Você está na página 1de 29

CAPÍTULO I

1. A ORIGEM HISTÓRICA DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

1.1. Histórico das Atividades de Inteligência Policial

As atividades de inteligência, segundo pesquisas, há relatos que entre os hititas,


povo indo-europeu que há mais de 3 mil anos habitava a região onde hoje é a Turquia,
já circulavam dados sobre os inimigos, escritos em pedaços de argila.

No ano 510 a.C. Sun-Tzu, escreveu o primeiro documento que tratava sobre
inteligência, “Princípios da Guerra”, o qual buscava aperfeiçoamento de suas táticas
para vencer as guerras.

Ainda na Antiguidade, Alexandre, o Grande, usava de interrogatórios de


viajantes para obter informações sobre outros territórios, as utilizava para os invadir.

A Atividade de Inteligência, desde os primórdios da civilização apoiou e


orientou as tomadas de decisões estratégicas e táticas, buscando sempre uma decisão
precisa e acertada, quer no campo militar, quer no campo econômico ou politico.

A Atividade de Inteligência, desde a sua origem, apresenta-se como recurso de


que se valiam as autoridades das sociedades antigas não apenas para atender os
interesses da coletividade, mas também resguardarem seus interesses, notadamente a
manutenção e a ampliação de suas relações de poder e controle.

As novas tecnologias disponíveis e as possibilidades de construção de redes de


conhecimento favorecem a atividade de inteligência e permitem uma maior efetividade
nas estratégias e nas ações de segurança pública. Cabe destacar que a importância das
atividades de inteligência recai na necessidade de proteção e desenvolvimento das
sociedades.

1.2. O histórico da Inteligência Policial no Brasil

No Brasil, a atividade de inteligência foi conhecida historicamente por


“atividade de informações”, a qual possui uma construção povoada de mistérios e,
muitas vezes, questões nebulosas, isso em razão das relações de poder que a
impulsionaram desde o seu início.

De acordo com Antunes (2002) a atividade de inteligência passou ter sua


importância no debate político brasileiro a partir da década de 90 em decorrência do
extinto Serviço Nacional de Informações conforme citação.

O termo inteligência, entendido neste sentido,


passou a fazer parte do debate político brasileiro
principalmente a partir da década de 1990, após a
extinção do Serviço Nacional de Informações
(SNI), não obstante haja referências a este tipo de
atividade desde 1927. Emergiu de uma tentativa de
acobertar e superar uma identidade deteriorada que
havia se formado em torno da atividade de
Informações no regime militar, equivalente a
repressão e violação dos direitos civis. No Brasil,
assim como nos demais países do Cone Sul, existe
uma forte desconfiança em relação a essa atividade,
que decorre do perfil assumido por seus órgãos de
informações durante o ciclo recente de regimes
militares. Nesses países, os serviços de informações
converteram-se em estados paralelos com alto grau
de autonomia, enorme poder e capacidade
operacional. (ANTUNES, 2001,p.19) .

Gonçalves (2008) também faz suas considerações sobre o assunto da herança


recebida do antigo Serviço Nacional de Informação (SNI) que serviu de um poderoso
instrumento no período da Ditadura Militar, que estigmatizou a atividade de inteligência
com uma imagem bastante negativa. Este aspecto negativo da atividade de inteligência
no Brasil cabe, então, à própria Agência Brasileira de Informação (ABIN) em buscar os
meios para desvincular essa imagem que a sociedade tem da atividade.

Entretanto, um dos grandes desafios para se remodelar a concepção de inteligência ainda


predominante no Brasil, uma vez que tais conceitos e origens da atividade de inteligência ainda são
obscuros para a sociedade brasileira, é à busca de novos referenciais sobre tal atividade. Segundo Bessa
(2004, p.53):

No Brasil – Devido às deformações sofridas ao


longo do regime militar e à falta de estudos e
discussões sérias sobre os seus reais objetivos – a
Inteligência ficou marcada negativamente como uma
atividade policialesca, voltada para intrigas e
perseguições de adversários políticos do regime, e
que colocava em um plano inferior os interesses do
Estado e da sociedade.

