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INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE

AULA 1

Prof.ª Giseli Cipriano Rodacoski


CONVERSA INICIAL

Olá! Muito bom ter seu interesse no estudo da Psicanálise, fico feliz em
compartilhar com vocês essa disciplina! Eu sou a Professora Giseli Rodacoski,
psicóloga com mais de 20 anos de experiência clínica e na docência em cursos
de graduação e de pós-graduação. Essa disciplina pretende apresentar os
pressupostos básicos da teoria Psicanalítica, contar um pouco da história da
psicanálise, contextualizar o momento histórico em que se originou a partir da
experiência clínica de Sigmund Freud na década de 1880 e nos anos seguintes
em que ele teorizou sobre a estrutura e o funcionamento do aparelho psíquico.
Ao longo de 6 aulas que ficarão gravadas aqui para que sejam acessadas
a qualquer momento, serão abordados alguns termos utilizados e delimitações
conceituais que são fundamentais para favorecer o estudo e a compreensão da
psicanálise. Você vai perceber que o estudo da subjetividade não é exato. Não
há uma única definição, assim como 2 = 2 = 4. Costumamos dizer que a
psicanálise nunca está pronta, nunca terminaremos de aprender sobre a
subjetividade e a nossa verdade não pode ser imposta ao outro. Por exemplo:
eu não posso dizer a você o que significa o teu sonho. Por isso o processo é
uma construção. Nossas leituras precisam ser discutidas, compartilhadas,
precisaremos falar uns com os outros em atividades interativas para ampliar
nosso ponto de vista sobre o que compreendemos e, assim, cada um de vocês
se manterá no percurso de formação de um psicanalista.
Podemos começar esclarecendo "O que é Psicanálise?"

Créditos: GoodStudio/Shutterstock.

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E aqui vai uma dica de aprendizagem: antes de avançar na leitura para
saber o que a literatura diz sobre isso, reflita sobre o que você pensa que é, o
que você já sabe sobre isso, o que já ouviu falar, o que você poderia escrever
em poucas linhas sobre psicanálise? Especialmente quando se trata de ensino
de adultos, é importante considerar que todos nós temos conhecimentos prévios,
saberes e experiências de vida que fazem com que cada um de nós atribua um
sentido e um significado para as coisas. Por isso é importante refletir sobre as
tuas impressões iniciais e dar valor a isso. Não menos importante para quem
quer ser um psicanalista, é saber o que há na literatura a saber sobre isso. Quem
conceituou, quando, com qual finalidade, por que foi importante estudar
psicanálise, como se desenvolveu ao longo do tempo?

TEMA 1 – O QUE É PSICANÁLISE

A primeira vez que Freud empregou o termo Psicanálise (psycho-analyse)


foi em 1896, em um artigo intitulado A hereditariedade e a etiologia das neuroses,
e naquela ocasião, foi usado para se referir à análise dos processos mentais,
uma Psico Análise.
Antes de começar a usar a palavra psicanálise, Freud se utilizava de
expressões tais como: análise psíquica, análise clínico-psicológica, análise
hipnótica, como você pode confirmar lendo o texto As Neuropsicoses de Defesa,
de 1894, publicado nas Obras Completas de Sigmund Freud, Volume III (Freud,
1986).
A etimologia da palavra análise deriva dos étimos gregos aná (partes) +
lysis (decomposição, dissolução) e se refere ao exame mental em comparação
à análise química de elementos de substâncias compostas (Zimerman, 2011, p.
333).
Temos acesso a textos de Freud como por exemplo um artigo que foi
escrito em 1913 para ser lido no Congresso Médico Australasiano Intitulado On
Psycho-Analysis – Sobre a Psicanálise. Esse texto faz parte do que está
compilado no volume XII das Obras Completas de Sigmund Freud, que explicou
o que é Psicanálise da seguinte maneira: "A psicanálise constitui uma
combinação notável, pois abrange não apenas um método de pesquisa das
neuroses, mas também um método de tratamento baseado na etiologia assim
descoberta" (Freud, 1986, p. 265).

