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ARTIGO

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Dialética dos Grupos: Contribuições de Sartre à


Compreensão dos Grupos
Psicólogo Carlos Rubini

II - SÉRIE E SERIALIDADE

O grupo encontra-se em luta constante contra a serialidade e a alienação.

Serialidade é o tipo de relação que se estabelece entre indivíduos que compõem uma série.
Série é uma forma de "coletivo" (conjunto humano) cuja unidade provém do exterior.
Sartre dá o exemplo de uma fila de pessoas diante de um ponto à espera do ônibus. Cada
um sente-se em frente ao outro em solidão, como se nada tivesse em comum com os
demais. Essas pessoas - de idade, sexo, classe e meios muito diferentes - realizam na
banalidade do cotidiano a relação de solidão, de reciprocidade e de unidade pelo exterior.
Relação esta que caracteriza os cidadãos de uma grande cidade.

A solidão é vivida como a "negação provisória por cada um das relações recíprocas com os
outros". Trata-se de uma pluralidade de solidões que expressa a contraparte negativa da
integração dos indivíduos. Cada um vive como reciprocidade no meio do social a negação
exteriorizada de toda interioridade. A intensidade da solidão, como relação de
exterioridade, expressa o "grau de massificação" do conjunto social. Neste nível, as
solidões recíprocas como negação da reciprocidade significam a integração dos indivíduos
na mesma sociedade.

A série representa um tipo de relação que nega a reciprocidade. Coisifica o outro e expressa
a alienação do homem na serialidade. É um tipo de relação que tem as características do
"idêntico", onde todos são vistos como equivalentes aos demais. Cada um é apenas um
número substituível por outro. É apenas quantidade.

Os indivíduos na fila do ônibus negam recìprocamente qualquer elo entre seus mundos
interiores. É o ônibus, objeto material e exterior, que determina esta ordem serial. O ônibus,
como ser comum e exterior a cada um, produz a série, vinculando indivíduos numa série
onde cada um é um número qualquer do conjunto. E, segundo Sartre, existem modos seriais
de comportar-se, sentimentos seriais, pensamentos seriais. "A série é um modo de ser dos
indivíduos uns com relação com os outros e com relação ao ser comum e esse modo os
metamorfoseia em todas as estruturas". ( 1, p. 406 - Vol. I ).
III - A PRÁXIS GRUPAL

O grupo se constitui numa luta constante contra a serialidade e a alienação pela superação
das mesmas, o que gera uma unificação das liberdades e com ela a relação de
reciprocidade. A reciprocidade é a relação na qual cada um é para o outro como si mesmo.

Sartre procura determinar a gênese de um grupo, as estruturas de sua práxis ou a


racionalidade da ação coletiva. Para ele "o grupo é como paixão, isto é, enquanto luta
interior contra a inércia prática que o afeta". (1, p. 12 - Vol. II). E a práxis do grupo é o
movimento que se institui na luta contra a serialidade e a alienação. É um atuar com
consciência da alienação para uma transformação ativa. A práxis é o processo pelo qual o
homem constantemente busca desalienar-se, i.é., realizar-se como homem, modificando-se
e modificando o meio. Ao modificar o meio modifica-se também a si mesmo, o que implica
em um "fazer" e um "compreender", pois ambos são momentos distintos da práxis. ( 1, p.
216-232 - Vol. II ).

O grupo constitui-se contra a série, nasce na fusão da serialidade. A série é dispersão e o


grupo é totalização. Dessa maneira a vida do grupo, sua dinâmica, constitui-se numa
permanente tensão entre estes dois polos: serialização e totalização. O grupo mantém sua
existência em função de uma luta permanente contra um sempre possível retorno à
dispersão.

A totalização que constitui o grupo é sempre buscada mas nunca conseguida de modo
definitivo. Totalização sempre inacabada, jamais constituindo-se como totalidade, um ser-
do-grupo que transcenda os próprios indivíduos agrupados. Grupo é movimento constante
de desenvolvimento sem jamais atingir uma totalidade estruturada. O grupo se trabalha,
assim, constantemente. É uma práxis comum, grupal, com seus componentes estabelecendo
uns com os outros relações que constituem o grupo. Nesse sentido Sartre define grupo
como ato e não como ser. É a ação do grupo sobre si mesmo.

