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A FORMAÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE


PESSOAL

Alice Viana
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO)

Nildo Viana
Universidade Federal de Goiás (UFG)

' 10.37885/231215403
RESUMO

O presente artigo tematiza a questão da constituição social da identidade pes-


soal. O nosso objetivo é demonstrar que a identidade pessoal é produzida social
e historicamente, apesar da ilusão individual de “autocriação” e dos discursos
ideológicos a esse respeito. O indivíduo cria sua identidade pessoal, mas essa
sua criação é determinada socialmente e sua autonomia, nesse processo, é
relativamente restrita. Para efetivar tal discussão utilizamos o método dialético
e a ênfase na totalidade, o que pode ser visto no decorrer do texto, no qual os
conceitos de social e sociedade ganham a primazia analítica. O resultado geral
foi a percepção de que a identidade pessoal é forjada socialmente através do
processo de socialização e ressocialização. A criança forma sua identidade pri-
mária na socialização infantil e o jovem cria sua identidade secundária através
da ressocialização juvenil, enquanto o adulto apenas consolida e formaliza sua
identidade definitiva, mesmo que haja alterações em pormenores, a não ser em
exceções das quais não abordamos no texto. Esse processo é reforçado pela
análise da perspectiva individual, pois o indivíduo não elabora sua autoimagem
a partir de si mesmo e sim a partir da sociedade, de sua inserção nela e de sua
percepção desse processo, que também é constituída socialmente. Por fim, a
análise do processo histórico mostra as mutações no processo de socialização
e mudanças sociais e culturais que atingem a formação das identidades pes-
soais. A conclusão final é a de que a identidade pessoal é formada socialmente
apesar das ilusões individuais de criação identitária.

Palavras-chave: Identidade Pessoal, Socialização, Ressocialização, Regimes


de Acumulação, Paradigmas.

Processos Psicossociais: explorando identidade, comunicação, gênero e relações humanas


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INTRODUÇÃO

A identidade pessoal é um tema fundamental na psicologia e ganha impor-


tância também na psicanálise e outras ciências humanas, como a sociologia e
a antropologia. A partir da ideia de que a identidade pessoal é a autoimagem
global do indivíduo (VIANA; VIANA, 2024), o objetivo do presente artigo é dis-
cutir o seu processo de constituição. A formação da identidade pessoal é um
processo social, tal como buscaremos demonstrar no presente texto.
A autoimagem que o indivíduo produz de si mesmo (sobre sua individua-
lidade, personalidade, corporalidade, vestimenta e autoavaliação), a forma de
identidade que ele assume (rígida, flexível, amena, reflexiva), a versão pública
que ele veicula, ou mesmo a recusa identitária, são produtos sociais e históri-
cos. O processo individual de formação de identidade pessoal é determinado
socialmente (e historicamente, já que o social é histórico). Para demonstrar isso
vamos apresentar uma reflexão teórica sobre a formação social da identidade
pessoal, mas também a perspectiva individual desse processo, complementando
com uma análise histórica que unifica os dois procedimentos anteriores.

A FORMAÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE PESSOAL

O processo pelo qual o indivíduo cria uma autoimagem de si mesmo é


social e histórico. A história de vida do indivíduo demonstra isso. A criança vai
desenvolvendo sua consciência do mundo e de si mesma, mas não faz isso
de forma livre, autônoma e independente. Ela desenvolve sua consciência
através das relações sociais que vai travando em seu processo histórico de
vida1. O processo de socialização foi abordado tanto pela sociologia quanto pela
psicologia (DURKHEIM, 1974, BERGER; BERGER, 1978; LAMBERT; LAMBERT,
1975; VIANA, 2011). A partir de perspectivas diversas, a existência do fenômeno
da socialização é amplamente reconhecida e o que interessa para nós, aqui, é
a relação da socialização com a formação da identidade pessoal.

1 Desde o seu nascimento, como diz Winnicott: “a história de um ser humano não começa aos cinco anos, nem
aos dois, nem aos seis meses, mas ao nascer – e antes de nascer, se assim se preferir, e cada bebê é desde o
começo uma pessoa, necessitando ser conhecida por alguém” (1971, p. 96).

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Podemos dizer, sinteticamente, que a socialização gera um processo de
constituição de identidade primária. A criança começa a formar suas concep-
ções, valores, sentimentos, bem como desenvolver um temperamento, uma
personalidade, a partir da forma como se realiza o processo de socialização.
Isso significa que a família (ou grupo circundante, para crianças sem família,
embora sem a mesma força de influência) assume um significado fundamental
na formação da identidade primária, especialmente na sociedade moderna e
que vem se enfraquecendo no decorrer da história, devido ao avanço dos meios
de comunicação e escolarização cada vez mais precoce.
A socialização começa a formar elementos da personalidade da criança
que vão acompanhá-la permanentemente, embora alguns elementos surjam
posteriormente e seja possível haver mutações. O temperamento começa a ser
formado desde o nascimento da criança2, sendo parte da personalidade indi-
vidual. A socialização num meio violento tende a despertar um temperamento
mais agressivo, por exemplo. Claro que isso depende de diversas determinações,
pois esse mesmo meio pode provocar o efeito contrário, ou seja, um retraimento
excessivo. Assim, as crianças são socializadas e vão adquirindo características
próprias, sendo que o temperamento é um dos que tende a se preservar durante
toda a vida do indivíduo.
A socialização também promove o despertar de determinados sentimentos.
Uma criança que é amada e protegida pelos seus pais tende a desenvolver mais
sentimentos simpáticos do que antipáticos3. Isso, obviamente, também depende
de múltiplas determinações. Pais com personalidades e temperamentos dife-
rentes complexificam a situação, bem como as demais fontes de socialização

2 Fromm (1978) é um dos autores que realiza uma distinção entre “temperamento” e “caráter” (que denomina-
mos “mentalidade”), mas não aprofunda na discussão sobre temperamento, pois faz breves considerações
– nas quais o temperamento aparece como uma reação padronizada ao mundo – e passa para a questão que
considera mais importante, que é a do caráter. Jung (1976), por sua vez, tratou da questão dos indivíduos intro-
vertidos e extrovertidos, mas não aprofundou muito a questão do conceito de temperamento. O conceito de
temperamento, bem como sua relação com a personalidade, precisa ser aprofundado. Aqui usamos esse termo
como sendo um modo de reação emocional característico de cada indivíduo (e que, obviamente, é compartilhado
por milhares de indivíduos). Enquanto reação emocional, se distingue das ações motivadas sentimentalmente,
pois as emoções são momentâneas e os sentimentos são duradouros (VIANA, 2023).
3 Sobre a distinção entre sentimentos simpáticos e antipáticos, cf. Viana (2023).

