genoma e um segmento do mundo". Juntos, eles
constituem um sistema de desenvolvimento, e é no desdobramento desse sistema, no
transcurso do ciclo de vida do organismo, que a forma surge e é mantida. Qualquer
consideração ou explicação quanto à evolução da forma deve, portanto, concernir
principalmente aos processos dinâmicos de auto-organização mediante os quais tais

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sistemas são constituídos e reconstituídos ao longo do tempo.6 Tudo que tenho feito neste
capítulo é comprovar a veracidade dessa proposição quanto aos organismos humanos, que,
desenvolvendo-se num mundo social, assumem seu papel [play their part] no fazer da
história.

Quero concluir voltando à imagem da pedra que cai. Não estou convencido de que possamos
falar com nada que se aproxime da mesma certeza acerca da evolução da forma orgânica.
Acredito que o paradigma neodarwinista está eivado de contradições e tentei mostrar
algumas delas. Gostaria de pensar, entretanto, que o próprio Darwin, caso estivesse agora
conosco, veria com bons olhos os meus esforços. Porque Darwin não era darwinista, muito
menos neodarwinista, e foi muito mais sensível ao mutualismo dos organismos e dos
ambientes do que vários daqueles que, em nossos dias, atrelam às suas próprias causas o
nome dele. Acima de tudo, porém, Darwin foi um verdadeiro cientista, pronto a desafiar a
ortodoxia de seu tempo quando a razão, a evidência e a honestidade intelectual assim o
exigissem. É curioso, e bastante perturbador, que a heresia de Darwin tenha-se tornado,
agora, uma nova ortodoxia, beirando, em alguns casos, uma fé. Aqueles que alegam que o
neodarwinismo deve estar certo porque não existe outra alternativa e descartam como
heréticos e inimigos da Ciência todos os que dele duvidam, são, certamente, os Wilberforces 7
do final do século XX.

6 [nrt] O autor está sintetizando a abordagem que não separa a informação genética do seu ambiente (celular,
orgânico, etc.), nem a hereditariedade da história: a forma não está predeterminada exclusivamente pelo
genótipo e o fenótipo não é o mero portador das informaçoes hereditárias; do mesmo modo, no argumento de
Ingold, a evolução biológica não é a construtora exclusiva do organismo e a história não é uma dimensão
exclusivamente humana (‘menor’ para os caçadores-coletores e ‘maior’ para os cientistas modernos).
7 (NT) William Wilberforce (1759-1833), político britânico, filantropo e escritor. ̶ [nrt] O autor provavelmente

alude ao conservadorismo de Wilberforce, e sua posição e ativismo contrários à escravidão, porém dentro da
moldura da verdade superior do cristianismo (como fé e como moral), e acompanhados da convicção de que
apenas gradualmente as populações não europeias e não cristãs seriam capazes de exercer a liberdade.

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BIBLIOGRAFIA

CARRITHERS, M. Why Humans Have Cultures. Oxford: Oxford University Press, 1992. (Ver
especialmente os capítulos 3 e 4.) Carrithers afirma que a socialidade é um traço inato dos humanos,
transmitido geneticamente, e que evoluiu por seleção natural darwiniana.)

CLASTRES, P. Society Against tbe State. Oxford: Blackwell, 1977. (Originalmente publicado em
1974 como La Société contre I'état – A sociedade contra o Estado). (Recorrendo à etnografia dos
índios sul-americanos, Clastres mostra que os princípios de suas organizações sociais e políticas são,
fundamentalmente, contrários àqueles do Estado centralizado.)

FORTES, M. Rules and the Emergence of Society. London: RAI, 1983. (Royal Anthropological
Institute Occasional Paper). (Nesta breve obra, publicada postumamente, o renomado antropólogo
social Meyer Fortes argumenta que a sociedade humana é singularmente fundamentada em regras e,
portanto, não tem contrapartida equivalente no reino animal.)

GODELIER, M. Incest taboo and the evolution of society. In: GRAFEN, A. (Ed.). Evolution and its
Influence. Oxford: Claredon Press, 1989. p. 63-92. (Aqui, Maurice Godelier explora as implicações da
tese de que os seres humanos são criadores de suas próprias sociedades, observando as relações de
parentesco.)

INGOLD, T. Evolution and Social Life. Cambridge: Cambridge University Press, 1986. (Um estudo
dos modos com que a idéia de evolução tem sido manejada no contexto de debates antropológicos,
desde meados do século XIX até hoje em dia, comparando as abordagens biológicas, antropológicas e
históricas no estudo da cultura humana e da vida social.)

_______. Becoming persons: counsciousness and sociality in human evolution. In: INGOLD, T.
(Ed.). Evolutionary Models in the Social Sciences. Cultural Dynamics, 4, p. 355-378, 1991. Edição
especial. (Afirmo que a pessoalidade [personhood – a distinguir de personality, ‘personalidade’] não é
"acrescentada" ao ser humano por meio da socialização ou enculturação [assimilação da cultura],
mas sim que ela surge do processo de desenvolvimento do organismo num ambiente que inclui,
essencialmente, outros organismos-pessoas. Outros artigos na mesma edição especial, como os de de
Paul Graves, Mae-Wan Ho e John Shotter, exploram temas relacionados.)

24
KUPER, A. (Ed.). Conceptualising Society. London: Routledge, 1992. (Vários antropólogos culturais e
sociais contemporâneos discutem qual o significado de "sociedade" e "socialidade".)

OYAMA, S. The Ontogeny of Information: Developmental Systems and Evolution. Cambridge:


Cambridge University Press, 1985. (Uma filósofa da biologia mostra como o pensamento atual ainda
está permeado pela dicotomia natureza/criação, e como vencer essa dicotomia requer uma
focalização nas propriedades auto-organizadoras dos sistemas de desenvolvimento.)

PREMACK, D.; PREMACK, A. J. Why animals have neither culture nor history. In: INGOLD, T. (Ed.).
Companion Encyclopedia of Anthropology: Humanity, Culture and Social Life. London: Routledge,
1994. p. 350-365. (Comparando os diferentes mecanismos pelos quais a informação é passada
adiante através das gerações, Premack e Premack argumentam que os humanos são únicos em sua
capacidade de transmitir conhecimento por meio da pedagogia, que por sua vez é a base tanto da
cultura quanto da história.)

VIVEIROS DE CASTRO, E. Society. In: BARNARD, A.; SPENCER, J. (Ed.). Encyclopedia of Social and
Cultural Anthropology. London: Routledge, 1996. p. 514- 522. (Uma brilhante e sucinta revisão dos
diferentes significados de "sociedade" e suas implicações para a teoria antropológica.)

WOLF, E. Inventing society. American Ethnologist, 15, p. 752-761, 1988. (Wolf explora a trajetória do
conceito de sociedade na história recente das idéias ocidentais e argumenta que o conceito se tornou
agora um obstáculo, devido ao modo como nos predispõe a pensar em termos de unidades delimitadas,
em vez de campos relacionais.)

WOODBURN, J. Egalitarian societies. Man (N.S.), 17, p. 431-451, 1982. (Este artigo revisa a
etnografia das sociedades de caçadores e coletores contemporâneos para mostrar que, em certas
sociedades caracterizadas pelos sistemas de produção nos quais há um retorno de trabalho imediato,
a igualdade não é só afirmada em princípio, mas também alcançada na prática.)

Extraído de: FABIAN, A. C. (org.). 2003. Evolução – sociedade ciência e universo. Bauru: EDUSC. p. 107-131.
– tradução extensamente revisada, para propósitos estritamente não comerciais e especialmente para uso em
cursos universitários de antropologia.

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