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CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA


1

ELOANE COIMBRA LIMA

CURRÍCULO DA

Fonte: https://ww2.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=10971

ÁGUA BRANCA-PI
2020
2

Diretor Geral
LeviEdesio
Francisco de Sousa Lima
Carlos Soares

Secretária Acadêmica
Ivânia Pires da
Joselina de Silva
Sousa Oliveira
Costa

Ficha Catalográfica

LIMA, Eloane Coimbra.

Currículo da Educação Básica. 1ª ed. Água Branca; FAS – Cursos de


Graduação. 76p.

Bibliografia

1. Pedagogia 2. Educação 3. Título.

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3

Apresentação do curso .....................................................................


05 06
Apresentação da disciplina.................................................06
09
10
12
UNIDADE 01 13

08 CURRÍCULO: BREVE ABORDAGEM TEÓRICA


1 Currículo: breve abordagem teórica.............................................................. 09
13
16

1.2 Teorias do Currículo........................................................................................ 13


1.2.1 Teorias Tradicionais................................................................................ 13
1.2.2 Teoria Crítica............................................................................................15
1.2.3 Teorias pós-críticas...................................................................................18 16
19
ATIVIDADE...........................................................................................................
18
19
FÓRUM..............................................................................................................26
18

28
29

19 UNIDADE 02
A ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO – CURRÍCULO: ENTRE
35

DISCIPLINARIDADES, INTERDISCIPLINARIDADES… E OUTRAS


IDÉIAS!
2. Abrindo a questão....................................................................................... 20 37
2.1 A Emergência da Interdisciplinaridade...................................................... 22 38
39
2.2 Os Limites da Interdisciplinaridade............................................................26 42
2.3 Finalizando com um Convite: Pensar o Mundo como Multiplicidade........ 27 44
ATIVIDADE......................................................................................................3146
48
FÓRUM........................................................................................................... 31
50
. 52
54
61
4

UNIDADE 03

32 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO


BÁSICA
Introdução..................................................................................................... 33
3. Referências conceituais............................................................................ 35
3.1 A Base Nacional Comum Curricular........................................................ 39
3.1.1 Competências Gerais da Educação Básica......................................... 41
3.2 Diretrizes e Políticas Pedagógicas para as instituições de Educação
Infantil............................................................................................................ 42
3.3 A identidade do atendimento na Educação Infantil................................. 46
3.4 A função sociopolítica e pedagógica da Educação Infantil..................... 48
3.5 Uma definição de currículo na Educação Infantil.................................... 50
3.6 A visão de criança: o sujeito do processo de educação......................... 51
3.7 Princípios básicos................................................................................... 53
3.8 Objetivos e condições para a organização curricular.............................. 56
ATIVIDADE................................................................................................... 63
FÓRUM......................................................................................................... 63

UNIDADE 04

64 A NECESSÁRIA E FUNDAMENTAL PARCERIA COM AS FAMÍLIAS


NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Introdução....................................................................................................... 65
4. A organização das experiências de aprendizagem na proposta
curricular......................................................................................................... 66
4.1 O processo de avaliação........................................................................... 70
4.2 O acompanhamento da continuidade do processo de educação............. 72
ATIVIDADE......................................................................................................73
FÓRUM............................................................................................................73
REFERÊNCIAS............................................................................................... 74
5

A concretização de um curso superior em Pedagogia na modalidade à


distância tem como meta o atendimento às necessidades de toda comunidade
quanto ao acesso e atendimento ao um ensino superior de qualidade. Desse modo,
propõe-se a importância para o curso de Pedagogia numa perspectiva histórico-
cultural, tendo como eixo articulador a interdisciplinaridade e a busca da construção
de um currículo integrador.
As disciplinas pedagógicas que formulam o currículo foram moldadas para
uma sociedade cujo princípio da qualidade torna-se prioridade a partir da relação
teoria-prática de um trabalho docente de qualidade que procure satisfazer as
necessidades de aprendizagem, enriquecendo as experiências do educando no
processo educativo.
É dentro desta ideia que o curso de Pedagogia da FAS na modalidade à
distância constitui-se de uma base comum formada pelos conhecimentos de
ciências humanas aliadas a tecnologia, de uma parte diversificada com uma
ampliação dos fundamentos na leitura do fazer pedagógico dentro da escola e da
sociedade e uma parte complementar com o objetivo de trabalhar os problemas
educativos da realidade educacional em vista a qualificação do professor com novas
formas de intervenções como aplicações de ferramentas metodológicas.
A FAS tem como recurso didático-educacional o uso de materiais como
apostilas/livros, plataformas virtuais, internet, vídeos e principalmente um excelente
sistema de acompanhamento à distância através de tutores e monitores. É válido
salutar que este curso otimiza sempre seus resultados pelas experiências existentes
e atendem a ampla procura de profissionais da área educacional.
Os profissionais da área da educação serão orientados a sempre desenvolver
a capacidade de intervenção científica e técnica assegurando a reflexão critica
permanente sobre sua prática e realidade educacional historicamente
contextualizada. O que espera deste docente é sua capacidade de (re) construir seu
projeto pessoal e profissional a partir da compreensão da realidade histórica e
profissional diante das políticas que direcionam as práticas educativas na sociedade.
6

A disciplina de Currículo é importante para a formação do Pedagogo uma vez


que trata sobre a estrutura técnica pedagógica da educação básica no Brasil. A
concepção do currículo escolar centrado no conhecimento privilegia a apropriação
do patrimônio científico cultural acumulado em lugar do avanço em direção a novas
descobertas e fronteiras científicas. Sua didática é frontal, expositiva e fácil de
observar e de aprender, motivo pelo qual ainda predomina em muitas salas de aula.
Ao longo da história, o currículo centrado no conhecimento garantiu que o legado
das várias gerações fosse assimilado, preservado e transferido para uma nova
geração.
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9
394/96 de 24 de dezembro de 1996, os professores e especialistas em Educação
Básica se depararam com uma série de novas orientações e regulamentações sobre
a organização do currículo, bem como procedimentos pretensamente mais
adequados para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Isto
demostra a relevância da temática dentro do contexto educacional contemporâneo
Bons Estudos.

BONS ESTUDOS!

Eloane Coimbra Lima


Licenciado em Pedagogia e Bacharelado em Psicologia
Mestre em Psicologia Universidade de Fortaleza
Especialista em Docência do Ensino Superior e Psicopedagogia
Professora do Instituto Superior de Educação Programus
7
8

UNIDADE 01
Currículo: breve
abordagem teórica

Fonte: http://mayurielpaco.blogspot.com/p/la-teoria-curricular-y-la-elaboracion_02.html
Currículo da Educação Básica 9

1 Currículo: breve abordagem teórica 1

As reflexões em torno do currículo, sob perspectivas diferentes ou


semelhantes, fazem-se presentes nos discursos pedagógicos, nas propostas
educacionais, nas propostas pedagógicas das escolas e na formação de professores
e, especialmente, fazem-se presentes no meio acadêmico, sendo que muitos
pesquisadores têm dedicado especial atenção aos estudos curriculares, conforme
assinalam Arroyo (2007), Moreira (2001, 2008, 2009, 2010), Moreira e Candau
(2007), Moreira e Garcia (2008), Moreira, Pacheco (2005), Pacheco e Garcia (2004),
Macedo (2006), Oliveira (2006), Lopes (2005, 2006), Padilha (2004) e Berticelli
(2005), Goodson (2009, 2012), dentre outros.
Muitos sentidos são atribuídos ao termo “currículo”, um desses sentidos diz
respeito à etimologia da palavra, que advém do latim, do verbo correre = correr e
significa percurso a ser realizado, pista de corrida, caminho a seguir. Outras
definições são atribuídas ao termo, como o conjunto de disciplinas de um curso; os
conteúdos a serem trabalhados com os alunos; as experiências de aprendizagem a
serem vivenciadas pelos alunos; o mecanismo pelo qual o conhecimento é
distribuído socialmente, ou, os planos pedagógicos; a seleção cultural e os meios de
avaliação, dentre outras atribuições. Entre todas as definições, pode-se dizer que há
algo em comum, um elo de identificação que permeia todas as concepções, que é a
ideia de organização das experiências, daquilo que se faz na sala de aula e fora
dela, no espaço de uma unidade escolar e que se relaciona com o processo
educativo.
O estudo, a compreensão e a produção teórica em torno do currículo variam
em função da época em que as práticas curriculares se realizam e isto significa que
há mudanças de significações atribuídas ao currículo de acordo com o tempo e as
mudanças pelas quais passa a sociedade, refletindo visões de mundo,
compromissos e posicionamentos teóricos. Nesse sentido, torna-se tarefa difícil e
complexa tomar uma definição como sendo a que representa a concepção de
currículo, uma vez que não, há, entre os estudiosos dos estudos curriculares,
consenso sobre tal definição, sendo o termo, polissêmico, com significados diversos
e, em torno dele há o que Pacheco (2005) chama de “erosão semântica”.

1
Texto Disponível em: http://www.anpae.org.br/simposio26/1comunicacoes/RoseliBatistadeJesus-
ComunicacaoOral-int.pdf. Acesso em: 29 out. 2013. (Com Adaptação).
Currículo da Educação Básica 10

De acordo com Goodson (2012), o termo currículo surgiu na Universidade


de Glagow, em 1633, quando foi utilizado para se referir ao curso seguido pelos
alunos. No que tange ao termo “currículo”, pode-se dizer que foi dicionarizado pela
primeira vez em 1663, sendo entendido como “[...] um curso regular de estudos
numa escola ou numa universidade, sentido este que se impõe no vocabulário
educacional.” (PACHECO, 2005, p. 29). Numa visão mais global, nas décadas de
1960 e 1970, as discussões sobre currículos escolares tiveram início no continente
americano, impulsionadas, especialmente nos Estados Unidos.

De acordo com Silva (2009) e, também, com Moreira (2004) o currículo,


enquanto objeto de estudo educacional, teve origem nos Estados Unidos, nos
anos vinte, numa visão puramente prática e organizacional. Nesse contexto,
Bobbitt, em 1918, publicou o livro The Curriculum, considerado como marco no
que tange aos estudos sobre currículo. Bobbit entendia que o currículo deveria
centrar-se nos déficits das pessoas, em suas deficiências, fossem culturais,
pessoais ou sociais.

As ideias de Bobbitt influenciaram a educação dos Estados Unidos no final do


século XX, concorrendo com as de outro autor também influente na época, mas em
menor proporção, John Dewey que, em 1902 publicou um livro que abordava
aspectos relativos ao currículo. Diferente de Bobbitt, cuja preocupação centrava-se
na economia e na formação do adulto, Dewey preocupava-se com a construção da
democracia, centrando o currículo em conceitos como inteligência social e mudança,
tendo como foco os problemas sociais. Contudo, na época, foram as ideias de
Bobbitt que nortearam os estudos curriculares por décadas, sendo reforçadas,
consolidadas com os pressupostos de Ralph Tyler, em 1949.
O pensamento de Tyler influenciou não apenas os estudos sobre currículo
nos Estados Unidos, mas também em outros países, como no Brasil. O paradigma
Currículo da Educação Básica 11

por ele proposto centrava-se no desenvolvimento e na organização e buscava


responder quatro questões, conforme diz Silva (2009, p. 24):

‘1. Que objetivos educacionais devem a escola procurar atingir? 2. Que


experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade
de alcançar esses propósitos? 3. Como organizar eficientemente essas
experiências educacionais? 4. Como podemos ter certeza de que esses
objetivos estão sendo alcançados?’ As quatro perguntas de Tyler
correspondem à divisão tradicional da atividade educacional: ‘currículo’ (1)
‘ensino e instrução’ (2 e 3) e ‘avaliação’ (4).

Doll (1997), também discute essa estrutura apresentada por Tyler e diz que
as perguntas de Tyler se caracterizam como uma variação do método geral de
Decartes, cuja propositura se constituía em “conduzir corretamente a razão e buscar
a verdade nas Ciências” (DOLL, 1997). Para o autor, em ambos os casos, ou, tanto
no modelo de Decartes quanto de Tyler, a aprendizagem é reduzida a um sistema
fechado, limitado ao que já existe, ao que as Ciências já estabeleceram como certo
e finito, ao já conhecido.
Ao falar das teorias do currículo, Silva (2009) denomina os estudos
curriculares que marcaram o início do século XX, de “Teoria Tradicional” do
currículo. Na perspectiva das teorias tradicionais, o currículo deveria dedicar
especial atenção a estes elementos curriculares: ensino, aprendizagem, avaliação,
metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos.
A partir de 1960, a concepção técnica de currículo passou por inúmeras
críticas, em vários países, num movimento contrário às concepções burocráticas e
administrativas no âmbito escolar. Nos Estados Unidos, as teorizações sobre
currículo foram influenciadas pelo denominado “movimento de reconceptualização”
e, na Inglaterra, pelo que se chamou de “nova sociologia da educação”, tendo
Michael Young como precursor. No Brasil, destacam-se os estudos de Paulo Freire
e, na França, Althusser, Bourdieu e Passeron, Baudelot e Establet. (SILVA, 2009).
As publicações desses estudiosos constituíram a base da “Teoria Crítica”, cujo ápice
se deu entre os anos 70 e 80.
Nos anos 1980, a centralidade das discussões se fixou nos objetivos sociais e
políticos do ensino, como também na estratificação do público-alvo. Houve, na
época, a reafirmação das disciplinas tradicionais e o debate sobre o ensino no
âmbito de cada escola. A educação, nesse período, era de responsabilidade dos
Currículo da Educação Básica 12

professores, os quais deveriam iniciar e promover a mudança educacional, mudança


esta motivada por fatores externos.
A partir dos anos 90, as discussões em torno do currículo tomaram novos
caminhos, delineando o que se denominou por pensamento ou “Teorias pós-críticas”
do currículo. As teorias pós-críticas, segundo Silva (2009), muito contribuíram para a
compreensão e os estudos acerca do currículo, alargando o entendimento sobre os
processos de dominação, as relações de poder que se estabelecem nos espaços
educativos. Sendo assim, o currículo é e pode ser e representar muitas coisas, mas
é também aquilo que se faz dele, sendo que educadores, estudiosos e
pesquisadores podem, de muitas formas, defender a maneira como entendem,
compreendem o currículo.
Contudo, em dias atuais, o currículo não pode ser visto e pensado sem se
considerar as relações entre o mesmo e o poder, sendo que, na perspectiva pós-
crítica, o conhecimento é inerente ao poder, de forma que “[...] o mapa do poder é
ampliado para incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia, no
gênero e na sexualidade” (SILVA, 2009, p. 149).
Independente da concepção que se tenha sobre currículo, a questão central
que deve nortear qualquer teoria curricular, segundo Silva (2009), diz respeito ao
conhecimento a ser ensinado, a seleção do mesmo, qual conhecimento é
considerado válido e merece fazer parte do currículo. Isto porque “[...] o currículo é
sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos
e saberes, seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”
(SILVA, 2009, p. 15).
Com esse pensamento, Pacheco, 2005, diz que qualquer teorização sobre o
currículo deve ligar-se à prática curricular, com propostas não apenas teóricas, mas
que possam dar conta dos problemas que surgem no cotidiano escolar. São as
teorias curriculares, então, abordagens das concepções que dizem respeito à
realidade e que, mesmo de maneira indireta, abarcam e retratam situações
cotidianas e práticas da educação. Nessa visão, as teorias curriculares, são, assim
como também disse Silva (2009), discursos e perspectivas sobre a educação e
estes discursos e perspectivas influenciam nossos pensamentos e escolhas
educacionais, assim como as decisões em torno do currículo, pois “[...] quando uma
teoria curricular é entendida como um instrumento de análise conceptual que pode
Currículo da Educação Básica 13

ajudar-nos a compreender a realidade educacional através de um processo


permanente de interrogação e de questionamento das práticas”.