IV - O PROCESSO GRUPAL

1. O Nascimento do grupo - A Fusão

Como ocorre a transformação de uma série ( indivíduos isolados ) em grupo?

A serialidade encontra-se na origem de todo grupo e este se constitui, num primeiro


momento, contra a serialidade. Ao constituir-se o grupo ocorre uma fusão das distintas
serialidades de cada um dos integrantes. Pode-se descrever essa ruptura do isolamento da
série a partir da tensão original da necessidade (escassez) ou de um perigo comum. "O
grupo se constitui a partir de uma necessidade ou de um perigo comum e se define pelo
objetivo comum que determina sua práxis comum..." ( 1, p. 14-15 - Vol. II ).

O momento da fusão (nascimento do grupo) acontece com a tomada de consciência de uma


tarefa comum (a partir da necessidade, escassez, perigo, etc.) onde cada um depende dos
demais. É o momento em que indivíduos isolados tomam consciência de sua
interdependência, de seus interesses comuns. Estabelece-se um "degelo" das
comunicações.

A fusão é o momento fundamental da vida de um grupo. É o momento da superação da


inércia petrificante da série. Além da necessidade e da consciência da mesma é necessário,
também, querer mudar a situação. Surge novo tipo de relação: cada qual torna-se para si e
para os outros uma pessoa com a qual é necessário contar. Há uma transformação
qualitativa nas relações entre as pessoas e a "fusão" dos interesses comuns conduz à uma
ação comum (práxis grupal), tirando as pessoas da inércia, transformando a realidade.

Um traço essencial da fusão é que cada um é o grupo e o grupo está em cada um como uma
síntese volvente e sempre atual, em que cada um é, ao mesmo tempo, "mediador" e
"mediado"- ele próprio e o grupo. (1, p. 39 - Vol II). Ocorre uma unificação das liberdades
estabelecendo-se, deste modo, uma relação de reciprocidade. E na relação de reciprocidade
cada um é para o outro como si próprio. Cada um é o mesmo que o outro num sentido
humano, e não de idêntico ou de coisa. É a interiorização da reciprocidade, interiorização
do outro como vínculo humano.

Para Sartre as relações recíprocas e ternárias fundamentam todas as relações entre os


homens. E no grupo as relações são ternárias e não binárias ( eu - tu) , pois entre o
indivíduo e o grupo há sempre um terceiro. E entre dois indivíduos do grupo também há
um terceiro, através da mediação. Na mediação tanto o grupo pode ser o terceiro como cada
integrante pode funcionar como terceiro no grupo. Todos os membros do grupo são
"terceiras pessoas" ao mesmo tempo em que se associam em pares de reciprocidade. Como
terceira pessoa cada um totaliza as reciprocidades de outrem. Essa é uma das mediações
que constitui o grupo, pois cada terceira pessoa revela o grupo para as outras terceiras
pessoas, que são todas constituintes do grupo. (1, pg. 39-46 - Vol. II).

O grupo em fusão está em toda parte. A unidade do grupo é ubiquidade. Nesta ubiqüidade
não é aquilo que sou no outro - nesta práxis unida não existe outro. Na práxis do grupo em
fusão a práxis de cada um é realizada por cada qual como eu em toda parte. A circularidade
do grupo em fusão vem de toda parte e ao mesmo tempo, como atividade livre, real. A
unidade do grupo fundido encontra-se no interior de cada síntese. Cada ato de síntese está
unido por interioridade recíproca a todas as outras sínteses do mesmo grupo. E também é
interioridade de cada uma das outras sínteses. A unidade é a unificação vinda do interior da
pluralidade das totalizações. A unidade do grupo, segundo Sartre, é dada pela ação grupal,
pela unidade das ações. A unidade do grupo é prática. Não é ontológica, de um ser ou
estado, mas de um ato em curso. (1, p. 66 - Vol. II).