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Ainda no percurso para delimitação conceitual do termo e do campo de
estudo da Psicanálise, em 1922, no texto Dois verbetes de enciclopédia, Freud
deixou claro que seus pilares teóricos (os da psicanálise) eram o inconsciente, o
complexo de Édipo, a resistência, a repressão e a sexualidade, e nos fornece
uma nova definição de psicanálise (Freud, 1922/1986, p. 287), dizendo que é o
nome de:

1. Um procedimento para a investigação de processos mentais que


são quase inacessíveis por qualquer outro modo,
2. Um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de
distúrbios neuróticos, e
3. Uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas
linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina
científica.

Podemos entender "procedimento para a investigação" como um estudo,


um interesse de analisar algo. Nesse caso, o objeto de interesse seriam os
"processos mentais". Mas, o que são processos mentais? Ainda no Tópico 1
(acima), Freud continua explicando que esses processos mentais seriam
praticamente inacessíveis, se não fossem investigados pelo método da
Psicanálise, pois ele estava se referindo aos processos mentais que são
inconscientes.
Então, Freud explicou que Psicanálise é um procedimento de investigação
que tem como objeto de interesse o inconsciente, mas não é só isso. Também é
um método de tratamento e uma área de conhecimento científico. Atualmente,
muitas outras definições foram dadas para Psicanálise, mas apesar de não
serem exatamente iguais, as diversas definições convergem no sentido de
definirem que a Psicanálise é um método de análise do inconsciente.
A Psicanálise parte do pressuposto de que existem processos mentais
inconscientes e é a partir desse ponto de vista que vai compreender o ser
humano. Isso não significa dizer que a psicanálise nega ou desconsidera as
determinações genéticas, fisiológicas, orgânicas, cognitivas, sociais, espirituais
etc., mas apenas que o objeto de interesse e de estudo da Psicanálise é o
inconsciente. Inclusive, para a Psicanálise, a relação mente – corpo é
indissociável.
Psicanálise é um método terapêutico, mas não é apenas por meio da
Psicanálise que o inconsciente se manifesta. Assim como uma linguagem, o
inconsciente se comunica conosco por meio de sonhos, de fantasias, desejos,
palavras que são ditas e coisas que fazemos mesmo "sem querer" e que quando

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"saem sem querer" elas (as coisas que falamos ou fazemos) nos entregam, nos
denunciam. Algo que nos parece sem sentido, mas que também faz parte de
nós. Nos estados de êxtase, quando as emoções dominam a razão, nas paixões,
no amor, no medo e na raiva, por exemplo, podemos ter a dimensão da
subjetividade do ser humano. Em todo momento a subjetividade está presente,
e a regulação para adequação e equilíbrio emocional é uma demanda social de
ordem, no entanto, ainda que reprima, não anula a sua existência.
O resultado desse jogo de forças forma o que conhecemos como
sintomas, que são formas de comunicação do inconsciente.

TEMA 2 – PERÍODO PRÉ-PSICANALÍTICO

O texto Uma breve descrição da Psicanálise Freud (1923/1986) conta a


história do nascimento da psicanálise e destaca fatos históricos que
influenciaram a origem do estudo dos processos mentais: “Pode-se dizer que a
psicanálise nasceu com o século XX, pois a publicação em que ela emergiu
perante o mundo como algo novo – A Interpretação de Sonhos – traz a data de
1900. Porém, como bem se pode supor, ela não caiu pronta dos céus” (Freud,
S. 1923/1986, p. 239).
O que podemos concluir com esse trecho?
Percebam que Freud escreveu que a Psicanálise nasceu com e não no
século XX. Isso porque o que marcou ao mundo a origem da psicanálise foi a
publicação do livro A Interpretação dos Sonhos (1900/1986). Todos sabemos que
quando se escreve um texto é porque o conteúdo foi amadurecido antes. Por
isso Freud escreveu, no trecho destacado acima, que ela (a psicanálise) emergiu
perante o mundo como algo novo em 1900, mas que não caiu dos céus! E ele
continua dizendo que: "Qualquer história a seu respeito deve, portanto, começar
por uma descrição das influências que determinaram sua origem, e não
desprezar a época e as circunstâncias que precederam sua criação." (Freud,
1923/1986, p. 239).
Freud (1923/1986, p. 239-259) descreve o contexto histórico que
influenciou a origem da psicanálise, e resumidamente, vou destacar aqui alguns
pontos e sugiro a leitura do texto citado, na íntegra:

• Por volta de 1880, o tratamento de doenças seguia um modelo positivista,


racional, em que os médicos eram ensinados a investigar fatos químico-

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físicos e patológico-anatômicos para tratar doenças funcionais, inclusive
as "doenças nervosas".
• Clara distinção entre o que era científico e o que era considerado não
científico. O que não era considerado científico, objetivo e explicado
racionalmente era delegado aos místicos e filósofos.
• Naquele contexto da década de 1880, o interesse que surgia
especialmente nos médicos era "o de compreender algo da natureza
daquilo que era conhecido como doenças nervosas funcionais, com vistas
a superar a impotência que até então caracterizava seu tratamento
médico" (Freud, 1923/1986, p. 239).

Interessando em neurologia e psiquiatria, Freud seguiu seus estudos em


Paris, com o Prof. Charcot no hospital psiquiátrico Salpêtrière. Nesse hospital,
Freud assistia aulas abertas, nas quais Charcot apresentava as mulheres
histéricas e demonstrava o método da hipnose que consistia em tratamento para
resgatar o material psíquico traumático que era verbalizado pela paciente e seria
trazido à consciência. O médico então, através da sugestão ao paciente em
estado hipnoide, neutralizava os efeitos do trauma retirando o sintoma do
paciente.
A hipnose então tinha como objetivo suspender a consciência da pessoa
para que, durante um estado alterado de consciência, ela expressasse seus
pensamentos, aqueles que não conseguia lembrar em estado de alerta.
Retornando à Viena, Freud apresentou a hipnose como método de
tratamento das doenças nervosas e foi duramente criticado pelos seus colegas
médicos que rejeitaram a proposta.
Nesse período, em Viena, o médico e Prof. Breuer já estava utilizando o
método hipnótico em pacientes histéricas, se aproximou de Freud. O Dr. Breuer
foi para Freud um professor e um mentor. Em 1895, publicaram juntos o texto:
Estudos sobre a Histeria, que apresentava a compreensão que os sintomas
histéricos surgiam quando o afeto de um processo mental era impedido pela
força de ser conscientemente elaborado da maneira normal, e era assim
desviado para um caminho errado, mas que poderia ser liberado pela hipnose.
A partir da hipnose, Breuer propunha o método catártico de ab-reação. Por ab-
reação, entende-se que é uma "descarga emocional pela qual um sujeito se
liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo
assim que ele não se torne ou não continue sendo patogênico". (Laplanche-
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Pontalis, 2001, p. 1). A ab-reação pode ser lágrimas, um desabafo por palavras,
elaboração de planos de vingança por vezes bastante inapropriados, pode
acontecer espontaneamente ou induzida para que ocorra em contexto analítico
e era o objetivo do método catártico.
O método catártico incentivava a exposição ao fato traumático por meio
da memória e a descarga emocional por meio da fala. No método catártico, a
pessoa não estava em estado hipnótico, mas sim, em uma relação interpessoal
com o médico, em estado consciente. A sensação era de descarga emocional,
em uma relação terapêutica. O que isso tem de muito importante no período pré-
psicanalítico é que marca a relevância da escuta atenta e sem julgamento.
O método catártico é considerado o precursor imediato da
psicanálise. Isso não significa dizer que hipnose ou catarse são psicanálise,
apenas que foi a partir desse ponto que a psicanálise começou a se constituir
como método, principalmente por se diferenciar.
A Psicanálise se desenvolve fundamentada na capacidade de escuta.
Escutar o paciente na psicanálise é diferente de ouvir, envolve muito mais do
que é dito, compreende o não dito também, relaciona o simbólico ao real. Na
época em que Freud se propôs a escutar os pacientes, o que os outros médicos
faziam era observar os pacientes. Depois estudavam, comparavam com o
normal, discutiam entre outros médicos e definiam um tratamento para o que era
patológico.
Com a experiência clínica, Freud observou que os sintomas tratados
através da hipnose e catarse acabavam se deslocando para um outro tipo de
expressão ou para uma manifestação em outro órgão. Além disso, nem todos os
pacientes eram sensíveis a serem hipnotizados.
A psicanálise, aqui, ainda não existia, mas foi nesses cenários que ela
começou a ser pensada como um método de análise da mente (psique).
A partir de 1900, Freud se afasta da neurologia como prática científica
positivista tradicional e se dedica inteiramente à clínica psicanalítica, definindo-
se como psicanalista. O livro que é considerado a pedra fundamental da
psicanálise é Interpretação dos Sonhos (1900/1986).