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(parentesco, vizinhança, comunidade, meios de comunicação, amigos e colegas,
modo de vida, cultura, classe social etc.).
No plano da consciência, a socialização desperta diversos elementos, como
a aprendizagem de um idioma (ou mais de um, em determinados contextos),
de noções básicas sobre o mundo, valores etc. Esse processo, ao contrário dos
dois outros anteriores, é mais consciente em sua realização, pois a intervenção
dos pais, professores etc., é mais consciente por parte deles e muitas vezes é
intencional. Os brinquedos que são repassados para as crianças podem ser
apenas um resultado da tradição, mas podem ser intencionais de acordo com
determinadas concepções adquiridas pelos pais (por exemplo, “brinquedos
educativos” sugerem que os pais têm uma preocupação e intenção de “edu-
car” os filhos num certo sentido)4. Da mesma forma, a noção do que é certo e
errado, belo e feio, desejável e indesejável, começa a se formar e desenvolver.
A corporalidade, a vestimenta e a autoavaliação, nessa idade, possuem
um impacto menor, embora existam exceções. Sem dúvida, a corporalidade
considerada “normal”, ou seja, dentro dos padrões aceitáveis e que não geram
problemas de aceitação ou de negação, terá um impacto pequeno (a não ser
em contextos específicos, por ser exceção num grupo social, por exemplo, pois
nesse caso pode gerar conflitos e problemas que terão mais efeito psíquico sobre
o indivíduo). Porém, crianças com problemas corporais oriundos de acidentes,
ou então que podem ser vítimas de atitudes negativas (como brincadeiras de
colegas de escola, parentes etc.) por causa de peso, estatura ou qualquer outra
característica física, podem sofrer alterações no processo de desenvolvimento da
personalidade, gerando uma autoavaliação negativa. A vestimenta também não
tem um grande impacto, embora, com o tempo, isso vai se alterando e, também,
dependendo da classe social ou da situação familiar. Crianças com vestimentas
“inadequadas” em meios sociais podem ser vítimas de tratamento diferencial
negativo por parte das demais crianças e alguns adultos, por exemplo. A autoa-
valiação, durante a infância, é ainda muito marcada pela identidade atribuída

4 E isso é reforçado pelos discursos pedagógico e psicológico. Um exemplo demonstra isso: “a necessidade que a
criança tem de brincar é, a um tempo, orgânica e psicológica; sem brinquedo adequado, não há evolução satisfa-
tória” (ARMANELLI, 1966, p. 67).

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e avaliação adulta, especialmente dos pais e outros adultos mais importantes
socialmente ou sentimentalmente para as crianças.
A criança vai criando, a partir dessa base real, uma imagem de si
mesma. A fonte dessa autoimagem, que constitui sua identidade primária, é
uma síntese em o que ela é efetivamente e o que ela ouve dos pais e outras
pessoas. Assim, toda criança ouve elogios e críticas. É comum dizer que a criança
é “bela”, “forte”, “inteligente” etc. Esses elogios, no entanto, são diferentes para
indivíduos diferentes. Algumas crianças dificilmente vão ser elogiadas por serem
“inteligentes”, especialmente se demonstram maior lentidão na aprendizagem e
desenvolvimento intelectual. Por outro lado, até certa idade o atributo “beleza”
é atribuído a todas as crianças, mas depois começa a ser reservado mais para
as mulheres do que para os homens, bem como “força” é mais comum para os
indivíduos do sexo masculino. Isso faz parte da socialização diferencial entre
homens e mulheres, que também atinge a questão do temperamento e demais
aspectos. Mas as crianças não recebem apenas elogios. Quando desagradam
os pais e outros, recebem críticas variadas, como, por exemplo, ser “teimosa”,
“agressiva”, “indisciplinada”, entre outros termos (que, na população em geral
muitas vezes recebe outros nomes).
Assim, alguns destes elementos vão ser introjetados pela criança e vão
fazer parte de sua identidade primária. A criança tende a aceitar parte dessa
avaliação e atribuição por parte dos adultos e demais crianças, mas não sua
totalidade, pois não só podem entrar em confronto com sua realidade, bem como
pode ser contra seus interesses e aí vai depender dos demais aspectos da per-
sonalidade infantil em formação. Por outro lado, o peso é diferente dependendo
de qual elogio ou crítica e quem realiza a atribuição. Por exemplo, um irmão que
sempre entra em conflito dizer que a irmã é “preguiçosa” tem um impacto muito
mais fraco do que uma mãe carinhosa e amada dizer o mesmo. No processo
de socialização, o “outro significativo” tem mais influência do que as demais
pessoas, e estes são geralmente os pais.
O que nos interessa aqui é explicitar que, na infância, já se cria uma
identidade primária. Essa é mais volúvel e flexível, mas já existe. E pode per-
durar no futuro da criança. Geralmente alguns aspectos são abandonados e
outros permanecem. Essa identidade primária vai se desenvolvendo com a
criança. Desde os primeiros dias de vida até os primeiros anos, esse processo

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se desenvolve e continua se desenvolvendo, sob forma cada vez mais ampla.
Isso ocorre até a passagem para a juventude, no qual se inicia o processo de
ressocialização5. A passagem para a juventude gera uma nova socialização, pois
a situação individual muda, já que o jovem entra em uma nova escola ou grau
de ensino, mais desenvolvido, desenvolve novas relações sociais, experimenta a
mutação corporal, passa a ter novas atividades e responsabilidades, bem como
novas possibilidades (uma maior autonomia), e deve tomar novas decisões.
O jovem entra numa nova fase da sua vida, no qual a sexualidade é des-
pertada, a escolaridade é mais desenvolvida, os grupos ganham maior impor-
tância, o indivíduo ganha mais autonomia. Porém, junto com a autonomia, vem
a responsabilidade e as decisões. Num contexto de mutações gerais, e com um
maior desenvolvimento cerebral e mental, torna-se um momento crucial na vida
do indivíduo. Nesse contexto, o jovem desenvolve a sua identidade secundária.
Ela mantém elementos da identidade primária, sendo que a forma em que isso
ocorre varia de indivíduo para indivíduo (alguns realizam uma ruptura mais
profunda, outros, mais amena, por exemplo), mas promove uma renovação e
adequação, bem como aprofunda e tende a consolidar processos psíquicos e
a personalidade individual. As novas relações sociais estabelecidas na escola,
grupos juvenis, na comunidade, vão gerar impacto nas relações que se con-
servam, especialmente nas relações familiares. É no período da juventude que
ocorre o processo de conflito geracional (que pode ser maior ou menor, indo do
quase inexistente ao amplo e radical, dependendo dos indivíduos e das famílias
e das mutações dos primeiros, que dependem de suas outras relações sociais),
que assume formas diferentes em classes sociais distintas, pois nas classes
inferiores tende a ser um conflito com a tradição e nas classes superiores com
a situação de classe. É especialmente para os jovens dessas classes que vale
a expressão popular “aos 20, incendiário; aos 40, bombeiro”.
O jovem cria sua identidade secundária a partir da evolução da identi-
dade primária e da identidade atribuída que é fornecida pela sociedade. Os pais

5 O processo de ressocialização é denominado por alguns, como Berger e Berger (1978), como “socialização
secundária”. Preferimos o termo ressocialização por ser mais adequado, já que se trata de socializar novamente o
indivíduo e significa a entrada no período da juventude (VIANA, 2015). Esse processo, no entanto, é característico
da sociedade capitalista (VIANA, 2015).

