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Volume III

O ensino do
desenho para
arquitetos

Kellen Muller

Tese de Doutorado o croqui do arquiteto e o ensino do desenho


FAU USP Anna Paula Silva Gouveia
1998 Orientador: Profa. Dra. Élide Monzeglio
Apresentação do Volume III
O ensino do desenho para arquitetos

Este volume trata especificamente do desenho, enquanto


disciplina, para um curso de arquitetura.

De início, apresentam-se algumas considerações sobre a


questão didática da relação ensino-aprendizagem, um breve
histórico das correntes pedagógicas e as bases teóricas nas
quais se fundamentam, em especial sobre o trabalho de Jean
Piaget sobre a operatividade do pensamento e a relação com
o desenho.

Na seqüência, uma abordagem sobre métodos de desenho,


as implicações enquanto métodos possíveis para arquitetos
e algumas considerações finais, que sinteticamente aglutinam
em propostas didáticas os conceitos desenvolvidos nos três
volumes que compõem esta tese.

1
Sumário

III.1. Considerações básicas sobre Pedagogia e 3 III.3. Um curso de desenho com base na pesquisa e 19
Didática exemplos de experiência didática
III.1.1. Pedagogia e Didática 3 III.3.1. Experiência didática e a inserção do desenho como 22
III.1.2. O processo de aprendizagem 4 pesquisa
III.1.3. A relação ensino-aprendizagem 5 III.3.2. A apresentação do problema 23
III.1.4. O processo didático 5 III.3.3. A escola nova e a arte-educação 36
III.1.5. O professor 5 Notas e referências bibliográficas 37
III.1.6. Método e técnica 6
III.1.7. Método e Conteúdo 7 III.4. Os métodos de ensino do desenho pós escola 38
Notas e referências bibliográficas 7 ativa
III.4.1. A Bauhaus 39
III.2. A Didática da Escola Nova 8 III.4.1.1. Johannes Itten 40
III.2.1. A evolução das escolas - Breve história das correntes 8 III.4.1.2. Paul Klee 44
pedagógico-didáticas III.4.1.3. Wassily Kandinsky 49
III.2.2. O ensino tradicional e seus problemas 9 III.4.2. Pós Bauhaus 54
III.2.3. A didática da escola ativa 11 III.4.2.1. Carlo Maggiora 55
III.2.3.1. John Dewey e Edouard Claparède 11 III.4.2.2. Onofre Penteado - Desenho Estrutural 60
III.2.3.2. Georg Kerschensteiner 12 III.4.2.3. Betty Edwards e o desenho com o lado direito do 64
III.2.4. A psicologia de Jean Piaget aplicada à didática da 13 cérebro
escola ativa Notas e referências bibliográficas 67
III.2.4.1. O pensamento 13
III.2.4.2. A pesquisa e a construção da operação 15 III.5. Considerações finais 68
III.2.4.3. A assimilação 15 Notas e referências bibliográficas 72
Notas e referências bibliográficas 18

2
Obs.: Os desenhos deste volume, com execeção dos
apresentados no capítulo III.4.1. A Bauhaus, foram
fotografados diretamente dos originais fornecidos pelos
alunos da disciplina de Desenho e Materiais Expressivos do
Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Mogi
das Cruzes, das turmas de 1992, 1993 e 1996.
III.1. Considerações básicas sobre Peda- III.1.1. Pedagogia e Didática
gogia e Didática. O processo de en-
sino-aprendizagem e seus agentes.
A Pedagogia, enquanto ciência, deriva, tanto quanto as outras Em linhas gerais, pode-se dizer que a Educação visa a
ciências, da Filosofia. A ela pertencem o estudo da natureza formação moral do indivíduo, a Instrução (um dos meios
e da articulação do processo educativo. Considera-se, dentro utilizados na Educação ou melhor um aspecto específico do
de determinado conceito de ensino, que a Didática é uma processo educativo) visa a formação intelectual utilizando-
das ciências pedagógicas. Assim, diferentes concepções se do Ensino como meio para a formação da mente.
filosóficas derivam em diferentes conceitos de ensino e por
fim em diferentes projetos didáticos. Isto quer dizer que a Instrução não é uma mera acumulação
de noções ou memorização de dados desconexos, mas é a
Atualmente, a distinção entre Pedagogia e Didática se aclara construção e o aprimoramento de estruturas mentais, funções
e tende-se a dar, a esta última, sua distinta fisionomia lógicas, perceptivas, etc.
metodológica.
Por outro lado, também não se deve confundir Instrução com
A didática científica toma a si a tarefa de deduzir Ensino.
do conhecimento psicológico dos processos de
formação intelectual as medidas metodológicas “Enseñar”, etimológicamente, significa poner algo
mais aptas a provocá-los. (1) in signo, indicar, mostrar un objeto a alguien para
que se apropie de él intelectualmente. Por tanto,
Esta distinção, sem dúvida, intensificou o desenvolvimento la enseñanza consistirá precisamente en el
neste campo, promovendo uma diversificação quanto aos presentar in signo sensibili los objetos, que el
métodos aliados às suas finalidades. Por exemplo, existem alumno deberá asimilar mediante su cono-
hoje várias especificações segundo o sujeito discente: com cimiento.(2)
respeito à idade, uma didática evolutiva e uma para adultos;
em relação à capacidade, uma didática diferencial, outra para Restringindo-se, porém, o Ensino à proposição externa
normais e ainda uma para os superdotados; quanto ao sensível dos conteúdos conceituais, sem que os signos sejam
ambiente, uma didática para escola rural e outra para a urbana; perfeitamente interpretados pelo aluno, ter-se-á uma
em relação às disciplinas, didáticas especiais para cada área perspectiva de ensino, própria da escola tradicional, que não
do conhecimento e por último em relação aos métodos interessa a este trabalho.
empregados no estudo dos problemas, dos quais surgirá uma
didática dedutiva ou indutiva. Pode-se, então, dizer que a Didática, na medida em que trata
de regular o processo instrutivo de formação intelectual, é
No entanto, para precisar melhor a Didática como ciência uma metodologia da Instrução e pode, numa concepção mais
prático-normativa, deve-se distinguir os conceitos Educação, restrita, ser também considerada como uma tecnologia de 3
Instrução e Ensino, pois o primeiro, como veremos, está Ensino, tendo em vista que não se trata de técnica pura (esta
diretamente relacionado com a Pedagogia e os dois últimos seria a Docência, técnica do ensino, o ato mesmo de ensinar).
com a Didática propriamente dita. Cabe aqui colocar que a De acordo com o estudo das finalidades, das condições e
Pedagogia também se preocupa com “como fazer”, ou seja, das modalidades de ensino, é tecnologia, pois trata-se da
na realidade é também uma ciência prático-projetiva, mas teoria da técnica.
mais genérica que a Didática.
III.1.2. O processo de aprendizagem

Toda intervenção didática parte e retorna a um mesmo ponto diversas relações semânticas que se estabelecem
central: o processo de aprendizagem. Tal processo é condi- na estrutura simbólica e a partir dela.(6)
cionado subjetivamente pelos dois agentes da relação
didática. Da parte discente, pela capacidade de atividade e A aprendizagem significativa é também a dos limi-
de auto-desenvolvimento, por fatores da motivação, do tes do conhecimento e das múltiplas mani-
interesse e também pelos hábitos de estudo e trabalho festações da verdade. Dessa forma, a educação
pessoal. Da parte docente, pela personalidade e pela técnica da inteligência diz respeito não apenas ao
dirigidas pelos ideais educativos. conhecimento mas ao pensamento, isto é, à
capacidade de refletir, meditar e acrescentar
Por outro lado, este processo é também condicionado sentido. Em outras palavras, a aprendizagem
objetivamente por fatores como a estruturação da classe, significativa é necessariamente interpretativa,
do ambiente e das situações didáticas. hermenêutica, procurando descobrir em que
sentido(s) há sentido(s).(7)
Segundo Antonio M. de Rezende (3), a aprendizagem é uma
experiência tipicamente humana, e isto nos mostram a
Antropologia , a Psicologia e a Sociologia. Os animais são
incapazes de aprender, embora possam ser domesticados e
adestrados. Tal confusão a respeito desse conceito surgiu,
segundo este autor, com as reflexões de Pavlov, o beha-
viorismo e até certos trechos da teoria da Gestalt, pois pro-
põem o comportamento animal como paradigma humano.

Outro equívoco, introduzido mais recentemente pelas teorias


tecnocráticas, baseadas no desenvolvimento tecnológico, foi,
segundo Rezende, propor como paradigma da aprendizagem
humana, o “comportamento” das máquinas, ou inteligência
artificial. Em ambos os casos, apesar da redução em pólos
opostos, existe um denominador comum: o desconhecimento
da estrutura do fenômeno humano. (4)

A Fenomenologia, no entanto, identifica aprendizagem com


a compreensão, compreensão de símbolos, que por sua vez 4
são definidos como concentração do sentido e dos sentidos
da existência (5) . Estes símbolos se referem a estruturas e à
estrutura de estruturas.

Como tal, a aprendizagem humano-significativa vai


consistir em buscar o sentido que se articula no
símbolo, procurando apreendê-lo através das
III.1.3. A relação ensino-aprendizagem III.1.4. O processo didático III.1.5. O professor

Ensinar e aprender são dois conceitos a princípio correlatos. A relação ensinar - aprender também é “dialógica”, pois em Para um frutífero desempenho do processo didático, a relação
síntese aparece sob a fórmula do diálogo. O diálogo é um ensino-aprendizagem, além de estar fundamentada em um
Renzo Titone(8) questiona o ensinar a si mesmo e coloca como conectivo universal, é exercício do espírito e controle do método coerente, deve contar com um profissional, que além
algo impossível de realizar-se, podendo, no entanto ocorrer mesmo. Dá-se através dele a comunicação aluno-professor, de adequadamente formado e informado, seja adequa-
o “aprender por si mesmo”, ou auto-aprendizagem. não só verbal, mas gestual e no que se refere ao ensino do damente intencionado e estimulado. A atividade e a qualidade
desenho, este último como principal meio de comunicação. do profissional estão diretamente relacionadas com o bom
Os dois fenômenos ensinar e aprender são por conseguinte andamento do curso e dos resultados.
alimentados por um tipo relação dinâmica, a relação didática, Nesta relação dialógica, a interrogação é um estímulo ao
onde participam professor e aluno. Tal relação, na escola pensamento do discente, que se converte em elaborador do Na realidade, não é o aluno que deve se moldar ao professor,
tradicional, inicia-se com o ato didático, relação bipolar ativa saber, ao concretizar a resposta. mas este último é quem por obrigação profissional deve
entre aluno e professor. Já nas correntes da escola ativa, conhecer e planejar o curso em função dos alunos.
esta relação expande-se para o grupo, a classe. Segundo J. Esta didática, baseada na pergunta do professor e na resposta
Hillal(9) é um modo de interação, na qual a atitude muda de do aluno, característica da escola tradicional, mais Para tanto, um bom professor influirá no desenvolvimento do
acordo com as pessoas que participam. especificamente do método maiêutico, não responde, na aluno em proporção ao seu grau de maturidade pessoal,
realidade, a todas as situações da questão ensino- envolvendo todos os aspectos da personalidade humana
aprendizagem. Ela entende o professor como agente (inteligência, vontade, simpatia, caráter, etc.), além das outras
direcional do pensamento do aluno, na medida em que este qualidades básicas, como preparação cultural (cultura geral
segue o caminho por ele estabelecido através das perguntas. e especializada), psicológica (referente ao conhecimento do
Ver-se-á que na escola ativa é fundamental que as perguntas aluno sob o ponto de vista fisiológico, psicológico, social,
partam também do aluno. etc.), habilidade didática (capacidades inatas e aprendidas),
etc.

Especificamente sobre o campo da Arte Educação, V.


Lowenfeld coloca que:

Pero sí puede decirse que sea cual fuere lo que un


maestro haga para estimular la capacidad creadora
de sus alumnos, su intento dependerá, princi-
palmente, de tres factores: 1) su propria perso-
nalidad, dela que son partes importantes su poder
creador, su grado de sensibilidad y la flexibilidad
de sus relaciones con el medio; 2) su habilidad para 5
situarse a sí mismo en el lugar de los demás; y 3)
su comprensión y conocimiento de las neces-
sidades de aquellos a quienes enseña.(10)

O mesmo autor enfatiza a problemática da relação aluno-


professor, quanto à participação efetiva dos dois pólos desta
relação na execução de um trabalho artístico. Sua pergunta
III.1.6. Método e Técnica

Debe el maestro producir plasticamente? (11) foi respondida De maneira geral, pode-se definir método e técnica como: Esta ordem não é necessariamente, nem exclusivamente,
positivamente pelo professores artistas da Bauhaus, como uma estrutura lógica, mas pode-se tratar de uma ordem
por exemplo Klee e Kandinsky. ... el método viene dado por el sistema de principios psicológica, concebida como contexto de estruturas e
generales directivos, que se presentan válidos para funções mentais. De fato, o método didático tem as duas
Un trabajo de arte, como producto del espírito la consecución de un cierto fin, considerado en sí composições, psicológica em relação ao discente e lógica
humano, solamente puede ser entendido cuando mismo y prescindiendo de posibles y variables em relação ao conteúdo da disciplina.
se comprenden las fuerzas que movieron a su condiciones determinantes de un modo concreto,
creación. Esas fuerzas impulsoras varían con el mientras que la técnica representaría un expediente Assim, método é também adequação. Mediante ele, docente
indivíduo y con su etapa de desarrollo; también específico y bien articulado en sí mismo, capaz de e matéria se ajustam ao aluno.
están determinadas por la cultura en que el trabajo resolver ciertas situaciones particulares. En suma,
se ejecuta y por el medio en que se realiza. Para se trata de un “cómo” (medio, procedimiento, Historicamente, na metodologia didática surgiram duas
poder motivar juiciosamente al alumno, es esencial modalidad) adaptado a determinados momentos correntes opostas: a teoria do método único e o antime-
que el maestro conozca no solo esas fuerzas, sino de la actividad educativa o didáctica.. (13) todicismo.
que deberá identificarse con el creador,
experimentando sus mismos impulsos como si Tanto os métodos, quanto as técnicas, são os meios dos A teoria do método único valorizou o método, enquanto meio
fueran parte de sus proprias experiencias.(12) quais o professor se serve para que possa, de maneira simples de ordenar e unificar todos os graus de conhecimento, de
e eficaz, conduzir o aluno à assimilação do conhecimento, forma abstrata e racionalista. Seus precursores foram
A relação didática professor-aluno, no campo da Arte garantindo a aprendizagem pela parte discente. Comenio, Pestalozzi e Herbart. Outro teórico dessa corrente,
Educação, deve, assim, se dar não apenas pelo diálogo, mas Ziller, proclamava que o método era superior à personalidade
pela pesquisa (esta é uma das bases da escola nova baseada Segundo Titone, seria perigoso para o professor confiar do professor, ou seja é onipotente. Apesar da importância
em Jean Piaget - V. V.III.2.4.), pelo mútuo desenvolvimento simplesmente no que se denomina inspiração do momento, desta teoria, no que se refere à organização lógica do
artístico, subentendendo-se todos os conhecimentos a ele pois a situação na qual se dá o ato didático é de tal processo instrutivo, ela é portadora de graves problemas,
vinculados. Neste caso, pode-se dizer que a relação é complexidade que exige por sua vez, um cuidadoso controle devido ao intelectualismo unilateral e abstrato, gerando
verdadeiramente dialética e de maior complexidade, se dos principais fatores, que nele intervêm. formas de ensino baseadas quase exclusivamente no
comparada com outros setores da educação, pois o aluno professor e relegando o aluno a uma passividade contínua,
torna-se agente discente não dele próprio, mas do professor, No âmbito da Arte Educação, o método segundo Lowenfeld sem estímulos para iniciativa pessoal e livre participação.
além do fato de cada um deles se desenvolver por sua própria apresenta mais um objetivo, que é o de estimular a
auto-aprendizagem e delas poderem compartilhar. criatividade. Em oposição a esta corrente, teóricos como Gentile e
Lombardo Radice deram fundamental importância ao caráter
No entanto, não se deve esquecer que a base desse processo Debemos afirmar claramente que nuestra central da personalidade do docente. Os ativistas por sua
didático está no professor, pois sem ele, método, programa obligación es de ayudar a los individuos a vez, preferiram valorizar a espontaneidade da ação discente.
e cronograma não vingariam, e conseqüentemente não identificarse con ellos mismos, estimulando sus 6
haveria nenhum processo de ensino-aprendizagem. capacidades creadoras por los métodos que Atualmente, existe um consenso. Não se pode separar
permitan hacerlo con mayor eficacia.(14) aspectos que devem estar sempre em concomitância: o
aspecto psicológico, com seu jogo racional e irracional de
Em sua concepção, mais geral, método está ligado intrin- fatores, pelos quais se apresenta o discente; e o aspecto
secamente com desenvolvimento e finalidade. lógico, com as determinações objetivas do conteúdo.

Por tanto, decir método equivale a decir orden.(15) O método é assim limitado por condições alheias a ele,
III.1.7. Método e Conteúdo

subjetivas(do professor e do aluno) e objetivas (tipo de Se entende por conteúdo: Notas e referências bibliográficas
conteúdo, ambiente, etc.), o que resulta na convicção da
sua relatividade quanto à eficiência por si próprio. ...un sistema orgánico de valores culturales que 01. AEBLI, Hans. Didática Psicológica. Aplicação à
se traducen, en el caso del programa escolar, en didática da psicologia de Jean Piaget. Atua-
determinadas nociones y habilidades. (16) lidades pedagógicas volume 103. São Paulo: Ed.
Nacional, 1971.p.3
Não se pode prescindir do conteúdo, quando da confecção 02. TITONE, Renzo. Metodologia didactica. Madrid: Rialp,
de um método específico. Esta colocação aparentemente 1966. p.29
óbvia, não se apresentou sempre desta forma no decorrer 03. REZENDE, Antonio Muniz de. Concepção Fenome-
histórico. Certas interpretações da escola ativista, que nológica da Educação. São Paulo: Cortez, 1990.
valorizaram a espontaneidade e a liberdade do aluno através 04. _________,_____________. op. cit. p.49
da atividade como processo de experiência, tenderam a 05. _________,_____________. op. cit. p.51
minimizar o valor do conteúdo. 06. _________,_______________. op. cit. p.51
07. _________,_______________. op. cit. p.53
Por outro lado, correntes que primam pelo intelectualismo 08 TITONE, Renzo. op. cit.
exacerbado, valorizaram o conteúdo, em detrimento dos 09. HILLAL, Josephina. Relação professor-aluno.
outros fatores. Formação do homem consciente. São Paulo:
Paulinas, 1985.
Hoje é consenso: 10. LOWENFELD, Viktor. Desarrollo de la capacidad
creadora. Vol.1 Buenos Aires: Kapelusz, 1961. p.3
se ve al método como la resultante de un encuentro 11. __________,_____. op. cit. p.88
sinérgico de un paralelogramo de fuerzas en 12. __________,_____. op. cit. p.88
equilibrio, es decir, como dependiente tanto del fin 13. TITONE, Renzo. op. cit. p.31
del proceso didáctico como del contenido (objeto 14. LOWENFELD, Viktor. op. cit. p.3
docible), así como del alumno (sujeto discente).(17) 15. TITONE, Renzo. op. cit. p.465
16. _______, _____. op. cit. p.469
17. _______, _____. op. cit. p.470

Bibliografia complementar

STEFANINI, L. Personalismo educativo.Roma:Bocca, 1955. 7


VILLALOBOS, Maria da Penha. Didática e epistemologia:
sobre a didática de Hans Aebli e a epistemo-
logia de Jean Piaget. São Paulo: Grijalbo, 1969.
III.2. A Didática da Escola Nova III.2.1. A evolução das Escolas
Breve história das correntes
pedagógico-didáticas
Da Escola Nova, também conhecida como ativista ou A didática, enquanto ciência pedagógica, desenvolveu-se Por outro lado, pode-se citar Montaigne e Juan Luis Vives,
reformista, surgiram importantes experiências didático- historicamente, passando por diversas fases, nas quais promotor do realismo e considerado um pioneiro da pedagogia
pedagógicas. No campo da Arte Educação, a Bauhaus tem filosofia e experiência contribuíram para sua orientação geral. nova, que foi o primeiro a chamar a atenção para:
fundamental importância e nela os cursos ministrados por Um dos principais e mais importantes movimentos
Itten, Klee, Kandinsky entre outros. reformadores neste contexto foi o chamado Movimento das ... el aspecto psicológico de la educación, sobre el
Escolas Novas, que pode ainda ser considerado contem- valor del método inductivo para las ciencias
Mas os fundamentos psicológicos da Escola Nova só foram porâneo, pois suas premissas metodológicas são utilizadas naturales, sobre la lengua materna como factor de
elucidados com rigor a partir das pesquisas e teorias de Jean na didática atual. concreción;(1)
Piaget. A compreensão desses fundamentos é de suma
importância, significa compreender o desenvolvimento do Este movimento, também conhecido como Movimento Mais adiante, encontrar-se-á Juan Federico Herbart,
pensamento e de sua operatividade e, assim, poder planejar ativista, começou por volta de 1890, e abalou as estruturas inaugurando a corrente metodista, que converterá a praxis
coerentemente um programa de ensino-aprendizagem . da escola tradicional (passiva em oposição à inovadora escola intelectualista em teoria pedagógica, selecionando e
ativa e com base no professor e no programa) e os substituiu organizando a matéria. Para ele, a educação está baseada
pelo aluno. Na escola tradicional era o programa mais que o na Instrução e na onipotência do professor, que transmite o
professor o centro da didática. conhecimento. O aluno é reduzido à pura máquina conceitual,
desaparecendo a liberdade e a verdadeira atividade.
Para alguns autores, a polêmica entre as duas escolas se
encontra fundamentada em um falso dilema, pois a escola Seguindo a corrente neo-kantiana, aparece Pablo Barth, que
tradicional não pode ser considerada no todo como passiva, parte da psicologia experimental de Wundt, mas ainda tendo
pois segundo Jean Piaget é necessária uma atividade como o centro do processo didático a lição verbal do
cognitiva do aluno, mesmo quando se pensa em imprimir-lhe professor. Para ele, os fatores essenciais do processo de
passivamente um conhecimento. aprendizagem são a intuição, a atenção, a memória e o
pensamento, para os quais formula leis precisas e abundantes
A desvalorização da escola tradicional começou pelo que foi, (métodos) para o desenvolvimento destas faculdades.
no início, uma tendência à renovação da cultura e quanto à
educação visava à formação de homens livres. A degeneração Atualmente, a posição do aluno, como agente principal de
deu-se pelo formalismo das escolas, onde se desenvolveram sua própria aprendizagem, é quase consenso, pois ainda se
os cultos aos belos conceitos, e à forma estilística despojada tem resquícios do regime enciclopédico baseado no total
de conteúdo. predomínio do programa, que visa somente o valor do saber
em si, antes do desenvolvimento do aluno.
No decorrer histórico no entanto, surgiram outras propostas
de mudanças, em parte nada inovadoras, entre as quais pode- 8
se destacar o Programa Enciclopédico de Rabelais (séc. XVIII),
que visava preencher o vazio intelectualista por meio de um
saber mais realista. Este culturalismo enciclopédico terá seu
apogeu com o Iluminismo, e fará com que os programas
escolares sejam definidos fundamentalmente na ciência e
na razão.
III.2.2. O ensino tradicional e seus
problemas

A didática tradicional, apesar de ser uma noção relativa,


representa a herança da metodologia do século XIX, que
proveio das teorias de Comenius, Rosseau, Pestalozzi e
Herbart, influenciada, porém, pela concepções psicológicas
da época, classificada como sensualista-empirista. Na prática,
essa didática encontra sua expressão no que se costuma
chamar “o ensino intuitivo” (2) . Esse ensino tem por
característico, oferecer, na medida do possível, dados
sensíveis à percepção e à observação dos alunos. (3)

Mas, mesmo na escola tradicional, para que o aluno aprenda


uma noção, é necessário que o dado sensível seja submetido
a uma atividade.