TEMA 3 – REGRA FUNDAMENTAL DA PSICANÁLISE

Depois de ter experimentado e concluído pela limitação da hipnose e do


método catártico, Freud modificou o método e criou o que veio a ser a regra
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fundamental da psicanálise: a associação livre: “Método que consiste em
exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito,
quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho,
qualquer representação), quer de forma espontânea” (Laplanche-Pontalis, 2001,
p. 38).
Freud propôs que a paciente permanecesse acordada e que ela se
deitasse em um divã enquanto o ele/psicanalista se posicionava em uma
poltrona atrás do divã, evitando o contato visual da paciente com ele. Essa
técnica permitia que a paciente conscientemente expressasse através das
associações das palavras verbalizadas sem censura, restrições ou julgamentos,
driblando assim as resistências impostas pela censura da consciência. Através
da associação – livre de censuras e julgamentos – seria possível ter acesso aos
caminhos para o inconsciente. No texto escrito no ano de 1912, Sobre o Início
do Tratamento, Freud escreve:

O material com que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente – a


história de vida do paciente, ou a história de sua doença, ou suas
lembranças da infância. Mas, em todos os casos, deve-se deixar que
o paciente fale e ele deve ser livre para escolher em que ponto
começará. Dessa maneira dizemos-lhe: ‘Antes que eu possa lhe dizer
algo, tenho que saber muita coisa sobre você; por obséquio, conte-me
o que sabe a respeito de si próprio. (Freud, 1912/1986, p. 176-177)

No texto Fragmentos da análise de um caso de histeria, ao se referir ao


caso Dora, atendida por Freud em 1900 e publicado em 1905, Freud conta ter
se utilizado do método da associação livre:

Desde os Estudos, a técnica psicanalítica sofreu uma revolução


oradical. Naquela época o trabalho [de análise] partia dos sintomas e
visava a esclarecê-los um após outro. Desde então, abandonei esta
técnica por achá-la totalmente inadequada para lidar com a estrutura
fina da neurose... Apesar dessa aparente desvantagem, a nova técnica
é muito superior à antiga, e é incontestavelmente a única possível
(Freud, 1905/1986, p. 23)

Freud percebeu que tão importante quanto escutar os pacientes era saber
o que dizer a eles e quando fazer isso. Desta forma, foi ficando cada vez mais
aprimorado o papel do paciente e o papel do psicanalista nas sessões: “Ao
paciente cabe comunicar tudo o que lhe ocorre, sem deixar de revelar algo que
lhe pareça insignificante, vergonhoso ou doloroso, enquanto ao analista cabe
escutar o paciente sem o privilégio, a priori, de qualquer elemento de seu
discurso” (Macedo; Falcão, 2005, p. 4).

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Na construção da teoria psicanalítica, foi fazendo cada vez mais sentido
refletir sobre o papel do analista e, assim como a associação livre é a regra
fundamental para o paciente, a atenção flutuante é a regra fundamental para o
psicanalista.

ATENÇÃO FLUTUANTE: Segundo Freud, modo como o analista deve


escutar o analisando: não deve privilegiar a priori qualquer elemento
do discurso dele, o que implica que deixe funcionar o mais livremente
possível a sua própria atividade inconsciente e suspenda as
motivações que dirigem habitualmente a atenção. Essa recomendação
técnica constitui o correspondente da regra da associação livre
proposta ao analisando. (Laplanche-Pontalis, 2001, p. 40)

Deste modo, só será possível o método psicanalítico se estiverem


presentes:

• Associação livre (paciente);


• Atenção flutuante (psicanalista).