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mudam o tratamento pela evolução orgânica e social dos filhos, a escola já
passa a ter outras exigências no processo de ensino e aprendizagem, bem
como de comportamento, os meios de comunicação (e contemporaneamente
a internet) também é geradora de identidade atribuída (a começar pela “iden-
tidade juvenil”, uma certa imagem da juventude, que, por sua vez, está ligada
a interesses de formar um nicho específico de mercado consumidor, entre
outros processos). Os discursos científicos (biologia, psicologia, sociologia,
medicina etc.) passam apresentar uma imagem da juventude (GROPPO, 1998)
que, geralmente, é introjetada por muitos jovens.
Porém, existem divisões na juventude, muito mais fortes e perceptíveis do
que na infância. A juventude é dividida por classes sociais. A imagem da juven-
tude repassada pelos meios oligopolistas de comunicação (rádio, TV etc.) pode
ser a do “rebelde sem causa”, a do “rockeiro”, a do “irreverente”, mas isso não é
recebido homogeneamente pelos jovens, pois esses elementos são incompatíveis
com aqueles que são da classe operária ou do lumpemproletariado. Por outro
lado, os bens de consumo que são atribuídos aos jovens não são acessíveis
para os jovens destas classes, a não ser nas versões mais baratas, criando uma
subdivisão no mercado consumidor juvenil. Se não é possível comprar o tênis
de marca, se compra um mais acessível, por exemplo. Porém, além da divisão
de classes, existem outras subdivisões. A socialização diferencial entre os sexos
continua, bem como as diferenças nacionais, religiosas, entre dezenas de outras,
existem e geram diferenciações no interior da juventude.
Até mesmo a duração da juventude é diferente. Para os jovens das clas-
ses inferiores, a duração da juventude é muito curta e em alguns casos nem
existe. Os jovens destas classes devem começar a trabalhar cedo, bem como
se casam mais precocemente, alguns abandonam os estudos em seus estágios
iniciais (alguns apenas começam o ensino médio). Já os jovens das classes
superiores possuem uma duração maior em sua juventude, pois seus estudos
são mais prolongados (até o término do curso universitário), a entrada no tra-
balho e profissão é muito posterior (geralmente depois da formação técnica ou
universitária), o casamento também ocorre nesse contexto. É por isso que as
definições de juventude a partir da faixa etária é artificial e diversas instituições
entram em contradição (para alguns, a juventude vai dos 18 aos 25 anos, para

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outros, dos 15 aos 30, entre inúmeras outras delimitações, cujo mínimo é 14 e
o máximo 35 anos).
Nesse contexto, o indivíduo forma a sua identidade secundária. Se a
formação da identidade primária tem a família como agente principal por ser
formadora de identidade atribuída, a identidade secundária tem na escola (que
reproduz, sob forma simplificada, os discursos científicos da pedagogia, psicolo-
gia etc.) o principal agente da ressocialização e criação de identidade atribuída,
ao lado dos grupos juvenis e dos meios oligopolistas de comunicação (e, mais
recentemente, a internet). Esse é um momento no qual os jovens têm que fazer
muitas escolhas, uma forte insegurança pode tomar conta, entre outros pro-
cessos conscientes e psíquicos. Muitos preferem a segurança da heteronomia
ao invés da decisão da autonomia. Porém, essa heteronomia é a da identidade
atribuída pela escola, discurso científico, meios oligopolistas de comunicação
e grupos juvenis, o que, no caso de muitas famílias, entra em confronto com os
pais e outros setores da sociedade, especialmente no caso das famílias mais
tradicionais, mas em geral, pois o discurso científico e os demais elementos se
alteram com relativa velocidade e assim se cria formas diferenciadas de perceber
o futuro, bem como a renovação constante do mercado consumidor (e mesmo,
em períodos mais longos, as alterações do capitalismo), promovem mutações
que atingem a juventude, mas não grande parte da população adulta e anciã.
Os jovens, devido às divisões sociais já apontadas, vão manter alguns
elementos em comum e outros diferentes. Uma grande parte da juventude, por
exemplo, vai adotar o gênero musical hegemônico determinado pelo capital
fonográfico e comunicacional. No final dos anos 1970, a juventude se “embalava
nos sábados a noite” ao som da música disco, nas “discotecas”. Nos anos 1980,
a juventude brasileira ouvia rock nacional e internacional. Nos anos 2020, ouve
funk e sertanejo universitário. Porém, isso não é homogêneo. No final dos anos
1970 alguns apenas ouviam músicas disco, outros, em número menor, não queriam
ouvir e nem gostavam muito. O mesmo ocorre nos outros casos. A questão é
que a música não só se torna ouvida, valorada etc., pela juventude, mas também

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ajuda a criar uma identidade atribuída a ela, pois as canções repassam valores,
sentimentos, concepções, bem como discursos sobre a própria juventude6.
A identidade juvenil é uma parte muito importante da identidade pessoal
para grande parte dos jovens, especialmente os das classes superiores. Para
os estratos superiores das classes inferiores também possui grande força,
inclusive através da inserção em grupos juvenis e estilos de vida. O fato de ser
jovem se torna importante na autoimagem do indivíduo, bem como se relaciona
com gostos, valores, posições políticas etc. Um setor da juventude, no entanto,
mantém-se preso ao tradicionalismo, tal como o ligado às religiões. Parte dos
jovens dos estratos inferiores da classe operária e outras classes inferiores já não
tem um vínculo tão forte, sendo mais superficial e os jovens lumpemproletários
não possuem vínculos, a não ser alguns setores.
De qualquer forma, uma identidade secundária é formada, para além
da identidade juvenil. Alguns elementos da identidade não podem ser absor-
vidos pelos grupos juvenis ou estão presentes na identidade juvenil, como o
temperamento, por exemplo. Além disso, o indivíduo concreto pertence a uma
classe social, possui família específica, entre diversos elementos do processo
histórico de vida que é único. A identidade primária também é retrabalhada
nesse processo de constituição de uma autoimagem. A escolha profissional e
opções políticas também poderão ter forte impacto na criação da identidade
pessoal. A escolha do curso técnico ou universitário pressupõe decisões e
definições, que, caso seja mantido, vai gerar valores, sentimentos, concepções,
bem como determinadas relações e projetos futuros. A opção política pode ter
impacto variável, sendo que, para alguns, pode acabar se tornando o elemento
fundamental da identidade pessoal, seja daqueles que vão aderir à carreira de
político profissional ou para aqueles que vão se tornar militantes durante toda
a vida (ou pelo menos durante grande parte dela).
Os jovens do sexo masculino e feminino também possuem uma ressocia-
lização diferencial, bem como situação diferente, pois a questão financeira e a

6 Seria possível citar diversas músicas que tematizam a juventude em diversas épocas, desde os anos 1960 e
a produção musical voltada para a juventude (também chamada, na época, de “mocidade”) até os dias atuais.
Uma seleção de músicas sobre juventude pode ser acessada nesse link: <https://drive.google.com/file/d/1Bu_
vCFpO4eezg8AIdJds_zf2bw286-zb/view>.