Explica-se, geralmente, esse fato invocando a fraca


aptidão do aluno médio para o desenho. Mas uma
outra observação tende a invalidar essa explicação.
É possível, com efeito, melhorar, considera-
velmente, a capacidade do aluno para reproduzir
determinada figura, se a estudarmos com ele. Ora,
estudar uma figura significa aplicar-lhe uma
atividade, decompô-la, transportar comprimentos
uns para os outros, medir aproximadamente os
ângulos, contar os cantos, acompanhar os
(sup.) Um dos primeiros contornos, etc. Sendo assim, não se poderia supor
desenhos de observação que mesmo as figuras espaciais não são impressas
realizados sem informação
preliminar. (inf.) Desenho
passivamente no espírito do sujeito, mas que se
realizado pelo mesmo aluno trata, também no caso de uma reconstrução
após uso de quadro reticulado, interior - ativa - da figura dada exteriormente? (4)
que propicia melhor apre-
ensão dos contornos, propor- O aprender na escola tradicional está, assim, necessariamente
ções, ângulos, etc. CAU UMC
1o. bimestre,1993.
ligado à cópia da explicação do professor. Essa explicação, 9
no entanto, é caracterizada pela sua particularização e
desvinculação do todo, ou seja, segundo um esquema
“atomístico”, cada idéia deve ser formada no aluno
separadamente, acrescentando um elemento após o outro,
pois receia-se que uma impressão apague a seguinte. Assim,
esse isolamento artificial, efetuado pelo ensino tradicional,
impede a compreensão e obriga a recorrer à memorização
de fórmulas verbais.

Outro problema da didática tradicional é o risco de facilmente


se formarem no aluno hábitos intelectuais rígidos, pois as
idéias são sempre invocadas da mesma maneira. Em arte
isto é típico do ensino acadêmico.

(sup.) Um dos primeiros


desenhos de observação
realizados sem informação
preliminar. (esq.) Desenho
realizado pelo mesmo aluno
após uso de quadro reticulado,
que propicia melhor apre-
ensão dos contornos, propor-
ções, ângulos, etc. CAU UMC
1o. bimestre,1993.
10
III.2.3. A didática da escola ativa III.2.3.1. John Dewey e Edouard Claparède

No início do século, surgiram vários movimentos de reforma ato psíquico isolado, mas pertence a mesma cadeia de As concepções didáticas de J. Dewey, segundo Aebli,
do ensino, na Europa e na América. Reconhecendo a insufi- eventos, constitui a reprodução efetiva dos movimentos de decorrem logicamente de suas idéias psicológicas e
ciência da escola tradicional, propunham uma educação cujas exploração.(9) filosóficas e, por instrumentalistas que são, o separam
bases estivessem assentadas na psicologia da criança. Tais radicalmente da escola tradicional. Não se limita à formulação
tendências podem ser reunidas sob o nome de “escola ativa”. Um problema, na teoria de Lay, é que ela exige que primeiro de enunciados gerais, mas descreve regras didáticas precisas,
se realizem as representações intuitivas dos números, para baseadas na sua concepção do pensamento.
São teóricos importantes dessa escola os pedagogos: W. só depois serem deduzidas as operações. Assim, muito tempo
A. Lay, John Dewey, Edouard Claparède e Georg Kers- é gasto com cópia de figuras para assimilação das formas, O pensamento para Dewey é sempre visto num contexto
chensteiner. Segundo Hans Aebli, a análise desse autores sem muita reflexão matemática. Pode-se dizer que o mesmo ativo, de transformação das coisas físicas e na construção
mostra que tal escola só chegou a se desligar do ensino ocorre com as aulas de desenho tradicionais, nas quais detêm de novas relações e novas estruturas sociais. Ele é um
tradicional paulatinamente. No entanto, nenhum deles o aluno na execução correta do traço, sem conexão com a instrumento, assim como a observação, e vem sempre de
conseguiu fornecer fundamentos psicológicos completos compreensão das relações espaciais daquilo que desenha. uma necessidade, que tem sua origem na execução de algo.
condizentes com a nova didática, não superando as Mas, em sua natureza intrínseca, o pensamento é descrito
concepções da psicologia sensualista-empirista. Lay somente por Dewey como um jogo de inferências que ligam os dados
acrescentou certos elementos ativos. Dewey e Claparède, da observação com suas significações e os conteúdos da
apesar de reconhecerem a função ativa do pensamento a consciência em si (10), algo semelhante à associação na
serviço da ação, permaneceram fiéis à psicologia psicologia clássica. Segundo Aebli as novas concepções,
associacionista quanto à interpretação da natureza intrínseca nessa área, só foram introduzidas a partir de Piaget.
do pensamento. Kerschensteiner desligou-se definitivamente
dessa psicologia e descreveu com perspicácia a construção Edouard Claparède chegou a uma interpretação semelhante
das noções pelo aluno; infelizmente, procurou as forças sobre a questão do pensamento. Observa que toda ação tem
reguladoras dessa atividade em princípios de disciplina, por função readaptar o indivíduo ao meio quando rompido o
estranhos ao conteúdo da própria atividade,... (6) equilíbrio entre eles(11) e pensamento serve para controlar tal
ação.
A didática de Lay baseia-se em duas descobertas psicológicas
que se tornaram notórias por volta do fim do século XIX; a do Também em Claparède, a necessidade surge como causa do
arco reflexo e a da sensação cinestésica.(7) Com base nestas pensamento. Ela detona a energia necessária à atividade de
descobertas, elaborou uma teoria segundo a qual a vida observação e reflexão.
psíquica se compõe de um conjunto formado pela impressão
(dados percebidos) e expressão, sendo que estes dois pólos No entanto, Dewey concebe uma visão do pensamento em
estão sempre intercalados, e a expressão reorganiza o modo sua gênese, durante a formação da criança, colocando que
pelo qual se dá a impressão, o que comprovadamente se dá existe uma continuidade genética entre ação e pensamento, 11
por acomodação motriz, como o olho ao ser excitado pois a ação já contém um elemento cognitivo e o
visualmente, volta-se para a direção exata e acomoda-se à conhecimento, ao contrário, conserva sempre um elemento
distância do objeto. Assim, no campo psíquico, representando ativo.
graficamente uma figura espacial qualquer, o aluno tornaria
mais aguçada a percepção desta, à medida que a desenha. Assim, os dois pedagogos têm muito em comum, mas
Para Lay, a expressão desenvolve a elaboração intelectual. (8) Claparède preocupa-se sobretudo em mostrar que o ensino
É importante frisar que, para Lay, esta reprodução não é um deve corresponder às necessidades da criança, enquanto
III.2.3.2. Georg Kerschensteiner

Dewey concentra sua análise nas relações entre ensino Um dos maiores teóricos da escola ativa alemã, propõe que
teórico e ação prática e nos métodos de pensamento e de o aluno deve ele mesmo elaborar as novas noções. Também
pesquisa que o aluno deve adquirir.(12) coloca a questão da observação ativa, ou seja, não se observa
sem pensar e só se observa aquilo que se quer observar.
A didática, tanto de Dewey como de Claparède concentra-
se na pesquisa, enquanto processo construtor de coisas Assim, propõe uma redução das matérias, com apresentação
novas, sendo que a observação é instrumento indispensável de poucos casos.
para tal. Formulam-se hipóteses que serão com a experiência,
demonstradas legítimas ou não. Concebem-se como Apesar da semelhança com a concepção de Dewey sobre
decorrentes de um mesmo desenvolvimento, os impulsos as etapas do pensamento, ou da formulação das noções,
naturais da criança e a ciência. Kerschensteiner insiste muito mais no controle das hipóteses,
mas não dá grande importância ao fato de que todo
pensamento deva vir do espírito próprio do aluno.

Coloca como caráter principal da escola ativa, desenvolver


no aluno a elaboração e o controle da fidelidade e da
objetividade do conhecimento, adquirido por ele mesmo
através da experiência, ou melhor, a obrigação de fazê-lo.

Este fato representa um aspecto muito importante segundo


Aebli, pois Kerschensteiner quer desenvolver no aluno uma
atitude crítica para consigo mesmo e para com seu trabalho.
O aluno deve aprender a realizar esforços prolongados, a lutar
contra sua própria inércia, a vencer-se a si mesmo.(13)

12
III.2.4. A psicologia de Jean Piaget aplicada III.2.4.1. O pensamento
à didática da escola ativa

Para a psicologia sensualista-empirista (associacionista)e a introspeção de todos aqueles que estudaram


didática tradicional, as imagens são elementos fundamentais desenho o confirma) como deve ser concebida a
do pensamento aritmético, geométrico e das ciências atividade perceptiva visual: como para a exploração
naturais. tátil, deve tratar-se de movimentos que sigam e
explorem as linhas e as relações das figuras,
Presume-se que delas derivam as noções gerais praticamente com a única diferença de que o órgão
por um processo de abstração eliminatório dos que assegura a exploração é o olho (movimentos
caracteres acidentais.(14) do olhar), e que é preciso, provavelmente, fazer
intervir movimentos interiores que não se
Segundo Aebli, a experiência cotidiana do ensino escolar por desdobrem mais em deslocamentos efetivos do
si só evidencia a insuficiência dessa teoria(15), pois todos os orgão explorador. Por conseguinte, compreende-
tipos de atividades realizadas em sala de aula (comparar se, também, que a imagem mental nada mais é
elementos, imaginar transformações, ou simplesmente que uma reprodução interiorizada dos movimentos
acompanhar as demonstrações) ultrapassam o processo de de exploração perceptiva: eis a razão pela qual
impressão e indicam que os elementos fundamentais do podemos, igualmente, chamá-la uma imitação
pensamento não são imagens estáticas, cópias de modelos interiorizada do objeto e por que é exatamente
exteriores, mas esquemas de atividade em cuja elaboração comparável ao desenho: a imagem mental é para
o sujeito toma parte ativa e importante.(16) o desenho o que a linguagem interior é para a
linguagem falada.(21)
Piaget não nega a existência das imagens, mas lhes atribui
uma função diversa. Na constituição das noções fundamentais Didaticamente, entender a questão do pensamento, enquanto
do pensamento, a percepção das configurações estáticas imagem e operação na formação de um sistema, implica em
(imagens) desempenha papel secundário em relação à admitir que o aluno só adquire uma operação apresentada
operação. A imagem é o suporte do pensamento e torna sua pelo professor quando a imita interiormente; sem isso não
evocação exterior possível. O pensamento é uma forma de há verdadeira aquisição de conhecimento e, sim, a aquisição
ação que não pára de diferenciar-se, organizar-se e apurar de um hábito (reação de desenvolvimento estereotipado), e
seu funcionamento durante o desenvolvimento genético.(17) que geralmente só são aplicados em situações exatamente
iguais às quais foram apreendidos, pois o sujeito não
Para Piaget, o elemento ativo do pensamento, que é antes consegue atribuir-lhe significado (simples hábito sensório-
de tudo um sistema de operações lógicas, físicas (espaço- motor).
temporais) e numéricas (18) , é a operação. (19)
Atribuir significado é compreender a regra intrínseca da 13
É ela que assegura que os progressos essenciais operação, o que permite evocá-las interiormente. Assim,
da inteligência, em oposição à imagem, que pode-se dizer que a compreensão do significado, no ensino
desempenha o papel do elemento relativamente tradicional, é parcial, pois está, via de regra, voltado para a
estático, que não pára de recortar instantâneos das formação de hábitos, decorando verbalmente os passos da
transformações operatórias.(20) operação ou mecanizando o aprendizado.

Por analogia, podemos, então, compreender (e a Aprender a desenhar é aprender a compreender o espaço
real ou imaginário, pelo entendimento do significado das
relações de perspectiva e projeção, e expressar graficamente
essas relações.

A principal diferença entre o hábito e a operação é que o


primeiro tem por característica ser de funcionamento rígido,
porque é irreversível (está sempre dirigido para o mesmo
resultado (22)). Já a operação caracteriza-se pela rever-
sibilidade, o que dá mobilidade ao pensamento.

A inteligência constitui-se de um conjunto de operações e


por isso de caráter reversível, ou seja, pode construir
hipóteses e logo depois desconsiderá-las para reiniciar o
processo, percorrer um caminho, e percorrê-lo novamente
de modo inverso, sem modificação das noções.

Além da reversibilidade, Piaget demonstrou que o


pensamento (enquanto operação) possui outras duas
características: associatividade (no sentido lógico do termo)
e formação de conjuntos.

A associação permite ao sujeito obter um mesmo resultado


de maneiras diferentes, ou seja, realizar a operação
associando diferentes relações. As operações formam,
também, sistemas de conjuntos, enquanto os hábitos são Desenho de observação , inte-
isolados. rior do Edifício da Arquitetura.
CAU UMC 2o. bimestre,1996.
Kellen Muller.
As análises de Piaget revelam, também, que o trabalho em
grupo e a reciprocidade propiciam o desenvolvimento
intelectual. A discussão exige opiniões individuais de cada
participante e propicia uma comparação lógica entre elas.
Assim, a socialização das atividades permite raciocinar com 14
mais lógica, pois deve-se evitar a contradição.
III.2.4.2. A pesquisa e a construção da III.2.4.3. A Assimilação
operação

No método Maiêutico Conhecer os objetos do mundo é uma questão de leitura da


experiência (25). Submeter o objeto aos esquemas de seu
...o mestre faz a classe achar o resultado desejado comportamento, incorporá-lo. Este é o processo psíquico de
mediante uma série de perguntas habilmente assimilação esclarecido por Piaget. A assimilação é, pois,
feitas, cada uma representando uma etapa parcial uma relação entre o sujeito assimilador e o objeto assimilado.
do desenvolvimento de conjunto.(23) Piaget também mostrou que a aplicação dos esquemas dados
a novos objetos acarreta na maioria dos casos sua
A escola ativa propõe que o aluno realize pesquisa, ou seja, modificação no sentido de uma diferenciação e que essa
ele mesmo formule as perguntas e chegue ao resultado, sob acomodação a novos objetos ocasiona a gênese progressiva
orientação flexível do professor. A pesquisa é o momento no de reações cada vez mais complexas.(26)
qual se dá o progresso no pensamento do aluno, assim como
do cientista. A assimilação motriz do bebê é reconhecida como do mesmo
tipo que aquela conseguida com trabalhos manuais em aulas
Mas segundo Piaget, toda operação e toda noção tem uma de artesanato. Mas, tanto na criança como no adulto, o
história de construção progressiva e contínua a partir de conhecimento adquirido neste tipo de relação não se restringe
elementos anteriores, ou seja, toda nova noção só surge de
experimentos baseados em noções anteriores. Uma nova
operação não surge do nada.

Assim, os dados de partida de uma pesquisa nada


mais constituem senão os elementos de
pensamento anteriores a uma nova operação, e é
o esforço investigador da criança que provoca essa
diferenciação e integração característica do
progresso do pensamento.(24) (sup.e dir.) Desenhos de
observação , interior do Edifício
da Arquitetura. CAU UMC 2o.
bimestre,1996. Respectiva-
mente: Regina Fukuda e
Ricardo Guerra.

15
às qualidades de utilização do objeto, mas na compreensão físicas entre os objetos, do que propriamente ao desenho
de sua forma. Isto se deve ao fato da percepção ser um em si. Assim, a assimilação da realidade do espaço requer
processo ativo, ou seja, o indivíduo não se restringe a receber uma participação ativa do indivíduo. Este tipo de desenho é,
uma impressão do objeto observado, mas participa antes de tudo, um meio de leitura e incorporação da realidade
ativamente do processo de apreensão do mesmo, ele explora física.
o dado apresentado.
Pode-se dizer que, no ensino do desenho, particularmente
O sujeito deve acompanhar-lhe os contornos, no desenho de observação deve-se primeiro desenvolver no
escolher pontos de referência, estabelecer aluno a capacidade de realização desses esquemas. Existem
relações, executar transportes, etc.(27) inúmeras técnicas, usadas no renascimento e durante o
período áureo das academias, muitas usadas ainda hoje,
Assim, duas são as categorias, segundo Aebli, de qualidades como o quadro de vidro, o uso do lápis, para comparar
apreendidas por assimilação ativa: as de utilização e as proporções, ângulos, etc. No entanto, na maioria dos casos,
propriedades espaciais das coisas. o que se verifica é que estes recursos são apreendidos pelos
alunos como hábitos e não como verdadeiros esquemas de
O desenho de observação, tido por muitos como mera conhecimento. Eles apenas decoram uma técnica, sem
representação de uma impressão do visível, é também um aprenderem realmente a operação nela existente.
processo ativo. Está relacionado mais à apreensão da
realidade, ao aprofundamento da percepção das relações

Um dos primeiros desenhos de


observação , interior da sala de
aula, Edifício da Arquitetura.
CAU UMC 1o. bimestre,1993.
O desenho explicita um dos
maiores problemas dos alunos
iniciantes: a perspectiva.

16
(sup. e esq.) Desenho de ob-
servação, paisagem urbana,
vista de praça e igreja em Mogi
das Cruzes. CAU UMC 2 o.
bimestre,1993.

17
(sup.) Desenho de observação,
vista do interior de um
ambiente para o exterior. CAU
UMC 2o. bimestre,1992. O
exercício objetivava uma
passagem gradual do desenho
de observação do espaço
interno para o espaço externo.
Notas e referências bibliográficas Bibliografia Complementar

01. TITONE, Renzo. Metodologia didactica. Madrid: Rialp, PIAGET, Jean. A epistemologia genética. São Paulo: Abril,
1966. p.42 1983.
02. AEBLI, Hans. Didática Psicológica. Aplicação à VILLALOBOS, Maria da Penha. Didática e epistemologia:
didática da psicologia de Jean Piaget. Atua- sobre a didática de Hans Aebli e a episte-
lidades pedagógicas volume 103. São Paulo: Ed. mologia de Jean Piaget. São Paulo: Grijalbo,
Nacional, 1971. p.7 1969.
03. AEBLI, Hans. op. cit. p.8
04. _____,_____. op.cit. p.12
05. _____,_____. op.cit.
06. _____,_____. op.cit. p.18
07. _____,_____. op.cit. p.18
08. LAY, W. Der Rechenunterricht auf experimentell -
padagogischer Grundlage. Leipzig: 1914. cit. in:
AEBLI, Hans. op. cit. p.19
09. AEBLI, Hans. op. cit. p.20
10. _____,_____. op.cit. p.34
11. _____,_____. op.cit. p.28
12. _____,_____. op.cit. p.30
13. _____,_____. op.cit. p.40
14. _____,_____. op.cit. p.47
15. _____,_____. op.cit. p.47
16. _____,_____. op.cit. p.47
17. _____,_____. op.cit. p.48
18. _____,_____. op.cit. p.51
19. É necessário ressaltar que esta teoria não é suficiente
para o entendimento do pensamento artístico como
um sistema de “operações estéticas”.
20. AEBLI, Hans. op.cit. p.51
21. _____,_____. op.cit. p.55
22. _____,_____. op.cit. p.63 18
23. _____,_____. op.cit. p.72
24. _____,_____. op.cit. p.75
25. _____,_____. op.cit. p.78
26. _____,_____. op.cit. p.79
27. _____,_____. op.cit. p.80
III.3. Um curso de desenho com base na
pesquisa e exemplos de experiência
didática
Segundo Aebli,
a aplicação da psicologia de Jean Piaget à didática
deve ter seu ponto de partida na tese fundamental
segundo a qual o pensamento não é um conjunto
de termos estáticos, uma coleção de conteúdos
de consciência, de imagens, etc., mas um jogo de
operações vivas e atuantes. Pensar é operar - quer
se trate de assimilar os dados da experiência
submetendo-os aos esquemas de atividade
intelectual ou de construir novas operações por
uma reflexão, “abstrata” na aparência, isto é,
operando interiormente sobre objetos imaginários.
A imagem não é o elemento fundamental do
pensamento, antes constitui seu suporte, muitas
vezes útil, sem dúvida, mas não indispensável.
Além disso, em sua natureza íntima, a própria
imagem constitui um ato real e não um resíduo da
sensação: é uma reprodução dos aspectos
principais da exploração perceptiva que se deu no
momento da percepção de seu modêlo.(1)

Existe um ponto, no entanto, nesta afirmação, que não condiz


com ensino do desenho. A questão da imagem para aquisição
de conhecimento pictórico não é dispensável. Trata-se de
Desenho gestual, acompa- pensamento visual e não puramente abstrato. Para o aluno
nhando ritmo de música. de arquitetura, a imagem é conhecimento, é referência e
Composição com linhas.
Nanquim sobre papel. 1 o .
base para pesquisa.
bimestre, CAU UMC,1993.
Segundo Piaget todo ato intelectual é construído progres-
sivamente, a partir de reações anteriores e mais primitivas.(2)

Assim, o professor deve criar situações para a construção 19


das operações, apelando para os esquemas anteriormente
adquiridos. Conhecer previamente os alunos é fundamental
para o andamento do curso. Os alunos devem expressar, de
forma espontânea e livre, seus conhecimentos, para que o
professor consiga identificar os esquemas adquiridos pela
turma e planejar o curso de forma eficiente.
Quando o aluno adquire uma noção ou operação é porque a
construiu, e não porque estas foram nele impressas de forma
passiva.No ensino tradicional, esta construção é rigo-
rosamente dirigida. A explicação é ouvida, e sendo assim, é
menos interessante do que se fosse descoberta pelo próprio
aluno. O método Maiêutico dirige a apreensão do
conhecimento através de perguntas feitas pelo professor e
respondidas pelo aluno . Muitas vezes, esta apreensão não é
realizada de forma completa, ou seja, o aluno não apreende
a estrutura do conjunto, como um todo, pois foi o professor
quem forneceu os elementos do complexo, a organização
estrutural das idéias. Logo, deve o aluno ser levado a fazer a
si próprio as perguntas, deve ele mesmo elaborar a estrutura
da apreensão do conhecimento, deve elaborar e estruturar a
pesquisa.