Ao longo dos estudos sobre os casos clínicos de Freud, há um fato curioso


que foi a situação em que a Sr.ª Emmy estava sendo atendida por Freud e ele
ficava fazendo perguntas frequentes até que ela disse que ele deveria ficar
quieto! Até este momento, Freud costumava interromper os pacientes pedindo
mais explicações ou perguntando coisas que as faziam parar de lembrar do que
estavam dizendo para atender às demandas de Freud. Esse caso levou Freud a
perceber a importância da fala sem interrupções como processo de tratamento
bem como a importância da atenção flutuante. A Sr.ª Emmy ensinou Freud a
escutar (Anderson, 2000). Esse conceito não foi dado naquela época, mas a
prática já começou a se caracterizar por meio dessas experiências clínicas.

TEMA 4 – METÁFORAS

A Psicanálise é com muita frequência metafórica, ou seja, ela se explica


por meio de metáfora, que é uma figura de linguagem muito utilizada para fazer
comparações por semelhança. No Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa,
o significado de metáfora é:

Figura de linguagem em que uma palavra que denota um tipo de objeto


ou ação é usada em lugar de outra, de modo a sugerir uma semelhança
ou analogia entre elas; translação (por metáfora se diz que uma pessoa
bela e delicada é uma flor, que uma cor capaz de gerar impressões
fortes é quente, ou que algo capaz de abrir caminhos é a chave do
problema); símbolo. (Michaelis, 2015).

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Para quem inicia seus estudos em psicanálise, alguns textos parecem ser
escritos em outro idioma, dada a quantidade de metáforas usadas em um mesmo
parágrafo. Vamos trazer aqui algumas delas como introdução.
Freud se utiliza das artes para explicar a diferença entre a psicanálise e
os demais métodos terapêuticos para tratamento clínico dos processos mentais.
Freud comparou as terapias tradicionais (medicamentosas, hipnose,
sugestão, aconselhamento, orientação) com as pinturas em tela, em que se
colocavam tintas em uma tela em branco. Essa técnica é conhecida no mundo
das artes como Per via di porre – “pela via de pôr, colocar” (terapias).
Já a Psicanálise foi comparada a uma escultura, em que se retira material
até que seja evidenciada a essência, como um bloco de mármore que é
esculpido ou lapidado, retirando material. Essa técnica é conhecida no mundo
das artes como Per via de levare – “pela via de retirar, levar” (Psicanálise)

• Terapias = pinturas (cobre de cores a tela vazia) Per via di porre – pela via
de pôr, colocar;
• Psicanálise = esculturas (retira o que está demais para que surja a estátua
no mármore) Per via de levare – pela via de retirar, levar.

Desse modo, a terapia é um método de tratamento que pode ser de


várias maneiras: terapia medicamentosa, nutricional, terapia espiritual, em que
há prescrição, orientação, recomendação feita ao paciente.

Créditos: Syda Productions /Shutterstock.

Já a Psicanálise é um método clínico que trabalha com o inconsciente. A


referência ao ato de “retirar”, como nas esculturas que são esculpidas, tem
relação com o método de retirar mecanismos de defesa, interpretar resistências
para chegar ao núcleo do conflito.

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Créditos: RossHelen/Shutterstock.

Perceba que na técnica da pintura o artista coloca material, e na escultura


retira material.
Outro exemplo é o uso da expressão Aparelho Psíquico. A palavra
aparelho sugere um arranjo, um conjunto, definida no Vocabulário
Contemporâneo de Psicanálise como:

O termo aparelho foi utilizado por FREUD porque na época pioneira


da psicanálise ele estava impregnado pela visão mecanicista da
medicina. A primeira menção de Freud ao aparelho psíquico aparece
em 1900, no consagrado A Interpretação dos Sonhos, onde ele
compara o aparelho psíquico com aparelhos ópticos. (Zimerman, 2001,
p. 37)

As teorias sobre o Aparelho Psíquico precisam ser devidamente


estudadas. O que queremos neste momento é apresentar algumas imagens que
foram adotadas para representar o aparelho psíquico por terem alguma
semelhança e representarem características comuns.
A primeira delas é a imagem de um iceberg para representar que a parte
visível, exposta para fora da água, é a parte consciente do aparelho psíquico e
a parte que está submersa representa conteúdos que não são facilmente
acessíveis:

Consciente Cs:
Conteúdo disponível, conhecido.