Todavia, com a evolução histórica e econômica da humanidade e o decorrente


aumento substancial de informações disponíveis, os organismos de inteligência
passaram a se especializar na procura por informações críticas para os governantes,
geralmente informações essas de difícil obtenção, uma vez que o controle e captura de
todas as informações, tornou-se uma impossibilidade devido ao volume exponencial
destas.
CAPITULO II

2. INTELIGÊNCIA E INTELIGÊNCIA POLICIAL OU DE SEGURANÇA


PÚBLICA

2. 1. Conceito de Atividade de Inteligência

Estudando o conceito de atividade de inteligência de acordo com


LOWERTHAL (2006), é o processo pelo qual certa informação essencial para a
segurança nacional é requerido, coletado, analisado e disponibilizados aos tomadores de
decisão.

Na mesma trilha, CEPIK (2003), define que existem dois usos principais do
termo inteligência fora do âmbito das ciências cognitivas. Uma definição ampla diz que
inteligência é toda informação coletada, organizada ou analisada para atender a
demanda de um tomador de decisões. De forma mais restrita CEPIK (2003) afirma que
inteligência são as coletas de informações negadas, ou seja, sem o consentimento, a
cooperação ou mesmo o conhecimento por parte dos alvos da ação.

Para o autor, inteligência é o mesmo que segredo ou informação secreta. Porém,


chama a atenção que ignorar a definição restrita sobre o conceito de inteligência
implicaria em perder de vista o que torna a atividade problemática. Segundo CEPIK, no
mundo real, as atividades dos serviços de inteligência são mais amplas do que a mera
espionagem e mais restritas do que o provimento de informações sobre todos os temas
relevantes para a decisão governamental. Para ele, o uso do termo inteligência também
serve para designar função de suporte, seja na rotina dos governos, no meio empresarial
ou mesmo em organizações sociais.
Os serviços de inteligência de acordo com CEPIK (2001), são organizações
governamentais especializadas na coleta, análise e disseminação de informações dos
problemas e alvos relevantes para política externa, para a política de defesa nacional e
para segurança pública de um país, formando com as forças armadas e as polícias, sendo
esses o núcleo coercitivo do Estado contemporâneo.

Dentre as duas definições, convém destacar algumas considerações com base na


acepção sobre o tema assinalado por Lowerthal (2006), Inteligência como processo:

a inteligência pode ser considerada como o meio


pelos quais certos tipos de reformulações são
necessários e solicitados, coletados, analisados e
divulgados, e como a maneira em que certo tipo de
ações encobertas são concebidas e realizadas.
Inteligência como um produto: A inteligência pode
ser pensada como o produto desses processos que é
como as análises e operações de inteligência.
Inteligência como organização: A inteligência pode
ser pensada como as unidades que realizam suas
várias funções. (LOWERTHAL,2006;p.9).

De acordo com Gonçalves (2008), o termo inteligência foi incorporado à


doutrina brasileira a partir da década de 1990, após a redemocratização, quando ainda
segundo o autor a terminologia “informações”, mais adequada à língua portuguesa, foi
substituída por “inteligência”. Gonçalves, afirma que as razões dessa mudança foram,
especialmente de ordem política, atitude em que se tentaram banir termos associados ao
regime militar. Assim, a nova doutrina brasileira de segurança o vocábulo
“informações” passou a ser entendida como inteligência que também por sua vez não é
a mesma coisa de “informação”.

Em analise ao entendimento de Lowerthal (2006), este ressalta que:

a informação é algo que pode ser conhecido,


independentemente de como foi descoberto.
Inteligência se refere à informação que atende as
necessidades dos decisores. Neste mesmo sentido, o
autor ainda afirma que a inteligência é um
subconjunto da categoria mais ampla de
informações. “Toda inteligência é informação;
porém nem toda informação é inteligência”.
(LOWERTHAL, 2006, p.2).

2.2. Atividade de Inteligência de Segurança Pública

No que diz respeito à chamada inteligência de segurança pública CEPIK (2007)


ressalta que esta área da inteligência está direcionada para as ameaças de questões de
ordem pública voltada para dar apoio às funções de policiamento, trabalho que são
próprios das instituições, Polícia Federal, Civil ou Militar.