Mas, para obter sucesso, é necessário que toda pesquisa


parta de um problema bem vivo no pensamento do aluno. A
psicologia de Jean Piaget nos ensina, com efeito, que um
problema constitui uma esquema antecipador, isto é, um
esboço esquemático de uma operação a encontrar, solidário
de um sistema de conjunto de operações.(3)

No ensino do desenho, verifica-se que muitas vezes a falta


de repertório dos alunos faz com que esses não despertem Desenhos de observação,
para a compreensão do problema proposto e conseqüen- ambiente interno. 2o. bimestre,
CAU UMC,1992. Juscelino
temente para a busca de soluções. Silva. Os desenhos explicitam
a principal dificuldade dos
O ensino do desenho deve ser encarado como direcional da alunos iniciantes: a pers-
atenção do aluno para apreensão do problema, fazendo com pectiva.
que utilize noções já assimiladas, ou que internalize novas
operações, para que possa dar solução ao problema proposto. 20
É verdadeiramente o “ensinar a pensar”, lema didático de
Kandinsky no período Bauhaus.

A atenção, no entanto, pode estar voltada para a percepção


do objeto, no caso do desenho de observação, para o aspecto
gráfico do desenho, no caso de formação de ilustradores
profissionais, ou na expressão da personalidade do indivíduo.
No caso da observação, a percepção tem vários níveis. Pode-
se dirigir o curso para que o aluno perceba os objetos como
estruturas tridimensionais constituídas de partes, que se
encaixam, se moldam, se interligam umas às outras. Ou pode-
se, também, levar o aluno a perceber esses mesmos objetos
como projeção de luz em um quadro imaginário presente entre
o observador e o objeto. (como o fizeram Da Vinci e Dürer).
Neste caso, pode-se dirigir a atenção na percepção da
construção dos objetos pelos contornos, ou pela linha(4) que
os define. Também, pode-se dirigir o aluno para a percepção
desses mesmos objetos como projeções de massas de luz e
sombra ou valores cromáticos, nas quais o contorno
verdadeiramente não existe. Nos três casos, a percepção
utilizada, a ação realizada pelo aluno para aquisição do
conhecimento requer níveis diferentes de capacidade
cognitiva. No primeiro caso, a atividade exige construir
internamente modelos de representação tridimensional para
a compreensão do objeto e sua posterior representação. Nos
outros dois, a percepção é dirigida a ver os objetos de forma
bidimensional, o modelo representado é plano. Mesmo nos
desenhos de imaginação, ou seja, aqueles nos quais o objeto
já foi internalizado, assimilado ou já se transformou em uma
nova elaboração formal, os esquemas apreendidos com o
desenho de observação, são características formais reais do
objeto, fundamentais para representação gráfica.

Se no, entanto, a atenção do aluno for dirigida ao aspecto


gráfico, mais que a percepção do objeto, a construção do
desenho se dará concomitantemente no próprio fazer. É o
grafismo, o controle do instrumento, que define a execução.

Mas a atenção, também, pode estar voltada para a 21


representação da própria expressão estética, sem vínculo
com a realidade pictórica, a exemplo dos trabalhos de
Kandinsky antes da fase Bauhaus. O abstrato pertencente a
estes trabalhos é na verdade representação direta e
espontânea dos desejos, sensações e sentimentos do artista.
A atenção está voltada para seu próprio interior subjetivo.
III. 3.1. Experiência didática e a inserção
do desenho como pesquisa

Coetâneo ao desenvolvimento desta tese, de 91 a 96, atuei de fuga. Depois, ligavam tais pontos por uma linha horizontal como meio de entender os objetos, enquanto estruturas, e
como docente em parceria com os professores Sérgio e achavam a linha do horizonte. Tudo isso para fazer-lhes de como se relacionam as partes da mesma. A manipulação
Carneiro e Neide de Melo Nunes Machado, nas disciplinas apreender o real significado do desenho em perspectiva e de maquetes induziria o aluno a se perguntar sobre o
de Desenho e Materiais Expressivos e Plástica na arquitetura, suas regras (projeção num plano). Apesar do exercício ser problema.
respectivamente lecionadas para alunos de 1o. e 2o. ano do realizado por todos da mesma maneira, verificávamos que
Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Mogi poucos entendiam seu conteúdo e aprendiam com ele. A Nas palavras de Aebli,
das Cruzes. Deste trabalho resultaram algumas considerações maior parte dos alunos o realizava mecanicamente, sem ter se nos propomos levar os alunos a descobrir por
empíricas que serão sinteticamente aqui relatadas, de forma a menor noção do que significavam tantas linhas. uma investigação pessoal o conjunto de um
a demonstrar algumas colocações teóricas. Conseqüentemente decoravam as regras de perspectiva e sistema de operações e não apenas as operações
não a entendiam como decorrentes de um processo parciais desse sistema, é preciso orientar a
Um exemplo de hábitos adquiridos, e não de conhecimento perceptivo analítico. atividade colocando cuidadosamente o problema.(5)
verdadeiramente apreendido, pode ser expresso pelo
exemplo a seguir. Propúnhamos aos alunos, na disciplina de A solução, talvez, esteja, então, em elaborar exercícios nos A intervenção do professor na pesquisa pode ocorrer, às vezes
desenho, que fizessem passo a passo o exercício do quadro quais os alunos procurem tal processo como método de seguindo o método maiêutico, mas com significado
de vidro: traziam o acetato, fixavam no quadro de vidro, pesquisa. Por exemplo, maquetes tridimensionais, nas quais psicológico diverso, não conduz a reflexão dos alunos numa
desenhavam com caneta de retroprojetor, sem se mover , pudesse o aluno visualizar a situação em questão de forma direção conhecida apenas por ele; ajuda-os a resolver um
de frente para o quadro e com um só olho. Desenho global (indivíduo - quadro - objeto - projeção). Entendendo a problema vivo em seu espírito e a realizar um projeto de
terminado, sobrepunham um papel manteiga, traçavam as estrutura do conjunto, realizaria o exercício de forma mais pesquisa que compreendem, mas cuja realização se choca
linhas que formavam um feixe de retas e achavam os pontos adequada. O mesmo deve acontecer se o desenho for visto com certas dificuldades que ultrapassam seus próprios
recursos.(6)

Aebli aconselha a reduzir a amplitude do problema, para que


a classe tenha condições de dar andamento à pesquisa por
seu próprio esforço.

Apresentar um problema de maneira clara e viva


é, assim, a condição sine qua non para a pesquisa
pessoal do aluno.(7)

Ensinar a pensar é tornar o aluno capaz da construção de


operações, pela pesquisa, a partir de um problema. Se o
desenho em arquitetura é representação do pensamento, 22
Desenho de observação com ensinar a desenhar é ensinar a pensar de forma concreta. A
uso de quadro de vidro. Caneta construção das operações se dá pela pesquisa da observação
hidrocor sobre acetato. Poste-
rior marcação dos pontos de
ativa da realidade circundante. Novas noções surgem, com
fuga. 2o. bimestre, CAU UMC, base nessas noções e operações já internalizadas (escala,
1993. proporção, etc.) da produção pela pesquisa, que no caso da
arquitetura tem função de projeto.
III.3.2. A apresentação do problema

Se ao apresentar o problema não se apela para


esquemas de que o aluno dispõe com facilidade,
se os dados iniciais não são suficientes, a pesquisa,
simplesmente, não chega aos resultados
esperados, perde-se tempo e certos alunos
renunciam mesmo a qualquer esforço.(8)

Convém, então, simplificar as circunstâncias exteriores da


pesquisa. Uma experiência nesse sentido foi realizada com
sucesso na disciplina de desenho citada anteriormente. O
objetivo era fazer com que os alunos intuíssem o projeto como
exercício de transformação da realidade sensível. Assim,
deveriam, para tanto, elaborar de início, sem desenho, uma
construção estereométrica, a partir de quatro planos
quadrados de papelão, somente por corte e encaixe sempre
no centro das figuras. Deveriam encontrar uma solução formal
que os agradasse esteticamente. Feito isso, foi pedido para
que desenhassem, de observação, três vistas diferentes do
mesmo objeto. Durante a execução do desenho, procurou-
se alertar os alunos sobre a questão da inserção do desenho
na folha, que as vistas fossem suficientemente, diferentes
para dar uma idéia completa do objeto, assim como também
a colocação do fundo (mesas, cadeiras), objetos que
pudessem fornecer uma noção de escala do modelo
desenhado. O problema foi apresentado de tal forma que o
objetivo era fazer com que alguém, que não tivesse visto o
objeto, observando os desenhos, conseguisse montá-lo
novamente.

Na aula seguinte , no entanto, tiveram que trabalhar somente


com os desenhos, sem montar o objeto. O problema estava
Exercício de composição de em modificar o objeto, imaginando-o como tal e desenhando- 23
estrutura tridimensional. De- o novamente. As três vistas deveriam ser modificadas em
senhos de observação e de al-
teração da estrutura (transfor-
relação ao novo objeto. Pediu-se que colocassem mais um
mação de um plano quadrado plano quadrado e que um dos anteriores se transformasse
em circular e adição de mais em círculo. O problema, a partir daí, ganhava ares de projeto,
um plano quadrado). 2o. bimes- pois nem todos os planos eram passíveis de se transformarem
tre, CAU UMC,1996. Adriana I. em círculos, sem que destruíssem a estabilidade da estrutura.
da Silva.
O mesmo acontecendo com o plano a ser anexado.
24
Exercício de composição de
estrutura tridimensional. De-
senhos de observação. 2 o.
bimestre, CAU UMC,1996.
25
Exercício de composição de
estrutura tridimensional. De-
senhos de observação e de al-
teração da estrutura (transfor-
mação de um plano quadrado
em circular e adição de mais
um plano quadrado). 2o. bimes-
tre, CAU UMC,1996. Luiz
Carlos Arellano Jr.
26
Exercício de composição de
estrutura tridimensional. De-
senhos de observação e de al-
teração da estrutura (transfor-
mação de um plano quadrado
em circular e adição de mais
um plano quadrado). 2o. bimes-
tre, CAU UMC,1996. Vagner P.
do Nascimento.
Tal exercício se revelou muito interessante e de resultados repertório do aluno e lhe forneça condições de aumentá-lo,
satisfatórios, pois o problema foi simplificado, levando em buscando naquilo que o aluno já conhece, seu desenvol-
consideração as noções já assimiladas, o que permitiu sua vimento.
execução. Mesmo para os desenhos de qualidade gráfica
inferior à média da sala, notou-se a compreensão da operação Aebli complementa que, apesar disto, o ensino não pode se
realizada e da estrutura envolvida na relação entre projeto e basear exclusivamente na prática dos exercícios, prin-
desenho. cipalmente porque, quanto mais complexas as disciplinas,
mais seguem suas próprias leis de desenvolvimento, de
Isto vem de encontro às colocações de Piaget sobre a questão maneira que, às vezes, torna-se impossível relacionar teoria
da pesquisa como método de ensino, considerado por Aebli e prática.
um método muito mais difícil que todos os outros. Assim, na
medida do possível, deve ser fornecida ao aluno a A pesquisa por parte do aluno não termina enquanto método
oportunidade de executar materialmente as operações de ensino na entrega do trabalho para o professor. É
durante seus ensaios. necessária uma discussão, a fim de corrigir os dados
encontrados erroneamente e completá-los quando não
...um problema, que tem por objeto a realização suficientes. Os debates, assim como os trabalhos em equipe,
ou a descoberta de uma operação, é sempre um propiciam a sociabilidade dos alunos e o intercâmbio de idéias.
projeto de ação, realizável por manipulações
efetivas, seja com objetos concretos, seja Em desenho, observar o trabalho dos colegas aumenta o
mediante desenhos nos quais o aluno executa repertório, desinibe, pois o aluno verifica que está no nível
transformações, partições, transportes, etc.(9) da média da sala e que seus problemas são também os dos
colegas, que suas dificuldades são na maioria dos casos regra
Apresentar o problema de forma prática dá oportunidade a geral. Mas não só os problemas vêm à tona numa mostra de
todos os alunos de entenderem a operação antes que seja desenhos da sala, as soluções também. Cabe ao professor
colocada de forma abstrata. Isto deve ser realizado em salientar de forma construtiva as variantes produtivas na Desenho de observação (mesa
conjunto com todos os alunos, dando oportunidade de resolução do problema, deve demonstrar como uma nível do chão), marcação dos
pontos de fuga e posterior
discussão do problema. Aebli também coloca que o ponto conquista do aluno e também como uma solução entre muitas desenho de imaginação (me-
de início de uma pesquisa se deve basear em dois pólos de possíveis. Deve evitar a exaltação de trabalhos como modelos sas sobrepostas). 3o. bimes-
um conflito, num contraste de informações, para que os a serem copiados, ou seja deve evitar, na medida do possível, tre, CAU UMC,1996. Ricardo
alunos se perguntem sobre o problema. O conflito, o a exaltação à mimese de desenhos e características gráficas Guerra.
contraste, gera a dúvida que leva à pesquisa. Progres- particulares, e propiciar um ambiente de produção, no qual a
sivamente, os termos usados na prática concreta serão expressão pessoal de cada aluno possa se desenvolver. 27
substituídos pelos termos científicos e assim assimilados.
Uma outra vantagem da prática do problema está na Refazer exercícios, corrigindo os erros ou problemas, é
verificação, por parte do aluno, da aplicação deste à realidade também um caminho que se revelou produtivo não só em
do cotidiano; isto contribui para despertar seu interesse, desenho, mas em outras disciplinas afins. Analisar o trabalho
fundamental para a formação de seu pensamento. com o aluno, fazê-lo perceber os problemas e refazer o
trabalho, não como punição, mas como aperfeiçoamento do
Em desenho, é necessário que o professor conheça o próprio esforço, revelou-se também fonte inspiradora do
interesse discente. Quando o aluno percebe que pode refazer pequenos modelos e maquetes. A reversibilidade da operação
o trabalho de forma a otimizar sua avaliação, ele o faz torna-se obrigatória na prática desses exercícios.
geralmente com prazer.

Aebli coloca, ainda, que a escolha do modo de trabalho


depende da natureza do problema a ser resolvido. De um
lado, problemas que exigem do aluno a construção de uma
nova operação ou noção. De outro, problemas que exigem
somente a aplicação de noções já conhecidas.

Estabelecida essa distinção, podemos dizer que


quanto mais um problema tende para o lado das
construções intelectuais novas, melhor se presta
à discussão em comum, e quanto mais uma
questão se aproxima dos problemas de aplicação,
melhor se presta ao trabalho em equipes.(10)

Em se tratando de desenho, no entanto, o ponto crucial do


fazer está no trabalho individual, que pode ser socializado
pelos debates sobre os trabalhos executados. Pôde-se
verificar, também, durante a disciplina, que a discussão torna-
se muito mais fértil quando o enfoque recai sobre as
dificuldades na realização dos mesmos, dificuldades em todos
os sentidos, psicológicas, técnicas, intelectuais, perceptivas.

Vale lembrar que a operação material, ou seja, a prática do


exercício, não implica necessariamente na internalização da
operação. O aluno pode, mesmo assim, não aprender
verdadeiramente, mas formar hábitos, que, como visto, são
rígidos, não associativos e sem reversibilidade. No caso do
desenho para arquitetos, isto é evidente quando da apreensão
das noções de perspectiva decorrente do desenho de 28
Desenho de observação Desenhos típicos de alunos observação ou de imaginação (neste ponto o aluno já tem Desenho de observação (mesa
(cadeira nível do chão), marca- que decoram alguns procedi- noções básicas da construção geométrica; linha do horizonte, nível do chão), marcação dos
ção dos pontos de fuga e pos- mentos de construção pers- pontos de fuga e posterior
terior desenho de imaginação péctica, mas que não os apren-
pontos de fuga, etc.). Geralmente os alunos constroem desenho de imaginação (mesa
(cadeira superior). 3o. bimes- dem realmente. mecanicamente o espaço perspéctico, sem vínculo com sua superior). 3o. bimestre, CAU
tre, CAU UMC,1996. realidade tridimensional. O que pode ser evitado, trabalhando- UMC,1996.
se conjuntamente o desenho diédrico (plantas e cortes de
preferência também à mão-livre) e com a construção de
Desenhos de imaginação com
utilização de elementos de
construção perspéctica. 3o.
bimestre, CAU UMC,1996.
(sup. dir.) Regina Fukuda.

29
Desenhos de imaginação com
utilização de elementos de
construção perspéctica. Dois
objetos sob cama ou mesa,
com o olho do observador a
aproximadamente 20 cm do
chão. 3 o . bimestre, CAU
UMC,1996.
30
31
Desenhos de observação e de
imaginação. Modificação do
teto da sala de aula, 3 o .
bimestre, CAU UMC,1996.
(sup. esq.) Teto modificado,
Luiz Arellano Jr. (dir.) Obser-
vação e modificação, Marina
Mariani.
Desenhos de observação,
quatro vistas diferentes do
mesmo ambiente, mudando
altura e posição do observador.
Croquis rápidos. 2o. bimestre,
CAU UMC,1996. (sup. esq.)
Edna F. de Oliveira.

32
(esq.) Desenho de memória de
um ambiente doméstico. (sup.)
Desenho de observação do
ambiente, posterior ao de
memória realizado em sala de
aula. 3o. bimestre, CAU UMC,
1993.

33
(esq.) Desenho de memória de (sup.) Desenho de memória de
um ambiente doméstico e um ambiente doméstico
desenho de observação do realizado em sala de aula. 3o.
mesmo ambiente, posterior ao bimestre, CAU UMC, 1993.
de memória realizado em sala
de aula. 3 o. bimestre, CAU
UMC, 1993. Leonardo Hng.

34
35
Desenhos de memória de um
percurso realizado diariamente
pelo aluno. Mapa e vistas mais
importantes do percurso. 3o.
bimestre, CAU UMC, 1993.
III.3.3. A escola nova e a arte-educação

De maneira geral, os pedagogos reformistas basearam seus A nova pedagogia conseguia, então, na Alemanha, (assim
esforços no objetivo de estimular a criança ou o jovem a como em outros países europeus) do começo do século,
desenvolver as habilidades ocultas, latentes, conjuntamente mais e mais adeptos. Neste período, pode-se encontrar as
com o imaginário e a criatividade, através de uma apro- mais importantes experiências pedagógico-didáticas, em
ximação livre e lúdica da realidade, incentivando a apren- termos de renovação do ensino em nível técnico e superior,
dizagem autônoma, ou o aprender por si mesmo. destacando-se a Bauhaus, e alguns de seus professores que
revolucionaram os métodos de ensino da arte, entre eles
Tais preceitos foram absorvidos com tal intensidade pelo Johannes Itten, Wassily Kandinsky e Paul Klee.
ensino ligado à arte, que desencadearam uma total
reformulação dos cursos, e não somente no contexto infanto- No Brasil, um dos nomes mais conhecidos no que se refere
juvenil, mas pertinentes à didática para adultos, dos cursos ao contexto de Arte Educação é o de Onofre Penteado.
técnicos nos liceus aos superiores, nas universidades. Isso Professor da U.F.R.J., autor de diversas publicações no gênero,
ocorreu devido à própria condição imanente da arte, que nas quais procurou expor seus métodos de ensino-
sempre envolveu preceitos como auto-aprendizagem, aprendizagem, técnicas e procedimentos didáticos, Onofre
criatividade, imaginação. Penteado também pode ser considerado um seguidor dessa
corrente. Assim, quando da posição frente aos métodos de
Assim, pode-se dizer que dentre os vários segmentos no ensino dos quais se utiliza, relacionados em seu livro Desenho
âmbito da Escola Nova, o movimento de educação artística Estrutural, o próprio autor justifica:
foi um dos mais frutíferos em novos métodos e
procedimentos. Destacam-se nomes como Carl Götze (Das Os métodos utilizados na prática docente são os
Kind als Künstler / A criança como artista, 1898), Heinrich da educação funcional (Escola Nova). Promove-se
Scharrelmann (Malen und Zeichnen / Pintar e desenhar) que a experiência global: sensorial (visual, táctil,
insistia na união entre o desenho e a experiência da criança; auditiva) e psíquica ou espiritual (relações e
e John Dewey, cujo lema “learning by doing” tornou-se um significações através de trabalhos prático-
dogma da nova pedagogia. Dewey também merece maior didáticos; desenhos de criação, exposições de
destaque, pois sua concepção pedagógica penetrou estampas, projeções de slides e incipientes
profundamente no movimento das escolas de trabalho na gravações sincronizadas com projeções (início do
Alemanha, por meio de Georg Kerschensteiner, que por futuro ensino programado).(11)
ocasião do primeiro Congresso do “Werkbund” alemão, em
1908, fez sérias críticas quanto ao ensino nas escolas
primárias.
36
A maior parte das críticas e sugestões realizadas na época
se referiam especificamente às escolas primárias, exceção
feita para Joseph August Lux, que postulou em sua obra “Das
neue Kunstgewerbe in Deustschland” (A nova arte industrial
da Alemanha, 1908) que as idéias reformistas sobre
pedagogia em Arte deveriam estender-se a todos os níveis
de educação artística.
Notas e referências bibliográficas.