Pré-consciente Pcs:
Conteúdo lembrado por esforço de
memória. Barreira de contato.

Inconsciente Ics:
Conteúdo reprimido que em parte
chegará ao Cs depois de ser deformado e
disfarçado

Créditos: Arcady/Shutterstock.

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Na imagem anterior, Cs, Pcs e Ics, juntos, constituem o aparelho psíquico
(psiquê).
Outra representação que guarda semelhança com o aparelho psíquico é
uma hidroelétrica. Como pode ser visto na imagem a seguir, há uma regulação
da quantidade de água que pode passar e sair da represa. Essa regulação é
uma das funções do aparelho psíquico, especificamente é uma função do ego,
como pode ser mais bem compreendida no estudo aprofundado da 2ª tópica de
Freud. Na metáfora da hidroelétrica, em que um grande volume de água
represado seria o Inconsciente, a barragem seria a regulação da sensação de
prazer-desprazer feita pelos mecanismos de defesa a serviço do ego, e a água
que jorra são os conteúdos que tiveram passagem liberada à consciência.

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A depender do conteúdo, pode ser liberado ou reprimido, tal como a água


tem sua força de vazão regulada pelos mecanismos de controle da represa,
também chamada de barragem.
Lacan entende que é por meio de metáforas que o inconsciente se
manifesta, assim como em Freud o conteúdo inconsciente, que foi barrado pela
repressão, se condensa e se desloca para que seu acesso "transformado,
fantasiado" seja possível na consciência.
No livro Escritos, Lacan faz uma interpretação do conto A Carta Roubada
(Lacan, 1998, p. 13) em que explica que na base das metáforas está um
movimento de encadeamentos de significantes que, por fim, determinam o
sujeito. Essa psicodinâmica é analisada na clínica pela linguística, pela
associação (livre) de palavras.

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TEMA 5 – REVOLUÇÃO PSICANALÍTICA

A psicanálise é caracterizada como uma revolução epistemológica ou


revolução simbólica que produziu uma grande mudança no paradigma científico
da época. Todo o raciocínio médico científico era centrado na consciência. Além
disso, é provocada mais uma ruptura na concepção de homem como um ser
superior no universo.
Marcondes (2010) considera que três teorias a partir do Renascimento até
os dias atuais alteraram a concepção de homem, são elas:

1. Teoria Heliocêntrica – de Copérnico: confirma que a Terra não é o centro


do universo, e sim o Sol. Segundo o autor (2010, p. 258), “[…] esse novo
modelo de cosmo abala profundamente as crenças tradicionais do
homem da época, não só quanto à ordem do universo, mas também
quanto ao seu lugar central nessa ordem”.
2. Teoria da Seleção Natural – de Darwin: ocorrida a partir da publicação de

sua obra A origem das espécies que apresenta o homem como o


resultado de um processo de evolução natural, e não um ser superior.

O homem é apenas mais uma espécie natural dentre outras e que a


espécie humana resulta de um processo de evolução natural, tendo
ancestrais como o macaco, Darwin abala profundamente a crença na
superioridade humana, no homem como o “rei da criação”, como tendo
uma natureza não só superior como radicalmente distinta dos demais
seres. (Marcondes, 2010, p. 258)

3. Teoria Psicanalítica – de Freud: revela que o comportamento do homem


é influenciado pelo inconsciente e que não temos pleno controle sobre
isso.

O homem não se define pela racionalidade, e que sua mente não se


caracteriza apenas da consciência, mas, ao contrário, nosso
comportamento é fortemente determinado por desejos e impulsos de
que não temos consciência e que reprimidos, não realizados,
permanecem, entretanto, em nosso inconsciente e manifestam-se em
nossos sonhos e em nosso modo de agir. Ao formular uma nova
explicação de aparelho psíquico humano, sobretudo com sua hipótese
do inconsciente, Freud mostra que não temos controle pleno de nossas
ações e que há causas determinantes da nossa ação que nos são
desconhecidas. (Marcondes, 2010, p. 259, grifo do original)

Esses aspectos caracterizam alguns elementos do contexto em que se


originou a psicanálise. Foi esse o lugar que ela ocupou, um lugar de
constrangimento, de afronta, desconfortável, para outros libertador.

