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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

FACULDADE DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA

SÍNTESE CRÍTICA EM PSICOLOGIA SOCIAL

LUCAS GUIMARÃES DOS SANTOS

MANAUS/AM
OUTUBRO/2019
O desenho da formação de um indivíduo perpassa pontos em comum, mesmo
de realidades socioeconômicas distintas, é tangível ao ser em construção: a
estruturação da identidade, a dinâmica grupal e as representações sociais. O
indivíduo recém-chegado ao tecido social é destituído de identificação e
unidades, e as categorizações iniciam-se a partir de corpos externos, como dos
pais e parentes. Dá-se um nome, depois um sobrenome. É filho e também
neto. O sobrenome insere aquele ser em uma rede familiar particular, e a rede
o submete à padrões hierárquicos de poder. E, como função direta, os padrões
reificados pelas instituições – a família e Igreja, por exemplo - cultivam as
crenças, normas e o senso comum.

A identidade é um processo complexo de modelação e muito pouco


estável (Ciampa, 1984). Todas as principais ciências, como Psicologia,
Antropologia, Filosofia e Sociologia, medem esforços para captar os
pormenores da identidade, e principalmente as origens de sua formação.
Somos ao mesmo tempo os autores e personagens de nossa história, e nossas
intimidades nos são muito caras – a identidade também é o que ocultamos e,
eventualmente, revelamos. A identidade nos acompanha e, consequentemente,
se transforma à medida que modificamos nossa estrutura. Somos crianças,
depois adolescentes e adultos. E, com isso, existe uma certa previsibilidade
acerca de nossas escolhas – a depender das bases sociais -, mas também há
imprevisibilidades drásticas que representam parte importante das
transformações.

Mas seriam as imprevisibilidades já premeditadas e embutidas em nosso


ser? Para Ciampa (1984), o indivíduo é múltiplo e estruturado a partir das mais
diversas combinações, desviantes até do esperado. A multiplicidade é a
verdadeira unidade do ser em construção:

“Podemos imaginar as mais diversas combinações para


configurar uma identidade como uma totalidade. Uma totalidade
contraditória, múltipla e mutável, no entanto, una. Por mais
contraditório, por mais mutável que seja, sei que sou eu que sou
assim, sou uma unidade de contrários, sou uno da multiplicidade”
(Ciampa, 1984).
A percepção da identidade é intimamente ligada aos atalhos mentais, as
heurísticas, responsáveis pela facilitação da compreensão do mundo em volta.
A informação recebida não é tão reavaliada e processada, em prol da
economia psíquica. Supomos que o conteúdo exposto é a realidade de fato.
Sou filho de alguém, porque me apresento como tal. Sou engenheiro, porque
me apresento como tal. Os rituais sociais possibilitam essas apresentações e
categorizações. A identidade é parte significativa da formação e muito
representativa do indivíduo, a ponto de incomodar ao trocarem por engano o
nome da pessoa, ou a profissão, ou um grupo social a qual pertence. As
identificações são naturalizadas, e há uma enorme estranheza ao serem
desassociadas do corpo.

Existe, no campo da identidade, dois aspectos complexos e


contraditórios em se tratando do estabelecimento dos papeis. É necessário, por
um lado, a reafirmação de uma identidade, sob pena dos objetos sociais
deixarem de existir objetivamente, como por exemplo ser pai, ou ser filho de
alguém - ainda que existam as representações físicas dos agentes. A
pressuposição da identidade é reposta a todo momento, e é sob esse
condicional que há a confirmação do papel exercido. Eu posso ser filho de
alguém, e isso é uma identidade representacional, mas apenas sou filho de
alguém se essa função for constantemente reforçada. Ciampa, porém, pontua
que a simples reposição da identidade já a caracteriza como “dada”, não existe
necessariamente um aspecto flutuante e oscilante da identidade. Suas
dimensões são atemporais, e “uma vez identificada a pessoa, a produção de
sua identidade se esgota com o produto”.

Ciampa entende o ser como uno em sua multiplicidade. O ser não é


facilmente redutível a um aspecto da identidade, e também não é representado
unicamente pelos aspectos visíveis. Somos unos naquilo que revelamos e
ocultamos, e também no que somos e no que viremos a ser. A unidade é
concreta na multiplicidade, e também contraditória, pois não somos o que
somos ao permanecermos o sendo. Precisamos nos negar, e na negação
abarcamos a incorporação de todo o nosso ser:
“Então, o ser ser o que é implica o seu desenvolvimento
concreto; a superação dialética da contradição que opõe Um e Outro
fazendo devir um outro outro que é o Um que contém ambos”
(Ciampa, 1984).

Enquanto seres identificáveis, nossa existência nunca é individual e


isolada. Ao nascermos, somos agrupados. Nos é dado um prenome e
sobrenome, referindo-se a quem somos e a que grupo pertencemos,
respectivamente. A família é o primeiro grupo social de um indivíduo - grupo
esse dotado de leis e dinâmicas específicas, onde a devida análise só é de fato
efetiva quando se estuda a família como um macro coletivo. Nossa identidade
é agrupada em meio a várias outras identidades, e a família em si é a
“pluralidade de pessoas que em um determinado momento estabelecem uma
interação precisa e sistemática entre si. Isto significa que em todo agrupamento
psicológico, as pessoas se conhecem e se identificam” (Grinberg et alii, 1959).