"A unidade grupal é vista como relação sintética que une os homens com um ato e para um
ato". (1, p.55 - Vol. II ). Tomando o exemplo das pessoas na fila de espera do ônibus, o
número de pessoas era a série, uma quantidade de indivíduos isolados. No grupo em fusão
passa-se à ordem da qualidade. Assim o décimo, por exemplo, no grupo em fusão é ao
mesmo tempo todo mundo do grupo de dez e ninguém, já que cada pessoa é necessária para
se constituir um grupo de dez pessoas. Cada um dos membros assume, idealmente, as dez
posições já que este grupo não é uma reunião inerte de dez pessoas. Trata-se, portanto, de
uma relação sintética que realiza a unidade do grupo pela ação, pela unidade (ubiqüidade)
das ações dos componentes do grupo.

No grupo em fusão a relação sintética faz com que cada um seja em toda a parte o mesmo.
Cada um pode decidir por todos. Esse "nós" grupal é "prático e não substancial", "é o
conjunto das liberdades práticas reunidas na brusca ressurreição da liberdade que se levanta
contra a prisão do mundo prático-inerte". (1, p. 66 - Vol. II). Tal explosão, segundo Sartre,
é a liquidação súbita dessa prisão pela liberdade comum em oposição à necessidade.

Resumindo, o grupo em fusão é o inverso da serialidade. Contitui-se por meio e no interior


da dispersão que precede o grupo. E sua primeira característica é manter sua existência
como uma luta constante contra uma volta, sempre possível, à série, à dispersão, solidão e
alienação. Uma segunda característica é a totalização inacabada, que constitui o grupo, sem
se constituir num ser-grupal que transcenda os indivíduos agrupados. Caracteriza-se como
práxis grupal, ação do grupo sobre si mesmo, trabalhando-se incessantemente numa relação
sintética, fundindo as multiplicidades das sínteses seriais.

2. O Juramento

Uma vez constituído o grupo, há o risco constante de nova dispersão (volta à série). Surge
então o "juramento" cuja origem é o temor permanente da dispersão inicial, caracterizando-
se como compromisso: a liberdade de cada um comprometida com a permanência no
grupo. "E quando a liberdade torna-se práxis comum para construir a permanência no
grupo produzindo por ela mesma e na reciprocidade mediada sua própria inércia, este novo
estatuto chama-se juramento". (1, p. 84 - Vol II).

O juramento surge contra o risco de ruptura do grupo, contra o próprio risco da liberdade.
Pode ser visto como uma forma de "resistência do grupo" à ação da separação ou
afastamento, como garantia do futuro através da falta de mudança produzida no grupo pela
liberdade. Pelo juramento o grupo procura tornar-se seu próprio instrumento contra a
serialidade que o ameaça de dissolução.

Jurar-se-á contra toda força que possa afastar do grupo, contra todo risco de liberdade de
cada um na medida em que é atraído para outras partes. O juramento é a "ditadura do
mesmo em cada um". Para Sartre o juramento torna-se inteligível como ação comum do
grupo sobre si mesmo. No grupo juramentado nada de material une os seus componentes.
O perigo não é real, é apenas possível.

O juramento é um "poder difuso da jurisdição" no grupo. " É o poder de cada um sobre


todos e de todos sobre cada um". (1, p.104 - Vol. II ). Ele me garante contra minha própria
liberdade e institui meu controle sobre a liberdade do outro. É um tipo de fraternidade-
terror que fundamenta o grupo em sua permanência.

O juramento é a passagem de uma forma imediata do grupo com risco de dissolução à uma
outra forma permanente mais reflexiva.

Sartre distingue duas evoluções do grupo em fusão: o grupo de sobrevivência e o grupo


juramentado. A primeira diz respeito à uma fusão face à ameaça e perigo real, material,
exterior. E a segunda, no grupo juramentado não é algo material que une os membros, pois
o perigo agora não é real, é apenas possível. Assim a origem do juramento é a ansiedade
ante uma possível ameaça ou perigo. E uma vez desaparecida a ameaça exterior (pela
fusão) há o temor produzido pelo próprio grupo (grupo juramentado). É um temor
reflexivo, interior.

A existência, portanto, do medo e do temor como condição de permanência no grupo é


necessária. O perigo remoto pode não ser suficiente para manter o grupo reunido. E no
âmago do juramento substitui-se o medo da pressão exterior por outra pressão interior. E
"esse medo, livre produto do grupo e ação corretiva da liberdade contra a dissolução da
série é o Terror". ( 1, p. 95 - 96 - Vol. II ).