01. AEBLI, Hans. Didática Psicológica. Aplicação à


didática da psicologia de Jean Piaget. Atua-
lidades pedagógicas volume 103. São Paulo: Ed.
Nacional, 1971. p.87
02. AEBLI, Hans. op. cit. p.88
03. _____,_____. op. cit. p.92
04. Imaginária, fruto de abstração.
05. _____,_____. op. cit. p.93-4
06. _____,_____. op. cit. p.94
07. _____,_____. op. cit. p.94
08. _____,_____. op. cit. p.96
09. _____,_____. op. cit. p.97
10. _____,_____. op. cit. p.110
11. PENTEADO, Onofre. Desenho Estrutural. São Paulo:
Perspectiva, 1981. p.24

Bibliografia complementar

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na Arte. A gramática


da criação. O futuro da pintura. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1990.
WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins
Fontes, 1989.

37
III.4. Os métodos de ensino do desenho pós
escola ativa

Baseados mais em um espírito de época, do que propriamente


em teorias pedagógicas, exceto no caso de Johannes Itten,
alguns professores revolucionaram o ensino do desenho na
área das artes plásticas, artes aplicadas e arquitetura, na
primeira metade do século. No texto que se segue analisar-
se-á o trabalho pedagógico de três mestres da principal escola
deste período, a Bauhaus. São eles: Johannes Itten, Paul Klee
e Wassily Kandinsky.

Na seqüência, outros três trabalhos, relativamente recentes


(métodos de ensino-aprendizagem na área do desenho),
serão analisados, devido à relevância dos mesmos, nem
sempre da mesma ordem: Carlo Maggiora, Onofre Penteado
e Betty Edwards.

38
III. 4.1. A Bauhaus

A Bauhaus se destaca, no período entre guerras, como a (integração de todos os gêneros artísticos e de
primeira escola de design. Criada por Walter Gropius em 1919 todos os tipos de artesanato sob a supremacia da
para ser uma escola de arquitetura e artes, seus antecedentes arquitetura) e a síntese social (a orientação da
pedagógicos vêm das escolas de artes e ofícios do final do produção estética segundo as necessidades de
século XIX e início do século XX. O próprio prédio em Weimar, uma faixa mais ampla da população e não
primeira sede da Bauhaus, pertencia à Escola Superior de exclusivamente segundo a demanda de uns
Artes e Ofícios do Grão-ducado da Saxônia, fundada em 1907 poucos, privilegiados social e economicamente).(3)
e dirigida por Henry van de Velde.
Destaca-se, nesta fase, a contratação dos pintores Lyonel
A Bauhaus constitui o entroncamento de correntes Feininger, Johannes Itten e o escultor Gerhard Marcks em
aparentemente contrárias, que puderam ser 1919. Até 22 seguiram-se Georg Muche, Oskar Schlemmer,
mantidas num equilíbrio tenso e produtivo graças Paul Klee, Lothar Schreyer e Wassily Kandinsky.
à extraordinária capacidade de organização e
coordenação de Walter Gropius, seu fundador e
diretor durante muitos anos. Numa primeira fase,
conjugam-se neste equilíbrio o pensamento
plástico do Expressionismo tardio e o ideal do
artesanato medieval; numa fase posterior, passam
a dominar as concepções plásticas do
Construtivismo e o programa de uma criação da
forma, dirigida à objetividade e funcionalidade,
tendo em vista as exigências e possibilidades da
técnica e indústria modernas. (1)

A estrutura pedagógica da Bauhaus estava montada sobre o


trabalho de mestres artistas e mestres artesãos, que em
conjunto mantinham os ateliês em permanente trabalho.

Gropius exorta o artista...,; ele considera garantida


a qualidade da produção mecânica, se o artista
participar “já da criação da forma a ser
reproduzida”,... Somente a “cooperação entre 39
artista, comerciante e técnico” seria garantia,
segundo Gropius, de que os objetivos passados e
futuros da sociedade industrial fossem
adequadamente alcançados.(2)

...o programa da Bauhaus compunha-se,


basicamente, de dois objetivos: a síntese estética
III.4.1.1. Johannes Itten

Itten se destaca por ter formação pedagógica e dedicar-se


mais à carreira acadêmica do que à de artista. Suíço de
nascimento, originariamente foi professor de escola
elementar (1o. grau), treinado no método Froebel. Em 1909,
decidiu estudar pintura na Escola Superior de Belas-Artes
em Genebra, mas decepcionou-se com a atividade docente
acadêmica e retornou aos estudos para professor de segundo
grau.

Em 1912, decidiu dedicar-se à pintura e voltou à Genebra,


onde entrou em contato com o Abstracionismo, exercitando-
se primeiramente com os elementos geométricos básicos:
triângulo, quadrado e círculo. Mais tarde, o próprio Itten
reconheceu que estes exercícios foram a base de sua
introdução nas criações abstratas, 1915 a 1919. Em 1913,
foi para Stuttgard onde lecionava Adolf Hoezel (1853-1934),
um dos pioneiros do Abstracionismo, mas não sendo aceito
pela comissão de admissão, tomou aulas com Ida Kerkovius,
discípula de Hoezel, com a qual entrou em contato com a
teoria do mesmo. Esta relação professor - aluno mais tarde
se inverteria, uma vez que Ida passou a freqüentar o curso
da Bauhaus.

Quando convidado por Gropius para o cargo de mestre da


“This form has been realized by forma, Itten estava na ocasião desenvolvendo um novo
a powerful implulse. The dy- método didático para arte -educação, baseado nas técnicas
namic basis of every thing
rhythmical is visibly expressed.
de Pestalozzi, Montessori e Franz Cizek; este último era, na
Vienna, 1918. M.Tery-Adler.” época, conhecido por seu curso de arte jovem, integrado à
In: ITTEN, Johannes. Design escola de Artes e Ofícios de Viena; seu lema era a
and form. The Basic course “Descolarização da escola” e “Nada ensinar, nada aprender!
at the Bauhaus. New York, Deixar crescer das próprias raízes!”, máximas com as quais
Reinhold, 1964. p.144.
obteve reconhecimento por toda a Europa em Congressos 40
de Educação Artística.

O curso preliminar foi introduzido na Bauhaus seis meses


depois da fundação da escola, por iniciativa de Johannes Itten,
e se tornou, segundo Rainer Wick, a coluna vertebral da
pedagogia da Bauhaus, e ao lado de Gropius, a personalidade
indubitavelmente mais destacada e dominante.
Na verdade, Itten opunha-se radicalmente aos objetivos a estrutura construtiva das obras. No período de 1913 a 1916, Seus princípios pedagógicos envolviam um respeito pelo
sociais e estéticos enunciados por Gropius, assim como à período no qual Itten esteve em Stuttgard, Höezel indivíduo e pelas suas possibilidades criativas; tinha o aluno
utilização da arte para fins não artísticos como no caso do desenvolveu uma série de trabalhos, colagens abstratas de como ponto central de seu trabalho como educador, cons-
design, tanto que, em janeiro de 1921, os estatutos da escola, papel rasgado e retalhos de tecidos. Como se verá adiante, truindo com ele uma relação informal, concedendo prioridade
refeitos também sob orientação de Itten, não mencionam as estas tornaram-se a base do curso de Itten na Bauhaus, assim ao trabalho, até antes da pura aprendizagem. Todos estes
premissas de arte unificada do manifesto de fundação. O curso como exercícios de transposição das colagens para a princípios inserem-se dentro da Pedagogia Reformista, hoje
preliminar destaca-se na história da Bauhaus como elemento linguagem do desenho ou pintura. também conhecida como Escola Nova.
de mérito exclusivo deste artista e, por isso, aparentemente
distante das outras disciplinas. A idéia de um curso preliminar, Outra influência de Höezel sobre Itten está nos exercícios de Itten foi também, pelo menos neste período, seguidor do
no entanto, remonta ao século XIX, e foi muito reivindicada ginástica, que Höezel praticava com regularidade, e que se culto “Mazdaznan” ou Masdeísmo, derivado do antigo
pela corrente reformista das escolas de arte, no início deste tornaram característicos das aulas de Itten para relaxar e Zoroastrianismo. Segundo Frank Whitford, enquanto
século. O destaque do curso preliminar da Bauhaus, porém, desenvolver as potencialidades motoras do corpo, assim professor, acreditava no potencial criativo de cada um e que
está ligado intimamente à personalidade de Itten, que aliou como iniciar os estudos sobre ritmo. a doutrina Mazdaznan poderia ajudar a despertar este talento
suas concepções educativas baseadas na Escola Nova ao artístico oculto. Extremamente venerado como mestre, Itten,
trabalho de artista de vanguarda. Itten, assim como Höezel, estimulava os alunos a desenharem graças à sua personalidade, conseguiu persuadir cerca de
uma figura humana num só traço. vinte alunos a adotar esta doutrina, comportando-se e
Itten escreveu: São fundamentais, para o curso preliminar de Itten na vestindo-se com trajes especiais, criados por Itten.
Bauhaus:
Em 1908, quando dei minha primeira aula como Ainda segundo Whitford, muitas das críticas que recaem
professor primário num povoado de Berna, procurei a relação de identidade entre movimento e forma, sobre Itten, neste período, referem-se ao curso preliminar
evitar tudo o que pudesse perturbar a ingênua a visão conjunta de corpo, alma e espírito, sendo o como uma espécie de “lavagem-cerebral”, na qual todos os
desenvoltura das crianças. Reconheci quase que aspecto emocional mais enfatizado do que o estudantes eram destituídos dos ensinamentos anteriores,
instintivamente que toda crítica e toda a correção intelectual; (5) e, assim, tornavam-se receptivos a novas idéias e métodos.
têm um efeito ofensivo e destruidor sobre a Outros preferem ver este curso apenas como uma ajuda inicial
autoconfiança, e que o estímulo e o reconhe- Na visão de Droste, o princípio pedagógico do ensino de Itten dada aos estudantes para liberarem seu potencial criativo.
cimento do trabalho realizado favorecem o residia em dois conceitos opostos: intuição e método ou
desenvolvimento das forças. (4) experiência subjetiva e recognição objetiva. Outros indícios dão uma visão mais complexa da polêmica
figura de Itten. Paul Citroen, antigo aluno da Bauhaus,
Aliado a este método, Itten jamais riscava os erros nos Para Itten só se percebe o mundo devido aos contrastes, escreveu:
cadernos de seus alunos, fato que considerava uma inter- algo só é perceptível devido ao seu oposto, assim, os
venção na personalidade deles, mas os discutia exaus- exercícios e todo o fundamento do seu ensino estava baseado Havia algo de demoníaco em Itten. Como mestre
tivamente com a classe. Na Bauhaus e, mais tarde, nas outras nesta teoria. era profundamente admirado e igualmente odiado 41
escolas de arte, Itten se utilizou deste mesmo princípio, ou pelos seus inimigos, que não eram assim tão
seja o respeito pela individualidade do aluno. Para Itten, poucos. Ignorá-lo é que não se podia. Para nós,
O conhecimento dos meios de criação e de suas que pertencíamos ao círculo do masdeísmo - uma
Com Höezel, pode-se dizer que Itten estudou: as Teorias das leis não representa um fim em si mesmo, mas tem comunidade especial dentro da Bauhaus - Itten
Cores de Goethe, Bezold, Chevreul e do próprio mestre; a apenas um caráter instrumental que permite tinha uma aura muito especial. Quase se podia
problemática do claro-escuro segundo a teoria de Höezel, e alcançar o objetivo de um autodesenvolvimento denominá-lo santo, só nos aproximávamos dele em
sua análise dos antigos mestres, com o objetivo de conhecer criativo. (6) sussurros. A nossa admiração por ele era enorme
e ficávamos encantados e inspirados sempre que
ele nos tratava de forma simpática e natural. (7)

Para conhecimento sobre as aulas de Itten na Bauhaus, é de


grande interesse a análise de seu livro “Design and Form”,
que originariamente em alemão tem como título “Mein Vorkus
am Bauhaus”. Mas constam, também, deste livro, e em gran-
de parte, trabalhos posteriores realizados a partir de 1926
em outras escolas em Berlim e Zurich.

Ao contrário das aulas tradicionais das academias, nas quais


prevalecia a cópia de modelos, meios pelos quais os
estudantes adquiriam grande parte da técnica, Itten ensinava
aos alunos as bases da teoria da cor e da forma e noções de
composição. Faziam-se exercícios com linhas grafadas
espontaneamente, que lembravam as formas do expres-
sionismo abstrato, com uma ou ambas as mãos ao mesmo
tempo. Muitos deles eram realizados com tinta sobre papel,
variando as espessuras das linhas, e sem tirar o pincel da
superfície, para não interromper o movimento. A maior parte
dos exercícios revela uma preocupação fundamental com os
contrastes de todos os tipos: claro-escuro, grande-pequeno,
largo-estreito, preto-branco, horizontal-vertical, linha-corpo,
transparente-opaco, entre outros.

Itten preferia que, em suas aulas, os alunos resolvessem seus


problemas de composição e criação, expressiva e intuitiva-
mente, para depois se utilizarem de um método construtivo-
intelectual. Usava-se comumente o carvão, com o qual se
elaboravam escalas de tons. Também eram comuns os exer-
cícios com texturas, análogas ou contrastantes, utilizando-
se de diversos materiais, de papéis a tecidos e materiais 42
metálicos, a fim de aprimorar não só a sensibilidade visual, “Line analysis form nature. Ber-
mas também a táctil. (Visava-se diferenciar as tensões pelos lin, 1929. E. Baümer.” In:
ITTEN, Johannes. Design and
ritmos criados pelas texturas.) Estes exercícios tinham tam- form. The Basic course at
bém outra finalidade pedagógica, visavam propiciar ao aluno the Bauhaus. New York,
uma proximidade lúdica com materiais diversos a fim de que Reinhold, 1964. p.110.
pudesse se encaminhar de maneira mais decisiva no
prosseguimento do curso, ou seja, na escolha das respectivas
oficinas. investigações com as três formas básicas: quadrado, triângulo
e círculo, associadas a aspectos culturais e/ou sensoriais
Além dos estudos com materiais, faziam parte do programa como: força, vida, tranqüilidade, etc. Tais tentativas podem,
do curso preliminar de Itten, o desenho com objetos naturais segundo Wick, ter sido inspiradas em Kandinsky, mais
(troncos de madeira, pedras), o desenho com modelos vivos especificamente em sua obra “Sobre o espiritual na Arte”.
e as análises dos mestres antigos (Giotto e Goya, entre
outros), nas quais se utilizavam os mesmos critérios e Dessa teoria surgiram exercícios, nos quais se trabalhavam
princípios estético-compositivos dos exercícios acima. as possibilidades criativas do quadrado, do círculo e do
triângulo, envolvendo divisões da forma a estudos de
Para Itten, o estudo da natureza não é l’art pour proporcionalidade e relação harmônica entre as figuras.
l’art, nem mesmo um mero adestramento da Desses exercícios bidimensionais, passavam-se a exercícios
habilidade manual ou um exercício de destreza, e tridimensionais, estereométricos, compostos a partir de
sim algo que serve ao aguçamento da capacidade corpos simples : esferas, pirâmides cilindros, etc. No curso
de conhecer através dos sentidos e uma ampliação de Itten, “desenho” não se separa de plástica.
do “pensamento concreto”, uma relação que Itten Itten foi o precursor de Klee e Kandinsky na Bauhaus e muito
certa feita reduziu a uma fórmula breve, cuja influenciou a estes e a outros que lá ensinaram. Segundo
fundamentação deixa a desejar: “acuidade Droste, Klee depois de assistir uma aula de Itten adotou de
sensorial = pensamento real exato” (8) imediato suas teorias sobre forma e cor, em seu programa
didático.
O desenho com modelos vivos, ou nus, estava condicionado,
no entanto, a outras finalidades. Itten não exigia de seus Johannes Itten deixou a Bauhaus em 1923.
alunos uma representação anatômica exata, mas uma forma
expressiva característica. Esta aula era acompanhada sempre
de música,

a fim de intensificar a sensação pela expressão


rítmica do modelo em movimento,...(9)

Nas análises das obras de antigos mestres, também


inspiradas nas iniciativas de Höezel, utilizava-se a intuição
como forma de compreender as relações do quadro, da sua
essência, através da elaboração gráfica criativa dessa 43
“Analysis of Giotto’s “Annuncia- ciation by placing the figures essência. As sensações eram transportadas para o papel
tion of St. Anne”. In this pain- abstractly into the light-dark of através do uso dos contrastes, distribuição de pesos, ritmos,
ting Giotto has used light-dark the space. Vienna, 1918,
in an elementary manner. M.Tery-Adler.” In: ITTEN,
linhas de força, entre outras formas de interpretação da obra.
Giotto’s light-dark effect and Johannes. Design and form. Buscava-se a síntese estrutural do quadro baseado no
compositional intent can be The Basic course at the elemento principal. Geometrizava-se e simplificava-se.
clearly recognized. Giotto has Bauhaus. New York, Reinhold,
created the mistery of Annun- 1964. p.39. Na teoria das formas, elaborada por Itten, destacam-se as
III.4.1.2. Paul Klee

Paul Klee baseou todo seu curso em suas próprias


experiências como artista e pesquisador assíduo de novas
linguagens. Através da reflexão de seu trabalho, estruturava
suas aulas, propondo exercícios nos quais os alunos, através
da pesquisa gráfica e plástica, intuiriam seus ensinamentos.

Paul Klee cresceu numa família de músicos. Conta-se que foi


sua avó materna quem lhe ensinou a trabalhar com lápis e
pincel e muitos desses desenhos de infância integram os
atuais catálogos de suas obras.

A rebeldia de Klee e sua tendência a opor-se à vontade de


seus pais, fez com que ele seguisse a carreira de pintor, não
abandonando porém totalmente a música. Para Klee, a música
já havia atingido seu apogeu e os compositores modernos,
ao contrário do que pensava da pintura, não lhe interessavam
mais.

Concluiu o Liceu em setembro de 1898 e em outubro dirigiu-


se a Munique para estudar na Academia de Belas Artes, na
qual não foi aceito, sendo encaminhado para aulas particulares
de desenho figurativo com Heinrich Knirr (1862-1944).

Em outubro de 1900, entrou finalmente para a Academia.


“A leaf from the book cities. Em 1901, deixou o curso de pintura e tentou o de escultura,
1928. Oil on paper mounted on mas recusou-se a submeter-se ao exame de admissão. No
card board, 16 3/3 x 12 3/8.” In:
GROHMANN, Will. Paul Klee.
verão deste mesmo ano, mudou-se de Munique.
N. York: Harry N. Abrahmas,
1985. p.26. A partir de então, passou três anos desenhando e dedicando-
se à técnica de gravura a água-forte como autodidata, na
casa de seus pais em Berna.
44
Em 1905, conheceu os impressionistas em Paris e começou
uma nova série de gravuras associadas com a pintura em
vidro, onde predominavam, mais que as cores, os contrastes
de claro-escuro.

Apesar de uma exposição em junho de 1906, onde recebeu


críticas quanto à “anomalia das formas” presente em seu
trabalho, Klee e sua esposa Lily, viviam afastados do meio de artes e ofícios... (10)
artístico. Paralelamente, tocava violino e escrevia críticas de
teatro, não restando muito tempo para o desenvolvimento Klee era fascinado por problemas teóricos. Articulado e
como pintor e muitos autores referem-se à evolução artística, letrado, levava seu ensino com seriedade e cuidava-se para
até esta época, como particularmente lenta. não utilizar dogmas em seus pronunciamentos. Mas estes,
no entanto, não foram a princípio bem quistos ou
Nesta época, trabalhava com experiências em cor com compreendidos por todos os colegas docentes. Schlemmer
pintura, além das gravuras. Começa, então, a fase das por exemplo, certa vez recordou
aquarelas, a princípio em preto e cinzas, estudando as
tonalidades, para depois numa mistura irreverente de That Klee’s work appears to inspire the greatest
técnicas, abusar da cor em seus trabalhos. Durante este shaking of heads, as a kind of l’art pour l’art,
período, no entanto, era mais um desenhista que um pintor, removed from every practical purpose. (11)
realizando ilustrações a pedido de Alfred Kubin (1877-1959),
um dos desenhistas conhecidos da época. Paul Klee começou seu trabalho na Bauhaus, como mestre
da forma na oficina de encadernação, ao lado do mestre
Klee escrevia artigos para revistas, defendendo com artesão Otto Dorfner, com o qual não se entendia muito bem.
convicção a arte primitiva e a arte infantil, pois a considerava Não possuía qualquer experiência docente ou formação
não alienada e não corrompida, pelo menos até a criança pedagógica. Isto talvez tenha sido de fundamental importância
entrar em contato com “obras de arte”. na criação de um método de ensino próprio, no qual utilizava
seu próprio fazer, sua atividade artística como fonte de
Em 1912, na segunda exposição do “Blauer Reiter”, Klee conhecimento para seus alunos. Segundo Wick, aliada a isto
apresentou dezessete obras. Após viagem a Paris, onde estava a forte timidez de Klee para falar em público, que o
conheceu o trabalho de Picasso e Braque, Derain e Maurice fazia, nos primeiros anos, preparar minuciosamente suas
de Vlaminck, além de Robert Delaunay, que impressionou aulas. Estas anotações posteriormente deram origem a várias
definitivamente Klee no uso das cores, chegou finalmente à publicações, como por exemplo “Pedagogical Sketchbook”
pintura abstrata. originariamente publicado em 1925 e editado por Walter
Gropius e Moholy-Nagy, sendo o segundo dos quatorze livros
Em 1920, surge o convite de Gropius, Feininger, Itten, entre editados pela Bauhaus, e “Notebooks” , que em algumas
outros, para lecionar na Bauhaus, o que se efetiva na edições, como a italiana, aparece como “Teoria della forma
primavera de 1921. e della figurazione”.