A percepção unitária de si dentro de um grupo é intrinsicamente em


função da coletividade. O indivíduo/agente do grupo percebe a coletividade e
reivindica a favor do grupo, de modo unitário, em frente ao ambiente - as
percepções individuais se estendem a todos os membros do coletivo. Os
estudos em família passaram a ser mais verossímeis a partir do momento da
transição da análise do agente isolado para a análise do agente em função da
sua posição no coletivo familiar. Agrupados, os indivíduos passam a ter noções
das fronteiras e delimitam o espaço do grupo ao qual pertence em relações a
grupos externos.

“Mais recentemente, outros autores têm deslocado a ênfase


anteriormente atribuída aos pressupostos de conhecimento mútuo,
interação interna e percepção coletiva de seu destino comum por
parte dos membros do grupo para o pressuposto do conhecimento da
fronteira que separa o grupo de tudo aquilo que o cerca, permitindo
uma identificação em termos de “nós” e eles”” (Rodrigues, 2005).
Em um comportamento grupal, como a família, as fronteiras individuais
se dissolvem em função da fronteira do grupo e o contexto do grupo determina
as ações dos indivíduos. Essa ideia opõe-se diretamente ao pressuposto do
comportamento do grupo ser a soma do comportamento das partes – oposição
essa defendida também por Emile Durkheim -, quando, na verdade, as
necessidades e fantasias do grupo determinam os papeis das partes. O
trabalho consciente e os mecanismos do inconsciente funcionam em função de
atender às necessidades e aliviar as ansiedades do grupo, assim como manter
a integração entre os indivíduos. Toda tarefa processada pelos integrantes se
traduzirá no grupo, mas cada parte será representada por um indivíduo ou
subgrupo. As contradições deverão ser organizadas em torno de um núcleo
integrador, que constitui a função principal do agrupamento.

De certa forma, a prevalência da identidade grupal sob a individual


constrói um espaço de homogeneidade e indiferença entre o coletivo. A
satisfação das necessidades individuais e o trabalho voltado para os interesses
de cada membro não encontram espaço dentro da família. O projeto da família,
ao ser fundido e compactado a partir de uma integração intrínseca, atende a
demandas estabelecidas de poder. A exploração (escravista, feudal ou
burguesa) do capital utiliza-se da família como instrumento de poder e coerção,
e, por meio da mesma, reforça o poderio governamental. A estrutura da família
dispende de tamanha força que todas as principais instituições sociais emulam
suas características, como a Escola, as Universidades, Empresas, Igreja,
Aparelhos político-governamentais e Hospitais.

“A estrutura interna da família, de diversas maneiras, bloqueia


o encontro de seus membros e exige de cada um deles uma oferenda
de sacrifício que não aplaca a ninguém nem a nada a não ser uma
abstração sumamente ativa” (Rodrigues, 2005).

A partir da família, que é o primeiro e mais poderoso agrupamento social


do qual fazemos parte, é importante pontuar o papel sociocultural emitido pela
coletividade aliada ao poder. Um grupo emite diversos conhecimento e
saberes, entendidos pelos teóricos como as representações sociais. As
representações sociais atuam com o intuito de construir e interpretar o real, sob
lentes, em vezes, culturais, religiosas, místicas ou históricas, a fim de explicar
aspectos da realidade física, cultural e social.

Sob detrimento das representações sociais, os grupos habilitam-se a


expressarem suas identidades, a formar valores acerca dos objetos sociais e,
principalmente, moldar os códigos culturais que definem a esfera de toda uma
comunidade. As representações são responsáveis por mobilizar as pessoas a
agirem, e as motivam a escolher um determinado tipo de comportamento. O
poder dessas ações não é cultivado por razões lógicas ou cognitivas, e sim por
razões afetivas, míticas e religiosas. Portanto, essas ações são guiadas pelo
senso comum – que são as próprias representações sociais. Esse fenômeno
deve-se, primordialmente, à dificuldade de assimilação com o novo e estranho.
Há um desconforto em lidar com o não familiar e diferente, então essas
facilitações abarcadas pelo senso comum promovem a estabilidade do nosso
bem-estar. As informações complexas são transferidas à espaços de fácil
assimilação, papel este exercido pelos meios de comunicação, profissionais,
docentes, econômicos e políticos.

Os grupos, então, dotados de informações assimiláveis e situados na


zona de conforto, expressam suas identidades homogeneizadas e reiteram as
estruturas de poder e coerção – quase sempre destituídos do controle, e
inconscientes do estado de inércia social. Desenha-se, dessa forma, um
quadro de controle sócio-político, e impotência popular. A dinâmica da coerção
é sutil e, a todo momento, através de todas as instituições basais, domam a
opinião pública e impedem, microscopicamente, quaisquer resquícios de
esclarecimento social.

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