Nas concepções de Gonçalves (2008), a inteligência policial tem como


finalidade de atuar na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações
criminosas. Ainda segundo o autor, tal atividade também tem como escopo a busca de
informações necessárias que possam identificar o exato momento e lugar de realizações
de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por organizações criminosas.

No III Encontro de Estudo e Desafios para atividade de inteligência realizado


pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais no ano de 2004, Jorge
Bessa, ressalta em seu artigo que uma preocupação constante da sociedade em relação à
atividade de inteligência diz respeito a possíveis desvios que possam ocorrer e que
venham a colidir com a democracia. Em relação a isso, a autoridade decisória deve se
pautar pelo respeito ao arcabouço jurídico existente, de forma que estas atividades se
desenvolvam em um contexto de legalidade e em obediência irrestrita aos parâmetros de
um Estado Democrático de Direito. (BESSA. III encontro de Estudo e Desafios para
atividade de Inteligência; 2004.p.51).

Diante das afirmações, fica evidente que não concordar com a importância da
atividade de inteligência na defesa do Estado e da sociedade é um fato difícil, apesar da
falta de esclarecimento por parte da sociedade sobre a importância da atividade.
Contudo, deve se levar em conta que a produção de conhecimentos de inteligência para
subsidiar o processo decisório das autoridades públicas, associada à neutralização de
atividades adversas, sempre devem ser vista como a garantia da manutenção da ordem
pública do Estado, e a preservação dos direitos individuais constitucionalmente
consagrados.

A inteligência policial, ou melhor, os serviços de inteligência de polícia


judiciária e mesmo a inteligência de segurança pública (ISP) se voltam,
especificamente, para a realização da justiça criminal, de propósito instrutório e
probatório criminal (repressão, que acontece reativamente, depois da eclosão do crime,
e se concretiza por atos de investigação), bem como para a prevenção e controle de
criminalidade (softwares de georreferenciamento, quadros de padrões criminais,
estatísticas, mapeamento de manchas de criminalidade).

Nas sabias palavras de Celso Ferro Júnior (2005, p. 9) a atividade de inteligencia


policial é a atividade que objetiva a obtenção, analise e produção de conhecimentos de
interesse da segurança pública no território nacional, sobre fatos e situações de imediata
ou potencial influencia da criminalidade e também assessorar as acoes de polícia
judiciaria e ostensiva por intermédio da análise, compartilhamento e difusão de
informações.

Note-se que há uma diferença entre a atividade de inteligência de Estado e a


atividade de inteligência policial. Enquanto a primeira prima pelo assessoramento das
autoridades de governo, no processo decisório, a segunda busca a produção de provas
da materialidade e da autoria de crimes. A inteligência policial é, em suma, voltada para
a produção de conhecimentos a serem utilizados em ações e estratégias de polícia
judiciária, com o escopo de identificar a estrutura e áreas de interesse da criminalidade
organizada, por exemplo.

Pacheco (2005, p. 5) leciona que a inteligência dita de Estado (ou seja, relativa à
segurança nacional, isto é, do Estado e da sociedade como um todo) deve ser
complementada pela inteligência de segurança pública (ISP), cujo conceito está em
construção. Para o Promotor de Justiça de Minas Gerais, a inteligência de segurança
pública (ou inteligência criminal) divide-se em inteligência policial (desenvolvida no
âmbito das Polícias), e inteligência prisional (ou, mais restritivamente, inteligência
penitenciária, desenvolvida no âmbito dos estabelecimentos prisionais).

Em estudos, Lorenz de Azevedo, Diretor de Inteligência Policial do DPF,


destaca que, na seleção do pessoal adequado às operações de inteligência policial, serão
consideradas as aptidões inatas e o prévio treinamento em missões de combate ao crime
organizado e que a continuidade dos procedimentos de coleta e busca executados pelos
policiais conhecedores da investigação é essencial para o sucesso operacional.

Também, anota o Delegado de Polícia Federal que:


A experiência demonstra que o tempo de
permanência dos policiais nos trabalhos de
monitoramento das comunicações telefônicas
influirá na sua capacidade de interpretar
corretamente as mensagens implícitas existentes nas
conversações interceptadas, distinguindo com
precisão as manifestações subjetivas dos
investigados reveladoras de suas reais intenções.