1.2 Teorias do Currículo2

Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/teorias-curriculares.htm

1.2.1 Teorias Tradicionais

A teoria tradicional procura ser neutra, tendo como principal foco identificar os
objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador especializado ou
proporcionar uma educação geral, acadêmica, à população. Silva (2003) explica que
essa teoria teve como principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo
em um momento no quais diversas forças políticas, econômicas e culturais
procuravam envolver a educação de massas para garantir que sua ideologia fosse
garantida. Sua proposta era que a escola funcionasse como uma empresa comercial
ou industrial. Segundo Silva (2003, p. 23) apud Hornburg e Silva (2007):

2
Texto Disponível em: http://amigadapedagogia.blogspot.com.br/2011/02/teorias-do-curriculo.html.
Acesso em: 29 out. 2013.
Currículo da Educação Básica 14

[...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por


estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por
sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias
para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta.

O modelo que Bobbit propunha era baseado na teoria de administração


econômica de Taylor e tinha como palavra-chave a eficiência. O currículo era uma
questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. A tarefa dos
especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das habilidades, em
desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem
desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição para
dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas ideias influenciaram muito a
educação nos EUA até os anos de 1980 e em muitos países, inclusive no Brasil.
Tyler também determinou como identificar ou onde encontrar as respostas às
perguntas por ele propostas para elaborar o currículo. Para Tyler, deveriam ser
feitos estudos sobre os próprios aprendizes, sobre a vida contemporânea fora da
educação, bem como obter sugestões dos especialistas das diversas disciplinas.
(SILVA, 2003). Mas, para fazer esse levantamento, as pessoas envolvidas deveriam
respeitar a filosofia social e educacional com a qual a escola estivesse
comprometida, bem como com a psicologia da aprendizagem.
Numa linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria
de Dewey, na qual aparecia mais a preocupação com a democracia do que com o
funcionamento da economia (SILVA, 2003). Essa teoria dava, também, importância
aos interesses e às experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava
mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo a escola um local para
estas vivências. Em sua teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação com a
preparação para a vida ocupacional adulta. A questão principal das teorias
tradicionais pode ser assim resumida: conteúdos, objetivos e ensino destes
conteúdos de forma eficaz para ter a eficiência nos resultados.
Currículo da Educação Básica 15

1.2.2 Teoria Crítica

Fonte: http://www.unimep.br/teoriacritica/index.php?fid=116&ct=2636

Em meio aos muitos movimentos sociais e culturais que caracterizaram os


anos de 1960 em todo o mundo, surgiram às primeiras teorizações questionando o
pensamento e a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as
concepções sobre o currículo. As teorias críticas preocuparam-se em desenvolver
conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, o que
o currículo faz. No desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação entre
educação e ideologia.
A ênfase das teorias críticas estava no significado subjetivo dado às
experiências pedagógicas e curriculares de cada indivíduo. Isso significava observar
as experiências cotidianas sob uma perspectiva profundamente pessoal e subjetiva,
levar em consideração as formas pelas quais estudantes e docentes desenvolviam,
por meio de processos de negociação, seus próprios significados sobre o
conhecimento. Embora tenham tentado identificar tanto as teorias marxistas como
as ligadas à fenomenologia com o movimento reconceptualista, os pensadores
ligados às ideias marxistas não queriam muito essa identificação em virtude do
aspecto estritamente subjetivo de sua teoria.
Silva (2003) cita um movimento crítico em relação às teorias de currículo que
ocorreu na Inglaterra, com Michael Young. Essa crítica era baseada na sociologia e
passou a ser conhecida como Nova Sociologia da Educação. Diferentemente das
outras teorias que tinham como base as críticas sobre as teorias tradicionais de
educação, esta tinha como referência a antiga sociologia da educação, que seguia
uma tradição de pesquisa empírica sobre os resultados desiguais produzidos pelo
sistema educacional, preocupada principalmente com o fracasso escolar de crianças
das classes operárias. Porém, essas pesquisas fundamentavam-se nas variáveis de
entrada, classe social, renda e situação familiar, e nas variáveis de saída, resultado
Currículo da Educação Básica 16

dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de verificar o que


acontecia entre esses dois pontos.
São as ações implícitas que caracterizam o currículo oculto. Estão presentes,
mas não estão organizadas ou planejadas no currículo e tanto podem ser positivas
como negativas. Para as teorias críticas, estas ações geralmente ensinam o
conformismo, a obediência e o individualismo, ou seja, comportamentos que
mantêm a ideologia dominante.

1.2.3 Teorias pós-críticas

Fonte: https://prezi.com/rs2d5knhtidk/as-teorias-pos-criticas/

É possível analisar as teorias pós-críticas considerando o currículo


multiculturalista, que destaca a diversidade das formas culturais do mundo
contemporâneo. O multiculturalismo, mesmo sendo considerado estudo da
antropologia, revela que nenhuma cultura pode ser julgada superior a outra. Em
relação ao currículo, o multiculturalismo aparece como movimento contra o currículo
universitário tradicional que privilegiava a cultura branca, masculina, europeia e
heterossexual, ou seja, a cultura do grupo social dominante.
A partir desta análise, houve a proposição de que o currículo também
incluísse aspectos de formas mais representativas das diversas culturas dominadas.
Assim, surgiram duas perspectivas: a liberal ou humanista e a mais crítica.
Currículo da Educação Básica 17

A linha liberal defende ideias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa


entre as culturas, e a visão crítica pontua que, dessa forma, permaneceriam intactas
as relações de poder, em que a cultura dominante faria o papel de permitir que
outras formas culturais tivessem seu “espaço”. De acordo com Silva (2003, p. 90): “O
multiculturalismo mostra que a gradiente da desigualdade em matéria de educação e
currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por
exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”.
As desigualdades criadas dentro do processo escolar não aparecem apenas
nas relações de poder entre grupos dominantes a partir de questões econômicas,
mas também nas diferenças raciais, de sexo e gênero, quando são colocados como
dominantes valores, como a superioridade masculina e a branca.
Diante do exposto, é possível constatar que nas primeiras teorizações sobre o
currículo, este teve papel puramente burocrático e mecânico, com questões
relacionadas a procedimentos, técnicas, métodos e avaliação, comparando a escola
a uma empresa. As teorias tradicionais se apresentam, assim, como neutras,
científicas e desinteressadas, já que os saberes dominantes representam a
existência do que ensinar e as técnicas existentes, já definidas cientificamente,
servem justamente para que o ensino se realize. Por isso, resta apenas transmitir o
conhecimento inquestionável, de forma bastante organizada, utilizando-se, para
tanto, das técnicas desenvolvidas pela ciência.
As teorias críticas e pós-críticas não aceitam esses argumentos,
apresentando questionamento sobre o porquê de se trabalhar determinados
conhecimentos e não outros, tentando desvelar a ideologia oculta sob o rótulo da
neutralidade científica e privilegiando outras características, que, segundo elas,
deveriam permear as discussões relacionadas ao currículo escolar. Surgiram para
repensar este papel, que se dizem neutros no currículo tradicional, e questionar a
pura transmissão de conhecimentos elaborados por um determinado grupo. As
teorias críticas, por sua vez, atacaram as perspectivas empíricas sobre o currículo
tradicional.
Compreender as teorias do currículo foi relevante para entender a história e
os interesses que envolvem a construção curricular, proporcionando um olhar mais
crítico nos nossos currículos, o que eles trazem e fazem e em que precisam mudar.
Currículo da Educação Básica 18

1. A partir das concepções expressadas por Silva (2003, 2009) acerca do currículo,
elabore seu próprio conceito, destacando a importância deste para uma educação
democrática e de qualidade.
2. Considerando as teorias: tradicional, crítica e pós-crítica, especifique os pontos em
que elas apresentam diferenças significativas.

Dentre as teorias de currículo, qual delas é mais


significativa para o sistema educacional e por quê?
Currículo da Educação Básica 19

UNIDADE 02
A Organização do Currículo –
Currículo: entre
disciplinaridades,
interdisciplinaridades… e outras
idéias! 3
(Sílvio Gallo)

Fonte https://www.infoescola.com/pedagogia/interdisciplinaridade/
Currículo da Educação Básica 20

2. Abrindo a questão...

Estamos acostumados, nas escolas, a trabalhar no contexto das chamadas


“grades curriculares”. Em geral, elas são compostas por disciplinas, cada uma delas
representando uma área do conhecimento humano. Acostumamo-nos com esta
realidade, pensamos que seja “natural” que aconteça assim e, raramente, nos
perguntamos qual a razão disto.
Quando olhamos para a história, porém, vemos que esta tendência é antiga.
Ainda durante a antiguidade grega e romana veremos diferentes exemplos de
conjuntos de saberes que eram chamados a compor o conjunto de “artes e ciências”
a serem aprendidas. As diferentes áreas – podemos dizer disciplinas – sofreram
uma série de alterações, culminando na organização dupla feita por Marciano
Capella (410-439) sob o nome de trivium (gramática, retórica e filosofia) e
quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), que dominaria todo o
período medieval, articulada com os estudos da fé, e seria a base mesma da
educação da modernidade.
Subjacente a esta concepção de educação e de currículo, estava a noção de
que o mundo, a realidade, constitui uma totalidade que não pode ser abarcada
completamente pelo espírito humano. Portanto, é necessário dividir os saberes em
áreas, em aspectos distintos, que devem ser estudados, aprendidos e articulados,
numa visão enciclopédica (os gregos falavam em enkyklios Paidéia, uma formação
geral e completa; a palavra “enciclopédia” deriva da noção de círculo – kyklios –,
símbolo da totalidade e da completude para eles). Assim, podemos dizer que o
processo educativo implica a perda da totalidade da ignorância para, através da
análise (que, por sua vez, significa a divisão em partes), possibilitar o conhecimento
e, finalmente, recuperar a totalidade, agora como sabedoria. Eu diria que esse é o
fundamento primeiro de uma filosofia do currículo disciplinar.
Na modernidade, com o advento do método científico, assistimos a uma
proliferação cada vez maior e mais rápida das disciplinas, que num movimento
intenso de especialização, vão se subdividindo e criando novas áreas. O filósofo,

______________________
3
Texto disponível em: SALTO PARA O FUTURO. Currículo: conhecimento e cultura. ISSN 1982 –
0283. Ano XIX – Nº 1 – Abril/2009. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância.
Currículo da Educação Básica 21

geômetra e matemático René Descartes, vestem por muitos como uma espécie de
“pai da modernidade”, criou uma imagem interessante para o conjunto dos
conhecimentos: a árvore dos saberes. Nessa imagem, as raízes da árvore
representariam o mito, como conhecimento originário; o tronco representaria a
filosofia, que dá consistência e sustentação para o todo; os galhos, por sua vez,
representariam as diferentes disciplinas científicas, que por sua vez se subdividem
em inúmeros ramos. Interessante notar que a imagem da árvore, por mais que dê
vazão ao recorte, à divisão e às subdivisões, remete sempre de volta à totalidade,
pois há uma única árvore, e para além do conhecimento das partes, podemos
chegar ao conhecimento do todo, isto é, tomando distância podemos ver a árvore
em sua inteireza.
É quase impossível não transportar imediatamente a imagem da árvore para
o currículo disciplinar. Também aí, nesse currículo que marcou a escola como
instituições modernas podem ver subjacente, a imagem da árvore. E, através da
árvore, o anseio à totalidade, por mais que se tenha investido na fragmentação dos
saberes, na compartimentalização das disciplinas na composição dos currículos.
No movimento essencialmente moderno de disciplinarização, de paulatina e
crescente especialização dos saberes, assistimos à perda da totalidade (como
ignorância) para possibilitar o conhecimento; nesse processo, vão-se criando as
diferentes ciências e proliferam os novos saberes. Nas escolas, o processo é
reproduzido na dimensão do ensino-aprendizagem, e os currículos mais e mais se
especializam, subdividindo-se cada vez mais. No entanto, quanto mais nos
enfronhamos pelos galhos da árvore, mais difícil fica vislumbrar a árvore em sua
completude; às vezes, chega-se mesmo a se perder a dimensão da unidade, de que
a árvore é uma só e que aquele ramo daquele galho é parte deste todo.
É curioso que, num determinado momento, dado todo o avanço científico e
tecnológico, certos problemas já não podem ser resolvidos pela especialização
científica. Na educação, por sua vez, os professores começaram a espantar-se
frente ao fato de que os estudantes, após aprender disciplinarmente, raramente
conseguiam fazer a operação lógica para recuperar a totalidade, articulando os
saberes que aprenderam de forma isolada.
Currículo da Educação Básica 22