Segundo Wick, a estratégia de Gropius para o convite de O mais importante trabalho de Klee na Bauhaus está no curso 45
certos professores, residia em convidar para a escola artistas preliminar que lecionou de 1921 a 1931. “View of a mountain sanctuary.
de renome considerados progressistas e, 1926. Pen and wash, 18 1/2 x
11 3/4.” In: GROHMANN, Will.
Ao contrário de Kandinsky que repetia os mesmos Paul Klee. N. York: Harry N.
em utilizar seus impulsos inovadores também nas exercícios ano após ano com poucas alterações, Abrahmas, 1985. p.24.
áreas “aplicadas”, sem precisar temer um na aula de desenho analítico (desde 1922) e na
retrocesso às antigas posturas das academias de aula de teoria da cor (desde 1925), Klee modificava
arquitetura, escolas superiores de arte e escolas constantemente o seu método de ensino, em parte
com ajuda de literatura especializada que ele como em Dessau, ateliês particulares onde podiam conjugar
próprio criava.(12) as duas atividades. Inclusive a idéia de que “se ensina aquilo
que se faz”, foi uma das diretrizes básicas do pensamento
Na fase da Bauhaus, em Dessau, o interesse de Klee pelo de Gropius na concepção da escola; por isso os professores
ensino vai progressivamente decaindo, culminando no seu deviam participar aos seus alunos sua produção artística e,
desligamento. em alguns casos, como o de Paul Klee, essa atividade se
tornou base do método e do conteúdo da disciplina.
Klee já não tinha vontade. Entrou em negociações
com várias academias e, em 1930, foi nomeado No caso de Klee, especificamente, os elementos pedagógico
para Dusseldórfia. Dessau propôs-lhe então e artístico foram concebidos como uma unidade e não se
melhores condições de trabalho, sobretudo menor pode precisar se a pressão exterior para uma maior reflexão
sobrecarga horária. Mas Klee recusou com fins didáticos inspirava na criação de novas obras ou
categoricamente, porque uma redução da sua vice-versa. Nas palavras do próprio Klee:
actividade era inconciliável com as ideias da
Bauhaus. Numa carta a Lily, datada de 14 de Junho Aqui no ateliê estou pintando cerca de meia dúzia
de 1930, traçou um resumo da sua actividade de de quadros, além de desenhar e de refletir sobre o
dez anos em Weimar e Dessau: “O trabalho na meu curso, tudo ao mesmo tempo. Pois tudo isto
Bauhaus é fácil quando, como pintor, a pessoa não tem que caminhar paralelamente, do contrário não
se sente obrigada a produzir. Neste momento, isto tem sentido. (14)
parece fácil e, como esta situação é passageira,
sinto-me perfeitamente bem. O cargo em si mesmo Segundo M. Droste, Klee descreveu da seguinte forma suas
seria bastante fácil. Se eu pudesse cedê-lo a aulas:
alguém que não tivesse um outro trabalho, faria
alguém feliz. Mas, então, não seria um artista e, desde o princípio e cada dia que passa vejo com
portanto, isto também não interessaria. Terá de ser maior claridade o meu papel, nomeadamente o de
alguém que utilize as suas forças melhor do que comunicar a experiência que tenho adquirido com
eu. A idade, neste caso, tem um papel secun- a configuração das idéias (desenhar e pintar)
dário.(13) relativa à organização da multiplicidade em unidade.
Esta experiência transmito-vo-la em parte em
Com a saída de Itten, Klee e Schlemmer ficaram com o curso sínteses (isto é, deixo-vos ver as minhas obras)
de desenho vivo, no qual revezavam-se por semestre. Mas, em parte em análises (isto é, divido as obras na
três meses depois, Klee já o transformara em um curso sobre suas partes essenciais). (15) 46
“Drawing for “Perspective of a teoria da forma pictórica. Até 2 de abril de 1922 escreveu
room with occupants” 1921. todas as aulas dadas e, em 1923, ampliou o programa adi- Klee, de início, adotou muito do curso de Itten (pois havia
pen and pencil, 13 1/4 x 9 7/8.”
In: GROHMANN, Will. Paul
cionando a teoria da cor. assistido a algumas de suas aulas e muito se impressionado),
Klee. N. York: Harry N. Abrah- como também de Kandinsky, por meio do “Sobre o Espiritual
mas, 1985. p.17. É impossível analisar o trabalho de Klee na Bauhaus, enquanto na Arte” publicado em 1912, para mais tarde encontrar
professor desvinculado da sua produção enquanto artista. desenvolver suas próprias idéias sobre o ensino da arte.
Os mestres artistas tinham à sua disposição, tanto em Weimar
O essencial do trabalho de Klee encontra-se reunido em suas
publicações. Nestas, encontram-se reunidos os trabalhos do
artista e do intelectual teórico, aliado a uma abordagem
didática.

Teaching forced him to consider his own work on


an intellectual level for the first time: “When I came
to teach I was obliged to make precisely clear to
myself what I did for the most part uncnsciously.”
Klee’s theories emerged from his practice and not
the other way about.(16)

O núcleo da Teoria da forma de Klee desenvolveu-se entre


sua estadia em Weimar e Dessau, no período entre 1920 e
1925, para depois ser ampliado por novos ensaios sobre
problemas figurativos, adaptados às exigências de sua
atividade didática. Klee deixou cerca de duas mil e quinhentas
folhas de escritos pedagógicos, entre apontamentos de aula,
esquemas, desenhos construtivos e esboços compositivos
para seus quadros.

in essi si trata sopratutto dell’ampliamento della


prospettiva, della teoria soggettiva dello spazio,
della mobilità del punto prospettico, della teoria
dell’articulazione, dei ritmi e delle strutture se configurar em uma coleção de regras estilísticas ou “The great dome. 1927. Tushe
candenzate e della sintesi statico-dinamica: la sua técnicas, mas sim de uma análise introspectiva, fruto do and pen, 10 1/2 x 11 7/8.” In:
GROHMANN, Will. Paul Klee.
teoria della figurazione vi appare arrichita di molti trabalho do artista, ou seja, da sua experiência da realidade, London: Thames and Hudson,
assiomi concettuali. (17) a qual é um elemento necessário do processo artístico. 1967. p.59.
Segundo Argan, a teoria de Klee explica que a experiência
Giulio Carlo Argan dimensiona a importância desta teoria da realidade do artista não é mais nem menos concreta ou
elaborada por Klee: conclusiva que aquela adquirida pela pesquisa científica ou
filosófica. 47
The writings which compose Paul Klee’s theory of
form production and pictorial form have the same Klee, assim como a maioria dos mestres da Bauhaus,
importance and the same meaning for modern art acreditava que a arte não pode ser ensinada ou transmitida
as had Leonardo’s writings which composed his pedagogicamente, mas pode-se, no entanto, ensinar e, assim,
theory of painting for Renaissance art.(18) fazer aprender racionalmente alguns exemplos que se mani-
festam formalmente. Klee também acreditava que artistas
A importância, segundo este autor, está no fato da obra não não podem fazer arte dissociados de sua visão de mundo.
Klee procede no desenvolvimento de sua teoria à semelhança O conceito de equilíbrio é resultante do contraste. Assim,
de Kandinsky, ou seja de maneira “analítico elementar”. Os Klee postula a harmonia plástica, o equilíbrio,
tópicos de suas considerações são semelhantes em gênero portanto -...-, entre o “princípio fundamental
e ordem de abordagem, começando pelo ponto, depois masculino” e o “princípio fundamental feminino”,
passando à linha, ao plano e finalmente ao espaço. O que os entre espírito e matéria, e suas expressões formais
difere, está no motivo pelo qual Klee sustenta o método através do movimento contrário: “Toda energia
analítico, que não seria fornecer fundamentos para uma requer um complemento para alcançar um estado
linguagem supra-individual, que correspondesse a uma que repousa em si mesmo, e que se encontra por
vontade fictícia de ser expressão do “elemento artístico puro sobre o jogo de forças...”(20)
e eterno”, mas nas palavras do próprio Klee:
A 4a. lição trata da estrutura. De natureza puramente plástica,
a investigação da obra com vistas ao este conceito tem sua existência dependente da repetição
estabelecimento de seus estágios de formação. A de um elemento numa freqüência rítmica.
uma tal investigação dou o nome de gênese. (E:)
Investigamos os caminhos percorridos por uma Klee estabelece uma relação entre pintura e música.
outra pessoa para a criação de sua obra para, Comparando a estrutura da pintura com o compasso da
percorrendo-os conhecê-los. Um tal tipo de música, reflete acerca de como representar musicalmente
observação evita que se conceba a obra como algo o pictórico, problema do qual se ocuparam também outros
estático, irremediavelmente fixo.(19) mestres e alunos da Bauhaus.(21)

Para Klee, é importante ensinar aos alunos tanto sobre o Na 5a. lição, estuda questões relativas à força gravitacional e
processo de criação, como também sobre alguns “aparatos” ao movimento do cosmos.
necessários para tal. Estes são, de maneira resumida e
condensada, explicados em nove lições. Na 6a., o movimento é estudado em ligação com o organismo
vivo, o corpo como máquina de movimento, onde desejo e
Na 1a. lição, Klee inicia suas colocações sobre o ponto em execução estão unidos.
movimento, assim, seu interesse está propriamente ligado à
linha. As linhas são classificadas em três tipos: Ativa, Medial Na 7a. lição, ilustra esses efeitos com o exemplo do moinho
e Passiva. de água, do crescimento das plantas e da circulação
sangüínea, para então passar ao movimento como problema
Na 2a. lição é tratada a questão da terceira dimensão e da pictórico.
perspectiva, pois para Klee estas surgem da conversão de 48
duas linhas para um ponto. O ensino da perspectiva por Klee Klee também aborda a questão do movimento, como “Mechanics of a part of town.
estava fundamentado na orientação do homem no espaço, elemento constituinte da recepção pictórica. O movimento 1928. Tushe and pen, 5 1/4 x 10
1/4
.” In: GROHMANN, Will. Paul
pela qual se estabelecia a relação das horizontais e verticais. dado pelo artista à obra é reativado pelos olhos do observador Klee. London: Thames and
ao percorrer a obra. Para ilustrar a questão do movimento Hudson, 1967. p.61.
Na 3a. lição continua a abordagem na inserção do homem criador, introduz nas aulas símbolos como o pião, o pêndulo,
no espaço e das forças que atuam sobre ele e em que isto a espiral e a flecha, que são estudados especificamente nas
implica nas formas. lições 8 e 9.
III.4.1.3. Wassily Kandinsky

Kandinsky, por sua vez, é o menos ativista dos três, pois na


busca de uma sintaxe universal, abdicou em parte da pesquisa
pelos próprios alunos, dando-lhes uma gramática que seguiam
através de exercícios fixos e rígidos. Vale a pena lembrar sua
pesquisa fracassada e cientificamente inválida quanto à
tentativa de associar formas puras e cores primárias.

Kandinsky, russo de nascimento, em 1886 iniciou na


Universidade de Moscou seus estudos de Direito e Economia
Política. Aos trinta anos resolveu estudar pintura, mudando-
se para Munique.

Na sua trajetória artística, percorreu o caminho (plástico e


teórico), da figuração à abstração. Sua obra foi inicialmente
composta por desenhos figurativos, onde estuda o nu e a
anatomia. Também podem ser encontrados esboços de
paisagens e estudo de vestimentas.

O passado dedicado às questões jurídicas exercitou o


pensamento abstrato de Kandinsky, fazendo com que, no
período seguinte, este se dedicasse à problemática das artes
plásticas de forma analítica.

Eberhard Roters confere:

Ele tinha a capacidade de reunir em hipóteses seus


conhecimentos e reflexões, fundamentando-as de
forma lógica, e formulando-as clara e inteligi-
velmente... o que era muito proveitoso para a teoria
que elaborava, tanto mais por ele ter que superar
as dificuldades decorrentes das primeiras
tentativas de explicar experimentos criativos 49
testados por ele mesmo, e baseados em sua
própria sensibilidade.(22)

Kandinsky retornou à Rússia e, após a revolução, ele esteve


ativamente engajado na política cultural da recente União
Soviética, procurando reformar os velhos estabelecimentos
de ensino de arte e fundando outros novos.
Retornou à Alemanha em 1921, desiludido com a Revolução, defendia uma formação sintética dos estudantes, a mais
principalmente devido às reações contrárias à arte ampla possível no campo das artes, muito próxima da visão
experimental. Logo chegando a Berlim, foi contatado por do “homem total” de Gropius.
Gropius. Era então um homem de meia idade e em meio de
carreira. Para Gropius, sua presença reforçava o quadro da A importância da atividade pedagógica de Kandinsky na
Bauhaus como escola de vanguarda, pois era considerado Bauhaus reside, não na oficina de pintura, mas no curso
um dos mais célebres pintores abstratos. obrigatório, inicialmente apenas no primeiro semestre,
estendendo-se no final dos anos 20 até o quarto. Os
Em 1911, Kandinsky publicou sua primeira obra teórica “Über fundamentos teóricos deste curso encontram-se em várias
das Geistige in der Kunst” (Sobre o espiritual na arte), de publicações, entre elas “Curso da Bauhaus”, na qual apresenta
cunho filosófico - religioso, baseado nas idéias teosofistas. notas de aula, enfatizando a análise dos elementos
Este desenvolvimento teórico culminou na eliminação do fundamentais da pintura abstrata: cor e forma. Também
aspecto figurativo na obra do artista. podem ser encontradas notas pessoais do artista sobre temas
escolhidos para discussões em seminário: resumo sobre a
No período dedicado à Bauhaus, o abstracionismo de história da arte, forma e conteúdo, a necessidade da arte,
Kandinsky assume um caráter analítico, racional e as obras relações entre arte e técnica e entre arte e natureza. Philippe
teóricas deste período acompanham esta tendência. Sers, que assina o prefácio da edição portuguesa, também
enfatiza a preocupação de Kandinsky com a síntese nas artes
O trabalho de Kandinsky na Bauhaus destaca-se mais pelo e conseqüentemente na sua ação pedagógica.
conteúdo do que propriamente pelos métodos de ensino.
Fruto de seus primeiros anos na Bauhaus, a obra “Punkt und O núcleo do ensino de Kandinsky na Bauhaus, no entanto,
Linie zu Fläche” (Ponto e linha sobre o plano) publicada em encontra-se resumido em “Ponto, Linha sobre Plano”, apesar
1926, mostra a concepção de uma teoria da criação, que é da análise sumária quanto à cor.
um trabalho pioneiro sobre a interpretação racional dos
fundamentos da criação. Suas aulas, no curso obrigatório, dividiam-se em: uma
introdução dos elementos formais abstratos e um curso de
Tanto Klee, quanto Kandinsky, destacam-se na Bauhaus pela desenho analítico. Seu método baseava-se na interligação
contribuição aos estudos sobre linguagem elementar do de análise e síntese, uso da primeira para se chegar à
aspecto plástico. segunda. Assim, seu objetivo era desenvolver no aluno um
pensamento analítico-sintético. Merece destaque esta
Kandinsky chegou à Bauhaus em 1922 e recebeu a seu posição pedagógica, pois ao contrário da postura tradicional
encargo, como mestre da forma, a oficina de pintura mural, 50
até 1925. Mas esta oficina não produziu um grande número “Adolf Hölzel. Analyses of a
de trabalhos e mesmo estes poucos, não tiveram importância painting, 1911.” In: POLING,
Clark V. Kandinsky’s Teach-
relevante. ing at the Bauhaus. Color
Theory and Analytical Drawing.
Kandinsky defendia a arte sintética, uma arte onde não New York: Rizzoli International,
houvesse subdivisões nem especificações, onde música e 1986. p.128.
pintura, por exemplo, atuassem juntas. Por conseguinte,
de apenas apresentar conceitos, Kandinsky se propõe a
ensinar a pensar.

As aulas teóricas eram acompanhadas de exercícios práticos,


formulados rigidamente, os quais eram realizados de maneira
precisa, segundo orientação do mestre. Mas, segundo Droste,
ao contrário de Klee, Kandinsky repetia os mesmos exercícios
ano após ano, com poucas alterações.

O curso de desenho analítico, que estava, segundo Kandinsky,


baseado na teoria dos elementos formais abstratos,
caracterizava-se

não como uma introdução ao desenho natural e


de objetos, mas como uma propedêutica de visão
exata e da organização construtiva da imagem. O
objetivo desta aula de desenho não era, portanto,
a representação mais verossímil da aparência
externa do mundo material, mas a descoberta das
“forças=tensões regulares, que se podem
descobrir nos objetos existentes, e da construção
regular das mesmas - educação para a observação
e reprodução claras das relações...” (23)

Em 1926, pronunciou-se a favor do método analítico na


Bauhaus como corrente determinante. O artista deveria,
segundo ele, pensar objetivamente, cientificamente. Confere
uma função pedagógica fundamental à pintura, como
disciplina integradora na busca de uma síntese estética. Esta
valorização da pintura, contradiz o rumo que então tomaria a
escola nos próximos anos, com a supremacia da arquitetura
em relação às outras áreas. 51
“Wassily Kandinsky. Graphic
diagrams as translations of mo- Kandinsky formulou várias teorias: a das cores, a das formas,
mentary movements, 1916.”
In: POLING, Clark V. Kandins-
a das cores e das formas relacionadas e a dos planos básicos.
ky’s Teaching at the Bau- Característica comum a todas é a forma axiomática da
haus. Color Theory and Ana- apresentação das conclusões. Essas teorias derivam de uma
lytical Drawing. New York: Ri- busca incessante do artista por um “baixo contínuo”, um
zzoli International, 1986. p.126. dicionário elementar e uma gramática dos meios plásticos.
Esta postura o distancia didaticamente de Itten e Klee, que
tentavam levar o aluno a descobrir, por si próprio, tais
conceitos.

A teoria da forma compreende a investigação dos meios


plásticos elementares, ponto e linha, e das três formas básicas
deles resultantes: círculo, triângulo e quadrado.

O ponto assume, em plástica, uma certa grandeza (embora


relativa, pois depende das grandezas do plano e dos outros
elementos coexistentes no plano), através da sua
materialização, se comparado à sua abstração em
matemática. O ponto é também considerado a menor forma
temporal, pois não possui movimento. Ele dá origem à
composição mais simples quando se encontra no centro de
um plano quadrado.

A linha, na concepção de Kandinsky, é o vestígio de


movimento do ponto, resulta da ação de forças sobre o ponto,
que podem originar um linha reta, quando nele atua somente
uma força, ou linhas quebradas ou curvas quando da atuação
de duas ou mais forças. As retas horizontais são para o artista
a base de sustentação numa composição e por isso de
conotação fria, as verticais ao contrário são quentes, e as
diagonais possuem as duas características, consideradas por
isso, livres ou sem equilíbrio. (Esta conotação de quente -
frio fará a ponte principal entre as teorias das formas e das
cores). As retas livres podem ainda ser divididas em dois
outros grupos: as centrais, que cortam o plano pelo centro, e
as acentrais, que possuem uma relação de menor rigidez
com o plano, por vezes traspassando-o.
“Photograpf of a typical still-life
52
A atuação de forças simultâneas dá origem às curvas e, se construction, 1929. Hannes
não simultâneas, às linhas quebradas. Para Kandinsky, essas Beckmann. The Different Sta-
linhas tem um maior contato com o plano, pois já têm em si ges of Analysis, 1929.” In: POL-
algo de plano; ângulos diferentes destes são considerados ING, Clark V. Kandinsky ’s
Teaching at the Bauhaus.
linhas quebradas livres. Color Theory and Analytical
Drawing. New York: Rizzoli In-
Denomina o suporte material das imagens como plano básico ternational, 1986. p.112.
“Grundfläche”, abreviadamente chamado GF e PB em as classifica em dois grandes grupos: paralelamente às bordas
português. Estuda-o no que diz respeito às suas tensões do plano (paralelismo externo), ou paralelamente às diagonais
internas inerentes à sua forma e àquelas que dizem respeito (paralelismo interno, pois estariam dispostas em relação às
às relações com os meios plásticos elementares, ponto e tensões internas do PB).
linha.
Com relação às tensões geradas pelas formas acrescidas ao
Classifica três planos básicos considerados exemplares, o plano básico, Kandinsky conclui que quanto mais próxima do
retangular transversal, frio como a linha horizontal, o retangular limite do plano estiver a forma, maior será a tensão, até cessar
vertical, quente como a linha vertical, e o plano de forma totalmente quando do encontro com a borda.
quadrada, considerado por ele como o mais equilibrado e
assim o mais objetivo, no qual se baseará para continuar São também estudadas as composições possíveis no plano
suas reflexões. Divide-o em quatro campos de força: o básico, divididas em dramáticas e líricas. Tais conclusões são,
superior, o inferior, o da direita, e o da esquerda. segundo Wick, apresentadas como regras absolutas e,
psicologicamente, de validade geral e não só na arte.
O “campo superior” suscita a idéia de um estado
de maior relaxamento, um sentimento de leveza,
uma libertação, e finalmente, a liberdade... A
repressão é reduzida ao mínimo.
O “campo inferior” suscita uma impressão
absolutamente oposta: concentração, gravidade,
vinculação... A repressão atinge o extremo. (24)

A associação dessa classificação à idéia de céu e terra é


inevitável.

As diferenças entre esquerda e direita do plano básico


correspondem respectivamente às existentes entre superior
e inferior. Estas classificações geram um esquema de
distribuição de peso, num plano quadrado, onde o quadrante
inferior direito é o mais denso graficamente, o superior direito
e o inferior esquerdo se equivalem ou possuem uma oposição
moderada e o superior esquerdo o menos denso. A relação 53
entre os quadrantes opostos caracteriza-se, na visão de
Kandinsky, por uma diagonal desarmônica e a tensão que
dela resulta seria “dramática”, ao contrário dos quadrantes
em oposição moderada, cuja diagonal harmônica, gera uma
tensão “lírica”.