A resolução nº 01 de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança


Pública (SENASP), que Regulamenta o Subsistema de Inteligência de Segurança
Pública - SISP, e dá outras providências, distinguiu entre inteligência policial e
inteligência de segurança pública nos seguintes termos:

Inteligência de Segurança Pública: é a atividade


permanente e sistemática via ações especializadas
que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças
reais ou potenciais sobre a segurança pública e
produzir conhecimentos e informações que
subsidiem planejamento e execução de políticas de
Segurança Pública, bem como ações para prevenir,
neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer
natureza, de forma integrada e em subsídio à
investigação e à produção de conhecimentos;
Inteligência Policial: é o conjunto de ações que
empregam técnicas especiais de investigação,
visando a confirmar evidências, indícios e a obter
conhecimentos sobre a atuação criminosa
dissimulada e complexa, bem como a identificação
de redes e organizações que atuem no crime, de
forma a proporcionar um perfeito entendimento
sobre a maneira de agir e operar, ramificações,
tendências e alcance de condutas criminosas (LIMA;
MARTINEZ, 2010).

2.3. Novos paradigmas para a inteligência policial

No contexto atual considera-se um momento de transformação institucional em que o foco da


atividade de inteligência interna, sobretudo no âmbito da inteligência policial, esteja deixando de tratar
como adverso ou como inimigo, os distintos setores sociais que compõem a sociedade brasileira, e
esteja sendo focado na composição de um serviço voltado para a segurança do Estado e da sociedade
como um todo.

Nesta direção, Reznik (2005, p.26) argumenta que:

O que está em questão hoje é um processo de


reinstitucionalização de um serviço de inteligência
ou de uma polícia política. [...] A democracia no
pós-guerra estava constrangida pela guerra fria.
Neste contexto os comunistas eram inimigos
internos, enquadravam-se numa lei de segurança por
serem ‘antinacionais’. O MST, [...]pode vir a servir
como a atualização desse procedimento num quadro
de novas exclusões para os critérios de
pertencimento adequado à nação e ao exercício da
cidadania.

Para o autor o contexto atual apresenta contradições que podem apontar mudanças
significativas sobre o foco da atividade de inteligência interna e, sobretudo, em relação ao critério
utilizado para eleger os inimigos internos do país.

Cabe ressaltar que com o advento do crime organizado e da globalização


econômica, o uso de instrumentos, por parte dos governos, que permitam a coleta de
provas e a identificação de criminosos, sem que estes tenham ciência de estarem sendo
investigados e criem mecanismos de defesa, são essenciais à própria sobrevivência do
Estado. Assim sendo, uma abordagem para a inteligência policial deve atuar:
[...] na prevenção, obstrução, identificação e
neutralização das ações criminosas, com vistas à
investigação policial e ao fornecimento de subsídios
ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos
processos judiciais. Buscam-se informações
necessárias que identifiquem o exato momento e
lugar da realização de atos preparatórios e de
execução de delitos praticados por organizações
criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e
constitucionais para a atividade policial e as
garantias individuais. (GONÇALVES, 2003,P.12).

Sob este viés, a inteligência policial utilizaria seu conjunto de técnicas e


ferramentas para combater as organizações criminosas que ameaçam o funcionamento
da sociedade democrática, sob o estrito cumprimento das leis vigentes em um Estado de
Direito. A partir de tais elementos constituir-se-ia como uma oportunidade histórica de
se colocar as agências de inteligência a serviço desta mesma sociedade e não de grupos
dominantes. Todavia, para mudar de fato os objetivos políticos, também se faz
necessário modificar o referencial técnico empregado, constituindo-se tal tarefa um
grande desafio.
CAPITULO III

3. A CRIMINALIDADE E OS ÍNDICES DE HOMICÍDIO

Desde meados da década de 1970, vem-se intensificando, no Brasil, a sensação


de medo e insegurança, no entanto, essa sensação não parece infundada. A partir deste
período as estatísticas oficiais de criminalidade indicam a aceleração do crescimento de
todas as práticas de atividades delituosas.