O juramento revela o surgimento de um estatuto de permanência no grupo que faz surgir a


organização do grupo como objetivo imediato do grupo organizado.

3. A Organização

A organização se dá quando o grupo se toma como objetivo, a partir do juramento. Com o


estatuto de permanência produzido pelo juramento, a questão da organização torna-se o
objetivo imediato do grupo estabelecido.

O grupo se toma como objetivo e a "organização como ação do grupo estatutário" recai
sobre si mesmo e seus membros. Isso quer dizer que o grupo se trabalha: se faz grupo e só
continua a ser grupo na medida em que se faz continuamente. Significa uma auto-criação
contínua. O grupo se trabalha (se organiza) para poder lograr seus objetivos.

No estágio do grupo em fusão o indivíduo era o indivíduo orgânico, na medida em que


interiorizava a multiplicidade das terceiras pessoas, sendo ele próprio uma terceira pessoa
não juramentada, que vivia sua liberdade na práxis comum, na ubiqüidade da liberdade. E é
esse indivíduo orgânico que "se perde pelo juramento para que exista o indivíduo comum".

Já no estágio da organização o poder se define para cada um no quadro de distribuição de


tarefas. É a função. E no exercício da atividade organizada, a função é uma definição
positiva do indivíduo comum. É uma determinação da práxis individual. Nesse estágio o
indivíduo comum "pertence ao grupo na medida em que executa determinada tarefa, e
apenas essa". ( 1, p.115 - Vol. II)
Sartre usa o exemplo de uma equipe de futebol, onde "a função de goleiro, atacante, etc.,
apresenta-se como uma pré-determinação para o jogador que inicia sua carreira". O jogador
é significado por essa função. Cada um exige dele "pela equipe" que faça o seu dever no
interior do quadro definido pela organização. A função é uma "tarefa a preencher". No
momento do jogo os atos particulares do jogador "não apresentam qualquer sentido a não
ser em conjunto com todos os atos dos demais jogadores de sua equipe". Isto é, "cada
função supõe a organização de todas". (1, p. 122-137- vol. II).

Assim o espírito de equipe é visto por Sartre como a "interdependência dos poderes em
ligação com o objetivo comum". A iniciativa individual não é eliminada, pois a função é
"determinação indeterminada" que deixa lugar à criatividade individual. É portanto ele, o
indivíduo comum definido pela função, que age com todos os outros no sentido dos
objetivos, na totalização dessas práxis. Já a práxis do grupo é a única ação específica do
grupo organizado, i.é., a organização e a reorganização constante ou sua ação sobre os seus
membros. O grupo não trabalha. Para Sartre ele se trabalha na medida em que se organiza.

O grupo só "age sobre o objeto na medida em que age sobre si mesmo". E sua ação sobre si
- a única que exerce enquanto grupo - se define a partir de sua práxis. Isso significa que "o
grupo define, dirige, controla e corrige sem cessar sua práxis comum..." E esse conjunto de
operações supõe a diferenciação, por exemplo: a divisão de tarefas supõe a criação de
aparelhos especializados no interior do grupo, tais como orgãos diretores, grupos
encarregados de coordenar, mediar, distribuir ou ajustar mudanças, serviços
administrativos, etc. Este primeiro momento da diferenciação é, fundamentalmente, uma
ação do grupo sobre si mesmo. (1, p.113 - Vol. II ).

A partir dessa ação organizada que recai sobre o próprio grupo surge o problema do poder
interno (hierarquia, funções ) que coloca em risco a soberania do grupo. Isso porque, no
estágio da organização, o poder se define para cada um no quadro de distribuição de
tarefas. No grupo organizado efetua-se uma divisão de tarefas, estabelece-se processos de
trabalho e de decisão. Há o reconhecimento implícito de normas comuns as quais devem
ser cumpridas. O trabalho do grupo é efetuar sua própria organização em função de sua
finalidade, de si próprio como objetivo.

O trabalho do grupo possui um duplo significado: a) o grupo se trabalha para conquistar,


numa contínua criação, a unidade ontológica que lhe falta e b) o trabalho em grupo (o
grupo trabalha) realiza uma unidade prática dos organismos que o compõem.