2.1 A Emergência da Interdisciplinaridade

Por conta disto, nas últimas décadas, a questão da interdisciplinaridade tem


estado muito em moda nos debates educacionais; e como toda coisa importante
que, de repente, vira modismo, esvazia-se de sentido. Muita gente tem usado esse
conceito como uma espécie de “trava-línguas”, uma palavra da qual não se faz a
menor ideia do significado, mas que é inserida no discurso para dar um certo ar de
“intelectualidade”, de modernidade. E uma questão de extrema importância vira
brincadeira de criança...
Vamos, então, em busca de seu sentido, que me parece transparente: a
interdisciplinaridade é a consciência da necessidade de um inter-relacionamento
explícito e direto entre as disciplinas todas. Em outras palavras, a
interdisciplinaridade é a tentativa de superação de um processo histórico de
abstração do conhecimento que culmina com a total desarticulação do saber que
nossos estudantes (e também nós, professores) têm o desprazer de experimentar.
A realidade do ensino contemporâneo é a compartimentalização do
conhecimento, fenômeno constituinte de um todo maior, a especialização do
saber. Nas sociedades antigas, a produção do conhecimento fazia-se em resposta
às necessidades de explicação de uma realidade misteriosa que era experimentada
no dia a dia, espantando os nossos ancestrais e levando-os a formular questões
fundamentais em torno do sentido da vida e do universo. As respostas então
construídas estavam inseridas naquele contexto social e eram necessariamente
globalizantes: misturavam religiosidade, engenhosidade e praticidade.
Desse modo, os primeiros conhecimentos sobre o mundo construídos pelo
homem não estavam dissociados, mas todos brotavam de um ponto comum e
procuravam explicá-lo; ao surgir a Astronomia, a observação sistemática dos astros
no céu, aparecia a necessidade de medir seus movimentos, metrifica-los, dando
maior impulso à Matemática e à Geometria; a explicação dos movimentos que
ocorriam na Terra e no Universo levava à Física e a mais avanços na Matemática, e
assim sucessivamente.
Com o crescente acúmulo do saber, entretanto, foi ocorrendo uma
especialização cada vez mais radical: um físico, por exemplo, é cada vez menos um
matemático, no sentido de que não mais estuda a Matemática em si mesma, mas
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apenas se utiliza dos processos matemáticos já existentes para poder equacionar as


questões teóricas com que trabalha na Física. E o mesmo ocorre com as demais
ciências, pois quanto mais conhecimentos são acumulados sobre uma determinada
faceta do saber, mais difícil fica para que cada indivíduo domine a totalidade do
conhecimento global sobre a realidade.
Uma ilustração bastante prática desta brutal especialização do saber
podemos encontrar na medicina. Antigamente, era muito comum a figura do “clínico
geral”, um médico que procurava entender as doenças do paciente como um
processo somático global, envolvendo então todo o organismo e mais as ansiedades
e contradições psicossociais do indivíduo. Com o crescimento dos conhecimentos
médicos acerca do corpo humano, esta postura médica foi cada vez mais relegada a
um segundo plano, enquanto ficava cada vez mais importante a figura do
“especialista”, um profissional que conhece a fundo um dos aspectos ou sistemas de
nosso corpo. Desta maneira, hoje é comum que consultemos um cardiologista que
se esforçará para descobrir possíveis falhas e/ou disfunções em nosso coração ou
sistema circulatório, sem na maioria das vezes dar-se conta de que este sistema,
tomado isoladamente, perde todo seu sentido, pois é parte de um organismo muito
mais abrangente...
São evidente que a perspectiva da especialização nos trouxe inúmeros
benefícios, promovendo imensos avanços no conhecimento, mas é preciso que não
percamos de vista a necessidade de compreender sempre essas especializações
como parte de um todo complexo e inter-relacionado, sob pena de desvirtuarmos o
próprio conhecimento adquirido ou construído.
Mas o que tudo isso tem a ver com a educação? Acontece que o processo
que ocorre com a medicina é emblemático, é análogo àquele que aconteceu
historicamente com o conhecimento humano sobre o universo, na aventura do saber
que o filósofo Auguste Comte, no século XIX, descreveu como a evolução do
pensamento mitológico, teológico e filosófico para o pensamento científico. Mesmo
discordando da cega fé na positividade da ciência, é inegável o progresso da ciência
e da técnica ao longo da história da humanidade. Na medida em que aumenta a
quantidade de conhecimento, fica mais difícil se perceber a relação entre as várias
áreas e as várias perspectivas, processo este que acaba por culminar na abstração
que vivemos hoje: o total alheamento, a completa dissociação entre os vários
conhecimentos.
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Quando assiste a uma aula de História, cada aluno abre a “gavetinha” de seu
“arquivo mental” em que guarda os conhecimentos históricos; ao final da aula, fecha
essa “gavetinha” e abre aquela referente à matéria a ser estudada na próxima aula,
e assim por diante... E como cada uma das “gavetinhas” é estanque, sem nenhuma
relação com as demais, os alunos não conseguem perceber que todos os
conhecimentos vivenciados na escola são perspectivas diferentes de uma mesma e
única realidade, parecendo cada um deles autônomo e autossuficiente, quando na
verdade só pode ser compreendido em sua totalidade como parte de um conjunto,
peça ímpar de um imenso puzzle que pacientemente montamos ao longo dos
séculos e dos milênios.
Vale ressaltar que essa compartimentalização é sustentada e intensificada
pelo aparelho burocrático da escola do qual nós, professores, somos fiéis
instrumentos, através de nossos programas, livros-texto, diários de classe etc.
Desse modo, que relação pode haver entre uma aula de História e uma de
Geografia ou uma aula de Ciências?
O que devemos inferir dessa breve análise do processo histórico de
construção do saber é que a responsabilidade pelo desvio da especialização — que
acaba por se ver refletido na estrutura de nossa educação — não pode ser imputada
aos professores nem, muito menos, aos alunos. Por outro lado, os professores
podem ter uma participação extremamente importante no processo de romper com
essa tradição alienante e superar a contradição histórica entre o saber e a realidade.
Como podemos fazer isso? Quebrando, na medida de nossas possibilidades
— sem dúvida alguma, sensivelmente limitadas pela burocracia escolar —, a
compartimentalização de que é vítima nosso sistema educacional.
O objetivo deste texto não é o de fornecer “receitas” de como se deve ou de
como se pode trabalhar de forma interdisciplinar, nem muito menos desenvolver
uma análise de “especialista” sobre o assunto, mas convidar os colegas à reflexão e
ao debate, rompendo antes de tudo as nossas próprias amarras, aquelas que nos
ancoram nos portos seguros de nossas especialidades, alheios aos monstros e às
tormentas que povoam os mares desconhecidos das demais áreas de
conhecimento.
Sem dúvida alguma, é bastante difícil para qualquer professor trabalhar na
perspectiva de uma interdisciplinaridade, dado que fomos, nós próprios, formados de
forma compartimentalizada e de certo modo “treinados” para trabalhar desta
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maneira, reproduzindo nos alunos as estruturas dos “arquivos mentais estanques”.


Entretanto, como já vimos, esse ensino compartimentalizado leva a uma abstração
do real, pois o mundo forma um todo complexo e multifacetado, uma pluralidade de
inter-relacionamentos. Devemos lembrar que o aluno, na “sutil inocência” de sua
virgindade acadêmica, apreende o mundo enquanto essa pluralidade,
compreendendo-a ou não; fica, assim, bastante complicado para ele assimilar as
compartimentalizações que lhe oferecemos na escola. Uma das primeiras barreiras
na educação das crianças — e certamente uma das mais difíceis de ser transposta
— é essa percepção intuitiva e muitas vezes inconsciente da multiplicidade do real,
que ele precisa abstrair para assimilar a compartimentalização de saberes que lhe é
imposta por nós, professores.
Se, no lugar de partirmos de racionalizações abstratas de um saber
previamente produzido, começarem o processo educacional na realidade que o
aluno vivencia em seu cotidiano, poderemos chegar a uma educação muito mais
integrada, sem dissociações abstratas; aparte a nova filosofia de educação que
implica essa postura e mesmo a nova visão de mundo que ela suscita, também
experimentaríamos, com essa postura pedagógica, uma sensível melhoria no
aproveitamento e rendimento dos alunos, pois aquela barreira intuitiva não mais
precisaria ser ultrapassada.
Sei que estamos nós professores, em larga medida com pés e mãos atados
pela burocracia escolar. O que podemos fazer é pouco, mas a pequena ação
transformadora no espaço em que somos autônomos pode ter uma repercussão e
um resultado maior do que o que imaginamos; sem dúvida, no mínimo
conseguiremos mais do que insistindo na pálida apatia conformista que nos reduz a
meros “reprodutores da mesmice”.
Para as condições atuais de nossa educação, penso que as posturas
desejáveis seriam aquelas que procurassem minimizar as aparências da
compartimentalização, dado que não podemos vencê-la de imediato, entranhada
que está em nossos currículos. Cada professor poderia, para começar, tentar
mostrar que os conteúdos que ensina em suas aulas não estão isolados, mas se
relaciona de algum modo com tudo o mais que o aluno aprende na escola. Seria de
grande importância que os alunos percebessem aquilo que eu já colocava no início
deste artigo: que determinadas disciplinas são ferramentas instrumentais que
auxiliam na compreensão dos conhecimentos, enquanto outras compõem a
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cosmologia contemporânea e outras ainda procuram explicitar a vivência e a


apreensão histórica do espaço humano. O mínimo que podemos esperar é que o
aluno consiga compreender estas inter-relações básicas entre as disciplinas que
estuda e, num segundo estágio, possa perceber as relações da apreensão do
espaço histórico com a cosmologia e assim por diante.
O grande problema que se nos apresenta é: como, no contexto de uma grade
curricular disciplinar, promover práticas interdisciplinares? São duas as principais
respostas: a pedagogia de projetos e os temas transversais. No primeiro caso, a
metodologia consiste em construir coletivamente projetos temáticos, em torno dos
quais os professores de cada disciplina desenvolvem seus conteúdos próprios. No
segundo, a ideia é a de inverter a lógica da grade curricular: em lugar de ela ser
articulada em torno das disciplinas, são escolhidos alguns temas que serão o eixo
do currículo, e atravessarão todas as disciplinas. A metodologia dos temas
transversais foi criada por um grupo de professores espanhóis na Universidade
Autônoma de Barcelona e depois adotada no Brasil, sendo a referência básica para
os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

2.2 Os Limites da Interdisciplinaridade

Quando a ciência, por um lado, e a educação, por outro, começaram a


ressentir-se da perda da totalidade, que chega a parecer irrecuperável em alguns
momentos, apelou-se então para o movimento inverso, o de recuperação do geral,
da completude, que para os antigos gregos consistiria na verdadeira sabedoria. Em
termos epistemológicos, já no século XIX começamos a ver os esforços
interdisciplinares; em termos pedagógicos, eles tornaram-se visíveis no século XX.
Ora, o que são as propostas de interdisciplinaridade, de colocar em diálogo as
diferentes disciplinas, senão uma forma de resgatar a totalidade perdida? Que é a
interdisciplinaridade senão a tentativa de, para além dos galhos, conseguirem
vislumbrar a árvore completa?
A questão de fundo é: a prática interdisciplinar dá conta de resgatar essa
totalidade? Ou ela consegue apenas colocar remendos nos retalhos que a
disciplinarização criou? Investindo nessa metáfora, a realidade seria uma imensa
peça de tecido, recortada em inúmeros pedaços pelas tesouras da especialização; a
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interdisciplinaridade seria uma “costura” dos retalhos, resultando numa colcha que,
no final das contas, nunca será novamente o mesmo tecido de outrora.
Um dos principais críticos contemporâneos da interdisciplinaridade é Edgar
Morin, com sua teoria da complexidade. Morin denuncia que a interdisciplinaridade
não dá conta de rearticular os saberes fragmentados, que ela mais confirma as
fronteiras entre os saberes do que as faz desaparecer. Para o pensador francês, é
necessário algo mais forte que a interdisciplinaridade, que ele vê na
transdisciplinaridade. Essa, sim, teria condições de quebrar as fronteiras rígidas
entre as disciplinas, promovendo uma “religação dos saberes”, rumo a uma visão da
complexidade e da totalidade do mundo. Em sua concepção, a realidade é complexa
(variada, com múltiplos aspectos), mas uma. E o conhecimento, se num determinado
momento precisa “perder-se” nas sutilezas da especialização, precisa depois
resgatar essa visão do todo, da complexidade de uma realidade única.
Pergunto, então: teremos, de fato, uma realidade única? Haverá uma unidade
do mundo? Será o mundo uma grande árvore, que se ramifica e ramifica, mas que,
no fundo, é única? Será o currículo, por sua vez, expressão dessa unidade que se
fragmenta, podendo ser recuperada em seguida? Em outras palavras, a metáfora da
árvore é uma boa imagem para pensarmos os processos de produção e circulação
dos saberes? Ela nos faz pensar ainda mais ou, ao contrário, paralisa nosso
pensamento?

2.3 Finalizando com um Convite: Pensar o Mundo como


Multiplicidade...

Embora a tradição filosófica insista numa unidade do real, na afirmação de


que a multiplicidade e a diferença são apenas ilusórias, aparentes, há uma posição
filosófica que ousa investir no contrário, isso é, afirmar que a realidade é
multiplicidade, é diferença. No século XX, Gilles Deleuze foi um dos filósofos a
investir nessa posição.
Na perspectiva dessa visão filosófica do mundo, a realidade é multiplicidade.
Não podemos falar em uma realidade, mas em múltiplas realidades
interconectadas. Assim, em termos de conhecimento, não há uma fragmentação
artificial da unidade que precisa ser resgatada, mas é a unidade que é artificial, uma
fábula criada por nossas ilusões. Em termos de currículo, não há “religação dos
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saberes” a ser perseguida, pois não há como “religar” o que nunca esteve ligado. Ao
contrário, o que precisamos buscar são formas de diálogo na diferença, diálogo na
multiplicidade, sem a intenção de reduzir os diferentes ao mesmo, ao uno.
Nessa perspectiva, como pensar uma filosofia do currículo? Se a árvore já
não é uma imagem pertinente, pelo seu apelo à unidade, que imagem pode nos
fazer pensar na multiplicidade, e mais, pensar multiplicidades?
Fazendo esse mesmo exercício, embora não tivesse como objeto o currículo
e sim o livro, Deleuze e Guattari propuseram a imagem do rizoma em lugar da
imagem da árvore.
Penso que a imagem do rizoma se converte em poderosa ferramenta para
pensarmos uma filosofia do currículo. Com a imagem da árvore, ficamos na
compartimentalização: os galhos vão se ramificando e se especializando cada vez
mais, perdendo contato, pois cada ramo se autonomiza em relação aos demais,
embora permaneçam toda parte da mesma árvore. Mas a comunicação entre os
ramos de uma árvore fica dificultada, assim como fica dificultada e, quem sabe,
impossibilitada, a comunicação entre as disciplinas num currículo escolar. Impossível
não lembrar aqui também a imagem das gavetas: as disciplinas convertem-se em
gavetas de um arquivo, compartimentos estanques, sem comunicação entre si. O
currículo disciplinar, imageticamente representado na e pela árvore, faz de nós seres
fragmentados, mas fragmentos que remetem a uma unidade perdida.
Com o rizoma, as coisas se passam de maneira distinta. Sua imagem remete
para uma miríade de linhas que se engalfinham, como num novelo de lã
emaranhado pela brincadeira do gato. Ou talvez essa não seja a melhor imagem;
um rizoma é promiscuidade, é mistura, mestiçagem, é mixagem de reinos, produção
de singularidades sem implicar o apelo à identidade. Lembro-me de um belo conto
de Michael Ende, do livro O Espelho no Espelho, que narra a história de uma ilha,
uma cidade-labirinto, na qual as pessoas eram condenadas à infelicidade. Apenas
uma vez na vida, na adolescência, cada um tinha sua chance de escapar da ilha e
ser feliz: desenvolvia asas nas costas e, após um dia de provas (o rito de
passagem), se fosse julgado apto, poderia voar para fora da ilha, construir sua vida
e ser feliz; caso contrário, estaria condenado a viver ali o resto de seus dias, na
infelicidade. Um garoto passa pela prova, que consiste em caminhar um dia todo
pela cidade, sem ver sua amada. Ele caminha, carregando uma rede de pescador. E
vai encontrando pessoas infelizes que pediam a ele que levasse algo delas
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conseguem, como uma forma de elas mesmas poderem ser um pouco felizes. E ele
vai colocando coisas em sua rede: a muleta de um aleijado, uma cruz de ferro, uma
joia, uma lata, um saco de dinheiro... No final do dia, todo esse peso o impede de
alçar voo e ele, infeliz, descobre que sua prova consistia em ter sido desobediente e
egoísta. Mas o que me interessa aqui é sua rede de pescador, cheia dos objetos os
mais diferentes possíveis: parece-me essa uma ótima imagem de rizoma. Um
emaranhado de multiplicidades, uma mistura de coisas não misturáveis (o “chiclete
com banana”, na sabedoria popular de Jackson do Pandeiro), uma mestiçagem.
Se pensarmos o currículo como rizoma e não como árvore, as disciplinas já
não seriam gavetas que não se comunicam, mas tenderiam a soar como linhas que
se misturam teia de possibilidades, multiplicidade de nós, de conexões, de
interconexões. Se a árvore não estimula e mesmo não permite o diálogo, o rizoma,
ao contrário, em sua promiscuidade estimula os encontros e as conjunções. Mas se
a imagem da árvore implica um currículo como sistema fechado e unitário, a imagem
do rizoma, por sua vez, implica um currículo como sistema aberto e múltiplo. Isto é,
não um currículo, mas muitos currículos. Não um mapa, mas muitos mapas. Não um
percurso, mas inúmeros percursos. E sempre com pontos de partida e pontos de
chegada distintos. O que não inviabiliza encontros, mas, ao contrário, os possibilita,
os promove, os estimula.
Assim chegamos à ideia de transversalidade, criada pela filosofia francesa
contemporânea para afirmar uma produção de saberes e uma circulação por entre
eles que se faz de forma livre, não hierárquica, caótica. E produtiva, promotora de
encontros, conjunções, misturas, mestiçagens. Se o rizoma pode ser a imagem do
currículo, ou se o currículo pode ser concebido à imagem do rizoma, a
transversalidade é o tipo de trânsito por entre os liames de um rizoma, de um
emaranhado de saberes.
Explicando melhor: se o currículo disciplinar implica um planejamento prévio,
uma escolha das disciplinas que deverão compor esse currículo e a determinação
de seus conteúdos, para atingir uma série de objetivos predeterminados pelo
planejamento, num currículo rizomático teria uma abertura para todo e qualquer
percurso, uma abertura para as experiências. Enquanto o currículo disciplinar é
fechado, justamente por supor uma unidade (dada de antemão ou a ser recuperada
posteriormente, tanto faz...), um currículo rizomático é aberto, sobretudo por ser uma
aposta na multiplicidade, sem almejar uma unidade dada ou a ser construída mas,
Currículo da Educação Básica 30