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subordinação da mulher vinculada a isso, promovem diferenciações. Os homens
enfrentarão os desafios da sexualidade e autoafirmação vinculada a ela, bem
como o problema do serviço militar obrigatório, e a exigência de trabalho e
profissionalização; as mulheres enfrentarão alguns problemas comuns ao
lado de outros diferentes, tal como a definição da busca da independência
financeira ou não. A identidade primária é retrabalhada sob formas diferentes
nesses dois casos.
Esses processos são importantes para compreender o processo social
de formação da identidade pessoal. Porém, eles passam por uma nova mutação
com a chegada da maturidade. A entrada na vida adulta promove uma nova
alteração na identidade pessoal. Forma-se, nesse contexto, uma identidade
terciária. A diferença em relação à identidade secundária se manifesta mais
especificamente em alguns pontos, mas não em outros. A questão do tem-
peramento, dos sentimentos, entre outros, geralmente tendem a se manter,
bem como processos sociais, como a profissão, por exemplo. Assim, o grau de
alteração varia de acordo com os indivíduos e seu processo histórico de vida.
Uma vez efetivada a constituição dessa autoimagem na vida adulta, ela
tende a se consolidar e cristalizar. Ao assumir determinado status ou ethos
social, esse processo tende a se manter estável. Assim, a situação de pai ou
mãe, a profissão, o cargo ou posição política, entre outros elementos, tornam-se
fundamentais para a identidade pessoal.

A PERSPECTIVA INDIVIDUAL E A ILUSÃO DA CRIAÇÃO


IDENTITÁRIA

Até aqui trabalhamos o processo social de formação da identidade pes-


soal. Porém, esse mesmo processo pode ser analisado a partir da perspectiva
individual. Como um determinado indivíduo percebe esse processo? Como ele
trabalha em sua mente a sua identidade pessoal? Nesse contexto é preciso
entender que os indivíduos, na maioria dos casos, não geram uma autoimagem
conscientemente. Isso ocorre, geralmente, de forma insciente. Existem casos
em que esse processo ocorre mais conscientemente, tal como colocaremos
adiante, mas são bastante raros e somente em alguns momentos históricos
isso se torna mais elevado quantitativamente. De qualquer forma, o processo

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e as determinações de sua formação de identidade pessoal continuam sendo
inscientes para os indivíduos.
Assim, a constituição da identidade pessoal, da perspectiva do indivíduo,
se forma através de elementos conscientes, semiconscientes, inscientes (não-
-consciente), inconscientes. O universo psíquico dos indivíduos, ou sua mente, é
extremamente complexo, e por isso o processo de constituição da autoimagem
não é simples. Da perspectiva individual, a formação da autoimagem começa na
infância, especialmente no que se refere ao seu temperamento e mais alguns
elementos (nome, sentimentos mais arraigados, aparência física etc.). A base
para essa identidade primária, bastante nebulosa, é a experiência infantil e a
identidade atribuída. Essas duas coisas se complementam. Por exemplo, se
um menino tem um temperamento extrovertido e explosivo, certamente ouvirá
dos pais o comentário equivalente, em linguagem cotidiana, a esse respeito
e poderá passar a se sentir e considerar como sendo parte dele, algo que ele
realmente é. E isso pode solidificar e reforçar esse temperamento ao ponto dele
se tornar também um comportamento rotineiro mesmo sem a situação geradora
original. A socialização, com seu processo de aprovação e reprovação, vai ter
um forte impacto sobre a criança, e assim, a aprovação por ser inteligente pode
incentivar os estudos e uma determinada orientação para questões intelectuais,
assim como a beleza para o cuidado com a aparência.
A identidade secundária já é mais refletida e consciente. Nesse caso, o
jovem estará partindo também de sua experiência juvenil, mas de forma mais
atenta, trabalhando elementos de seu ethos social, personalidade, persona,
identificação, identidade atribuída e expectativa social. A experiência juvenil
remete para um determinado ethos social (e sexual), no qual o indivíduo vai
adquirindo novas experiências, acessando novas informações e ideias, e, ten-
dencialmente, conhecendo mais pessoas e novas relações sociais. O jovem
tem que decidir como vai se comportar no ensino médio (e os filmes norte-a-
mericanos expressam bem essa mutação, embora lá seja uma mudança mais
penosa do que em alguns outros países), como vai experienciar a sexualidade,
em quais grupos vai se integrar, entre diversas outras questões que têm que
decidir. Essas decisões podem ser mais fáceis ou mais difíceis, dependendo
do indivíduo, sua formação anterior, sua situação social, entre diversas outras
determinações. Tais decisões são tomadas a partir dos interesses, vontade,

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valores, informações, possibilidades, oportunidades etc., que o indivíduo tem
à sua disposição.
As experiências adquiridas nesse processo vão formando as bases de
sua autoconsciência e autoavaliação, o que promove um processo complexo
de formação de uma situação marcada pela segurança ou insegurança. Isso
depende das relações travadas com os semelhantes (amigos, colegas de escola,
grupos juvenis, redes sociais virtuais etc.), com a família (a sua maior ou menor
aceitação de mudanças e autonomia individual), o seu rendimento escolar e em
outras formas de competição social, as primeiras experiências amorosas (ou
ausência delas) etc. Uma maior segurança permite um desenvolvimento mais
rápido e maior integração social, enquanto uma maior insegurança pode significar
desenvolvimento mais lento e menor integração social. É nesse momento que o
temperamento “introvertido” e “extrovertido” se consolida, pois na infância ele já
se esboça, mas é nas novas relações sociais que o indivíduo acaba consolidando
esse processo (outros aspectos do temperamento já são definidos antes). Esse
conjunto de experiências formam o ethos social do jovem, o seu modo de ser
na sociedade e que é a base de sua autoconsciência e autoavaliação.
Porém, esse processo não existe isoladamente. Outros aspectos da vida
mental e social do indivíduo atuam na formação de sua identidade secundá-
ria, que substitui a primária, mantendo alguns elementos, alterando alguns e
gerando novos (alguns inevitáveis por causa das novas relações sociais esta-
belecidas). Um outro elemento importante é a personalidade e a persona indi-
vidual que vão se formando. A personalidade, na juventude, vai se ampliando e
tornando-se mais estável com o passar do tempo. No início, muitas indefinições
vão ocorrendo na mente dos indivíduos e vão gerando respostas que vão se
estabilizando, especialmente se estiverem gerando retorno positivo. É o momento
em que o jovem se desliga dos pais e da família em geral e começam a ter
maior influência da escola, grupos juvenis, meios oligopolistas de comunicação
etc. Nesse contexto, novos valores começam a se desenvolver – no sentido da
continuidade ou descontinuidade com os desenvolvidos durante a formação
da identidade primária, bem como ainda podendo ocorrer a situação de mescla
entre os valores anteriores e novos valores. Isso se manifesta na opção pela
vestimenta, o gosto musical e artístico em geral (que varia, obviamente, como