O grupo em ação organizada deve ser compreendido por duas espécies de atividades
simultâneas e das quais uma é função da outra : a) a atividade dialética como imanência (
interna - de auto-diferenciação e reorganização da organização) e b) a atividade dialética
como ultrapassagem prática do estatuto comum no sentido da objetivação do grupo
(externa - transformação do campo, produção, luta, conquistas, etc.).
4. Fraternidade - Terror

Na luta permanente para evitar sua dissolução na série, o grupo tenta obcecadamente
atingir sua unidade, sem jamais consegui-la. Segundo Sartre, o grupo é uma "existência"
sem "essência". E o perigo constante de dissolução que existia no grupo em fusão também
está presente no grupo organizado. Tal conflito não se configura como paralização do
grupo. Pelo contrário, como foi visto, vai engendrar os estágios que possibilitaram a
passagem da fusão à organização por intermediação do juramento, que introduziu o estatuto
de permanência no grupo.

As manifestações de fraternidade começam a surgir quando o grupo está em fase de


organização. Sua origem encontra-se no juramento no momento em que começam a surgir
os temores da eclosão do grupo pela desorganização.

"A fraternidade se apresenta no grupo como um conjunto de obrigações recíprocas e


singulares, definidas por todo grupo a partir das circunstâncias e seus objetivos...
A fraternidade é o laço real dos indivíduos comuns, pois cada um vive seu ser e do outro
como forma de obrigações recíprocas. A fraternidade é o direito de todos através de cada
um sobre cada um ..." (1, p.103 - 104 - Vol. II ).

Dessa maneira a fraternidade-terror possibilita o controle das possíveis fugas e não-


participação. Exerce a "depuração" dos opositores e traidores. O terror não se constitui
numa ditadura da minoria. É uma estrutura fundamental do grupo em sua totalidade que
fundamenta um tipo de relação. Cada um se sente solidário com todos na solidariedade
prática do perigo vivido e na violência comum. ( Exemplo do linchamento do traidor dado
por Sartre).

A cólera e a violência são vividas, ao mesmo tempo, como terror exercido sobre o traidor e
como laço de amor entre os linchadores. Como o grupo tem sua origem na força das
ameaças exteriores (perigo), ao diminuir a intensidade da mesma (mesmo que o perigo não
tenha desaparecido) é substituído por um substituto inventado: o terror. "O invento do
terror como contraviolência engendrada pelo próprio grupo e aplicada pelos indivíduos
comuns em cada agente particular é a utilização da força comum, até então comprometida
contra o adversário (perigo), para a constituição do próprio grupo". (1, p.105 - Vol. II ).

A fraternidade - terror, como autêntica relação de interioridade entre os membros do grupo


funda sua violência e sua força coercitiva no mito do novo nascimento. Terror e juramento
se referem ambos ao temor fundamental de uma dissolução da unidade.

O grupo continua, assim, sua luta incessante em adquirir seu "estatuto ontológico", a
unidade de um organismo. Produz-se a si mesmo por meio de novas práticas, sob a forma
de um grupo institucionalizado, o que significa que os orgãos, as tarefas, as funções e o
poder vão transformar-se em instituição. O grupo"procurará conseguir um novo tipo de
unidade institucionalizando a soberania e o indivíduo comum em indivíduo institucional".
(1, p.260 - Vol. II ).

5. A Instituição

É na práxis e através da práxis que surge um novo estatuto da inércia no grupo, quando o
grupo organizado inicia sua auto-transformação tornando-se instituição. É o ressurgimento,
mais uma vez, da serialidade no âmago da unidade em outro nível. A organização torna-se
instituição, o indivíduo organizado torna-se indivíduo institucionalizado, as reciprocidades
mediadas do grupo organizado tornam-se elos seriais de terceiros. O que ocorre então, é a
intensificação do inorgânico dentro do grupo como luta contra o próprio inorgânico, contra
a dissolução, a dispersão e a morte. "Neste nível se define a instituição, onde certas práticas
necessárias para a organização recebem um estatuto ontológico novo institucionalizando-
se". (1, p. 268 Vol. II ). Esse "estatuto ontológico" não significa que o grupo chegou a
atingir o objetivo que persegue (adquirir a unidade de um organismo), mas que seu modo
de ser foi radicalmente modificado pela passagem dialética de organização à instituição.