exatamente ao contrário, um investimento no desmonte de qualquer simulacro de


unidade que nos é imposto.
Se o currículo disciplinar nos remete a uma “pedagogia da ordem”, que
investe em hierarquias, planejamentos, organizações, controle, um currículo
rizomático, por sua vez, implica uma “pedagogia do caos”, isto é, um processo
educativo que escape ao controle, traçando linhas de fuga, que rompa hierarquias,
que desfaça planos prévios. Aventurar-se, sem bússola, pelos mares da
multiplicidade dos saberes.
Fica o convite...
Currículo da Educação Básica 31

1. De acordo com o autor deste texto, relacione as formas eficazes de se romper com
as racionalidades abstratas e compartimentalizadas do saber que a educação
historicamente reproduz, especificando o modo como o currículo é utilizado como
instrumento de sustentação desse contexto e como o professor pode contribuir para
superar essa realidade persistente em nosso sistema de ensino.

2. Comente os seguintes questionamentos do autor: “Pergunto, então: teremos, de


fato, uma realidade única? Haverá uma unidade do mundo? Será o mundo uma
grande árvore, que se ramifica e ramifica, mas que, no fundo, é única? Será o
currículo, por sua vez, expressão dessa unidade que se fragmenta, podendo ser
recuperada em seguida? Em outras palavras, a metáfora da árvore é uma boa
imagem para pensarmos os processos de produção e circulação dos saberes? Ela
nos faz pensar ainda mais ou, ao contrário, paralisa nosso pensamento? ”

3. Quais as diferenças entre o currículo disciplinar e o currículo rizomático, na


perspectiva do autor?

Como a interdisciplinaridade pode auxiliar no


processo de cognição do aluno?
Currículo da Educação Básica 32

UNIDADE 03
Diretrizes Curriculares
Nacionais para a
Educação Básica4

Fonte https://www.youtube.com/watch?v=9SIqUvnkAJA
Currículo da Educação Básica 33

Introdução

Na organização do Estado brasileiro, a matéria educacional é conferida pela


Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aos diversos
entes federativos: União, Distrito Federal, Estados e Municípios, sendo que a cada
um deles compete organizar seu sistema de ensino, cabendo, ainda, à União a
coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e
sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva (artigos 8º, 9º, 10 e
11).
No tocante à Educação Básica, é relevante destacar que, entre as
incumbências prescritas pela LDB aos Estados e ao Distrito Federal, está assegurar
o Ensino Fundamental e oferecer, com prioridade, o Ensino Médio a todos que o
demandarem. E ao Distrito Federal e aos Municípios cabe oferecer a Educação
Infantil em Creches e Pré-Escolas, e, com prioridade, o Ensino Fundamental.
Em que pese, entretanto, a autonomia dada aos vários sistemas, a LDB, no
inciso IV do seu artigo 9º, atribui à União estabelecer, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a
Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os
currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica
comum.
A formulação de Diretrizes Curriculares Nacionais constitui, portanto,
atribuição federal, que é exercida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), nos
termos da LDB e da Lei nº 9.131/95, que o instituiu. Esta lei define, na alínea “c” do
seu artigo 9º, entre as atribuições de sua Câmara de Educação Básica (CEB),
deliberar sobre as Diretrizes Curriculares propostas pelo Ministério da Educação.
Esta competência para definir as Diretrizes Curriculares Nacionais torna-as
mandatórias para todos os sistemas. Ademais, atribui-lhe, entre outras, a
responsabilidade de assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da
educação nacional (artigo 7º da Lei nº 4.024/61, com redação dada pela Lei
8.131/95).

___________________________
4
Texto Disponível na obra: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/ Ministério
da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. – Brasília:
MEC, SEB, DICEI, 2013.
Currículo da Educação Básica 34

A necessidade de definição de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a


Educação Básica está posta pela emergência da atualização das políticas
educacionais que consubstanciem o direito de todo brasileiro à formação humana e
cidadã e à formação profissional, na vivência e convivência em ambiente educativo.
Nesse sentido, apresentam-se estas Diretrizes por objetivos:

I – sistematizar os princípios e diretrizes gerais da Educação Básica contidos


na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações
que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como
foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola;
II – estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação,
execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica;
III – orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais –
docentes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos
diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a
que pertençam.

Assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica


visam estabelecer bases comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades com que podem se
apresentar, a partir das quais os sistemas federal, estaduais, distrital e municipal,
por suas competências próprias e complementares, formularão as suas orientações
assegurando a integração curricular das três etapas sequentes desse nível da
escolarização, essencialmente para compor um todo orgânico.
Nesta perspectiva, o processo de formulação destas Diretrizes foi acordado,
em 2006, pela Câmara de Educação Básica com as entidades: Fórum Nacional dos
Conselhos Estaduais de Educação, União Nacional dos Conselhos Municipais de
Educação, Conselho dos Secretários Estaduais de Educação, União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação, e entidades representativas dos profissionais da
educação, das instituições de formação de professores, das mantenedoras do
ensino privado e de pesquisadores em educação.
Currículo da Educação Básica 35

3. Referências conceituais

Os fundamentos que orientam a Nação brasileira estão definidos


constitucionalmente no artigo 1º da Constituição Federal, que trata dos
princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, do
pluralismo político, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Nessas
bases, assentam-se os objetivos nacionais e, por consequência, o projeto
educacional brasileiro: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir
o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Esse conjunto de compromissos prevê também a defesa da paz; a
autodeterminação dos povos; a prevalência dos direitos humanos; o repúdio ao
preconceito, à violência e ao terrorismo; e o equilíbrio do meio ambiente, bem de uso
comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e as futuras
gerações.
As bases que dão sustentação ao projeto nacional de educação
responsabilizam o poder público, a família, a sociedade e a escola pela garantia a
todos os estudantes de um ensino ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso, inclusão, permanência e sucesso na escola;


II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e aos direitos;
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma da legislação e normas dos sistemas de
ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extraescolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Currículo da Educação Básica 36

Além das finalidades da educação nacional enunciadas na Constituição


Federal (artigo 205) e na LDB (artigo 2º), que têm como foco o pleno
desenvolvimento da pessoa, a preparação para o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho, deve-se considerar integradamente o previsto na ECA
(Lei nº 8.069/90), o qual assegura, à criança e ao adolescente de até 18 anos, todos
os direitos fundamentais inerentes à pessoa, as oportunidades oferecidas para o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.
São direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito mútuo, à
liberdade, à convivência familiar e comunitária (artigos 2º, 3º e 4º).

A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para a


capacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, o espaço e o
contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em
meio a transformações corporais, afetivo-emocionais, socioemocionais, cognitivas e
socioculturais, respeitando e valorizando as diferenças. Liberdade e pluralidade
tornam-se, portanto, exigências do projeto educacional.

Da aquisição plena desse direito depende a possibilidade de exercitar todos


os demais direitos, definidos na Constituição, na ECA, na legislação ordinária e nas
inúmeras disposições legais que consagram as prerrogativas do cidadão brasileiro.
Somente um ser educado terá condição efetiva de participação social, ciente e
consciente de seus direitos e deveres civis, sociais, políticos, econômicos e éticos.
Nessa perspectiva, é oportuno e necessário considerar as dimensões do
educar e do cuidar, em sua inseparabilidade, buscando recuperar, para a função
social da Educação Básica, a sua centralidade, que é o estudante. Cuidar e educar
inicia-se na Educação Infantil, ações destinadas a crianças a partir de zero ano, que
devem ser estendidas ao Ensino Fundamental, Médio e posteriores.
Currículo da Educação Básica 37

Cuidar e educar significa compreender que o direito à educação parte do


princípio da formação da pessoa em sua essência humana. Trata-se de considerar o
cuidado no sentido profundo do que seja acolhimento de todos – crianças,
adolescentes, jovens e adultos – com respeito e, com atenção adequada, de
estudantes com deficiência, jovens e adultos defasados na relação idade-
escolaridade, indígenas, afrodescendentes, quilombolas e povos do campo.

Educar exige cuidado; cuidar é educar, envolvendo acolher, ouvir, encorajar,


apoiar, no sentido de desenvolver o aprendizado de pensar e agir, cuidar de si, do
outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta. Educar é, enfim, enfrentar o
desafio de lidar com gente, isto é, com criaturas tão imprevisíveis e diferentes
quanto semelhantes, ao longo de uma existência inscrita na teia das relações
humanas, neste mundo complexo. Educar com cuidado significa aprender a amar
sem dependência, desenvolver a sensibilidade humana na relação de cada um
consigo, com o outro e com tudo o que existe, com zelo, ante uma situação que
requer cautela em busca da formação humana plena.
A responsabilidade por sua efetivação exige corresponsabilidade: de um lado,
a responsabilidade estatal na realização de procedimentos que assegurem o
disposto nos incisos VII e VIII, do artigo 12 e VI do artigo 13, da LDB; de outro, a
articulação com a família, com o Conselho Tutelar, com o juiz competente da
Comarca, com o representante do Ministério Público e com os demais segmentos da
sociedade. Para que isso se efetive, torna-se exigência, também, a
corresponsabilidade exercida pelos profissionais da educação, necessariamente
articulando a escola com as famílias e com a comunidade.
Nota-se que apenas pelo cuidado não se constrói a educação e as dimensões
que a envolvem como projeto transformador e libertador. A relação entre cuidar e
educar se concebe mediante internalização consciente de eixos norteadores, que
remetem à experiência fundamental do valor, que influencia significativamente a
definição da conduta, no percurso cotidiano escolar. Não de um valor pragmático e
utilitário de educação, mas do valor intrínseco àquilo que deve caracterizar o
comportamento de seres humanos, que respeitam a si mesmos, aos outros, à
circunstância social e ao ecossistema. Valor este fundamentado na ética e na
estética, que rege a convivência do indivíduo no coletivo, que pressupõe relações de
cooperação e solidariedade, de respeito à alteridade e à liberdade.
Currículo da Educação Básica 38

Cuidado, por sua própria natureza, inclui duas significações básicas,


intimamente ligadas entre si. A primeira consiste na atitude de solicitude e de
atenção para com o outro. A segunda é de inquietação, sentido de responsabilidade,
isto é, de cogitar, pensar, manter atenção, mostrar interesse, revelar atitude de
desvelo, sem perder a ternura (Boff, 1999, p. 91), compromisso com a formação do
sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como ser humano capaz
de conduzir o seu processo formativo, com autonomia e ética.
Cuidado é, pois, um princípio que norteia a atitude, o modo prático de realizar-
se, de viver e conviver no mundo. Por isso, na escola, o processo educativo não
comporta uma atitude parcial, fragmentada, recortada da ação humana, baseada
somente numa racionalidade estratégico-procedimental.
Inclui ampliação das dimensões constitutivas do trabalho pedagógico,
mediante verificação das condições de aprendizagem apresentadas pelo estudante
e busca de soluções junto à família, aos órgãos do poder público, a diferentes
segmentos da sociedade. Seu horizonte de ação abrange a vida humana em sua
globalidade. É essa concepção de educação integral que deve orientar a
organização da escola, o conjunto de atividades nela realizadas, bem como as
políticas sociais que se relacionam com as práticas educacionais. Em cada criança,
adolescente, jovem ou adulto, há uma criatura humana em formação e, nesse
sentido, cuidar e educar são, ao mesmo tempo, princípios e atos que orientam e dão
sentido aos processos de ensino, de aprendizagem e de construção da pessoa
humana em suas múltiplas dimensões.
Cabe, aqui, uma reflexão sobre o conceito de cidadania, a forma como a ideia
de cidadania foi tratada no Brasil e, em muitos casos, ainda o é. Reveste-se de uma
característica – para usar os termos de Hannah Arendt – essencialmente “social”.
Quer dizer: algo ainda derivado e circunscrito ao âmbito da pura necessidade. É
comum ouvir ou ler algo que sugere uma noção de cidadania como “acesso dos
indivíduos aos bens e serviços de uma sociedade moderna”, discurso
contemporâneo de uma época em que os inúmeros movimentos sociais brasileiros
lutavam, essencialmente, para obter do Estado condições de existência mais digna,
do ponto de vista dominantemente material. Mesmo quando esse discurso se
modificou num sentido mais “político” e menos “social”, quer dizer, uma cidadania
agora compreendida como a participação ativa dos indivíduos nas decisões
pertinentes à sua vida cotidiana, esta não deixou de ser uma reivindicação que
Currículo da Educação Básica 39

situava o político na precedência do social: participar de decisões públicas significa


obter direitos e assumir deveres, solicitar ou assegurar certas condições de vida
minimamente civilizadas.
Em um contexto marcado pelo desenvolvimento de formas de exclusão cada
vez mais sutis e humilhantes, a cidadania aparece hoje como uma promessa de
sociabilidade, em que a escola precisa ampliar parte de suas funções, solicitando de
seus agentes a função de mantenedores da paz nas relações sociais, diante das
formas cada vez mais amplas e destrutivas de violência. Nessa perspectiva, e no
cenário em que a escola de Educação Básica se insere e em que o professor e o
estudante atuam, há que se perguntar: de que tipo de educação os homens e as
mulheres dos próximos 20 anos necessitam, para participarem da construção desse
mundo tão diverso? A que trabalho e a que cidadania se refere? Em outras palavras,
que sociedade florescerá? Por isso mesmo, a educação brasileira deve assumir o
desafio de propor uma escola emancipadora e libertadora.