Segundo Adorno (2002) os crimes que envolvem a prática de violência, como os


homicídios, os roubos, os sequestros e os estupros são os que apresentam maiores
números de ocorrência. Com esse aumento nos índices de criminalidade, podem-se
observar alterações substantivas nos padrões de criminalidade individual, assim como
na descrição das pessoas envolvidas com a criminalidade

O debate sobre a violência e a criminalidade mobilizou nos últimos anos uma


série de estudos e pesquisas nacionais e internacionais que visam buscar o entendimento
deste fenômeno social, que instaura um campo de análise problemático e conflitivo,
envolvendo diferentes categorias de análises, atores sociais e responsabilidades
públicas. Percebemos a complexidade da violência quando procuramos, por exemplo,
circunscrever o seu campo semântico. Deparamo-nos de imediato com “um jogo de
linguagens onde diferentes tipos de fenômenos aproximam-se, enredando-se numa teia
discursiva cuja amplitude é sempre crescente” (RIFIOTIS, p. 6, 2006).

Condição que coloca o tema da violência como um problema da ordem pública,


no caso da sociedade brasileira, a violência encontra-se situada na história particular da
formação política do país.
Sérgio Adorno (2002) defende que a violência no Brasil constituiu-se como um
fenômeno determinado sócio historicamente e está associado à crise do sistema de
segurança pública, ao crescimento das injustiças sociais e ao esvaziamento dos direitos.

Os estudos sobre a violência urbana e criminalidade são de grande complexidade


e não podem ser resolvidos por meio de fórmulas simplistas. Atento para que governos
não incorram em equívocos. A atuação para a contenção e controle do problema da
violência e da criminalidade urbana deve ser feita através de políticas públicas
multidisciplinares e integradas.

3.1. A atividade de inteligência no combate ao crime

Em uma organização policial é de competência das agências de inteligência


realizar a coleta de informações das atividades dos indivíduos envolvidos em crimes ou
em ações de grupos engajados contra a perturbação da ordem.

A atividade de inteligência busca desenvolver a avaliação, análise e


disseminação do material resultante para as unidades específicas da organização
policial. Tais unidades policiais poderão então utilizar a informação como advertência
para os fatos que estão por acontecer. Quanto à obtenção dos dados este, se dá por
coleta ou busca. Segundo Gonçalves (2008) na doutrina brasileira de informações
“coleta” refere-se à obtenção de informações de fontes abertas como: livros, periódicos,
documentos públicos, programas de tv, rádio, internet e outros. Enquanto que a “busca”
é o termo utilizado para a obtenção do dado negado ou não disponibilizado. Neste
segundo caso, há recurso técnico e operacional para a obtenção do dado, conforme cita
o autor:

Os meios de coleta e as fontes típicas de informação


definem disciplinas bastante especializadas em
inteligência, que a literatura internacional designa
através de acrônimos derivados do uso norte
americano: humint (human intelligence) para as
informações obtidas a partir de fontes humanas,
sigint (signals intelligence) para as informações
obtidas a partir das interceptações e decodificação de
comunicação e sinais eletromagnéticos, imint
(imagery intelligence) para a informação obtidas a
partir das imagens fotográficas e multiespectrais,
masint (measurement and signature intelligence)
para as informações obtidas a partir da mensuração
de outros tipos de emanações (sísmicas térmicas,
etc.) (GONÇALVES,2008,p.192).

Na atividade de inteligência das divisões de inteligência a busca por informações


se inicia a partir de uma pesquisa interna nos arquivos da agência de inteligência que
pode incluir o conhecimento, por meio da formação ou experiência, do Analista de
Inteligência, após receber determinada ordem.

Caso as informações internas não sejam suficientes para suprir a questão, o


analista deverá buscar as fontes abertas. Atualmente os Serviços de Inteligências têm
utilizado a internet como os sites e blogs das organizações para agilizar as pesquisas,
pois esta ferramenta propicia acesso rápido e de baixo custo operacional. Isto porque
muitos Serviços de Inteligência no Brasil atualmente trabalham quase que
exclusivamente com pesquisas em fontes abertas, e quando estas não são satisfatórias o
operador partirá em busca do chamado dado negado.