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todos os demais aspectos, de acordo com classe social, família, país, região,
sexo, raça etc.), prioridades, escolhas políticas etc.
O gosto musical de um jovem negro, por exemplo, pode ser atraído para
o samba, reggae, o blues etc., devido a grupos juvenis, estudos e leituras etc.,
enquanto um jovem branco pode preferir rock, MPB, música trivial (“brega”)
ou qualquer outro gênero na moda, dependendo da classe social e outras
determinações. Assim, os jovens das classes inferiores estarão mais próximos
dos modismos musicais e músicas triviais (o negro, por exemplo, dificilmente
vai se aproximar de blues e reggae e o branco, do rock ou MPB, a não ser que
estejam na moda ou por qualquer outra relação social que permita acesso ou
interesse). Nos anos 1960 o rock teve um grande impacto na juventude de todas
as classes sociais, embora com graus diferentes, mas fazia parte do “estilo
jovem”. Contemporaneamente, e isso está de acordo com mudanças culturais
e tecnológicas, que terão repercussão em ideologias (a ideia de “múltiplas iden-
tidades”), a força dos modismos aumenta nas classes inferiores e o ecletismo
aumenta nas classes superiores.
Os valores fundamentais são parte da personalidade e uma vez constituí-
dos se tornam base para os valores secundários, escolhas diversas, ações etc.
Nesse contexto, há também um desenvolvimento intelectual no qual se forma
as concepções mais arraigadas dos indivíduos, que pode se manifestar através
da adesão a uma religião (ou uma aproximação consciente que não existia na
infância, por ser mais formal devido influência dos pais), a uma concepção
política etc. No desenvolvimento da juventude, especialmente para aqueles
que adentram nas universidades, pode haver alterações ou aprofundamento
nesse caso. Os sentimentos também tendem a se tornarem mais profundos,
geralmente vinculados aos valores fundamentais.
Ao lado desse processo de formação da personalidade ocorre também
o desenvolvimento da persona. Esse termo, de origem junguiana (JUNG, 1978),
mas aqui num sentido um pouco diferenciado (VIANA, 2002) aponta para o
processo semelhante ao que Freud denominou “sublimação” (FREUD, 1978) e
Adler (1939) chamou compensação. As formas mais conhecidas de formação
da persona são as atividades intelectuais e artísticas, mas também qualquer
atividade social, política ou outra que se torne relevante e importante para o
indivíduo. A profissão, a atividade política, a produção artística, são os principais

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exemplos. Alguns jovens se dedicam a uma profissão e se identificam com ela
(como no caso da medicina, advocacia, para citar os que fornecem mais status
e estarão na preferência de grande parte dos jovens e de acordo com os desejos
familiares), inicialmente como objetivo de formação e depois na realização desta
no ensino superior. Outros optam por música, teatro etc. Existem aqueles que
adotam duas ou mais escolhas, como, por exemplo, o jovem que optou por fazer
um curso de matemática e formou na universidade uma banda de rock. No futuro
ele escolherá uma das duas como principal, podendo até abandonar totalmente
a outra. Alguns escolhem um determinado ativismo político, seja o partidário ou
o revolucionário, ou, ainda, o que se tornou mais comum nas últimas décadas,
um movimento social.
O outro mecanismo é ainda mais insciente, pois é um processo psíquico de
identificação. Desde a infância o indivíduo realiza identificação, geralmente o pai
ou a mãe, e, além disso, personagens e outros indivíduos importantes. Na juven-
tude, o indivíduo tende a rever esse processo de identificação. Embora alguns
indivíduos praticamente não realizem o processo de identificação, ou o fazem
de forma muito amena e sem grande importância, para alguns indivíduos se
torna fundamental em sua formação. A identificação, nesse caso, é com ídolos
(geralmente artistas, políticos, intelectuais, líderes etc.), personagens, pessoas
próximas pelas quais nutre sentimentos simpáticos etc. A identificação mais
consciente gera, muitas vezes, a busca de imitação, no qual se busca realizar
as proezas do indivíduo admirado. A menos consciente ou insciente, já revela
uma semelhança, no qual o indivíduo admirado possui uma característica já
presente no jovem admirador.
Outro elemento importante na formação da identidade pessoal secundária
é a identidade atribuída. Essa agora se torna mais complexa, indo para além do
círculo familiar e tendo na escola (e através dela o discurso científico, em sua
versão simplificada e popularizada), nos meios oligopolistas de comunicação e
nos grupos juvenis o seu principal elemento definidor, o que, contemporanea-
mente, recebe o apoio da internet e suas redes sociais virtuais. A escola realiza
um processo de classificação, repassa discursos, valores, ideias, que atingem,
bem ou mal, os jovens. A influência da escola é maior ou menor, dependendo
do caso (e caso seja menor, aí os outros elementos ganham primazia), mas ela
acaba gerando atribuições de identidade, tanto pelo caráter classificatório quanto

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pela percepção que apresenta de cada aluno, seja por parte dos professores, da
direção escolar, seja por parte dos demais alunos. Assim, um indivíduo pode ser
classificado como “estudioso” ou “nerd” dependendo de quem faz a avaliação,
mas isso acaba sendo uma identidade atribuída ou o contrário. A classificação
positiva tende a reforçar o jovem a assumir essa identidade. Há também a
classificação coletiva da identidade juvenil, que, na escola, aparece através do
discurso pedagógico, psicológico etc., e, ainda, emerge no discurso político nos
meios estudantis. Assim, alguns jovens vão se orientar pelos estudos e incluir
isso em sua identidade, outros buscarão o ativismo político, a rebeldia etc. E a
maioria adotará elementos da identidade juvenil para se integrar com os colegas
e estar de acordo com os discursos científicos.
Os meios oligopolistas de comunicação exercem um poder enorme na for-
mação de identidades coletivas e faz isso especialmente em relação à juventude.
Nesse processo, a identidade secundária é amplamente influenciada por eles,
embora isso tenha diminuído com a emergência da internet. A identidade juvenil
é formada, basicamente, pelos meios oligopolistas de comunicação. O capital
comunicacional (“indústria cultural”) busca, com base na idade, situação esco-
lar etc., formar um mercado consumidor específico, que é a juventude. Assim,
impulsionada por outros setores do capital que produzem diversas mercadorias
para esse nicho consumidor específico, como roupas e acessórios (que podem
ser bonés, aparelhos específicos etc.), produtos artísticos (especialmente os
musicais, histórias em quadrinhos, filmes, séries televisivas etc.), produtos
esportivos (no caso brasileiro, fundamentalmente, o futebol) etc. Assim, “ser
jovem” é ter um “estilo de vida” e esse é expresso por comportamentos, rou-
pas, gostos etc. No passado, o ator James Dean e o filme Rebeldes sem Causa
(“Juventude Transviada”, na versão brasileira do título) teve um grande impacto
na juventude7, e, assim, se tornou uma fonte de identificação e influência em
elementos da formação da identidade juvenil, assim como Elvis Presley, The
Beatles e outros. Nas décadas posteriores, outros ídolos apareceram, mas sem o

7 Sem dúvida, já existiam comportamentos similares aos apresentados no referido filme. Porém, existiram filmes
anteriores e outros mecanismos para se criar um novo comportamento, sendo que a “rebeldia” era apenas um
elemento e que teve impacto em setores da juventude e não em sua totalidade.