Quanto às disposições de formas no plano básico, Kandinsky


III.4.2. Pós Bauhaus

Assim como a escola de ULM - Ulm School for design, surgida


após a segunda guerra - muitas escolas de arquitetura e
design se basearam no ensino da Bauhaus, no legado de
trabalhos e publicações de alunos e professores, para a
estruturação de cursos e currículos. O fundamento
pedagógico-didático geralmente esteve (e ainda hoje está)
relacionado na prática de trabalhos em ateliês e laboratórios,
através de pesquisa realizada pelos próprios alunos. A própria
FAU USP, na década de sessenta, tem sua estrutura
pedagógica nesta proposta revelada fisicamente no desenho
para o novo prédio assinado por Vilanova Artigas. As teorias
das formas elaboradas pelos mestres da Bauhaus
fundamentam ainda hoje a base conceitual (mais conhecida
por Desenho básico ou Desenho estrutural) dos cursos de
design.

A escola de arquitetura Irwin S. Chanin of The Cooper Union,


dirigida por Peter Eisenman, revela, nas publicações próprias
sobre trabalhos de alunos, que o ensino da arquitetura está
vinculado à pesquisa criativa através do desenho, sendo este
meio e fim em si mesmo.

O estudo das teses e dissertações, apresentados à FAU USP


sobre o ensino de desenho, revela, no entanto, uma
defasagem didática em relação ao que seria adequado, face
às dificuldades enfrentadas pelos alunos e comprovadas pelo
exames de Linguagem Arquitetônica. Os trabalhos não são
significativos para o avanço dessa temática. A própria
estrutura do currículo agrava o problema, pois retirou do curso
de graduação, no final da década de 60, a disciplina de
desenho (aqui entendido como artístico ou expressivo),
substituída pela seqüência de Programação Visual. 54

Algumas faculdades particulares ainda têm em seus currículos


tal disciplina, o que não é suficiente para suprir a deficiência
dos alunos, que têm por sua vez uma formação básica de má
qualidade. Geralmente esses alunos vêm de escolas públicas
e conseqüentemente sem nenhum tipo de vivência plástica
ou gráfica e com repertório visual muito aquém do necessário.
III.4.2.1. Carlo Maggiora

Neste contexto, destaca-se o trabalho didático de Carlo


Maggiora e equipe, da Faculdade de Arquitetura de Firenze,
Itália. A publicação referente ao curso Disegno in architettura
come metalinguaggio (25) mostra a importância e os objetivos
do desenho para o trabalho do arquiteto.

O curso tem, como premissa central, o desenvolvimento


perceptivo espacial e a representação desse espaço como
forma de comunicação. É uma das únicas publicações no
gênero, ou seja, que enfoca o desenho específico para alunos
de arquitetura.

A arquitetura é abordada enquanto Arte e o desenho enquanto


instrumento de pesquisa arquitetônica, aliada à pesquisa
científica.

Para o autor, o aluno deve conhecer a linguagem do desenho


(técnicas e procedimentos), para utilizá-lo como elemento
de aprendizagem da arquitetura e do próprio processo de
projeto arquitetônico. É nítida, para Maggiora, a relação do
desenho com a questão do projeto, seja ele de edificações
ou urbanismo. O desenho é encarado como elemento
indispensável para o desenvolvimento de uma metodologia
de projeto.

Os trabalhos de alunos apresentados na publicação,


escolhidos com rigor, não permitem uma avaliação real do
curso como um todo em relação aos resultados. Também,
não existe demonstração minuciosa dos procedimentos
didáticos utilizados na disciplina, pois os trabalhos apesar de
apresentados na seqüência do curso, são acompanhados de
legenda (fragmentos de textos dos próprios alunos), que nos 55
permite apenas entender a necessidade e o vínculo dos
exercícios dentro do universo da arquitetura e do contexto
teórico no qual são realizados.

É interessante, no enanto, a complexidade crescente e


cumulativa com relação à aprendizagem. Os dados aprendidos
em exercícios anteriores são utilizados para exercícios
posteriores mais complexos. pelas quais a arquitetura se expressa e, muito menos, não da conduta científica, que tende à abstração e à generalização,
se pode negar o instrumento pelo qual são indagadas, o a conduta criativa tende à comunicação subjetiva e original.
Os exercícios, com exceção dos primeiros, que visam desenho. Estas experiências não são uma contradição do A comunicação age sobre os sentidos e pelos sentidos
desenvolver o gesto e sua relação com o objeto mental, são processo de projeto, mas um de seus suportes. promove as solicitações ao intelecto. Por isso, é necessária
realizados através da observação direta, quase sempre da a cognição das condições que dirijam essas ações das quais
arquitetura. Assim, tema e técnica dos exercícios de desenho Chegou-se, por conseguinte, a negar ingenuamente a eficácia deriva a obra; mas é necessário também a posse da
estão vinculados a este tipo de representação. na formação do arquiteto, do aprimoramento da linguagem experiência sensorial relativa à comunicação perseguida,
figurativa, e dos exercícios pelos quais se desenvolvia a experiência diferente daquela sistemática do intelecto e capaz
Constam, também, da disciplina algumas viagens a outras passagem das operações conceituais ao contexto expressivo, de dar resultado expressivo à obra realizada.
cidades e espaços arquitetônicos diferentes daqueles da não se percebendo que, privando o arquiteto de seus meios
própria Florença, o que acontece no final do curso onde pede- de expressão, estariam relegando-o a uma espécie de Os alunos por sua vez, futuros arquitetos, tendem
se ao aluno mais que uma simples representação do espaço, suplente de administrador ou de sociólogo. freqüentemente a se interessar pela pesquisa científica. Ainda
mas uma análise arquitetônica e urbanística através do que necessária, esta não esgota a pesquisa arquitetônica. A
desenho. Neste contexto, coloca Maggiora, é imprudente a ciência se expressa por símbolos adaptados para
reformulação dos programas das escolas, sem antes definir- comunicação deste tipo de conhecimento, não permitindo a
Na primeira parte do livro, encontra-se um texto que visa se a quais fins se propõe a formação do arquiteto. utilização dos símbolos próprios para expressão dos valores.
apresentar o curso dentro das devidas linhas teóricas. Não
esclarece, no entanto, como estes conceitos teóricos são Nos anos do segundo pós-guerra na Itália, já se falava em Na visão de Maggiora, deve-se resistir à tentação fácil de
repassados aos alunos. Tal publicação, única no cenário do reformas no ensino da arquitetura e, naquela época, Carlo transportar métodos próprios de outras disciplinas para este
ensino da arquitetura, não pode ser considerada um método Maggiora já colocava as bases de seu pensamento: campo. Para ele, o processo de projeto é também um
de ensino (o que certamente o é o curso), mas uma mostra processo de pesquisa e deve encontrar sempre que
de curso baseado em premissas teóricas importantes. ...l’esperienza dell’architettura è di natura artistica. necessário sua própria metodologia e seu próprio cientificismo
Un’esperienza particolare, che organizza tutti i dati para a precisão da sua linguagem.
Segundo Maggiora, no período em que o livro foi publicado della tecnica in funzione dei presentimenti interiori...
(1971), era comum, nas faculdades italianas, o desprestígio che è correlazione fra intenzioni, cognozioni, mezzi, A arquitetura não é apenas um serviço técnico-econômico
para com a disciplina de desenho, sendo que muitos e risultati. (26) que se presta à sociedade ou um instrumento político direto
pensavam em retirá-la do currículo, como disciplina para organizá-la, mas compreende essas funções através da
fundamental, como até então se estruturava. Acredita, porém, que este discurso pode estar superado, na instituição das relações espaciais, que por sua vez se
medida em que é difícil contestar que a arquitetura pertença concretizam em fatos perceptivos, pelos meios de construção
Nessa época, a orientação de projeto, enquanto atividade ao campo da arte, a não ser que se queira colocá-lo fora de do espaço, sendo assim um meio de comunicação. Por este
do arquiteto, se dirigia a um processo racional de pesquisa todo e qualquer discurso cultural e histórico. tipo de comunicação se entende informar, não somente
(em colaboração com outras disciplinas), devido às alterações conceitos, solicitando de quem fornece as informações e de 56
na estrutura de relações sociais, ou pela mudança de Para Maggiora, do ponto de vista didático, não se pode quem as recebe um comportamento recíproco ou
interesse do arquiteto para com seu objeto de trabalho, da esquecer que a arte, como a ciência, é também um meio de correspondente, quando da presença dos valores implicados
edificação à estrutura urbana . Mas projeto, segundo o autor, produzir objetos mentais, mas ao contrário desta última, não na informação.
significa também um processo de análise crítica e de busca os valores de forma cognitiva lógica ou referencial,
escolhas, configurando o seu ensino como metodologia. mas expressivamente. O arquiteto, ao contrário de outros artistas, não executa ele
próprio suas criações, limitando-se a programar as ações,
Não se pode negar a experiência sensorial ligada às imagens Para o autor, ainda sob o enfoque didático, diferentemente que outros realizarão. Na transcrição das várias fases deste
processo operativo, o arquiteto deve procurar a cooperação convertido na forma de signos, e decifrados, bastam para diversas, é a única forma pela qual se pode reorganizar
de colaboradores diversos, executivos, técnicos ou compreender a complexidade da mesma. espaços arquitetônicos e urbanísticos. Para o autor, é
financeiros. Nenhuma dessas transcrições poderá prenunciar importante esclarecer qual o papel do arquiteto neste
a totalidade da obra, o que somente pode acontecer com ela Sob o ponto de vista didático, Maggiora esclarece que este processo complexo e quais seriam os instrumentos
edificada, mas cada uma delas está subordinada à pesquisa entendimento é crucial, para que se possa fazer referências disponíveis para desenvolvê-lo.
complexa do resultado espacial. em código de uma série infinita de sensações, que o espaço
arquitetônico fornece, permitindo, assim, uma leitura ou Sappiamo che l’architettura trasmette il suo
Assim, Maggiora coloca algumas questões fundamentais na mesmo uma prefiguração. messaggio per mezzo di immagini realizzate con
formação do arquiteto. Satisfazer essas condições é essencial segni che definiscono gli spazi coinvolgenti il
para se seguir as premissas anteriores. Neste contexto, o Para o autor, ler uma estrutura arquitetônica significa, antes sistema di relazioni umane che si vuole proporre (e
desenho, metalinguagem da arquitetura, assume real valor, de tudo, colher seu desenho intencional e, para distinguí-lo in questa proposta consiste appunto il suo
pois é através dele que se desenvolve a pesquisa do projeto, do signo gráfico pelo qual é ou foi indagado, o denomina messaggio). Ipotizzare queste immagini, elaborarle
aliado ao espírito crítico e aos conhecimentos científicos e como desenho materializado - disegno materico. E conclui: e prefigurarle costituisce il suo lavoro. Il fatto che
técnicos. Deve-se salientar que, para o autor, arquitetura não l’opera deve realizzarsi per parti e col concorso di
é o espaço edificado pela obra ou mesmo a obra, mas as ...se il messaggio significante dell’architettura è la operatori diversi, non fa che mettere in maggior
relações sociais que advêm desta organização. Assim, a proposta di un tipo di coinvolgimento spaziale fatta luce la qualità dell’intervento dell’architetto, e
edificação ou mesmo a cidade é a linguagem da arquitetura, mediante la sua connotazione con segni riportare nelle sue mani l’aspetto della ricerca
entendendo o desenho enquanto metalinguagem. architettonici, l’architettura come linguaggio figurativa necessaria a tradurre in un’espressione
consiste in questo sistema di segni stesso, i quali globale e coerente tutti quei fatti per i quali è
Maggiora parte do pressuposto de que o primeiro contato si ordinano di volta in volta in struttura - disegno necessaria la ricerca di molti.(28)
com aquilo que nos envolve é um contato sensorial, que materico - per caricarsi dei significati voluti.(27)
desperta em nós algum tipo de interesse. Si tratta cioè di un processo creativo, che prende
O arquiteto deve entender os interesses e as técnicas forza dal sistema di tendenze interiori implicite nella
Valorizar as sensações recebidas, lhes atribuir um significado, pertinentes a esse contexto, não necessariamente para personalità di chi opera, tendenze che non si
depende das atitudes analíticas e sintéticas do intelecto. empregá-las, mas para interpretá-las em novas soluções trovano mai a livello cosciente. Proprio per questo
Assim, dado esse processo, pode-se dizer que se deu uma espaciais. motivo non può esprimersi che attraverso segni
comunicação. mediatori che abbiano la caratteristica di “offrire
No plano didático, ele deve primeiramente aprimorar sua una similarità strutturale con il mediato.
Assim, também a ação do arquiteto parte de dados sensoriais própria leitura dos signos figurativos, através dos quais esses Ciò che ci si aspetta dall’architetto è dunque la
e se concretizam através de meios sensoriais. interesses e técnicas, ou o próprio processo, se comunica. É “capacità di perseguire, per via di presentimenti,
de fundamental importância educar a visão e desenvolver a questa similarità”. Cioè la capacità di “vedere”, che
Os canais sensoriais, pelos quais o arquiteto transmite sua sensibilidade, facilitando, assim, o desenvolvimento da può sola condurre a intuire la forma.(29) 57
mensagem, correspondem a toda uma gama de sensações imaginação.
pertinentes à arquitetura, ou seja, à realidade poliédrica e O desenho gráfico é sempre um sistema de comunicação.
complexa, formada pelo elementos visíveis, táteis, temporais O arquiteto depende do trabalho de construtores e operários, Quando o arquiteto desenha, deseja verificar sua hipótese
e outros. trabalha para outros e não para ele próprio; assim, depende de forma, que se estrutura e se valoriza somente em
dos clientes, dos críticos e de outros observadores, que comparação com os elementos que não são gráficos, mas
Porém, sabe-se que, para estabelecer uma comunicação, é podem ou não compreender sua proposta. No entanto, esta que constituem também um sistema de comunicação bem
suficiente escolher um canal no contexto da mensagem, que complexa colaboração operativa entre especialidades definido. Assim, pode-se considerar o desenho como um
meio de pesquisa e de verificação deste segundo sistema, problemas a serem resolvidos. Necessita-se, assim, indagar Coloca, também, algumas indicações sobre formas mais
ou seja a obra construída, e o seu desenho demonstrará tal qual a relação entre a imagem e os pressupostos de tais fáceis de se conseguir bons resultados, no que concerne às
conteúdo. finalidades e problemas. qualidades espaciais dos objetos indagados, das quais
destacam-se:
O autor define o desenho do arquiteto como: O autor faz, ainda, uma crítica às experiências que se baseiam Observar e desenhar a realidade arquitetônica e
em abstrações rítmicas (pictóricas ou materializadas). urbana.
metalinguaggio che indaga una struttura di rapporti Certamente, elas são eficazes enquanto adestramento, pois
spaziali (architettura) connotante una struttura di cada expressão tem seu ritmo. No entanto, não se deve Congruência na descrição entre espaço analisado
relazioni umane nel loro farsi (messaggio esquecer a causalidade do problema, para que a pesquisa e sua função.
architettonico). (30) de um ritmo não se torne um exercício abstrato e formalista,
mas sirva para entender a dinâmica de uma operação. Instrumentação técnica ou adaptação ao material
O desenho do arquiteto não tem um fim em si mesmo. Como e à técnica utilizada, propiciando a pesquisa da
um instrumento de pesquisa, deve permitir a rápida maturação Outro ponto, destacado por Maggiora, é sobre as teorias da relação entre o desenho materializado e o desenho
das idéias, quando da modelação das imagens. figuração, que podem se constituir em meios eficazes de gráfico.
orientação didática, mas também com a ressalva de fazê-lo
Referente ao ensino, o exercício desta metalinguagem - o sempre visando sua aplicação. Ressalta, também, neste item, a capacidade fundamental
desenho , possui um valor didático fundamental, o de educar que o projetista deve ter, de se colocar sensivelmente no
o aluno à figuração, de familiarizá-lo com uma determinada De todos estes meios, o autor afirma que o mais direto é espaço imaginado.
reação neuro-cerebral que é o canal da mensagem aquele pelo qual se toma contato com a realidade visível.
arquitetônica. L’esperienza che consente questo genere di verifica
Il disegno come metalinguaggio rimane ancora il è esperienza prospettica. Il senso prospettico deve
Estabelece o caráter do desenho do arquiteto: é como uma mezzo più eficace per sviluppare l’acquisizione quindi essere considerato uno strumento per
escritura, é pessoal (é expressão da personalidade do artista), visiva, l’intuizione inventiva, la precisione affinare la sensibilità alla valutazione critica degli
é realista e tem na figura humana seu referimento principal, documentaria ed operativa: disegno come spazi.(33)
tem exatidão nas proporções e a técnica gráfica deve ser trascrizione spaziale, punto di partenza e punto di
adequada às normas, quando desenho técnico descritivo, ou arrivo delle operazioni dell’architetto; disegno come Destaca, entre todas as experiências perspécticas, a
à representação emotiva da obra imaginada, quando se trascrizione ideografica, per quanto riguarda i mezzi convencional do Renascimento, que já faz parte da nossa
apresenta como um desenho de pesquisa. che devono informare, documentare, prescrivere, percepção, normatizada pela difusão da fotografia. Mas, deve-
garantire le operazioni stesse.(31) se, ainda, ressaltar que para um principiante é necessário
Colocados os meios, a questão é como deles se utilizar. O um controle maior, para que todas as representações sejam
autor coloca o problema crucial de saber ver. Com relação à Na disciplina a premissa didática básica é a busca dos meios integradas e correspondentes a uma mesma imagem ou
arquitetura, isto pode-se dar de duas formas diferentes, mas instrumentais para a pesquisa figurativa. Evita-se regras, pois espaço imaginado. Em suma trata-se de uma questão de 58
integradas: a intuitiva e a intelectiva. a escolha metalingüística é a expressão de uma relação precisão.
pessoal entre o arquiteto e os fatos espaciais imaginados.
As sugestões registradas de forma inconsciente devem ser Deve-se aqui fazer uma complementação ao trabalho de
maturadas com base no juízo crítico, pois o estudo da forma Il nostro compito di docenti è solo quello di risve- Maggiora, sobre a questão do desenho de observação.
em arquitetura não pode ser realizado puramente pela gliare questa sensibilità e di stimolare questa intelli- Estudos revelam que a mente trabalha com as imagens
intuição, pois a arquitetura surge de exigências práticas, que genza, in modo che le scelte risultino sempre ade- mentais, como se fossem objetos concretos. Podemos
se apresentam como finalidades a serem alcançadas e como guate e utili a prefigurare gli oggetti perseguiti.(32) manipular um objeto em nossa mente, da mesma forma com
que o faríamos na realidade. Esta capacidade é resultado de
um aprendizado. Assim, observar um espaço é a primeira
condição para dar-lhe mentalmente uma imagem congruente
com o real, e poder assim desenhá-lo de forma precisa.

O autor, enquanto docente, também coloca que a grande


maioria de seus alunos não tem nenhuma experiência básica
figurativa e representar uma imagem trata-se de afrontar uma
língua desconhecida. Estas dificuldades são geralmente as
mesmas para qualquer um, neste tipo de estudo, variando
somente o grau de deficiência.

59
II.4.2.2. Onofre Penteado
Desenho Estrutural

Na década de 60, a didática da educação ativa esteve em


alta no Brasil e no mundo, reformulando programas e cursos.
Onofre Penteado sempre procurou basear seus cursos nesta
concepção didática, formando outros educadores com a
mesma tendência, sendo por muitos considerado como
precursor das reformas na arte-educação.

Em 1964, Penteado apresentou uma proposta de estruturação


de currículo à Escola de Belas-artes da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, aprovada em 1966. É nítida a preocupação
com o “Homem total”, não só instruído, mas educado, levando
em conta o conceito de educação como formação cultural e
social. É também nítida a influência da Bauhaus (comparando-
se a estrutura proposta por Gropius em 1919) e de alguns de
seus mentores, principalmente Itten, Klee e Kandinky. A
proposta de Penteado sugere no ciclo básico, um conjunto
harmônico de disciplinas, de experiências integradas, comum
aos cursos de Artes Visuais para posterior especialização,
como acontecia na Bauhaus de Weimar.

De suas publicações sobre a questão da Arte-educação, além


de “Vida-valor-arte” de 1948, da tese apresentada no
concurso para provimento da cátedra de Desenho
“Planejamento do Desenho Artístico”, em 1964, também
existem as apostilas da Escola Nacional de Belas-artes,
“Desenho-artístico” de 1969, nas quais se encontram
resumidas algumas questões técnicas (do uso do fusain, das
pontas de metal e aguadas aos recortes, colagens e
monotipias) e teóricas ( dos princípios básicos de composição,
simetria, repetição, etc. às leis da boa forma - Gestalt).