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NA PRÁTICA

O conteúdo da aula de hoje se aplica na nossa vida cotidiana, entre outros


exemplos que vocês podem ter, mas um deles é a subjetividade ser considerada
uma anomalia. Ainda hoje, a maioria dos métodos terapêuticos é
medicamentoso, para dopar a dor emocional do outro. Podemos supor que não
é quem sofre que precisa de medicamento, mas é quem convive com quem sofre
que precisa neutralizar o sofrimento do outro, pois ele não aguenta ouvir,
presenciar, entre outras hipóteses, porque o remete à sua própria dor.
Uma outra hipótese é a busca de uma ilusão, negando a parte em que a
vida é triste, sim, porque sofrimento e tristeza fazem parte da vida de todos os
seres humanos, mas há quem considere que isso é uma anomalia e precise ser
medicada, para que a vida seja só boa, sem conflitos.
Estamos vivendo um tempo em que se faz necessário preparar um
número maior de ouvintes. Assim, esperamos desenvolver em cada um de
vocês, entre outras competências, a capacidade de escuta.

Saiba mais
Sugestão de link sobre Felicidade:
<https://www.youtube.com/watch?v=e9dZQelULDk>.

FINALIZANDO

Na definição de psicanálise feita por Freud no texto Dois verbetes de


Enciclopédia (1923/1986, p. 287), ele diz que psicanálise é o nome de:

1. Um procedimento para a investigação de processos mentais que


de outra forma são praticamente inacessíveis.
2. Um método baseado nessa investigação para o tratamento de
transtornos neuróticos.
3. Uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio
e que se somam umas às outras para formar progressivamente uma
nova disciplina científica.

Os métodos terapêuticos anteriores à psicanálise foram a hipnose e a


catarse, e Freud, com esses métodos e a partir de sua prática clínica, passou a
empregar o método da associação livre, criado e desenvolvido por ele, que veio
a ser a regra fundamental do método psicanalítico.
Para diferenciar psicanálise dos outros métodos terapêuticos, Freud se
utilizou de metáforas com o mundo das artes:

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• Terapias = pinturas (cobre de cores a tela vazia): Per via di porre – pela
via de pôr, colocar;
• Psicanálise = esculturas (retira o que está demais para que surja a estátua
no mármore): Per via de levare – pela via de retirar, levar.

Outra metáfora clássica na psicanálise é o Iceberg, que representa o


aparelho psíquico com uma grande parte do conteúdo submerso, que representa
o inconsciente.
A teoria psicanalítica de Freud foi considerada revolucionária ao revelar
que o comportamento humano é determinado pelo inconsciente e que não se
tem pleno controle sobre os processos mentais. Com isso, provoca uma ruptura
com o paradigma científico em que o raciocínio diagnóstico e terapêutico era
centrado na consciência.

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REFERÊNCIAS

ANDERSON, O. Freud precursor de Freud: estudos sobre a pré-história da


psicanálise. Tradução de L. C. U. Junqueira Filho. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2000.

FREUD, S. 1856-1939. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas


Completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey
em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson;
traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. 2. ed.
Rio de Janeiro: Imago, 1986.

_____. As Neuropsicoses de Defesa (1894). In: Edição Standard Brasileira das


Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro:
Imago, 1986. v. 3.

_____. A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses (1896). In: Edição


Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986. v. 3.

_____. A Interpretação dos Sonhos (1900). In: Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volumes V e VI, 2. ed. Rio
de Janeiro: Imago, 1986.

_____. Fragmentos da análise de um caso de histeria (1905). In: Edição


Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud,
Volume VII, 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1986. p. 5-128.

_____. Sobre o Início do Tratamento (1912). In: Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XVII, 2. ed. Rio
de Janeiro: Imago, 1986. p. 164-187.

_____. Sobre a Psicanálise (1913). In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XII, 2. ed. Rio de Janeiro:
Imago, 1986.

_____. Dois verbetes de enciclopédia (1922). In: Edição Standard Brasileira


das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XVIII, 2. ed.
Rio de Janeiro: Imago, 1986.

LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Tradução de Pedro


Tamen. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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