Processos Psicossociais: explorando identidade, comunicação, gênero e relações humanas


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mesmo impacto homogeneizador que esses conseguiram. O jovem tinha, então,
através dos meios oligopolistas de comunicação, como o cinema, TV, Rádio,
um modelo a seguir e uma indicação do que se espera dele e do que ele pode
escolher e fazer. Ele, ao se identificar como jovem, adota vários dos aspectos
da identidade juvenil como sua identidade pessoal.
Isso vale para o caso da identidade atribuída por grupos juvenis. Esses
últimos geralmente apresentam uma versão própria, estilizada e com especi-
ficidades, da identidade juvenil promovida pelos discursos científicos e meios
oligopolistas de comunicação. A internet complementa esse quadro, com seus
vários meios de contato, especialmente as redes sociais virtuais e suas bolhas.
Ela permite não só a veiculação de informação (nem sempre verdadeira e nem
sempre sendo recebida criticamente) e opinião (as mais diversas, mas geral-
mente filtrada por bolhas das quais se faz parte), mas também de identidade
atribuída à juventude e diversos outros grupos sociais que os jovens pertencem
(sexo, orientação sexual, região, nacionalidade, posição política etc.). Os jovens
adotam uma identidade vinculada ao grupo juvenil e compartilhando seus
valores, gostos etc. ou então vinculada à bolha virtual.
Os jovens vivem suas relações com os outros jovens, instituições, adultos
etc., mas tais relações são mediadas por informações, concepções, discursos,
valores, bem como busca de respostas, modelos de comportamento etc., que
são apreendidos, fundamentalmente, através dos meios oligopolistas de comu-
nicação, e, mais recentemente, da internet. Por exemplo, um grupo juvenil punk
no Brasil dos anos 1990 só pôde surgir por ter emergido antes o movimento
punk na Inglaterra nos anos 1970 e esses terem se tornado conhecidos na
sociedade brasileira através, fundamentalmente, dos meios oligopolistas de
comunicação. O mesmo pode ser dito em relação aos “emos”, “góticos” e outros
grupos juvenis no Brasil. Sem dúvida, além da influência de meios oligopolis-
tas de comunicação e de experiências de grupos estrangeiros, cada jovem vai
optar por aderir (ou simpatizar, pois alguns adotam alguns aspectos e não o
conjunto do comportamento e ideias) a um grupo juvenil, estilo de vida etc.,
ou outro de acordo com sua formação anterior, sua situação social (de classe
etc.) e personalidade.
Um último elemento que explica a experiência individual de formação da
identidade pessoal é a expectativa social. A expectativa social é produzida pela

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família e pessoas próximas (vizinhos, comunidades, amigos etc.) em relação ao
indivíduo e pelos meios oligopolistas de comunicação ao nível da juventude em
geral ou pela “sociedade” (o que é hegemônico e reproduzido pela maioria, no
caso). A família tem um papel fundamental nesse processo, pois ela tende a
cobrar mais (isso depende da família) e tentar influenciar mais as decisões dos
jovens, especialmente no âmbito profissional e amoroso. A expectativa geral
é a de que os filhos “vençam na vida”, que consigam boa profissão, riqueza,
sucesso, fama, ou seja, é uma reprodução da sociabilidade capitalista e men-
talidade burguesa8. Essa expectativa, que em alguns casos é uma verdadeira
cobrança (podendo ser constante e exagerada em determinadas famílias), vai
exercer impacto nas decisões juvenis, bem como problemas, tal como os efeitos
psíquicos negativos do excesso de cobranças de si mesmo ou por causa do
fracasso. Em alguns casos, isso manifesta na tradicional sugestão para os filhos
cursarem “direito” ou outro curso que forneça status e dinheiro, pelo menos
no imaginário social. No plano amoroso, geralmente menos focalizado e mais
presente no caso das jovens das classes inferiores, a pressão, em grande parte
dos casos, segue a mesma lógica da sociabilidade capitalista, ou seja, a busca
de relações com pessoas bem-sucedidas ou com potencial para tal.
A expectativa social familiar está em consonância com a dos meios oli-
gopolistas de comunicação, pois é um veículo da reprodução da sociabilidade
capitalista e seu processo de competição, mercantilização e burocratização.
Isso já foi expresso no rock da banda Plebe Rude em sua música “Pressão
Social”: “Há uma espada sobre a minha cabeça/É uma pressão social que não
quer que eu/me esqueça/Tenho que trabalhar/que tenho que estudar/Tem
que ser alguém/que eu não posso ser ninguém”. Ao introjetar esses valores,
objetivos etc., o jovem adota elementos de sua identidade pessoal. Isso ocorre
sob formas diferentes. Para os indivíduos das classes inferiores, esse processo
é mais contraditório, pois é um misto de aceitação e negação, sendo que alguns
aceitam totalmente e outros negam totalmente, bem como alguns aceitam os

8 Sobre esses conceitos, cf. Viana (2008).

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objetivos e negam os meios indicados (legais, morais etc.), tal como coloca o
sociólogo norte-americano Robert Merton (1970).
Em síntese, o jovem possui essas múltiplas determinações que atuam
diretamente em sua vida e ele a percebe, reproduz, nega, altera, a partir de suas
condições concretas e históricas de vida. Cada um desses aspectos poderá rece-
ber tratamento diferenciado por cada indivíduo concreto e isso pode gerar jovens
mais conservadores, mais rebeldes ou até revolucionários, bem como aqueles
que se aproximam mais da religiosidade, da política, do estilo de vida, da busca
pelo dinheiro, pela criminalidade, entre outras possibilidades. E esses processos
específicos geram outras determinações da identidade pessoal. Um jovem reli-
gioso terá parâmetros e autoavaliação diferentes de um militante revolucionário,
um jovem seguidor de ídolos e modismos musicais, um indivíduo dedicado ao
sucesso financeiro acima de tudo ou com fixação na sexualidade, entre outros
casos possíveis. E a opção pela ênfase na religiosidade, militância, modismos,
dinheiro ou sexualidade tem um conjunto de determinações, tanto as de caráter
individual (família, oportunidades, experiências, amizades etc.) quanto sociais
(classe social, raça, sexo etc.). A religiosidade, por exemplo, tende a ser mais
forte nas classes inferiores e, portanto, os jovens dessas classes tendem a
adotá-la e assim ela terá um impacto na formação de sua identidade pessoal.
Como esse processo é insciente, então, na maioria dos casos, o jovem
considera que sua identidade pessoal, quando ele pensa sobre ela ou a solidifica,
é uma produção própria, autônoma, independente. Embora um mero exercício de
se imaginar nascendo noutra classe social, época ou país, já fosse o suficiente
para saber disso, essa ilusão persiste. Um jovem islâmico fundamentalista não
o seria se tivesse nascido na Alemanha na véspera da ascensão do regime
nazista, bem como um jovem da juventude nazista não assumiria tal posição
se tivesse nascido no Irã de 1979 sob comando do aiatolá Khomeini, ou numa
favela do Rio de Janeiro em 1985.
Essa ilusão é reforçada na contemporaneidade, devido a ascensão e
hegemonia do paradigma subjetivista e de diversas ideologias subjetivistas. Isso
será abordado adiante. Aqui importa destacar que a formação da identidade
pessoal, por tudo que foi visto até agora, é um processo social, seja da perspec-
tiva mais geral da sociedade através da socialização, ressocialização e outras
determinações sociais, seja através da perspectiva individual, que demonstra

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que o indivíduo trabalha esses processos a partir de sua inserção específica
na sociedade e seu processo histórico de vida. Além disso, é possível perceber
tendências mais gerais no sentido da formação social da identidade pessoal,
que se alteram com as mutações do capitalismo. A análise dessas tendências
serve para explicar o caso contemporâneo de crescimento da ilusão de auto-
criação identitária, bem como as determinações gerais que atuam em todas
as épocas do capitalismo.