Mas a obra mais importante é, sem dúvida, “Desenho 60


Estrutural”, pois nela procura sintetizar suas principais idéias
sobre o ensino programado em arte, mais especificamente
sobre o desenho. Este é conhecimento e ação construtiva,
ambos elementos básicos das estruturações plásticas puras
e das criações simbólicas imaginárias. (34)

O ensino de Desenho Estrutural no nível básico


constitui-se na objetivação de princípios gerais, Estudo prático-teórico dos elementos do desenho O ensino de Desenho Estrutural funda-se nas
numa determinada perspectiva, numa particular a partir da visão de objetos no espaço físico - representações menos materiais, tais como o
abordagem do fenômeno estético: a da fragmentária ou globalmente - e da sua ponto, a linha, a superfície ( o Plano Básico e as
representação gráfica. Esse ensino exclui, por transposição gráfica. É o equivalente do chamado superfícies limitadas no campo), analiticamente
motivo didático, o estudo da cor (não a luz, o tom) “desenho de observação” ou do natural” (37) estudadas e em múltiplas relações. As relações
e da tridimensionalidade física (real-euclidiana), que originam as combinações e as estruturações
acima de certo nível de realidade concreta ( o plano Numa segunda fase, analisa-se espontaneamente as desses elementos concretizam materialmente
- superfície do papel). Contudo, as disciplinas Cor estruturas percebidas: princípios e problematizam supostos e
e Plástica Tridimensional visarão, necessariamente, pressupostos. Tais são: o espaço (dimensões); o
também, objetivar os mesmos princípios gerais no desenho analítico-sintético, indutivo-dedutivo das movimento (direções); o tempo; o ritmo; (a
exercício de suas respectivas energias e dominantes formais apresentadas pelo modelo.(38) simultaneidade e a sucessão); o equilíbrio (tensão,
materialidades. peso, lugar, localização); as sensibilidades:
O desenho, assim entendido, realiza a união de Na fase três, faz-se uma 1) visual (visualidades; figura e fundo;
princípios formais (estruturas, gestalten) e transposição para o plano da forma pura. Apelo à fisionomia das formas);
materiais (instrumentos, materiais, técnicas, invenção (inicialmente espontânea), à reflexão 2) Táctil (texturas; contexturas;
procedimentos) e a explicitação das leis de controlada (incipiente). Trata-se de alcançar a densidades; cheios; vazios);
construções simbólicas (funcionais, puras, composição, ou a nova construção: uma 3) Estrutural (organização de unidades
expressivas), através de organizações (conjuntos) estruturação com as partes e elementos formais puras e significativas); e expressão-comunicação
espaciais. É portanto o que há de comum a todas estudados, mas cuidando observar: (linguagem); a criação de símbolos; a luz; o claro-
as estruturações formais, funcionais e simbólicas 1) manter a bidimensionalidade da escuro; e, tangencialmente, a cor em sua relação
(“simbolismo”).(35) superfície (Plano Básico); com o desenho.(41)
2) revelar o caráter geral do objeto
Os exercícios são, na sua maioria, inspirados nos cursos dos (forma) analisado (se estático, dinâmico, rijo, mole, Metodologicamente, o ensino do Desenho
mestres da Bauhaus da fase Weimar, como: Itten (relações denso, leve etc. noções de ritmo e modulação).(39) Estrutural fundamenta-se na ciência e conscientiza
de contraste) e Kandinsky (posição das linhas / relações com o método experimental, empírico, tecnológico.
as cores) e Klee. Nas demais unidades do curso (assim como na Bauhaus de Parte do real, concreto (análise) das estruturas
Weimar) são abordados, através de trabalhos didáticos, os naturais mais ricas de significações formais e
A primeira unidade do ciclo básico está dividida em três interesses para os futuros profissionais da forma. expressivas, em busca de uma linguagem (síntese),
etapas e por isso denominada método ternário, que visa através de elementos (análise das formas
transpor o interesse pelo plano da realidade exterior para o Dá-se oportunidade, em se tratando de curso visualizadas e dos construtos abstratos (indução)
plano da Arte; do nível das aparências para o nível da realidade básico, numa Universidade que possua um Centro em obediência à uma finalidade (dedução)
profunda: uma abertura espiritual (comportamento).(36) de arte, de o jovem aluno decidir, conscientemente, (Axiologia). (42) 61
o seu currículo escolar (sistema de créditos) no
Neste método, o trabalho didático se desenvolve passando nível profissional. Nas Faculdades de Arquitetura Sinteticamente, o programa do ciclo básico está dividido em
por três etapas: desenho de observação; análise de estrutura isoladas, poder-se-ia enfatizar pontos mais Desenho I (da unidade 1 a 5) e Desenho II (da unidade 6 a
e nova estruturação formal. significativos para o futuro arquiteto, o que daria 10) seguindo o esquema:
caráter semiprofissionalizante em alguns aspectos,
Segundo o autor, na fase de observação, parte-se do real mas a consciência da importância da “integração a) Introdução ao Desenho (estrutural): observação
para o abstrato. das artes” evitaria distorções especializadas.(40) de traços do mundo exterior.
b) Os elementos do Desenho e suas estruturações. procurariam apreender a vocação artística” do sugestões sobre didática, métodos e procedimentos de aula,
c) Equilíbrio e ritmo no Desenho. aluno pela análise dos traços abaixo enumerados: a fim de procurar criar sempre uma atmosfera propícia para
d) Espaço e desenho. 1) se tem bom nível de inteligência e de natureza o desenvolvimento da personalidade artística e criadora.
e) Tempo - movimento e o Desenho. estética;
f) Luz e o Desenho. 2) se tem perseverança volitiva; O professor não pode pensar na sua comodidade -
g) Campos plásticos; Leis de organização: unidades 3) se possui habilidades de percepção e de aplicando um método formal, rígido, que aconselha
perceptivas e propriedades das formas. execução; - e mal - o mais cômodo, o mais fácil (que propicia
h) Expressão - comunicação: A consciência 4) se manifesta atividade criadora; disciplina rígida): o uso de uma técnica só para
estética; o contexto e os “estilos”. 5) se revela discernimento das relações e analogias todo o grupo de alunos. Disponibilidade atenta e
i) Desenho estrutural e a Arquitetura. A questão - expressas na confecção e julgamento da obra de sensível para atender às diferenças individuais,
da integração das Artes. (43) arte.(44) planejamento e previsão constante dos materiais
para evitar a frustração da vontade de expressão
Penteado também apresenta o programa geral para o ciclo Nos anos 80, a educação artística e a educação pela arte do aluno, constituem exigências para os
profissional, específico para o curso de Licenciatura em perderam prestígio aos olhos dos responsáveis pela professores da Artes Plásticas que queiram ser fiéis
Educação Artística, dividindo-o em Desenho III e Desenho IV, educação básica, principalmente das escolas públicas e o aos princípios da educação pela Arte. (45)
no qual se procura desenvolver a expressão em superfície e resultado disso são alunos que entram no curso superior em
movimento. A Teoria está centrada no estudo do Desenho artes visuais, sem conhecimento de desenho, de expressão Uma ressalva, no entanto, deve ser feita quanto à colocação
para os diversos níveis de escolaridade, nas experiências gráfica, ou técnicas de expressão e representação. Isto gera de Penteado sobre a adequação do programa por ele definido
pedagógicas da Bauhaus, na obra de Herbert Read e Viktor um problema de currículo e programático sério, pois o “Desenho Estrutural” em escolas de arquitetura. Defende esta
Lowenfeld, entre outros. Na prática, estuda-se variadas professor é obrigado a incorporar ao programa da disciplina premissa baseando-se na idéia da Arquitetura com arte visual
técnicas de expressão, desenho livre de iniciação e execução conhecimentos básicos de desenho, a fim de proporcionar e, assim, arquitetos como futuros profissionais visuais, o que
de projetos de desenhos animados. aos alunos a oportunidade de desenvolverem, em poucos indicaria o mesmo curso básico de outras áreas em artes
meses, o que deveria ter sido feito em anos anteriores. O visuais, pintores, escultores, gravadores, etc. A ressalva a
Penteado sugere critérios para avaliação e aprovação dos aluno de curso superior tem de 18 a 25 anos, em média, mas ser feita não contradiz o princípio básico da arquitetura como
alunos no ciclo básico. Segundo sua proposta, o sistema de com em termos visuais e de desenho situa-se entre 10 e 13 arte visual, mas no fato de ser por vezes considerada só como
notas estaria invalidado, visto que a atividade artística é uma anos, período no qual ocorreu a estagnação dessa linguagem, tal. A Arquitetura é uma arte sinestésica, pois todas as
qualidade, possuindo um valor inextenso; assim, adotar-se- pois substituíram completamente o desenho pela expressão sensações são importantes para percebê-la; o arquiteto é
ia o sistema de avaliação por conceitos: A (ótimo), B (bom), verbal e escrita, e o pensamento tornou-se somente uma que se utiliza da visão como forma de unificar as sensações;
C (suficiente) e o conceito D equivaleria à reprovação e no função racional e lógica, suprimindo a criatividade e a se utiliza das artes visuais para expressar suas idéias
caso à dependência. expressão artística individual. referentes a um espaço sinestésico.

Os trabalhos seriam obrigatórios e em número compatível O trabalho de Penteado, apresentado nesta publicação, é fruto Outra questão a ser ressaltada é sobre o desenho em artes 62
com o período letivo. Na avaliação destes, expostos à classe, de toda uma carreira dedicada ao magistério. É mais que um visuais ser considerado como uma finalidade em si mesma,
os professores deveriam levar em conta: simples discurso, ou montagem lógica de um programa para a expressão pelo desenho e no desenho é a obra a ser
resolver um problema didático baseado em teorias de autores objetivada. Na arquitetura, e para o arquiteto, o desenho não
a qualidade gráfica dos mesmos, a capacidade do renomados. É uma experiência de toda uma vida, é algo é um fim em si mesmo, ele é um meio para a expressão de
fazer artístico - e na medida do possível, pessoal e fruto de várias experimentações. Trata-se de um uma realidade que está além das fronteiras bidimensionais
aprendendo a “alma artística do aluno, ou seja, seu autor que deveria ser melhor estudado pelos profissionais da do papel, ele é a representação de uma idéia que transcende
poder de criar formas plásticas. Cientificamente arte-educação, principalmente no que se refere às suas os limites do grafismo e que na verdade não se refere a este
propriamente dito, mas a uma configuração de espaço
tridimensional, ou seja, é também uma simulação.

Penteado, apesar de reconhecer a complexidade da


Arquitetura, não explicita algumas questões. Por exemplo,
aliado à sua definição de desenho e do ensino de Desenho
Estrutural, na qual exclui o estudo da tridimensionalidade
(essencial para a formação do arquiteto em desenho, sem a
qual este não terá função de projeto), coloca que:

Sem sair da esfera do puro grafismo - donde seu


caráter geral e ideal - o ensino do Desenho
Estrutural numa Faculdade de Arquitetura,
culminaria nas relações fundamentais com o
fenômeno arquitetônico.(46)

Porque não sair do puro grafismo, se é este, justamente, o


que não se deve procurar no desenho do arquiteto? E como
culminar nas relações fundamentais do espaço arquitetônico,
sem sair da esfera do puro grafismo, já que são espaços tão
diferentes? Como relacionar desenho gráfico bidimensional
com o desenho materializado tridimensional da obra
arquitetônica, sem sair da esfera do grafismo? É de
fundamental importância compreender que, em se tratando
de arquitetura, ou mais especificamente, de projeto
arquitetônico, desenho e espaço tridimensional formam um
conjunto. Estas são algumas das questões fundamentais a
serem resolvidas, ao se preparar um programa disciplinar de
desenho, específico para estudantes de arquitetura.

63
III.4.2.3. Betty Edwards e o desenho com o
lado direito do cérebro

Nos últimos anos, mais precisamente no final da década de


oitenta, alunos de arquitetura e o público leigo, em geral,
foram dominados por uma febre intitulada “desenhar com o
lado direito do cérebro”(47). Cursos paralelos surgiram, até
por professores acadêmicos, agraciando os freqüentadores
com uma suposta nova metodologia revolucionária.

A primeira edição deste livro é de 1979 e, ao que tudo indica,


publicada pela própria autora. Ainda hoje aparece como a
mais nova “invenção” na arte de desenhar, dando origem a
muitos outros trabalhos.

A edição brasileira publicada pela Ediouro, deixou a desejar


quanto à qualidade da programação gráfica, acentuando o
ar pejorativo da obra, como se esta pertencesse à longa lista
de manuais de aprendizado rápido e fácil tão comuns às
publicações desta editora. Mesmo na edição espanhola, que
utilizamos como fonte para este trabalho, já aparece como
subtítulo:

“Un método garantizado”

Não consta, no entanto, o fato de que tal método só se torna


realmente um método garantido, na medida em que o aluno
ou o aprendiz se aplique com um alto grau de dedicação e
constância no trabalho. Não se trata de nenhuma “mágica” e
não é somente tendo acesso a tais conhecimentos ou lendo
o livro que se aprende a desenhar.

Betty Edwards, no prefácio da edição espanhola, coloca que


o trabalho é o resultado de dez anos de pesquisa, nos quais
buscou um novo método de ensino, que pudesse ser aplicado 64
a pessoas de idades e ocupações muito diferentes.

Baseou seus estudos na sua própria maneira de ver o


desenho, nos cursos que lecionava, percebendo as dificul-
dades dos alunos, e nas pesquisas realizadas nos anos 50 e
60, pela equipe de Roger W. Sperry, do Instituto Tecnológico
da Califórnia, sobre a divisão das funções do cérebro.
A autora parte da premissa básica que, desenvolvendo um O método tem como base pesquisas realizadas sobre o funcionam melhor com ilustrações do que com palavras.)
novo modo de ver, utilizando as funções especiais do funcionamento do cérebro, nas quais se verificaram diferenças
hemisfério direito do cérebro, pode se aprender a desenhar funcionais em relação aos dois hemisférios. Sabe-se hoje, também, que os hemisférios podem colaborar
facilmente. Os requisitos básicos são uma coordenação entre si, cooperando com a outra parte ao dispor de suas
motora normalmente desenvolvida, tanto quanto visão. O Segundo estudos recentes, sabe-se que a função da habilidades especiais para realizar determinada tarefa. Podem,
método tem como finalidade, fazer o aluno desenhar de linguagem verbal e das capacidades relacionadas com esta, no entanto, segundo a autora, trabalhar separadamente.
observação, ou seja, ele desenha apenas aquilo que está na maioria das pessoas estão localizadas no lado esquerdo Quando uma metade entra em ação, a outra é desativada.
presente em seu campo visual. do cérebro, assim como o pensamento racional. Parece haver, também, certos conflitos entre as partes,
fazendo com que um hemisfério oculte informações do outro,
Segundo a autora, desenhar realisticamente é uma etapa, Até bem pouco tempo, pensava-se que a metade direita o que explica o desenvolvimento evolutivo da assimetria do
pela qual se deve passar para alcançar outros níveis de estivesse menos avançada e por isso ainda em evolução com cérebro.
desenho. Primeiro, porque dá confiança na própria habilidade, relação à esquerda. Hoje, porém, sabe-se que cada hemisfério
liberando o potencial de funções de todo o cérebro, necessário tem suas funções bem definidas e estão particularmente em Edwards explica que as recentes investigações sobre as
para níveis mais elevados e também porque, ao utilizar o igual estágio de evolução. Sabe-se, também, que estão em funções dos hemisférios cerebrais humanos e sobre o
lado direito como principal processador de informações, se permanente conexão, devido ao Corpus Callosum, uma processamento da informação visual, indicam que a habilidade
aprende um novo modo de pensar que permite resolver os espécie de cabo nervoso que interliga os dois hemisférios. para o desenho pode depender do acesso às faculdades do
problemas criativos de maneira mais adequada. Comprovou-se, através de intervenções cirúrgicas e de testes lado direito, para isso desconectando o hemisfério esquerdo.
posteriores que, quando este cabo era cortado, as duas partes Da sua própria experiência, sabe que quando se desenha
A experiência com tal método revela que não seria continuavam funcionando, mas independentemente uma da não se consegue articular logicamente as palavras, ou
aconselhável sua aplicação em alunos de arquitetura, para outra, trazendo graves problemas aos pacientes. Por exemplo: mesmo, quando tentava explicar para os alunos o processo
os quais desenhar o espaço também requer concomi- não conseguiam falar (função do lado esquerdo) sobre algo do seu desenho, as palavras lhe faltavam. Assim como,
tantemente analisá-lo logicamente, pois o projeto se compõe percebido pelo tato (informações processadas pelo lado quando se está desenhando, perde-se a noção do tempo, as
na maioria das vezes, de intervenções de ordem prática e direito). Ficou claro, também, que cada metade do cérebro horas passam sem que se note, mas basta preocupar-se com
funcional. Em segundo lugar, a passagem do desenho de está especializada, de modo a complementar as funções o horário para que o desenho não apareça.
observação, para outros níveis de desenho (desenho de realizadas pela outra parte, por diferentes formas de
memória e do espaço imaginário) pode se tornar muito difícil, pensamento, mas do mesmo nível de complexidade. Edwards coloca que o predomínio do lado esquerdo do
pois os alunos podem ficar de tal forma arraigados à cérebro, transformando nossas ações para com o mundo em
observação e, assim, condicionados pela visão imediata do Verificou-se, então, que o modo de processar uma mesma formas eminentemente racionais, lógicas e ordenadas é um
objeto. informação, varia de lado para outro. O esquerdo é verbal e fator cultural. Pode-se, acredita ela, através de exercícios,
analítico, além de temporal, é o responsável pelo nosso inverter essa preponderância a favor do lado direito, ou
Tal método dá confiança para o aluno praticar o desenho de controle do tempo. O direito, por sua vez, é não verbal, global mesmo articular os dois hemisférios para trabalharem
observação, pois lhe assegura uma relação direta com o e atemporal. Posteriormente, Jerre Levy descobriu que o harmoniosamente. 65
objeto a ser desenhado e fornece procedimentos de obtenção processamento no hemisfério direito é rápido, complexo,
das informações de forma simples e que estão sempre totalizador, espacial e perceptivo. Graças ao hemisfério direito, Independente da validade científica dessas colocações
disponíveis, pois presentes visualmente no objeto. Mas, por entendemos metáforas, sonhamos, criamos novas neurofisiológicas, o fato é que o método está repleto de
outro lado, toma-lhe a iniciativa para se aventurar em novo combinações de idéias, imaginamos coisas que não existem, exercícios que, se seguidos a rigor, produzem resultados
tipo de desenho, no qual a presença do objeto não se efetue, vemos espacialmente os objetos, além de podermos entender satisfatórios no caso do desenho de observação realista. Mas
no caso do desenho de memória ou ainda quando o objeto como se combinam as partes para formar o todo.(Razão pela tais exercícios são na realidade muito conhecidos pelos
não existe e deve ser construído pela imaginação. qual os manuais explicativos de montagem de objetos, acadêmicos há séculos. Desde o Renascimento, da teoria
da perspectiva linear e dos estudos de Albert Dürer com o Ele está estruturado de forma que o aluno reconheça os de um desejo enquanto projeto, e no caso projeto de espaço.
quadro quadriculado, até a técnica de semicerrar os olhos, problemas e que para comprová-los seja obrigado a realizar Terceiro, desejo construído tecnologicamente dentro de
muito utilizada pelos impressionistas para decomporem a o desenho; com isto vai se acostumando ao seu próprio traço, premissas econômicas, sociais e culturais que devem estar
paisagem, esses recursos foram passados dos mestres para desinibindo-se frente à folha em branco, surpreendendo-se bem definidas e elaborado de forma inteligível, de leitura
os aprendizes, muitas vezes oralmente, como “segredos” da com seu desenvolvimento e se auto-afirmando enquanto compreensível e por isso dentro de uma linguagem
arte da representação visual. Mesmo o exercício de desenhar alguém que pode se expressar pelo desenho. estabelecida pelas normas afins. Quarto, desenho enquanto
a contraforma, ou seja os espaços vazios dos objetos, ao obra de arte e linguagem de uma obra de arte que está por
invés deles próprios, já é bem antigo. Talvez pelo fato da arte Porém, o pensamento do arquiteto, quando projeta - numa vir a ser e, por isso, uma metalinguagem. Por fim, enquanto
moderna ter rompido tão bruscamente com o academismo analogia aos preceitos de neurofisiologia colocados - deveria instrumento de pesquisa para arquitetura e para si próprio,
e com o desenho realístico, é que esses “segredos” se dar pela perfeita harmonia entre as funções cerebrais dos desenho para a criação para o despertar da imaginação.
reaparecem como “novidades”. dois hemisférios. Seria então inútil propor para alunos de
arquitetura, exercícios que “desativassem” uma parte em
O método desenvolvido pela autora, num determinado ponto, favor de outra. Quando se projeta uma edificação, não se
entra num impasse. Propõe, na maioria das vezes, exercícios pode pensá-la por partes que, somadas, resultarão no todo.
com figuras humanas, retratos, pois enfatiza que estes Este deve ser pensado em função das partes, mas de maneira
possuem uma alta carga de conotação simbólica, sendo por integrada. Razão e estética devem trabalhar juntas e é o
isso desenhos muito difíceis de serem realizados. De fato, desenho o instrumento que deve integrá-las, é pelo desenho
superada essa fase, é mais simples desenhar ambientes que o espaço deve ser construído concomitantemente na
internos ou externos, objetos inanimados ou vivos. Por outro memória e no suporte gráfico, seja o papel ou uma mesa
lado, torna-se um fardo desenhar coisas em movimento ou digitalizadora.
dar intenção de movimento aos desenhos, pois a atenção
está na forma estática da coisa observada. O desenho, enquanto expressão e instrumento de
estruturação do pensamento formal, deve ser ensinado,
Deixa, portanto, para um segundo plano, a representação do tendo-se como meta o desenvolvimento pessoal do indivíduo.
espaço que nos envolve, como ambientes internos ou Não se trata de ensinar fórmulas e regras, mas caminhos
externos. Aliás, não existe nenhum exercício cuja proposta pelos quais a inteligência seja utilizada em toda sua complexa
seja registrar a paisagem urbana, pois pressupõe-se que nada e harmoniosa potencialidade.
deva distrair o aluno de sua observação. Assim, os exercícios
devem ser realizados em ambiente controlado. Então, o que seria necessário, conveniente, técnica e
pedagogicamente possível de ser realizado com relação ao
Para garantir o aprendizado de retratos, Edwards acaba por ensino do desenho para estudantes de arquitetura?
ensinar ao leitor regras academicistas, muito diferentes dos 66
citados “segredos”, fornecendo dados matemáticos de A resposta a esta pergunta, proposta nesta tese, surge da
proporções do corpo e rosto humano, que não são a princípio avaliação do desenho enquanto disciplina de múltipla
percebidos, mas apreendidos logicamente, o que de certa aplicação e que requer o entendimento do problema dentro
forma contradiz o fundamento do trabalho. da vivência do aluno e do tipo de trabalho que irá realizar.
Entende-se, assim, o desenho, primeiro em sua condição
Este método garante o aprendizado, assim como outro primária básica de expressão individual, única e
qualquer que esteja vinculado à prática intensiva do desenho. psicologicamente complexa. Segundo, enquanto linguagem
Notas e referências bibliográficas 30. _________, ____. op. cit. p.29
31. _________, ____. op. cit. p.36
01.WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: 32. _________, ____. op. cit. p.37
Martins Fontes, 1989. p.13 33. _________, ____. op. cit. p.39
02. WICK, Rainer. op. cit. p.33 34. PENTEADO, Onofre. Desenho Estrutural. São Paulo: Ed.
03. _____,____. op. cit. p.63 Perspectiva, 1981.p.21
04. _____,____. op. cit. p.123 35. PENTEADO, Onofre. op. cit. p.21
05. _____,____. op. cit. p.134 36. ________, _____. op. cit. p.27
06. _____,____. op. cit. p.155 37. ________, _____. op. cit. p.26
07. DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919 - 1933. Bauhaus 38. ________, _____. op. cit. p.26
Archiv. Berlin: Taschen, 1992. p.32-3 39. ________, _____. op. cit. p.26
08. WICK, Rainer. op. cit. p.144 40. ________, _____. op. cit. p.28
09. _____,____. op. cit. p.146 41. ________, _____. op. cit. p.22
10. _____,____. op. cit. p.314 42. ________, _____. op. cit. p.23
11. WHITFORD, Frank. Bauhaus. London: Thames and 43. ________, _____. op. cit. p.33
Hudson, 1985. p.91 44. ________, _____. op. cit. p.29-30
12. DROSTE, Magdalena. op. cit. p.144 45. ________, _____. op. cit. p.264
13. PARTSCH, Susanna. Paul Klee 1879 - 1940. Colonia: 46. ________, _____. op. cit. p.16
Benedikt Taschen, 1992.p.54 47. EDWARDS, Betty. Aprender a dibujar con el lado
14. WICK, Rainer. op. cit. p.325 derecho del cerebro. Madrid: Hermann Blume,
15. DROSTE, Magdalena. op. cit. p.65 1984.
16. WHITFORD, Frank. op. cit. p.91
17. KLEE, Paul. Teoria della forma e della figurazione.
Milano: Giangiacomo Feltrinelli, 1959. p.XXXIV -V Bibliografia complementar
18. KLEE, Paul. Notebooks. Vol. 1 The Thinking eye.
London: Lund Humphries, 1969. p.11 ITTEN, Johannes. Design and form. The Basic Course at
19. WICK, Rainer. op. cit. p.335-6 the Bauhaus. New York: Reinhold,1964.
20. _____,____. op. cit. p.337 KLEE, Paul. Pedagogical Sketchbook. London: Faber and
21. _____,____. op. cit. p.340 Faber, s/d.
22. _____,____. op. cit. p.256 KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. E na pintura
23. _____,____. op. cit. p.302 em particular. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
24. KANDINSKY, W. Punkt und Linie zu Fläche. Berna: VOLBOUDT, Pierre. Kandinsky Dibujos. Colección 67
1969.p.19 cit. in :WICK, Rainer. op. cit. p.297. Comunicación Visual Serie gráfica. Barcelona:
25. MAGGIORA, Carlo. Disegno in architettura come Gustavo Gili, 1981.
metalinguaggio. Firenze: L.E.F., 1971. The Irwin S. Chanin School of Architecture of The Cooper
26. MAGGIORA, Carlo. op. cit. p.9 Union. Education of na Architect. New York:
27. _________, ___. op. cit. p.21 Rizzoli, 1988.
28. _________, ___. op. cit. p.28 POPPER,Karl & ECCLES, John. O eu e seu cérebro. Cam-
29. _________, ___. op. cit. p.28 pinas: Papirus, 1991.
III.5. Considerações Finais