3.1 A Base Nacional Comum


Curricular

A Base Nacional Comum


Curricular (BNCC) é um documento de
caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens
essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e
modalidades da Educação Básica, de
modo a que tenham assegurados seus
direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, em conformidade com
o que preceitua o Plano Nacional de
Educação (PNE).
Este documento normativo aplica-
se exclusivamente à educação escolar,
Fonte:
tal como a define o § 1º do Artigo 1º da http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNC
C_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Currículo da Educação Básica 40

Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)1, e está orientado pelos princípios éticos, políticos
e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica (DCN)2.
Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das
redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas
pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da
Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em
âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à
avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de
infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. Nesse sentido,
espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais,
enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
seja balizadora da qualidade da educação.
Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é
necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de
aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento
fundamental. Ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais definidas
na BNCC devem concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento de
dez competências gerais, que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento. Na BNCC, competência é definida como a
mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas,
cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas
complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho.
Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a “educação deve
afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da
sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a
preservação da natureza” (BRASIL, 2013)3, mostrando-se também alinhada à
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)4. É imprescindível
destacar que as competências gerais da Educação Básica, apresentadas a seguir,
inter-relacionam-se e desdobram-se no tratamento didático proposto para as três
etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Currículo da Educação Básica 41

Médio), articulando-se na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de


habilidades e na formação de atitudes e valores, nos termos da LDB.

3.1.1 Competências Gerais da Educação Básica

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das
ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e
a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e
resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção
artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e
comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para
formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que
Currículo da Educação Básica 42

respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o


consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento
ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e
as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos
humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

3.2 Diretrizes e Políticas Pedagógicas para as instituições de


Educação Infantil5

Fonte: https://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curriculares-para-a-E-I.pdf

_______________________
5
Texto Disponível na obra: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/ Ministério
da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. – Brasília:
MEC, SEB, DICEI, 2013.
Currículo da Educação Básica 43

A construção da identidade das unidades que trabalham com a pré-escola a


partir do século XIX, em nosso país, insere-se no contexto da história das políticas
de atendimento à infância, marcado por diferenciações em relação à classe social
das crianças. Enquanto para as mais pobres essa história foi caracterizada pela
vinculação aos órgãos de assistência social, para as crianças das classes mais
abastadas, outro modelo se desenvolveu no diálogo com práticas escolares.
Essa vinculação institucional diferenciada refletia uma fragmentação nas
concepções sobre educação das crianças em espaços coletivos, compreendendo o
cuidar como atividade meramente ligada ao corpo e destinada às crianças mais
pobres, e o educar como experiência de promoção intelectual reservada aos filhos
dos grupos socialmente privilegiados. Para além dessa especificidade, predominou
ainda, por muito tempo, uma política caracterizada pela ausência de investimento
público e pela não profissionalização da área.
Em sintonia com os movimentos nacionais e internacionais, um novo
paradigma do atendimento à infância – iniciado em 1959 com a Declaração
Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente e instituído no país pelo artigo
227 da Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/90) – tornou-se referência para os movimentos sociais de “luta por
creche” e orientou a transição do entendimento da creche e pré-escola como um
favor aos socialmente menos favorecidos para a compreensão desses espaços
como um direito de todas as crianças à educação, independentemente de seu grupo
social.
O atendimento em creches e pré-escolas como um direito social das crianças
se concretiza na Constituição de 1988, com o reconhecimento da Educação Infantil
como dever do Estado com a Educação, processo que teve ampla participação dos
movimentos comunitários, dos movimentos de mulheres, dos movimentos de
redemocratização do país, além, evidentemente, das lutas dos próprios profissionais
da educação.
A partir desse novo ordenamento legal, creches e pré-escolas passaram a
construir nova identidade na busca de superação de posições antagônicas e
fragmentadas, sejam elas assistencialistas ou pautadas em uma perspectiva
preparatória a etapas posteriores de escolarização.
A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),
regulamentando esse ordenamento, introduziu uma série de inovações em relação à
Currículo da Educação Básica 44

Educação Básica, dentre as quais, a integração das creches nos sistemas de ensino
compondo, junto com as pré-escolas, a primeira etapa da Educação Básica. Essa lei
evidencia o estímulo à autonomia das unidades educacionais na organização flexível
de seu currículo e a pluralidade de métodos pedagógicos, desde que assegurem
aprendizagem, e reafirmou os artigos da Constituição Federal acerca do
atendimento gratuito em creches e pré-escolas.
Nesse mesmo sentido, deve-se fazer referência ao Plano Nacional de
Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001, que estabeleceu metas decenais para que no
final do período de sua vigência, 2011, a oferta da Educação Infantil alcance a 50%
das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos, metas que ainda persistem
como um grande desafio a ser enfrentado pelo país.
Frente a todas essas transformações, a Educação Infantil vive um intenso
processo de revisão de concepções sobre a educação de crianças em espaços
coletivos, e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de
aprendizagens e do desenvolvimento das crianças.
Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões sobre como orientar
o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como garantir práticas
junto às crianças de quatro e cinco anos que se articulem, mas não antecipem
processos do Ensino Fundamental.
Nesse contexto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
elaboradas, anteriormente, com base na Resolução CNE/CEB nº 1/99 e Parecer
CNE/CEB nº 22/98, foram fundamentais para explicitar princípios e orientações para
os sistemas de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de
propostas pedagógicas.
Embora os princípios colocados não tenham perdido a validade, ao contrário,
continuam cada vez mais necessárias outras questões diminuíram seu espaço no
debate atual e novos desafios foram colocados para a Educação Infantil, exigindo a
reformulação e atualização dessas Diretrizes.
A ampliação das matrículas, a regularização do funcionamento das
instituições, a diminuição no número de docentes não habilitados na Educação
Infantil e o aumento da pressão pelo atendimento colocam novas demandas para a
política de Educação Infantil, pautando questões que dizem respeito às propostas
pedagógicas, aos saberes e fazeres dos professores, às práticas e projetos
Currículo da Educação Básica 45

cotidianos desenvolvidos junto às crianças, ou seja, às questões de orientação


curricular.
Também a tramitação no Congresso Nacional da proposta de Emenda
Constitucional que, dentre outros pontos, amplia a obrigatoriedade na Educação
Básica, reforça a exigência de novo marcos normativos na Educação Infantil.
Respondendo a estas preocupações, a Coordenadoria de Educação Infantil
do MEC estabeleceu [...] articulação de um processo nacional de estudos e debates
sobre o currículo da Educação Infantil, que produziu uma série de documentos,
dentre eles “Práticas cotidianas na Educação Infantil: bases para a reflexão sobre as
orientações curriculares” (MEC/COEDI, 2009). Esse processo serviu de base para a
elaboração de “Subsídios para as Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas da
Educação Básica” (MEC, 2009).
A revisão e atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil é essencial para incorporar os avanços presentes na política, na
produção científica e nos movimentos sociais na área. Elas podem se constituir em
instrumento estratégico na consolidação do que se entende por uma Educação
Infantil de qualidade, “ao estimular o diálogo entre os elementos culturais de grupos
marginalizados e a ciência, a tecnologia e a cultura dominantes, articulando
necessidades locais e a ordem global, chamando a atenção para uma maior
sensibilidade para o diverso e o plural, entre o relativismo e o universalismo” (MEC,
2009).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de caráter
mandatório, orientam a formulação de políticas, incluindo a de formação de
professores e demais profissionais da Educação, e também o planejamento,
desenvolvimento e avaliação pelas unidades de seu Projeto Político-Pedagógico e
servem para informar as famílias das crianças matriculadas na Educação Infantil
sobre as perspectivas de trabalho pedagógico que podem ocorrer.
Currículo da Educação Básica 46

3.3 A identidade do atendimento na Educação Infantil

Fonte: https://compromissocampinas.org.br/a-educacao-infantil-e-o-desafio-de-ampliar-o-
atendimento-com-qualidade/

Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação


Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco
anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social,
complementando a ação da família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29).
O atendimento em creche e pré-escola a crianças de zero a cinco anos de
idade é definido na Constituição Federal de 1988 como dever do Estado em relação
à educação, oferecido em regime de colaboração e organizado em sistemas de
ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A incorporação
das creches e pré-escolas no capítulo da Educação na Constituição Federal (art.
208, inciso IV) impacta todas as outras responsabilidades do Estado em relação à
Educação Infantil, ou seja, o direito das crianças de zero a cinco anos de idade à
matrícula em escola pública (art. 205), gratuita e de qualidade (art. 206, incisos IV e
VI), igualdade de condições em relação às demais crianças para acesso,
permanência e pleno aproveitamento das oportunidades de aprendizagem
propiciadas (art. 206, inciso I).
Na continuidade dessa definição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional afirma que “a educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições
de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais” (Lei nº 9.394/96, art. 1º), mas esclarece que: “Esta Lei
Currículo da Educação Básica 47

disciplina a educação escolar que se desenvolve, predominantemente, por meio do


ensino, em instituições próprias” (Lei nº 9.394/96, art. 1º, § 1º). Em função disto, tudo
o que nela se baseia e que dela decorre, como autorização de funcionamento,
condições de financiamento e outros aspectos, referem-se a esse caráter
institucional da educação.
Fica assim evidente que, no atual ordenamento jurídico, as creches e pré-
escolas ocupam um lugar bastante claro e possuem um caráter institucional e
educacional diverso daquele dos contextos domésticos, dos ditos programas
alternativos à educação das crianças de zero a cinco anos de idade, ou da educação
não formal. Muitas famílias necessitam de atendimento para suas crianças em
horário noturno, em finais de semana e em períodos esporádicos. Contudo, esse
tipo de atendimento, que responde a uma demanda legítima da população,
enquadra-se no âmbito de “políticas para a Infância”, devendo ser financiado,
orientado e supervisionado por outras áreas, como assistência social, saúde, cultura,
esportes, proteção social. O sistema de ensino define e orienta, com base em
critérios pedagógicos, o calendário, horários e as demais condições para o
funcionamento das creches e pré-escolas, o que não elimina o estabelecimento de
mecanismos para a necessária articulação que deve haver entre a Educação e
outras áreas, como a Saúde e a Assistência, a fim de que se cumpra, do ponto de
vista da organização dos serviços nessas instituições, o atendimento às demandas
das crianças. Essa articulação, se necessária para outros níveis de ensino, na
Educação Infantil, em função das características das crianças de zero a cinco anos
de idade, se faz muitas vezes imprescindível.

As creches e pré-escolas se constituem, portanto, em estabelecimentos


educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de zero a
cinco anos de idade por meio de profissionais com a formação específica
legalmente determinada, a habilitação para o magistério superior ou médio,
refutando assim funções de caráter meramente assistencialista, embora mantenha
a obrigação de assistir às necessidades básicas de todas as crianças.

As instituições de Educação Infantil estão submetidas aos mecanismos de


credenciamento, reconhecimento e supervisão do sistema de ensino em que se
acham integradas (Lei nº 9.394/96, art. 9º, inciso IX, art.10, inciso IV e art.11, inciso
Currículo da Educação Básica 48

IV), assim como a controle social. Sua forma de organização é variada, podendo
constituir unidade independente ou integrar instituição que cuida da Educação
Básica, atender faixas etárias diversas nos termos da Lei nº 9.394/96, em jornada
integral de, no mínimo, 7 horas diária, ou parcial de, no mínimo, 4 horas, seguindo o
proposto na Lei nº 11.494/2007 (FUNDEB), sempre no período diurno, devendo o
poder público oferecer vagas próximo à residência das crianças (Lei nº 8.069/90, art.
53). Independentemente das nomenclaturas diversas que adotam (Centros de
Educação Infantil, Escolas de Educação Infantil, Núcleo Integrado de Educação
Infantil, Unidade de Educação Infantil, ou nomes fantasia), a estrutura e
funcionamento do atendimento deve garantir que essas unidades sejam espaço de
educação coletiva.
Uma vez que o Ensino Fundamental de nove anos de duração passou a
incluir a educação das crianças a partir de seis anos de idade, e considerando que
as que completam essa idade fora do limite de corte estabelecido por seu sistema
de ensino para inclusão no Ensino Fundamental necessitam que seu direito à
educação seja garantido, cabe aos sistemas de ensino o atendimento a essas
crianças na pré-escola até o seu ingresso, no ano seguinte, no Ensino Fundamental.

3.4 A função sociopolítica e pedagógica da Educação Infantil

Delineada essa apresentação da estrutura legal e institucional da Educação


Infantil, faz-se necessário refletir sobre sua função sociopolítica e pedagógica, como
base de apoio das propostas pedagógica e curricular das instituições.
Considera a Lei nº 9.394/96, em
seu artigo 22, que a Educação Infantil é
parte integrante da Educação Básica,
cujas finalidades são desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para
progredir no trabalho e em estudos
posteriores. Essa dimensão de instituição Fonte: https://pedagogiaaopedaletra.com/a-
funcao-social-da-educacao-infantil/
voltada à introdução das crianças na
Currículo da Educação Básica 49

cultura e à apropriação por elas de conhecimentos básicos requer tanto seu


acolhimento quanto sua adequada interpretação em relação às crianças pequenas.
O paradigma do desenvolvimento integral da criança a ser necessariamente
compartilhado com a família, adotado no artigo 29 daquela lei, dimensiona aquelas
finalidades na consideração das formas como as crianças, nesse momento de suas
vidas, vivenciam o mundo, constroem conhecimentos, expressam-se, interagem e
manifestam desejos e curiosidades de modo bastante peculiares.
A função das instituições de Educação Infantil, a exemplo de todas as
instituições nacionais e, principalmente, como o primeiro espaço de educação
coletiva fora do contexto familiar, ainda se inscreve no projeto de sociedade
democrática desenhado na Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inciso I), com
responsabilidades no desempenho de um papel ativo na construção de uma
sociedade livre, justa, solidária e socioambientalmente orientada.
A redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de
todos (art. 3º, incisos II e IV da Constituição Federal) são compromissos a serem
perseguidos pelos sistemas de ensino e pelos professores também na Educação
Infantil. É bastante conhecida no país a desigualdade de acesso às creches e pré-
escolas entre as crianças brancas e negras, moradoras do meio urbano e rural, das
regiões sul/sudeste e norte/nordeste e, principalmente, ricas e pobres.
Além das desigualdades de acesso, também as condições desiguais da
qualidade da educação oferecida às crianças configuram-se em violações de direitos
constitucionais das mesmas e caracterizam esses espaços como instrumentos que,
ao invés de promover a equidade, alimentam e reforçam as desigualdades
socioeconômicas, étnico-raciais e regionais. Em decorrência disso, os objetivos
fundamentais da República serão efetivados no âmbito da Educação Infantil se as
creches e pré-escolas cumprirem plenamente sua função sociopolítica e
pedagógica.
Cumprir tal função significa, em primeiro lugar, que o Estado necessita
assumir sua responsabilidade na educação coletiva das crianças, complementando
a ação das famílias. Em segundo lugar, creches e pré-escolas constituem-se em
estratégia de promoção de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,
uma vez que permitem às mulheres sua realização para além do contexto
doméstico. Em terceiro lugar, cumprir função sociopolítica e pedagógica das creches
e pré-escolas implica assumir a responsabilidade de torná-las espaços privilegiados
Currículo da Educação Básica 50

de convivência, de construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e


conhecimentos de diferentes naturezas, por meio de práticas que atuam como
recursos de promoção da equidade de oportunidades educacionais entre as crianças
de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às
possibilidades de vivência da infância. Em quarto lugar, cumprir função sociopolítica
e pedagógica requer oferecer as melhores condições e recursos construídos
histórica e culturalmente para que as crianças usufruam de seus direitos civis,
humanos e sociais e possam se manifestar e ver essas manifestações acolhidas, na
condição de sujeito de direitos e de desejos. Significa, finalmente, considerar as
creches e pré-escolas na produção de novas formas de sociabilidade e de
subjetividades comprometidas com a democracia e a cidadania, com a dignidade da
pessoa humana, com o reconhecimento da necessidade de defesa do meio
ambiente e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica,
étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam nossa
sociedade.