HISTÓRIA E IDENTIDADE PESSOAL

A formação social da identidade pessoal assume formas predominantes


em cada fase da sociedade capitalista. O capitalismo, desde seu longo pro-
cesso de formação, mantém sua essência e muda suas formas. Denominamos
essas formas de desenvolvimento do capitalismo como “regimes de acumula-
ção”. A sociedade capitalista possuiu quatro regimes de acumulação, a partir
da consolidação do modo de produção capitalista: o regime de acumulação
extensivo (da revolução industrial até metade do século 19), o regime de acu-
mulação intensivo (da metade do século 19 até 1945), o regime de acumulação
conjugado (de 1945 até 1980) e o regime de acumulação integral (de 1980 até
hoje)9. Esses regimes de acumulação trazem mudanças sociais gerais, como
o processo de aprofundamento da burocratização, mercantilização e competi-
ção, bem como mudanças culturais de acordo com as novas necessidades da
acumulação capitalista e da classe dominante, especialmente as alterações nos
paradigmas e ideologias hegemônicos. Essas mutações do capitalismo tam-
bém geram o desenvolvimento do capital comunicacional, o desenvolvimento
tecnológico, entre diversas outras.
A formação e surgimento do capitalismo promove a constituição de novas
formas de comunicação, sociabilidade etc., que criam novos ethos, personali-
dade, mentalidade, cultura, gerando um maior desenvolvimento da identidade

9 Não poderemos desenvolver mais essa questão, pois demandaria muito espaço, e por isso indicamos uma
bibliografia que explica e aprofunda essas mutações do capitalismo: Almeida (2020); Viana (2009); Viana (2015),
Viana (2019). Aqui podemos apenas esclarecer que um regime de acumulação institui determinada forma de
extração de mais-valor (relações de trabalho), determinada forma estatal e determinadas relações internacionais.

Processos Psicossociais: explorando identidade, comunicação, gênero e relações humanas


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pessoal. Nas sociedades anteriores já existiam elementos diferenciadores das
classes sociais e em relação a outras coletividades no seu interior, mas no capi-
talismo isso ganha nova dimensão e emerge o indivíduo e sua individualidade
como algo mais destacado e que vai se ampliando com o desenvolvimento
capitalista. As vestimentas, por exemplo, se diferenciavam de acordo com as
classes sociais, mas, no capitalismo, isso se aprofunda e emerge novas dife-
renciações, inclusive no interior das classes sociais. A mudança das classes e
suas dinâmicas, bem como da imagem corporal, entre outros aspectos geram
mais diferenciação social.
Com a formação do capitalismo, o processo de individuação (FROMM,
1981) e a individualidade se desenvolvem ao lado da ampliação da divisão social
do trabalho e outras divisões sociais que passam a ganhar mais importância
social. A classe capitalista busca realizar um processo de distinção (BOUR-
DIEU, 2007), buscando desenvolver uma autoimagem de superioridade, bem
como as diversas classes também vão se distinguir uma da outra, bem como as
profissões. Assim, os indivíduos passam a possuir uma integração menor nas
comunidades e assim se defrontam de forma mais intensa com o problema da
individuação e da individualidade, que, por um lado, aumenta o “vigor do eu”,
mas, por outro, produz uma “solidão crescente” (FROMM, 1981).
Além disso, se forma a mentalidade burguesa, expressando os elementos
da sociabilidade capitalista, com o processo de mercantilização, burocratização e
competição social (VIANA, 2008). Esses processos promovem mutações culturais
amplas, tal como a expansão do individualismo e da competitividade, numa socie-
dade perpassada por divisão de classes e diversas outras divisões e subdivisões
sociais. A identidade pessoal passa a ser algo que ganha importância crescente
e é influenciada pela mentalidade burguesa e as formas de personalidade que
geralmente se conformam a ela, bem como as diferenciações derivadas das
divisões sociais, bem como da moral e ideologia individualistas. A identidade
pessoal do burguês ganha destaque, e, com o desenvolvimento histórico, das
outras classes superiores (especialmente da burocracia e da intelectualidade,
e, secundariamente, da classe latifundiária). O estilo próprio dos intelectuais
vai se formando no final do século 19.
O desenvolvimento da literatura, ao lado da filosofia, religião e ciências
nascentes (incluindo a psicologia e logo depois a psicanálise) começam a ser

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referências na formação da identidade pessoal para indivíduos das classes
superiores. As novas vestimentas (com suas distinções de classe social), tal
como o uso generalizado do chapéu, a autoavaliação medida pelo sucesso
(empresarial, intelectual etc.), as novas formas de personalidade adequadas ao
novo momento da sociedade capitalista consolidada, são algumas das muta-
ções no processo de formação social da identidade em relação aos períodos e
sociedades anteriores.
A passagem para o capitalismo oligopolista, caracterizado pela instituição
do regime de acumulação intensivo, gera novas mutações sociais e culturais, com
a emergência do positivismo como paradigma hegemônico (com o evolucionismo,
cientificismo e outras concepções e ideologias hegemônicas), a formação da
sociedade civil organizada e burocracia civil (partidos, sindicatos etc.), maior
controle estatal, entre outros elementos, também atingem a formação social da
identidade pessoal. Além do aprofundamento de elementos já existentes desde
o regime de acumulação anterior (burocratização, mercantilização, competição,
individualismo, intelectualismo etc.), a figura dos oposicionistas (militantes
revolucionários, marxismo, anarquismo, social-democracia, bolchevismo), e os
primeiros passos do movimento feminino, estudantil e negro, marcam a possi-
bilidade de novas identidades pessoais. A classe intelectual segue a burguesia
e cria seu próprio ethos e valores, supervalorando a cultura (arte, ciência etc.)
ao invés do dinheiro (como forma de compensação por sua situação inferior na
hierarquia social e não possuir capital e riqueza), a classe burocrática emerge
com a valoração da liderança, do poder, do Estado e instituições burocráti-
cas. Os movimentos artísticos também se tornam inspiradores e influências
culturais. A imprensa, especialmente os jornais, também se tornam veículos
de influência e veiculação de informação e homogeneização que impactam a
formação da identidade pessoal. O discurso científico, amplamente hegemô-
nico, especialmente através do positivismo e cientificismo, geram as primeiras
ideologias psicológicas, psicanalíticas, biológicas, médicas, que terão um forte
impacto na formação da identidade pessoal.
Após a crise da década de 1910 e as tentativas das revoluções proletárias
inacabadas, bem como Primeira e Segunda Guerras Mundiais, o capitalismo
entra na fase do regime de acumulação conjugado. Durante o capitalismo oli-
gopolista transnacional dessa época, novas mutações vão atingir o processo

Processos Psicossociais: explorando identidade, comunicação, gênero e relações humanas