O ato perceptivo é um conjunto interativo, que envolve todos


os sentidos, e não é propriamente um modo de atuação do
sujeito com o meio, mas uma relação entre os dois, uma re-
lação que estabelece sentido para as coisas, é comunicação.

Merleau Ponty coloca o desenho como um esquema


explicativo, desenhar é expressar-se tanto quanto expressar
a coisa.

Comunicar o objeto a outrem é marcar sobre o


papel um símbolo de nossa coexistência com a
coisa que se oferece aos olhos do espectador,
admitindo, por seu lado, uma operação de
retomada. (01)

Ver não é só perceber visualmente, mas sinestesicamente.


Aprender a observar é aprender a precisar a relação com o
ambiente num processo de aprimoramento sensorial e
cognitivo. O arquiteto Joaquim Guedes quando fala em
qualidade de espaço por exemplo, se refere a isto em termos
vivenciais. Fenomenologicamente, a relação do sujeito e seu
meio é sua vivência.

Perceber também não é uma relação passiva com o meio.


Perceber é uma atividade, é intencional. No arquiteto, o
aprimoramento do ato perceptivo está aliado ao desenho.
São indissociáveis. Ver significa desenhar com o pensamento.
Desenhar, representando ou simulando, é transportar tais
imagens para um suporte, plano ou estereométrico. Em
arquitetura, isso se dá sempre pela mimese, (V. Volume I) a
arquitetura é uma arte mimética, não de símbolos mas de
relações de espaço, cuja referência é o ser humano. A 68
abstração não é o oposto da mimese. Esta última, para se
configurar, exige que nosso processo cognitivo abstraia da
realidade alguns elementos e os configure enquanto estrutura.
Na representação gráfica dessa configuração, mais elementos
são abstraídos, no que resulta o desenho. O desenho de
arquitetura não pode ser de todo abstrato, principalmente ao
que se refere à perspectiva. Dos elementos que compõem a
sintaxe visual, alguns básicos são indispensáveis para a em desenho podem ser considerados segundo dois aspectos, A perspectiva, como visto no Volume I, é o meio mais
identificação e reconhecimento da imagem, ou seja do o de receber informações (ato perceptivo)- e relacionar adaptado culturalmente para se configurar o espaço em
espaço. Em uma escala decrescente de relevância ter-se-ia coisas, construção do pensamento figurativo propriamente termos sensoriais; estuda-se através dela a relação usuário
a linha, que estruturada em termos perspécticos geram dita. x espaço, no que se refere à sensação que o primeiro terá do
imagens, reconhecíveis por contornos; a variação tonal em segundo.
textura ou manchas de claro-escuro que valorizam a estrutura O que se verifica é que, didaticamente, o ensino do desenho
da forma pela luz; e a cor, o mais complexo de todos os para o arquiteto está baseado em dois pontos que parecem É o espaço sob a forma de representação gráfica, que deve
elementos da sintaxe. comuns à maioria dos cursos, quando a escola dispõe da ser apreendido pelo aluno. É o espaço o objeto a transformar
disciplina em seu currículo, ou quando esta não está centrada pelo desenho. A sintaxe do desenho, enquanto linguagem
Segundo a psicóloga M. J. Abercrombrie, quando nos basicamente em técnicas gráficas: gráfica, deve estar a serviço desta idéia, assim como também
enfrentamos com uma tarefa com um grau de dificuldade o ensino da técnica.
muito acima do que estamos acostumados, tendemos a voltar conhecer e refletir sobre o espaço real,
a nossos esquemas de conduta infantis. desenvolvendo a percepção; O aluno deve aprender, conjuntamente a estes aspectos, dois
conceitos inerentes ao seu desenho; comunicação e
Coloca, também, que o fato do projeto, no caso dos representar o espaço conhecido, de forma a legibilidade. Assim, os exercícios de experimentação gráfica
estudantes, terminar no desenho, quando muito em numa comunicá-lo nos seus valores objetivos e não podem estar isolados ou serem apresentados sem vínculo
maquete, e não no edifício propriamente dito é um fator subjetivos. com a idéia de projeto. Se isto ocorresse, poder-se-ia passar
complicado na aprendizagem, pois somente aqueles que bem a impressão de que no âmbito da arquitetura, o desenho
conhecem o código do desenho podem compreendê-lo como Representar graficamente nos termos citados envolve existe por si mesmo, e que é a finalidade do trabalho do
edifício. Assim, parte da aprendizagem de desenho consiste culturalmente o conhecimento da sintaxe visual e sistemas arquiteto.
em aprender a usar este código, a interpretá-lo e também de desenho (perspectivas e desenho diédrico).
manipulá-lo, ou seja, parte da aprendizagem está centrada O objetivo do desenho deve extrapolá-lo. É algo que está
no uso apropriado da sintaxe visual. Mas um componente básico, no ensino do desenho para além dele, mas que só se concretiza por meio dele.
arquitetos, deve ser também a relação com o projeto
... el estudiante no puede asimilar y analisar un arquitetônico. No Volume I, demonstrou-se que o desenho, Assim como é um equívoco pensar desenho de observação
problema excesivamente complejo; no há tenido enquanto categoria técnica (perspéctico ou diédrico), não desvinculado da percepção, também o é separar - em
suficientes experiencias como para saber lo que el está vinculado como estilo da arquitetura, que a arquitetura arquitetura - desenho de projeto. Um não existe sem o outro.
código que utiliza significa y representa en la moderna por exemplo, não está vinculada a plantas, cortes e Um depende do outro para concretizar-se.
realidad. (02) fachadas por questões estéticas, mas por razões de produção,
de construção viabilizada pela racionalização do processo Torna-se necessário, então, adaptar os conhecimentos
No entanto, o papel da disciplina de desenho, em um curso como um todo, do projeto à execução da obra. adquiridos na representação do espaço construído à
de arquitetura, não é propriamente ensinar ao aluno técnicas transformação do mesmo. Isto envolve relacionar métodos 69
ou o código propriamente dito. O aluno já deve possuí-lo como Com relação ao projeto, no volume II, demonstrou-se que o de desenho e de projeto. (V. Vol.II). Resolver problemas
pré - requisito para entrada no curso - o que não acontece desenho, enquanto instrumento de projeto ou aliado ao espaciais pela linguagem gráfica. É importante ressaltar que
em grande parte das escolas. A disciplina deve adequar o processo projetivo, compõe com este uma relação dialógica o objetivo não é ensinar métodos de projeto, mas ativar e
desenho do aluno a seu fim específico: construir espaços de inferências, ou seja, um se reflete no outro; método de desenvolver no aluno mecanismos básicos do pensamento
habitáveis. desenho está associado ao método de projeto, ao processo espacial inerentes ao processo de projeto. Ajudá-lo a
cognitivo de se configurar um novo espaço. O desenho é um compreender, na prática, o conceito intrínseco de
Abercrombrie (03) coloca que os processos de aprendizagem meio, que de certa forma interfere no processo e vice-versa. transformação material da realidade física concreta .
O desenho deve ser utilizado de forma propedêutica, ou seja, possíveis de intervenção. O mesmo pode ser realizado com Além do já citado no item III.3., poder-se-ia trabalhar com
que o aluno nos primeiros anos do curso possa entender os ambientes internos. lógica operativa espacial, relacionando diretamente o desenho
conceitos de espaço e projeto arquitetônico, no seu aspecto diédrico com o de perspectiva. Num exemplo simplificado,
plástico-sensível, não como objeto visto de fora pelo Numa segunda fase, pode-se pedir para o aluno configurar pedir ao aluno que desenhe várias maneiras de A (elemento
observador, mas nele inserido, participante do objeto (espaço formas de modificação desse espaço, baseadas na pesquisa móvel) chegar a C passando por B. A, B e C podem assumir
a ser transformado). realizada. Estudar pormenorizadamente a forma concebida, qualquer configuração espacial e devem ser colocados
subdividi-la em pequenos espaços, estabelecendo percursos, graficamente em planta.
Os exercícios devem desenvolver a imaginação espacial, pois dando enfoque na relação homem - paisagem, escala humana
é através dela que se dá a resolução da problemática e não propriamente dita. Na seqüência, pode o aluno reestruturar Outra solução didática interessante está em começar pelo
só do grafismo. Deve-se fazer aqui uma ressalva em termos a forma imaginada inicialmente. Passa-se, assim, pelas fases desenho de invenção e pesquisar na realidade física a
conceituais, é necessário distinguir, neste trabalho, de reflexão preliminar, síncrese (síntese formal preliminar - resposta às necessidades de configuração da imagem criada.
imaginação de criatividade. A primeira está centrada na ver Vol. II), análise e desenvolvimento das partes, e síntese Isso dá um caráter funcional e objetivo ao desenho de
capacidade do indivíduo em formar imagens mentais, a (resposta espacial final). observação, geralmente não compreendido pelo aluno em
segunda na capacidade deste mesmo indivíduo em trabalhá- sua totalidade pragmática.
las de forma original. Como demonstrado no Volume I, as Todos os sistemas de desenho devem estar relacionados,
duas são funções cognitivas que dependem da memória, que perspectivas concomitantes a plantas e cortes. Isto Neste sentido, a perspectiva, principalmente advinda do
pode ser encarada como um centro de registro de dados já desenvolve no aluno a capacidade de pensar no plano, desenho de observação, é de fundamental importância
abstraídos pelo indivíduo, pois perceber envolve filtrar problemas espaciais e vice e versa (a reversibilidade de propedêutica. A representação em perspectiva exige do aluno
informações. Imaginar é tornar acessíveis mentalmente tais Piaget). É aconselhável o uso de perspectiva com pontos de uma equivalente representação mental. Sem esta, torna-se
dados e trabalhá-los enquanto objetos mentais, que podem fuga, pois simulam de maneira mais coerente as qualidades difícil registrar graficamente intervenções no espaço, ou
ser manipulados. Por exemplo, posso imaginar a cadeira da sensoriais do espaço. A isométrica pode ser trabalhada de mesmo a criação de um objeto tridimensional não existente.
sala de jantar e trabalhá-la mentalmente, mudando-a de lugar. forma a precisar problemas técnicos construtivos e detalhes.
Posso imaginar a mesma cadeira pendurada no teto, como No entanto, alguns cuidados devem ser tomados. No sentido
se a estivesse vendo, mas provavelmente de um ângulo Procedimentos estereométricos devem estar em estreita etimológico, perspectiva significa “ver através de”. O profes-
inusitado que minha memória não tem registro, mas posso relação com os estereográficos. Maquetes, principalmente sor deve esclarecer a diferença entre o que o aluno realmente
além disso trabalhar mais essa imagem, modificando forma na fase da síncrese são essenciais para desenvolver o vê (projeção na retina, côncava) e seu cor-respondente gráfico
e cor e aí configurar mentalmente uma cadeira que não existe pensamento espacial. Associadas ao desenho, facilitam a plano.
em realidade. A criatividade está associada à imaginação e visualização dos problemas e de suas soluções, além de
caracteriza a originalidade desta operação. As três ajudarem a execução da resposta gráfica. O aluno precisa entender a estrutura do mundo físico que ele
capacidades estão interligadas num todo cognitivo, que em vê, que se configura em imagem visual. Deve entender sua
determinadas pessoas podem ter destaques diferentes. Os temas para tais exercícios devem a princípio restringir-se posição neste contexto, enquanto observador participante,
a estruturas simples, próximas à vivência do aluno iniciante. compreendendo os conceitos ótico-geométricos (luz refletida 70
Numa primeira fase de investigação, relacionada ao processo Por exemplo, no caso da cidade e da paisagem, passarelas no objeto, incidindo no olho do observador, perpassando um
de projeto, no qual se dá, de maneira geral, a análise das de pedestres, abrigos para ônibus, etc. No caso de ambientes plano).
necessidades e a formulação do problema relacionando internos, modificações de uso, elaboração de novos leiautes,
usuário e entorno, o desenho de observação é fundamental. etc. O ensino da perspectiva deve recuperar seu sentido etimo-
A cidade, a paisagem pode ser pesquisada de forma a se lógico. Deve esclarecer ao aluno sua referência visual, esta-
estabelecer por exemplo, pontos focais do local para o Exercícios estruturados da mesma forma, mas simplificados, belecendo a relação entre o observador e o espaço. Tornar
entorno e vice-versa, estipulando graficamente critérios adaptados ao nível da turma, também podem ser realizados. claro que, no caso, o desenhista e o observador coincidem.
Isto pode ser feito de forma simples e concreta através de trabalho do arquiteto. Esta pode ser desenvolvida através de Condições otimizadas de trabalho são essenciais, como salas
pequenas maquetes, e desenhando diretamente sobre um exercícios que se constituam, também, enquanto pesquisa, adequadas, bem iluminadas e aparelhadas, biblioteca e
quadro de vidro. É importante aprender o conceito, para que para incentivar o aluno a realizá-lo. Na verdade, todos os material de apoio, visitas a boas obras de arquitetura, etc.
possa aplicá-lo em desenho a mão livre, esboço rápido, mas exercícios para dar bons resultados devem despertar a Poucos alunos por professor, também, é condição básica.
eficiente, enquanto configuração espacial - o croqui do curiosidade no aluno. Técnicas e procedimentos gráficos, em Empiricamente, pude verificar que mais de vinte alunos em
arquiteto propriamente dito. qualquer que seja a situação, devem estar colocados de forma uma turma para um período de quatro horas aula torna-se
subliminar, ou seja, estar o aluno convicto de que seu objetivo inadequado, pois não é possível orientar a todos, indivi-
Outro problema inerente ao desenho e à perspectiva é sua é pesquisar e projetar, aprendendo a desenhar, enquanto dualmente, com a dedicação necessária.
relação temporal. É estática, um instantâneo que negligencia projeta, e vice-versa. Quanto mais o fizer, melhor o fará,
o movimento. Em arquitetura, o parâmetro tempo está projeto e desenho. A mostra e debate sobre os trabalhos realizados também é
sempre presente, pois o observador só percebe o espaço, eficiente, primeiro porque o aluno consegue se situar dentro
na sua totalidade, movimentando-se através dele. Desenhos Assim, deve o professor deixar claro ao aluno o objetivo de do universo da sala, podendo ele mesmo se auto avaliar;
seqüenciais (visão serial) acompanhados de mapas mentais, cada exercício (que nunca deve ser a qualidade gráfica da aprende novas soluções, observando e discutindo outros
como os realizados respectivamente por Gordon Cullen ( 04 ) e representação por si só) e sua relação com o processo de trabalhos e a valorizar sua expressão particular, evitando
Kevin Lynch( 05 ) são didaticamente proveitosos neste contexto. projeto. Deve, também orientar o aluno, mais que instrui-lo, copiar modelos como soluções únicas.
de forma com que este possa, por si próprio, identificar os
Paulo Mendes da Rocha (V. Vol. II) coloca que o processo de problemas e dificuldades. Deve o professor indicar alternativas Por fim, uma disciplina de desenho para arquitetos deve em
projeto é o mesmo, em arquitetura, design ou cenografia. possíveis, para que o aluno, de forma consciente, possa primeiro lugar ser vista num âmbito global, dentro da vivência
Assim, exercícios de estrutura projetiva, elaborados sobre escolher a que lhe é mais adequada. do aluno e do futuro arquiteto, o que inclui o perfil da escola,
temas pertencentes a um universo que não é totalmente do profissional, que ali será formado. Mas nunca se deve
desconhecido para o aluno iniciante podem se tornar Segundo Johannes Itten, é essencial para o educador o restringir o desenho a técnicas de representação gráfica, ou
eficientes. Paulo Mendes também defende que arquitetura conhecimento da natureza humana, que é para ele um a uma maneira fácil e rápida de perceber o espaço dentro de
não se tira da arquitetura, mas da literatura, da música, de conhecimento intuitivo. Assim, seria aconselhável ao algum método simplificador.
outras linguagens. Da mesma forma, exercícios vinculados a professor não idealizar um perfil modelo de aluno, mas adaptar
textos que descrevam espaços, por exemplo, podem também o melhor possível seu programa e exercícios à turma. Do aluno médio, que inicia o curso, deve-se esperar certa
desenvolver e enriquecer a imaginação figurativa espacial Enriquecer visualmente as aulas não só com trabalhos de curiosidade, muita inibição e pouco repertório gráfico, plástico
do aluno iniciante. Os alunos podem também criar seus artistas, que são vistos sempre como modelos para mimese, ou conhecimento de desenho. Não entende o que é
próprios textos, individualmente ou em conjunto com a classe. mas com desenhos de arquitetos, desenhos de projeto, para arquitetura, muito menos o que vem a se configurar no
Um exemplo simples: o professor coloca e anota na lousa o que o aluno compreenda visualmente quais as características processo de criação que se denomina projeto. É função do
tema a ser desenvolvido (casa, praça, edifício, etc.); cada do desenho que lhe são importantes desenvolver. professor de desenho (seja a qual área esteja relacionado)
aluno colabora ao acrescentar uma determinada característica fazê-lo compreender a estreita relação de dependência,
de forma verbal. Todos devem acompanhar as modificações, Dentro de uma abordagem ativista, evitar riscar o desenho utilidade e afinidade que existe entre desenho e projeto. 71
imaginando passo a passo as mudanças. Ao final, devem do aluno, valorizando a individualidade do traço como Entender o primeiro como linguagem do segundo, instrumento
desenhar a imagem mental resultante em perspectivas, expressão autêntica. Deve reconhecer o desenho como de produção, em certos casos agente catalisador da criação.
plantas e cortes. principal instrumento de comunicação professor - aluno.

Um outro tipo de exercício interessante, e que deve O lema de John Dewey, aprender fazendo, é básico para
acompanhar os de observação, é aquele realizado de qualquer disciplina de desenho. E isto significa, também,
memória. A capacidade de memorização é essencial no desenhar muito e sempre que possível.
Notas e referências bibliográficas

01.MERLEAU-PONTY, Maurice. Merleau-Ponty na Sor-


bonne: resumo de cursos 1949-1952. Campi-
nas: Papirus, 1990. p.267
02. ABERCROMBRIE, M.L.J. Percepción y construcción. In:
BROADBENT, G. & WARD, Anthony.. Metodologia
del diseño arquitectonico. Barcelona; Gustavo
Gili, 1971.p.276
03. ABERCROMBRIE, M.L.J. op. cit p. 157
04. CULLEN, Gordon. El paisaje urbano. tratado de esté-
tica urbanística. Barcelona: Blume, 1981. 4a. ed.
05.LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa: Ed. 70,
1988.

Bibliografia complementar

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the bauhaus. New York; Reinhold, 1964.
KRIER, Rob. Architectural Composition. London: Academy,
1988.
LEOZ de LA FUENTE, Rafael. Redes y ritmos espaciales.
Madrid: Blume, 1969.

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