A instituição não pode ser produzida como livre determinação da prática por si mesma.
Mas se a prática volta a tomar a cargo a instituição como defesa contra o terror, o faz na
medida em que esta petrificação de si mesma é uma metamorfose induzida, cuja origem
está em outro lugar: sua origem é, precisamente, o renascimento da serialidade. Nesse
sentido, "a instituição possui características distintas de ser uma práxis e uma coisa". (1, p.
269 - Vol. II ).

A instituição, como ressurgimento da serialidade e da impotência, necessita consagrar o


poder para garantir sua permanência pela lei. Impotência porque a instituição, como algo
fundamentalmente imutável, torna minha práxis no grupo institucionalizado como incapaz
de modificá-lo. Isso porque esta prática se isola, enquanto se produz no meio comum e é
definida por novas relações humanas. Relações estas baseadas na impotência serial. Assim
essa impotência fundamenta a existência do soberano, pois a autoridade repousa na inércia
e na serialidade.

A prática torna-se instituição quando o grupo, como unidade abalada pela alteridade, não
consegue mudá-la sem transformar-se inteiramente. Exemplos típicos de instituições temos,
segundo Sartre, no Exército, na Igreja, no Partido, etc. O grupo institucional surge através
de transformações, transformando a função (característica da organização) em obrigação.
Exemplo: obrigações militares, religiosas, familiares, etc. Surgem assim as estruturas de
comando e obediência, a estrutura do poder com a autoridade do comando. Mas, ao mesmo
tempo, o grupo regressa à serialidade original. E com isso as instituições perdem a ação
vivificante dos grupos em fusão e instala-se a rigidez das regras. Surge a burocracia,
tornando as regras um fim em si, adquirindo um caráter imperativo. As formalidades,
procedimentos e obrigações são mais valorizadas que os objetivos. As relações
interpessoais empobrecem e cristalizam-se. O grupo institucionalizado volta à inércia e
seus componentes sujeitos isolados que se submetem às regras da instituição. O grupo, após
tanto lutar para evitar a dispersão da série, é um novo conjunto de indivíduos dispersos que
não se comunicam e sem consciência das regras que os regem. Voltam à alienação da série.

V - CONCLUSÃO

É inegável a valiosa contribuição teórica que Sartre oferece para a inteligibilidade das
relações humanas e da vida dos grupos. Sua análise joga um facho luminoso sobre o
intrigante problema do relacionamento humano e suas diferentes formas de associação.

À luz de sua teoria pode-se observar e constatar a realidade da existência de relações


esclerosadas, cristalizadas, que se mantêm apenas pelo que já está ou foi instituído.
Relações que são maneiras seriais de ser, de sentir, etc. Pode-se verificar a existência de
grupos, casais e organizações regidas por uma rígida burocracia da rotina, do conformismo
e alienação. Outrossim, também é possível verificar como essas mesmas relações ou
formas grupais de convívio humano, no afã de livrar-se e afastar o risco de dissolução e
desagregação possíveis, procuram a garantia da permanência construindo estruturas e
mecanismos de relação que tornam inviável o próprio projeto de relação a que se propõem.

Por outro lado, a visão de que o grupo se faz continuamente e que permanentemente tem
que se fazer, coloca em questão o mito da eternidade e da maturidade das relações e
grupos. O grupo é ação e um permanente fazer e fazer-se. É devir. E esta é uma das grandes
contribuições que Sartre oferece aos que trabalham com grupos ao estudar o grupo social
dialética e existencialmente. Seu pensamento constitui-se um importante ponto de reflexão
para a psicologia dos grupos.

VI - BIBLIOGRAFIA

- SARTRE, J.P. Crítica de la Razon Dialéctica .(1960). 1a. ed. Vol. I e II.Buenos Aires,
Editorial Losada, S/A, 1979.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Brasileira de Psicodrama Volume 7, número 2,
ano 1999.

Psicólogo Carlos Rubini


Psicodramatista Mestre em Psicologia
Editor Responsável do Caderno de Psicodrama do Jornal Existencial On Line

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