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de formação da identidade pessoal. A identidade pessoal passa a ser vinculada,
em muitos casos, com o processo de mercantilização e consumo. Nessa época
se cunhou o termo “sociedade de consumo” e a ideia de reprodução ampliada
do mercado consumidor para evitar a tendência declinante da taxa de lucro
(VIANA, 2008) gera um fortalecimento do vínculo entre identidade e consumo.
A ampliação da burocratização, da mercantilização e da competição
caminha junto com uma forma estatal intervencionista, o Estado Integracionista
(chamado de “keynesiano” ou de “bem-estar social”, tal como se manifestou
nos países capitalistas imperialistas), a expansão do crédito e consumo, a con-
solidação do capital comunicacional com a generalização do rádio e depois da
TV, a ampliação do capital fonográfico e cinematográfico, tornando a música e
o cinema ainda mais influentes, a gestação do mercado consumidor juvenil e
feminino, gerando publicações, produtos culturais e artísticos específicos, modas
específicas, acabam impactando a criação da identidade pessoal de milhares
de indivíduos. A manutenção do cientificismo sob nova forma (funcionalismo,
estruturalismo, sistemismo etc.), os avanços da medicina, psicologia, psicanálise,
acabam também interferindo na produção da autoimagem pelos indivíduos.
A expansão do processo de escolarização, a preocupação com a edu-
cação infantil, nesse contexto cientificista, gera novos vínculos, tal como o
estudantil, que, no final dos anos 1960, assume a forma de revolta, rebeldia e
até de revolução. As revistas femininas, a moda feminina, as estrelas femininas
do cinema (desde as grandes estrelas europeias, como Brigitte Bardot e Cláu-
dia Cardinale até as norte-americanas, como Marylin Monroe, Greta Garbo e
diversas outras), eram fontes de inspiração e imitação por parte das mulheres
e admiração por parte dos homens, sendo que muitos, por sua vez, imitavam
as estrelas masculinas (Clark Gable, Gregory Peck, James Dean, para citar
alguns). A televisão, com seus filmes, seriados, primeiras novelas, também será
uma fonte de comparação, identificação, imitação etc.
Por fim, temos a atual fase do capitalismo, marcado pelo regime de acu-
mulação integral. As mudanças sociais emergem com o Estado neoliberal, as
mutações nas relações de trabalho (toyotismo, participacionismo, terceirização,
precarização etc.), o hiperimperialismo, a intensificação da mercantilização,
burocratização e competição, a expansão tecnológica (computadores, internet,
celulares etc.) e o novo paradigma hegemônico, o subjetivismo. Nesse contexto,

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que emerge após a crise do final dos anos 60 e início dos anos 1970, com a
derrota do movimento operário e movimento estudantil, marca uma época de
incentivo para o individualismo, o hedonismo, o narcisismo, por um lado, e o
grupismo, as identidades coletivas etc., por outro.
A internet e as novas formas comunicacionais vinculadas ou próximas,
abrem também um conjunto de mudanças de acesso, no qual se aumenta
a quantidade de informação acessível, mas não há um desenvolvimento do
processo de formação para uma assimilação crítica dela (inclusive, com a
hegemonia do subjetivismo e seus subprodutos, relativismo, multiculturalismo,
niilismo, irracionalismo etc., se torna ainda mais precária a formação escolar e
formal, bem como se amplia a superficialidade).
A expansão e criação de novos movimentos sociais também complexifica
esse processo, pois se reforça a identidade grupal, que acaba subsumindo as
identidades pessoais em muitos casos. Os indivíduos deixam de formar uma
identidade pessoal marcada pela individualidade e passam a se identificar com
um grupo e com a identidade grupal. Desta forma, uma mulher que assume
uma identidade “feminista”, por exemplo, reduz sua dimensão humana apenas
à condição de indivíduo do sexo feminino (ou “gênero”), esquecendo ou secun-
darizando seus outros grupos de pertencimento (classe, raça, grupo etário,
profissão etc.) e sua individualidade, bem como se limitando às reivindicações
desse grupo em detrimento das de classe social e outros grupos, bem como
individuais. O ser humano universal e sua identidade pessoal é substituído por
um indivíduo com “identidade grupal”. E esse processo, assim como os ante-
riores, é marcado pela ilusão da criação autônoma e independente da identi-
dade, sendo que, nesse caso, o subjetivismo reforça esse processo ilusório e é
ainda mais impositivo com sua criação de identidade atribuída (que nasce com
determinados ideólogos e depois é reproduzido por outros, pelas instituições
educacionais, meios oligopolistas de comunicação e grupos que adotam essas
ideologias, concepções etc.).
Nesse sentido, o capitalismo contemporâneo criou um neoindividualismo,
bem como “identidade grupais” e gerou tanto a ideia de “identidades múltiplas”
como de rigidez identitária. A chamada “fragmentação”, que tem suas raízes
em diversas ideologias contemporâneas, a começar por Foucault e Guattari,
desde os anos 1970, se reproduz na sociedade, seja com o elogio da pluralidade,

Processos Psicossociais: explorando identidade, comunicação, gênero e relações humanas


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multiplicidade, seja através do grupismo e discurso identitário rígido. É nesse
contexto que as crianças e os jovens veem produzindo sua identidade pessoal,
bem como alguns adultos solidificam a sua (mesmo que sua solidificação seja
se afirmar como “fluído”).
Tudo isso apenas confirma o processo pelo qual fica claro que a identidade
pessoal é um produto social e histórico e mesmo sob a forma supostamente
“mais livre”, ela continua submetida a determinações sociais e processos sociais
globais que remetem para a totalidade da sociedade e a divisão social do trabalho,
ou seja, a divisão de classes, com seus conflitos, e com a dominação capitalista
e sua imposição de ideologias, concepções, consumo etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente artigo foi o de refletir e demonstrar que a iden-


tidade pessoal é constituída socialmente. Para tanto, a partir de uma determi-
nada concepção de identidade pessoal (VIANA; VIANA, 2024), trabalhamos
os processos sociais de constituição da identidade, bem como a perspectiva
individual e histórica sobre esse processo. A relação entre identidade e ideolo-
gia fica explícita não apenas através da percepção de que existem concepções
ideológicas de identidade (VIANA; VIANA, 2024), mas também através da análise
da influência da ideologia na constituição da identidade pessoal. No fundo, a
identidade pessoal, em muitos casos, na contemporaneidade, se tornou uma
prisão. No presente artigo pudemos apenas fazer uma breve referência a esse
processo e voltaremos a ele em outra oportunidade de forma mais aprofundada,
inclusive abordando mais profundamente a questão da diferenciação nesse
processo. A conclusão final do presente artigo é que é necessário ir além da
identidade e não se deixar manipular pelas identidades atribuídas, bem como não
se reduzir a uma identidade, seja grupal ou individual. O que interessa aos seres
humanos é satisfazer suas necessidades, desde as básicas às especificamente
humanas (psíquicas, existenciais). Compreender o que é a identidade pessoal e
como ela é formada socialmente é o primeiro passo para se libertar dessa prisão
cultural que transforma seres humanos integrais em seres humanos unilaterais.

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