3.5 Uma definição de currículo na Educação Infantil

O currículo na Educação Infantil tem sido um campo de controvérsias e de


diferentes visões de criança, de família, e de funções da creche e da pré-escola. No
Brasil, nem sempre foi aceita a ideia de haver um currículo para a Educação Infantil,
termo em geral associado à escolarização tal como vivida no Ensino Fundamental e
Médio, sendo preferidas as expressões ‘projeto pedagógico’ ou ‘proposta
pedagógica’. A integração da Educação Infantil ao sistema educacional impõe à
Educação Infantil trabalhar com esses conceitos, diferenciando-os e articulando-os.
A proposta pedagógica, ou projeto pedagógico, é o plano orientador das
ações da instituição e define as metas que se pretende para o desenvolvimento dos
meninos e meninas que nela são educados e cuidados, as aprendizagens que se
quer promovidas. Na sua execução, a instituição de Educação Infantil organiza seu
currículo, que pode ser entendido como as práticas educacionais organizadas em
torno do conhecimento e em meio às relações sociais que se travam nos espaços
institucionais, e que afetam a construção das identidades das crianças. Por
expressar o projeto pedagógico da instituição em que se desenvolve, englobando as
Currículo da Educação Básica 51

experiências vivenciadas pela criança, o currículo se constitui um instrumento


político, cultural e científico coletivamente formulado (MEC, 2009).
O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas
que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e
tecnológico. Tais práticas são efetivadas por meio de relações sociais que as
crianças desde bem pequenas estabelecem com os professores e as outras
crianças, e afetam a construção de suas identidades.
Intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, as práticas que
estruturam o cotidiano das instituições de Educação Infantil devem considerar a
integralidade e indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva,
linguística, ética, estética e sociocultural das crianças, apontarem as experiências de
aprendizagem que se espera promover junto às crianças e efetivar-se por meio de
modalidades que assegurem as metas educacionais de seu projeto pedagógico.
A gestão democrática da proposta curricular deve contar na sua elaboração,
acompanhamento e avaliação tendo em vista o Projeto Político-Pedagógico da
unidade educacional, com a participação coletiva de professoras e professores,
demais profissionais da instituição, famílias, comunidade e das crianças, sempre que
possível e à sua maneira.

3.6 A visão de criança: o sujeito do processo de educação

A criança, centro do
planejamento curricular, é sujeito
histórico e de direitos que se
desenvolve nas interações, relações e
práticas cotidianas a ela
disponibilizadas e por ela
estabelecidas com adultos e crianças
de diferentes idades nos grupos e
contextos culturais nos quais se Fonte:
insere. https://petecaportal.wordpress.com/2015/02/03/a-
visao-de-crianca-o-sujeito-do-processo-de-educacao/
Currículo da Educação Básica 52

Nessas condições ela faz amizades, brinca com água ou terra, faz-de-conta,
deseja, aprende, observa, conversa, experimenta, questiona, constrói sentidos sobre
o mundo e suas identidades pessoais e coletivas, produzindo cultura.
O conhecimento científico hoje disponível autoriza a visão de que desde o
nascimento a criança busca atribuir significado a sua experiência e nesse processo
volta-se para conhecer o mundo material e social, ampliando gradativamente o
campo de sua curiosidade e inquietações, mediadas pelas orientações, materiais,
espaços e tempos que organizam as situações de aprendizagem e pelas
explicações e significados a que ela tem acesso.
O período de vida atendido pela Educação Infantil caracteriza-se por
marcantes aquisições: a marcha, a fala, o controle esfincteriano, a formação da
imaginação e da capacidade de fazer de conta e de representar usando diferentes
linguagens. Embora nessas aquisições a dimensão orgânica da criança se faça
presente, suas capacidades para discriminar cores, memorizar poemas, representar
uma paisagem através de um desenho, consolar uma criança que chora etc., não
são constituições universais biologicamente determinadas e esperando o momento
de amadurecer.
Elas são histórica e culturalmente produzidas nas relações que estabelecem
com o mundo material e social mediadas por parceiros mais experientes.
Assim, a motricidade, a linguagem, o pensamento, a afetividade e a
sociabilidade são aspectos integrados e se desenvolvem a partir das interações que,
desde o nascimento, a criança estabelece com diferentes parceiros, a depender da
maneira como sua capacidade para construir conhecimento é possibilitada e
trabalhada nas situações em que ela participa. Isso por que, na realização de tarefas
diversas, na companhia de adultos e de outras crianças, no confronto dos gestos,
das falas, enfim, das ações desses parceiros, cada criança modifica sua forma de
agir, sentir e pensar.
Cada criança apresenta um ritmo e uma forma própria de colocar-se nos
relacionamentos e nas interações, de manifestar emoções e curiosidade, e elabora
um modo próprio de agir nas diversas situações que vivencia desde o nascimento
conforme experimenta sensações de desconforto ou de incerteza diante de aspectos
novos que lhe geram necessidades e desejos, e lhe exigem novas respostas. Assim,
busca compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as
Currículo da Educação Básica 53

significações que constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja


com outro ser humano, seja com objetos.
Uma atividade muito importante para a criança pequena é a brincadeira.
Brincar dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e para construir o novo,
conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se aproxime ou
se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e transformando objetos
pelo uso que deles faz.
Na história cotidiana das interações com diferentes parceiros, vão sendo
construídas significações compartilhadas, a partir das quais a criança aprende como
agir ou resistir aos valores e normas da cultura de seu ambiente. Nesse processo, é
preciso considerar que as crianças aprendem coisas que lhes são muito
significativas quando interagem com companheiros da infância, e que são diversas
das coisas que elas se apropriam no contato com os adultos ou com crianças já
mais velhas. Além disso, à medida que o grupo de crianças interage, são
construídas as culturas infantis.
Também as professoras e os professores têm, na experiência conjunta com
as crianças, excelente oportunidade de se desenvolverem como pessoa e como
profissional. Atividades realizadas pela professora ou professor de brincar com a
criança, contar-lhe histórias, ou conversar com ela sobre uma infinidade de temas,
tanto promovem o desenvolvimento da capacidade infantil de conhecer o mundo e a
si mesmo, de sua autoconfiança e a formação de motivos e interesses pessoais,
quanto ampliam as possibilidades da professora ou professor de compreender e
responder às iniciativas infantis.

Fonte: Texto disponível em: https://petecaportal.wordpress.com/2015/02/03/a-visao-de-


crianca-o-sujeito-do-processo-de-educacao/

3.7 Princípios básicos

Os princípios fundamentais nas Diretrizes anteriormente estabelecidas


(Resolução CNE/CEB nº 1/99 e Parecer CNE/CEB nº 22/98) continuam atuais e
estarão presentes nestas diretrizes com a explicitação de alguns pontos que mais
recentemente têm se destacado nas discussões da área. São eles:
Currículo da Educação Básica 54

a) Princípios éticos: valorização da autonomia, da responsabilidade, da


solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes
culturas, identidades e singularidades.

Cabem às instituições de Educação Infantil assegurar às crianças a


manifestação de seus interesses, desejos e curiosidades ao participar das práticas
educativas, valorizar suas produções, individuais e coletivas, e trabalhar pela
conquista por elas da autonomia para a escolha de brincadeiras e de atividades e
para a realização de cuidados pessoais diários. Tais instituições devem proporcionar
às crianças oportunidades para ampliarem as possibilidades de aprendizado e de
compreensão de mundo e de si próprio trazidas por diferentes tradições culturais e a
construir atitudes de respeito e solidariedade, fortalecendo a autoestima e os
vínculos afetivos de todas as crianças.
Desde muito pequenas, as crianças devem ser mediadas na construção de
uma visão de mundo e de conhecimento como elementos plurais, formar atitudes de
solidariedade e aprender a identificar e combater preconceitos que incidem sobre as
diferentes formas dos seres humanos se constituírem enquanto pessoas. Poderão
assim questionar e romper com formas de dominação etária, socioeconômica,
étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa, existentes em nossa
sociedade e recriadas na relação dos adultos com as crianças e entre elas. Com
isso, elas podem e devem aprender sobre o valor de cada pessoa e dos diferentes
grupos culturais, adquirir valores como os da inviolabilidade da vida humana, a
liberdade e a integridade individuais, a igualdade de direitos de todas as pessoas, a
igualdade entre homens e mulheres, assim como a solidariedade com grupos
enfraquecidos e vulneráveis política e economicamente. Essa valorização também
se estende à relação com a natureza e os espaços públicos, o respeito a todas as
formas de vida, o cuidado de seres vivos e a preservação dos recursos naturais.

b) Princípios políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e


do respeito à ordem democrática.

A Educação Infantil deve trilhar o caminho de educar para a cidadania,


analisando se suas práticas educativas de fato promovem a formação participativa e
Currículo da Educação Básica 55

crítica das crianças e criam contextos que lhes permitem a expressão de


sentimentos, ideias, questionamentos, comprometidos com a busca do bem-estar
coletivo e individual, com a preocupação com o outro e com a coletividade.
Como parte da formação para a cidadania e diante da concepção da
Educação Infantil como um direito, é necessário garantir uma experiência bem
sucedida de aprendizagem a todas as crianças, sem discriminação. Isso requer
proporcionar oportunidades para o alcance de conhecimentos básicos que são
considerados aquisições valiosas para elas.
A educação para a cidadania se volta para ajudar a criança a tomar a
perspectiva do outro – da mãe, do pai, do professor, de outra criança, e também de
quem vai mudar-se para longe, de quem tem o pai doente. O importante é que se
criem condições para que a criança aprenda a opinar e a considerar os sentimentos
e a opinião dos outros sobre um acontecimento, uma reação afetiva, uma ideia, um
conflito.

c) Princípios estéticos: valorização da sensibilidade, da criatividade, da


ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

O trabalho pedagógico na unidade de Educação Infantil, em um mundo em


que a reprodução em massa sufoca o olhar das pessoas e apaga singularidades,
deve voltar-se para uma sensibilidade que valoriza o ato criador e a construção
pelas crianças de respostas singulares, garantindo-lhes a participação em
diversificadas experiências.
As instituições de Educação Infantil precisam organizar um cotidiano de
situações agradáveis, estimulantes, que desafiem o que cada criança e seu grupo
de crianças já sabem sem ameaçar sua autoestima nem promover competitividade,
ampliando as possibilidades infantis de cuidar e ser cuidada, de se expressar,
comunicar e criar, de organizar pensamentos e idéias, de conviver, brincar e
trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar soluções para os problemas e conflitos
que se apresentam às mais diferentes idades, e lhes possibilitem apropriar-se de
diferentes linguagens e saberes que circulam em nossa sociedade, selecionados
pelo valor formativo que possuem em relação aos objetivos definidos em seu Projeto
Político-Pedagógico.
Currículo da Educação Básica 56

3.8 Objetivos e condições para a organização curricular

Os direitos da criança constituem hoje o paradigma para o relacionamento


social e político com as infâncias do país. A Constituição de 1988, no artigo 227,
declara que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Nessa expressão legal, as crianças são inseridas no mundo dos direitos
humanos e são definidos não apenas o direito fundamental da criança à provisão
(saúde, alimentação, lazer, educação lato senso) e à proteção (contra a violência,
discriminação, negligência e outros), como também seus direitos fundamentais de
participação na vida social e cultural, de ser respeitada e de ter liberdade para
expressar-se individualmente. Esses pontos trouxeram perspectivas orientadoras
para o trabalho na Educação Infantil e inspiraram inclusive a finalidade dada no
artigo 29 da Lei nº 9.394/96 às creches e pré-escolas.
Com base nesse paradigma, a proposta pedagógica das instituições de
Educação Infantil deve ter como objetivo principal promover o desenvolvimento
integral das crianças de zero a cinco anos de idade garantindo a cada uma delas o
acesso a processos de construção de conhecimentos e a aprendizagem de
diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, ao
respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e interação com outras crianças.
Diante disso, decorrem algumas condições para a organização curricular:

1) As instituições de Educação Infantil devem assegurar a educação em sua


integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo
educativo.

As práticas pedagógicas devem ocorrer de modo a não fragmentar a criança


nas suas possibilidades de viver experiências, na sua compreensão do mundo feita
pela totalidade de seus sentidos, no conhecimento que constrói na relação intrínseca
entre razão e emoção, expressão corporal e verbal, experimentação prática e
Currículo da Educação Básica 57

elaboração conceitual. As práticas envolvidas nos atos de alimentar-se, tomar


banho, trocar fraldas e controlar os esfíncteres, na escolha do que vestir, na atenção
aos riscos de adoecimento mais fácil nessa faixa etária, no âmbito da Educação
Infantil, não são apenas práticas que respeitam o direito da criança de ser bem
atendida nesses aspectos, como cumprimento do respeito à sua dignidade como
pessoa humana. Elas são também práticas que respeitam e atendem ao direito da
criança de apropriar-se, por meio de experiências corporais, dos modos
estabelecidos culturalmente de alimentação e promoção de saúde, de relação com o
próprio corpo e consigo mesma, mediada pelas professoras e professores, que
intencionalmente planejam e cuidam da organização dessas práticas.
A dimensão do cuidado, no seu caráter ético, é assim orientada pela
perspectiva de promoção da qualidade e sustentabilidade da vida e pelo princípio do
direito e da proteção integral da criança. O cuidado, compreendido na sua dimensão
necessariamente humana de lidar com questões de intimidade e afetividade, é
característica não apenas da Educação Infantil, mas de todos os níveis de ensino.
Na Educação Infantil, todavia, a especificidade da criança bem pequena, que
necessita do professor até adquirir autonomia para cuidar de si, expõe de forma
mais evidente a relação indissociável do educar e cuidar nesse contexto. A definição
e o aperfeiçoamento dos modos como a instituição organiza essas atividades são
parte integrante de sua proposta curricular e devem ser realizadas sem fragmentar
ações.
Um bom planejamento das atividades educativas favorece a formação de
competências para a criança aprender a cuidar de si. No entanto, na perspectiva que
integra o cuidado, educar não é apenas isto. Educar cuidando inclui acolher, garantir
a segurança, mas também alimentar a curiosidade, a ludicidade e a expressividade
infantis.
Educar de modo indiciado do cuidar é dar condições para as crianças
explorarem o ambiente de diferentes maneiras (manipulando materiais da natureza
ou objetos, observando, nomeando objetos, pessoas ou situações, fazendo
perguntas, etc.) e construírem sentidos pessoais e significados coletivos, à medida
que vão se constituindo como sujeitos e se apropriando de um modo singular das
formas culturais de agir, sentir e pensar. Isso requer do professor ter sensibilidade e
delicadeza no trato de cada criança, e assegurar atenção especial conforme as
necessidades que identifica nas crianças.
Currículo da Educação Básica 58

As práticas que desafiam os bebês e as crianças maiores a construírem e se


apropriarem dos conhecimentos produzidos por seu grupo cultural e pela
humanidade, na Educação Infantil, pelas características desse momento de vida,
são articuladas ao entorno e ao cotidiano das crianças, ampliam suas possibilidades
de ação no mundo e delineiam possibilidades delas viverem a infância.

2) O combate ao racismo e às discriminações de gênero, socioeconômicas,


étnico-raciais e religiosas deve ser objeto de constante reflexão e intervenção no
cotidiano da Educação Infantil.

As ações educativas e práticas cotidianas devem considerar que os modos


como a cultura medeia às formas de relação da criança consigo mesma são
constitutivos dos seus processos de construção de identidade. A perspectiva que
acentua o atendimento aos direitos fundamentais da criança, compreendidos na sua
multiplicidade e integralidade, entende que o direito de ter acesso a processos de
construção de conhecimento como requisito para formação humana, participação
social e cidadania das crianças de zero a cinco anos de idade, efetua-se na inter-
relação das diferentes práticas cotidianas que ocorrem no interior das creches e pré-
escolas e em relação a crianças concretas, contemplando as especificidades desse
processo nas diferentes idades e em relação à diversidade cultural e étnico-racial e
às crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação.
A valorização da diversidade das culturas das diferentes crianças e de suas
famílias, por meio de brinquedos, imagens e narrativas que promovam a construção
por elas de uma relação positiva com seus grupos de pertencimento, deve orientar
as práticas criadas na Educação Infantil ampliando o olhar das crianças desde cedo
para a contribuição de diferentes povos e culturas.
Na formação de pequenos cidadãos compromissada com uma visão plural de
mundo, é necessário criar condições para o estabelecimento de uma relação
positiva e uma apropriação das contribuições histórico-culturais dos povos
indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América,
reconhecendo, valorizando, respeitando e possibilitando o contato das crianças com
as histórias e as culturas desses povos.
Currículo da Educação Básica 59

O olhar acolhedor de diversidades também se refere às crianças com


deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Também o direito dessas crianças à liberdade e à
participação, tal como para as demais crianças, deve ser acolhido no planejamento
das situações de vivência e aprendizagem na Educação Infantil. Para garanti-lo, são
necessárias medidas que otimizem suas vivências na creche e pré-escola,
garantindo que esses espaços sejam estruturados de modo a permitir sua condição
de sujeitos ativos e a ampliar suas possibilidades de ação nas brincadeiras e nas
interações com as outras crianças, momentos em que exercitam sua capacidade de
intervir na realidade e participam das atividades curriculares com os colegas. Isso
inclui garantir no cotidiano da instituição a acessibilidade de espaços, materiais,
objetos e brinquedos, procedimentos e formas de comunicação e orientação vividas,
especificidades e singularidades das crianças com deficiências, transtornos globais
de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

3) As instituições necessariamente precisam conhecer as culturas plurais que


constituem o espaço da creche e da pré-escola, a riqueza das contribuições
familiares e da comunidade, suas crenças e manifestações, e fortalecer formas de
atendimento articuladas aos saberes e às especificidades étnicas, linguísticas,
culturais e religiosas de cada comunidade.

O reconhecimento da constituição plural das crianças brasileiras, no que se


refere à identidade cultural e regional e à filiação socioeconômica, étnico-racial, de
gênero, regional, linguística e religiosa, é central à garantia de uma Educação Infantil
comprometida com os direitos das crianças. Esse fundamento reforça a gestão
democrática como elemento imprescindível, uma vez que é por meio dela que a
instituição também se abre à comunidade, permite sua entrada, e possibilita sua
participação na elaboração e acompanhamento da proposta curricular. Dessa forma,
a organização da proposta pedagógica deve prever o estabelecimento de uma
relação positiva com a comunidade local e de mecanismos que garantam a gestão
democrática e a consideração dos saberes comunitários, seja ela composta pelas
populações que vivem nos centros urbanos, ou a população do campo, os povos da
floresta e dos rios, os indígenas, quilombolas ou afrodescendentes.
Currículo da Educação Básica 60

Na discussão sobre as diversidades, há que se considerar que também a


origem urbana das creches e pré-escolas e a sua extensão como direito a todas as
crianças brasileiras remetem à necessidade de que as propostas pedagógicas das
instituições em territórios não urbanos respeitem suas identidades.
Essa exigência é explicitada no caso de crianças filhas de agricultores
familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e
acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, nas Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB nº 1/2002).
Essas Diretrizes orientam o trabalho pedagógico no estabelecimento de uma relação
orgânica com a cultura, as tradições, os saberes e as identidades dessas
populações, e indicam a adoção de estratégias que garantam o atendimento às
especificidades dessas comunidades – tais como a flexibilização e adequação no
calendário, nos agrupamentos etários e na organização de tempos, atividades e
ambientes – em respeito às diferenças quanto à atividade econômica e à política de
igualdade e sem prejuízo da qualidade do atendimento. Elas apontam para a
previsão da oferta de materiais didáticos, brinquedos e outros equipamentos em
conformidade com a realidade da comunidade e as diversidades dos povos do
campo, evidenciando o papel dessas populações na produção do conhecimento
sobre o mundo. A Resolução CNE/CEB nº 2/2008, que estabelece Diretrizes
complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas
de atendimento da Educação Básica do Campo e regulamenta questões importantes
para a Educação Infantil, proíbe que se agrupe em uma mesma turma crianças da
Educação Infantil e crianças do Ensino Fundamental.
A situação de desvantagem das crianças moradoras dos territórios rurais em
relação ao acesso à educação é conhecida por meio dos relatórios governamentais
e por trabalhos acadêmicos. Não bastasse a baixíssima cobertura do atendimento,
esses relatórios apontam que são precárias as instalações, são inadequados os
materiais e os professores geralmente não possuem formação para o trabalho com
essas populações, o que caracteriza uma flagrante ineficácia no cumprimento da
política de igualdade em relação ao acesso e permanência na Educação Infantil e
uma violação do direito à educação dessas crianças. Uma política que promova com
qualidade a Educação Infantil nos próprios territórios rurais instiga a construção de
uma pedagogia dos povos do campo – construída na relação intrínseca com os
Currículo da Educação Básica 61

saberes, as realidades e temporalidades das crianças e de suas comunidades – e


requer a necessária formação do professor nessa pedagogia.
Em relação às crianças indígenas, há que se garantir a autonomia dos povos
e nações na escolha dos modos de educação de suas crianças de zero a cinco anos
de idade e que as propostas pedagógicas para esses povos que optarem pela
Educação Infantil possa afirmar sua identidade sociocultural. Quando oferecidas,
aceitas e requisitadas pelas comunidades, como direito das crianças indígenas, as
propostas curriculares na Educação Infantil dessas crianças devem proporcionar
uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, concepções de mundo e
as memórias de seu povo; reafirmar a identidade étnica e a língua materna como
elementos de constituição das crianças; dar continuidade à educação tradicional
oferecida na família e articular-se às práticas socioculturais de educação e cuidado
da comunidade; adequar calendário, agrupamentos etários e organização de
tempos, atividades e ambientes de modo a atender as demandas de cada povo
indígena.

4) A execução da proposta curricular requer atenção cuidadosa e exigente às


possíveis formas de violação da dignidade da criança.

O respeito à dignidade da criança como pessoa humana, quando pensado a


partir das práticas cotidianas na instituição, tal como apontado nos “Indicadores de
Qualidade na Educação Infantil” elaborados pelo MEC, requer que a instituição
garanta a proteção da criança contra qualquer forma de violência – física ou
simbólica – ou negligência, tanto no interior das instituições de Educação Infantil
como na experiência familiar da criança, devendo as violações ser encaminhadas às
instâncias competentes. Os profissionais da educação que aí trabalham devem
combater e intervir imediatamente quando ocorrem práticas dos adultos que
desrespeitem a integridade das crianças, de modo a criar uma cultura em que essas
práticas sejam inadmissíveis.
5) O atendimento ao direito da criança na sua integralidade requer o
cumprimento do dever do Estado com a garantia de uma experiência educativa com
qualidade a todas as crianças na Educação Infantil.
As instituições de Educação Infantil devem tanto oferecer espaço limpo,
seguro e voltado para garantir a saúde infantil quanto se organizar como ambientes
Currículo da Educação Básica 62

acolhedores, desafiadores e inclusivos, plenos de interações, explorações e


descobertas partilhadas com outras crianças e com o professor. Elas ainda devem
criar contextos que articulem diferentes linguagens e que permitam a participação,
expressão, criação, manifestação e consideração de seus interesses.
No cumprimento dessa exigência, o planejamento curricular deve assegurar
condições para a organização do tempo cotidiano das instituições de Educação
Infantil de modo a equilibrar continuidade e inovação nas atividades, movimentação
e concentração das crianças, momentos de segurança e momentos de desafio na
participação das mesmas, e articular seus ritmos individuais, vivências pessoais e
experiências coletivas com crianças e adultos. Também é preciso haver a
estruturação de espaços que facilitem que as crianças interajam e construam sua
cultura de pares, e favoreçam o contato com a diversidade de produtos culturais
(livros de literatura, brinquedos, objetos e outros materiais), de manifestações
artísticas e com elementos da natureza.
Junto com isso, há necessidade de uma infraestrutura e de formas de
funcionamento da instituição que garantam ao espaço físico a adequada
conservação, acessibilidade, estética, ventilação, insolação, luminosidade, acústica,
higiene, segurança e dimensões em relação ao tamanho dos grupos e ao tipo de
atividades realizadas.
O número de crianças por professor deve possibilitar atenção,
responsabilidade e interação com as crianças e suas famílias. Levando em
consideração as características do espaço físico e das crianças, no caso de
agrupamentos com criança de mesma faixa de idade, recomenda-se a proporção de
6 a 8 crianças por professor (no caso de crianças de zero e um ano), 15 crianças por
professor (no caso de criança de dois e três anos) e 20 crianças por professor (nos
agrupamentos de crianças de quatro e cinco anos).
Programas de formação continuada dos professores e demais profissionais
também integram a lista de requisitos básicos para uma Educação Infantil de
qualidade. Tais programas são um direito das professoras e professores no sentido
de aprimorar sua prática e desenvolver a si e a sua identidade profissional no
exercício de seu trabalho. Eles devem dar-lhes condições para refletir sobre sua
prática docente cotidiana em termos pedagógicos, éticos e políticos, e tomar
decisões sobre as melhores formas de mediar a aprendizagem e o desenvolvimento
infantil, considerando o coletivo de crianças assim como suas singularidades.
Currículo da Educação Básica 63

Assista ao vídeo Práticas Inovadoras de


Educação em Diferentes Realidades
Brasileiras. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=2zlJvC7_0
54

1. Por que é necessária a definição de Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a


Educação Básica e quais os objetivos destas Diretrizes?
2. Quais os princípios que dão sustentação ao projeto nacional de educação?
3. Comente o trecho a seguir: “A relação entre cuidar e educar se concebe mediante
internalização consciente de eixos norteadores, que remetem à experiência
fundamental do valor, que influencia significativamente a definição da conduta, no
percurso cotidiano escolar”.
4. Com base nos conceitos de cidadania expressos neste texto, responda as seguintes
indagações do autor: “[...] no cenário em que a escola de Educação Básica se insere e
em que o professor e o estudante atuam, há que se perguntar: de que tipo de
educação os homens e as mulheres dos próximos 20 anos necessitam, para
participarem da construção desse mundo tão diverso? A que trabalho e a que
cidadania se refere? Em outras palavras, que sociedade florescerá? ”

Enfatize sobre a importância da identidade do


atendimento na Educação Infantil
Currículo da Educação Básica 64

UNIDADE 04
A necessária e
fundamental parceria
com as famílias na
Educação Infantil

Fonte: http://crechesonhoencantado.com.br/familia-e-escola-parceria-por-uma-
educacao-plena/
Currículo da Educação Básica 65

Introdução

A perspectiva do atendimento aos direitos da criança na sua integralidade


requer que as instituições de Educação Infantil, na organização de sua proposta
pedagógica e curricular, assegurem espaços e tempos para participação, o diálogo e
a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valorização das diferentes formas em
que elas se organizam.
A família constitui o primeiro contexto de educação e cuidado do bebê. Nela
ele recebe os cuidados materiais, afetivos e cognitivos necessários a seu bem-estar,
e constrói suas primeiras formas de significar o mundo. Quando a criança passa a
frequentar a Educação Infantil, é preciso refletir sobre a especificidade de cada
contexto no desenvolvimento da criança e a forma de integrar as ações e projetos
educacionais das famílias e das instituições. Essa integração com a família
necessita ser mantida e desenvolvida ao longo da permanência da criança na
creche e pré-escola, exigência inescapável frente às características das crianças de
zero a cinco anos de idade, o que cria a necessidade de diálogo para que as
práticas junto às crianças não se fragmentem.
O trabalho com as famílias requer que as equipes de educadores as
compreendam como parceiras, reconhecendo-as como criadoras de diferentes
ambientes e papéis para seus membros, que estão em constante processo de
modificação de seus saberes, fazeres e valores em relação a uma série de pontos,
dentre eles o cuidado e a educação dos filhos. O importante é acolher as diferentes
formas de organização familiar e respeitar as opiniões e aspirações dos pais sobre
seus filhos. Nessa perspectiva, as professoras e professores compreendem que,
embora compartilhem a educação das crianças com os membros da família,
exercem funções diferentes destes. Cada família pode ver na professora ou
professor alguém que lhe ajuda a pensar sobre seu próprio filho e trocar opiniões
sobre como a experiência na unidade de Educação Infantil se liga a este plano.
Ao mesmo tempo, o trabalho pedagógico desenvolvido na Educação Infantil
pode apreender os aspectos mais salientes das culturas familiares locais para
enriquecer as experiências cotidianas das crianças.
Um ponto inicial de trabalho integrado da instituição de Educação Infantil com
as famílias pode ocorrer no período de adaptação e acolhimento dos novatos. Isso
Currículo da Educação Básica 66

se fará de modo mais produtivo se, nesse período, as professoras e professores


derem oportunidade para os pais falarem sobre seus filhos e as expectativas que
têm em relação ao atendimento na Educação Infantil, enquanto eles informam e
conversam com os pais os objetivos propostos pelo Projeto Político- Pedagógico da
instituição e os meios organizados para atingi-los.
Outros pontos fundamentais do trabalho com as famílias são propiciados pela
participação destas na gestão da proposta pedagógica e pelo acompanhamento
partilhado do desenvolvimento da criança. A participação dos pais junto com os
professores e demais profissionais da educação nos conselhos escolares, no
acompanhamento de projetos didáticos e nas atividades promovidas pela instituição
possibilita agregar experiências e saberes e articular os dois contextos de
desenvolvimento da criança. Nesse processo, os pais devem ser ouvidos tanto como
usuários diretos do serviço prestado como também como mais uma voz das
crianças, em particular daquelas muito pequenas.
Preocupações dos professores sobre a forma como algumas crianças
parecem ser tratadas em casa – descuido, violência, discriminação, superproteção e
outras – devem ser discutidas com a direção de cada instituição para que formas
produtivas de esclarecimento e eventuais encaminhamentos possam ser pensados.

4. A organização das experiências de aprendizagem na proposta


curricular

Em função dos princípios apresentados, e na tarefa de garantir às crianças


seu direito de viver a infância e se desenvolver, as experiências no espaço de
Educação Infantil devem possibilitar o encontro pela criança de explicações sobre o
que ocorre à sua volta e consigo mesma enquanto desenvolvem formas de agir,
sentir e pensar.
O importante é apoiar as crianças, desde cedo e ao longo de todas as suas
experiências cotidianas na Educação Infantil no estabelecimento de uma relação
positiva com a instituição educacional, no fortalecimento de sua autoestima, no
interesse e curiosidade pelo conhecimento do mundo, na familiaridade com
diferentes linguagens, na aceitação e acolhimento das diferenças entre as pessoas.
Na explicitação do ambiente de aprendizagem, é necessário pensar “um
currículo sustentado nas relações, nas interações e em práticas educativas
Currículo da Educação Básica 67

intencionalmente voltadas para as experiências concretas da vida cotidiana, para a


aprendizagem da cultura, pelo convívio no espaço da vida coletiva e para a
produção de narrativas, individuais e coletivas, através de diferentes linguagens”
(MEC, 2009).
A professora e o professor necessitam articulares condições de organização
dos espaços, tempos, materiais e das interações nas atividades para que as
crianças possam expressar sua imaginação nos gestos, no corpo, na oralidade e/ou
na língua de sinais, no faz de conta, no desenho e em suas primeiras tentativas de
escrita.
A criança deve ter possibilidade de fazer deslocamentos e movimentos
amplos nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à
instituição, envolver-se em explorações e brincadeiras com objetos e materiais
diversificados que contemplem as particularidades das diferentes idades, as
condições específicas das crianças com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, e as diversidades sociais,
culturais, étnico-raciais e linguísticas das crianças, famílias e comunidade regional.
De modo a proporcionar às crianças diferentes experiências de interações
que lhes possibilitem construir saberes, fazer amigos, aprender a cuidar de si e a
conhecer suas próprias preferências e características, deve-se possibilitar que elas
participem de diversas formas de agrupamento (grupos de mesma idade e grupos
de diferentes idades), formados com base em critérios estritamente pedagógicos.
As especificidades e os interesses singulares e coletivos dos bebês e das
crianças das demais faixas etárias devem ser consideradas no planejamento do
currículo, vendo a criança em cada momento como uma pessoa inteira na qual os
aspectos motores, afetivos, cognitivos e linguísticos integram-se, embora em
permanente mudança. Em relação a qualquer experiência de aprendizagem que
seja trabalhada pelas crianças, devem ser abolidos os procedimentos que não
reconhecem a atividade criadora e o protagonismo da criança pequena, que
promovam atividades mecânicas e não significativas para as crianças.
Cabe à professora e ao professor criar oportunidade para que a criança, no
processo de elaborar sentidos pessoais, se aproprie de elementos significativos de
sua cultura não como verdades absolutas, mas como elaborações dinâmicas e
provisórias. Trabalha-se com os saberes da prática que as crianças vão construindo
ao mesmo tempo em que se garante a apropriação ou construção por elas de novos
Currículo da Educação Básica 68

conhecimentos. Para tanto, a professora e o professor observam as ações infantis,


individuais e coletivas, acolhe suas perguntas e suas respostas, busca compreender
o significado de sua conduta.
As propostas curriculares da Educação Infantil devem garantir que as
crianças tenham experiências variadas com as diversas linguagens, reconhecendo
que o mundo no qual estão inseridas, por força da própria cultura, é amplamente
marcado por imagens, sons, falas e escritas.
Nesse processo, é preciso valorizar o lúdico, as brincadeiras e as culturas
infantis. As experiências promotoras de aprendizagem e consequente
desenvolvimento das crianças devem ser propiciadas em uma frequência regular e
serem, ao mesmo tempo, imprevistas, abertas a surpresas e a novas descobertas.
Elas visam a criação e a comunicação por meio de diferentes formas de expressão,
tais como imagens, canções e música, teatro, dança e movimento, assim como a
língua escrita e falada, sem esquecer-se da língua de sinais, que pode ser aprendida
por todas as crianças e não apenas pelas crianças surdas.
É necessário considerar que as linguagens se inter-relacionam: por exemplo,
nas brincadeiras cantadas a criança explora as possibilidades expressivas de seus
movimentos ao mesmo tempo em que brinca com as palavras e imita certos
personagens. Quando se volta para construir conhecimentos sobre diferentes
aspectos do seu entorno, a criança elabora suas capacidades linguísticas e
cognitivas envolvidas na explicação, argumentação e outras, ao mesmo tempo em
que amplia seus conhecimentos sobre o mundo e registra suas descobertas pelo
desenho ou mesmo por formas bem iniciais de registro escrito. Por esse motivo, ao
planejar o trabalho, é importante não tomar as linguagens de modo isolado ou
disciplinar, mas sim contextualizadas, a serviço de significativas aprendizagens.
As crianças precisam brincar em pátios, quintais, praças, bosques, jardins,
praias, e viver experiências de semear, plantar e colher os frutos da terra, permitindo
a construção de uma relação de identidade, reverência e respeito para com a
natureza. Elas necessitam também ter acesso a espaços culturais diversificados:
inserção em práticas culturais da comunidade, participação em apresentações
musicais, teatrais, fotográficas e plásticas, visitas a bibliotecas, brinquedotecas,
museus, monumentos, equipamentos públicos, parques, jardins.
É importante lembrar que dentre os bens culturais que crianças têm o direito a
ter acesso está a linguagem verbal, que inclui a linguagem oral e a escrita,
Currículo da Educação Básica 69

instrumentos básicos de expressão de ideias, sentimentos e imaginação. A


aquisição da linguagem oral depende das possibilidades das crianças observarem e
participarem cotidianamente de situações comunicativas diversas onde podem
comunicar-se, conversar, ouvir histórias, narrar, contar um fato, brincar com
palavras, refletir e expressar seus próprios pontos de vista, diferenciar conceitos, ver
interconexões e descobrir novos caminhos de entender o mundo. É um processo
que precisa ser planejado e continuamente trabalhado.
Também a linguagem escrita é objeto de interesse pelas crianças. Vivendo
em um mundo onde a língua escrita está cada vez mais presente, as crianças
começam a se interessar pela escrita muito antes que os professores a apresentem
formalmente. Contudo, há que se apontar que essa temática não está sendo muitas
vezes adequadamente compreendida e trabalhada na Educação Infantil. O que se
pode dizer é que o trabalho com a língua escrita com crianças pequenas não pode
decididamente ser uma prática mecânica desprovida de sentido e centrada na
decodificação do escrito. Sua apropriação pela criança se faz no reconhecimento,
compreensão e fruição da linguagem que se usa para escrever, mediada pela
professora e pelo professor, fazendo-se presente em atividades prazerosas de
contato com diferentes gêneros escritos, como a leitura diária de livros pelo
professor, a possibilidade da criança desde cedo manusear livros e revistas e
produzir narrativas e “textos”, mesmo sem saber ler e escrever.
Atividades que desenvolvam expressão motora e modos de perceber seu
próprio corpo, assim como as que lhe possibilitem construir, criar e desenhar usando
diferentes materiais e técnicas, ampliar a sensibilidade da criança à música, à
dança, à linguagem teatral, abre ricas possibilidades de vivências e desenvolvimento
para as crianças.
Experiências que promovam o envolvimento da criança com o meio ambiente
e a conservação da natureza e a ajudem elaborar conhecimentos, por exemplo, de
plantas e animais, devem fazer parte do cotidiano da unidade de Educação Infantil.
Outras experiências podem priorizar, em contextos e situações significativos, a
exploração e uso de conhecimentos matemáticos na apreciação das características
básicas do conceito de número, medida e forma, assim como a habilidade de se
orientar no tempo e no espaço.
Currículo da Educação Básica 70

Ter oportunidade para manusear gravadores, projetores, computador e outros


recursos tecnológicos e midiáticos também compõe o quadro de possibilidades
abertas para o trabalho pedagógico na Educação Infantil.
As experiências que permitam ações individuais e em um grupo, lidar com
conflitos e entender direitos e obrigações, que desenvolvam a identidade pessoal,
sentimento de autoestima, autonomia e confiança em suas próprias habilidades, e
um entendimento da importância de cuidar de sua própria saúde e bem-estar,
devem ocupar lugar no planejamento curricular.
Na elaboração da proposta curricular, diferentes arranjos de atividades
poderão ser feitos, de acordo com as características de cada instituição, a
orientação de sua proposta pedagógica, com atenção, evidentemente, às
características das crianças.
A organização curricular da Educação Infantil pode se estruturar em eixos,
centros, campos ou módulos de experiências que devem se articular em torno dos
princípios, condições e objetivos propostos nesta diretriz. Ela pode planejar a
realização semanal, mensal e por períodos mais longos de atividades e projetos
fugindo de rotinas mecânicas.

4.1 O processo de avaliação

Fonte: https://educacional.cpb.com.br/conteudos/universo-
educacao/avaliar-na-educacao-infantil/
Currículo da Educação Básica 71

As instituições de Educação Infantil, sob a ótica da garantia de direitos, são


responsáveis por criar procedimentos para avaliação do trabalho pedagógico e das
conquistas das crianças. A avaliação é instrumento de reflexão sobre a prática
pedagógica na busca de melhores caminhos para orientar as aprendizagens das
crianças. Ela deve incidir sobre todo o contexto de aprendizagem: as atividades
propostas e o modo como foram realizadas, as instruções e os apoios oferecidos às
crianças individualmente e ao coletivo de crianças, a forma como o professor
respondeu às manifestações e às interações das crianças, os agrupamentos que as
crianças formaram o material oferecido e o espaço e o tempo garantidos para a
realização das atividades.
Espera-se, a partir disso, que o professor possa pesquisar quais elementos
estão contribuindo, ou dificultando, as possibilidades de expressão da criança, sua
aprendizagem e desenvolvimento, e então fortalecer, ou modificar, a situação, de
modo a efetivar o Projeto Político-Pedagógico de cada instituição.
A avaliação, conforme estabelecido na Lei nº 9.394/96, deve ter a finalidade
de acompanhar e repensar o trabalho realizado. Nunca é demais enfatizar que não
devem existir práticas inadequadas de verificação da aprendizagem, tais como
provinhas, nem mecanismos de retenção das crianças na Educação Infantil. Todos
os esforços da equipe devem convergir para a estruturação de condições que
melhor contribuam para a aprendizagem e o desenvolvimento da criança sem
desligá-la de seus grupos de amizade.
A observação sistemática, crítica e criativa do comportamento de cada
criança, de grupos de crianças, das brincadeiras e interações entre as crianças no
cotidiano, e a utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças
(relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.), feitos ao longo do período em
diversificados momentos, são condições necessárias para compreender como a
criança se apropria de modos de agir, sentir e pensar culturalmente constituídos.
Conhecer as preferências das crianças, a forma delas participarem nas
atividades, seus parceiros prediletos para a realização de diferentes tipos de tarefas,
suas narrativas, pode ajudar o professor a reorganizar as atividades de modo mais
adequado ao alcance dos propósitos infantis e das aprendizagens coletivamente
trabalhadas.
A documentação dessas observações e outros dados sobre a criança devem
acompanhá-la ao longo de sua trajetória da Educação Infantil e ser entregue por
Currículo da Educação Básica 72

ocasião de sua matrícula no Ensino Fundamental para garantir a continuidade dos


processos educativos vividos pela criança.

4.2 O acompanhamento da continuidade do processo de educação

Na busca de garantir um olhar contínuo sobre os processos vivenciados pela


criança, devem ser criadas estratégias adequadas aos diferentes momentos de
transição por elas vividos. As instituições de Educação Infantil devem assim:
a) Planejar e efetivar o acolhimento das crianças e de suas famílias quando do
ingresso na instituição, considerando a necessária adaptação das crianças e
seus responsáveis às práticas e relacionamentos que têm lugar naquele
espaço, e visar o conhecimento de cada criança e de sua família pela equipe
da Instituição;
b) Priorizar a observação atenta das crianças e mediar às relações que elas
estabelecem entre si, entre elas e os adultos, entre elas e as situações e
objetos, para orientar as mudanças de turmas pelas crianças e acompanhar
seu processo de vivência e desenvolvimento no interior da instituição;
c) Planejar o trabalho pedagógico reunindo as equipes da creche e da pré-
escola, acompanhado de relatórios descritivos das turmas e das crianças,
suas vivências, conquistas e planos, de modo a dar continuidade a seu
processo de aprendizagem;
d) Prever formas de articulação entre os docentes da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental (encontros, visitas, reuniões) e providenciar instrumentos
de registro – portfólios de turmas, relatórios de avaliação do trabalho
pedagógico, documentação da frequência e das realizações alcançadas pelas
crianças – que permitam aos docentes do Ensino Fundamental conhecer os
processos de aprendizagem vivenciados na Educação Infantil, em especial na
pré-escola e as condições em que eles se deram, independentemente dessa
transição ser feita no interior de uma mesma instituição ou entre instituições,
para assegurar às crianças a continuidade de seus processos peculiares de
desenvolvimento e a concretização de seu direito à educação.
Currículo da Educação Básica 73

1. Como é concebido o currículo da Educação Infantil? E quais as dimensões, pautadas


na indivisibilidade e na integralidade, que devem nortear as práticas que estruturam o
cotidiano das instituições de Educação infantil?

2. Elabore uma dissertação, de no mínimo 30 linhas, pautando a Educação Infantil a


partir dos princípios éticos, políticos e estéticos, cujos fundamentos devem orientar o
trabalho pedagógico na educação das crianças, pontuando também as condições
necessárias para a sua organização curricular e a importância da família no processo
educacional.

3. Qual a importância do processo de avaliação e do acompanhamento continuado para


a eficácia da educação na vida da criança?

Como os pais podem auxiliar na aprendizagem de


seus filhos dentro e fora da escola?
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