O dado negado estará sempre protegido, seja por força corporativa, ou por sigilo
da pessoa que detém a informação. Neste instante a atividade de Inteligência passa a ser
arriscada, pois quanto maior o valor do dado e o grau de proteção a que estiver sujeito a
informação, maior será a dificuldade para obter lá. Assim, o risco da missão se dá pelo
fato de que o agente ao ser infiltrado deverá ocultar, por motivo de proteção, sua
verdadeira identidade.
3.2. Dificuldades no emprego da Inteligência

A atividade de inteligência pode apresentar problemas de questões internas, pois


o trabalho da Inteligência está sempre voltado para um indivíduo específico, que
solicitará as informações sobre um dado ou um fato específico.

Na segurança pública estas solicitações, geralmente, partem de um superior


hierárquico. Vale ressaltar que a Inteligência, não toma decisões, apenas cumpre um
pedido, seguido de um plano pré-estabelecido e seguindo um padrão de atuação pré-
determinado por meio de uma doutrina. Assim, na visão de Gonçalves (2008) mesmo
após ter decorrido todos os ciclos de produção de conhecimento, o ciclo da inteligência
só terminara após a utilização do usuário. Ao receber o conhecimento produzido, o
usuário poderá utilizá-lo em seu processo decisório e também fazer novas demandas a
inteligência, por mais que pareçam relevantes os relatórios produzidos pelos analistas.
Isso se dá dentro de uma prática de inteligência relacionada ao desenvolvimento de
“resistência a frustrações” (GONÇALVES, 2008,p.192).

4. INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA

Em análise do conceito da doutrina internacional sobre Inteligência Estratégica,


avaliando as vantagens no seu investimento, de modo a produzir conhecimento de alto
nível que permitirá a tomada de decisões estratégicas do Estado e emprego de forma
eficiente dos recursos disponíveis para redução da violência.

Sherman Kent afirma que, para serem consideradas informações estratégicas, de


alto nível, faz-se necessária a exclusão dos conhecimentos produzidos pela Contra-
Inteligência, além da exclusão dos níveis de decisão tático e operacional e, por fim, sua
matriz de produção deve estar focada no estrangeiro.

Washington Platt e Sherman Kent, desconsideram que a natureza estratégica do


conhecimento se dá em função do nível de decisão, podendo o status de nível
estratégico estar presente, associado aos demais (político, tático e operacional) em
determinado campo de atuação. Logo, não é o nível de decisão que qualifica/caracteriza
o “tipo de Inteligência”, mas, sim, o seu campo de atuação.

Dessa forma, tais autores, ao se referirem à Inteligência Estratégica como


atividade de produção de conhecimento voltado para o campo externo, visando à
proteção dos interesses nacionais, consideram-na mais adequada enquanto Inteligência
de Estado (em função do seu campo de atuação).

4.1. A Produção de Conhecimento em Nível Estratégico – óbices

Os estados demonstram o grau de fragilidade das políticas traçadas para a área


de segurança, deixando ao alvedrio do decisor político de plantão a tomada de decisão,
ainda com bases pouco sólidas. Logo, o sistema de Inteligência ficou sujeito a tais
mudanças de concepção, muitas das quais sem qualquer rigor técnico, apenas pelo
prazer de não se dar continuidade àquilo que não foi iniciado em sua gestão. Esse
comportamento, associado à incompreensão da atividade, produziram, em curtos
períodos de tempo, significativos retrocessos no processo de estruturação do sistema de
Inteligência.

A incompreensão não se limitava à figura do decisor político, mas em especial,


ao conflito interno pela disputa de espaço e de poder, especialmente criado pela
ignorância e incompreensão da utilidade do sistema de Inteligência. Dessa forma, os
principais problemas enfrentados pelos operadores e decisores foram a dificuldade de
interlocução com o canal técnico do sistema e a incompreensão, por parte do decisor
político, quanto ao real papel da atividade de Inteligência.
Para a Interlocução do sistema faz-se necessário que os gestores entendam o que
é e para que serve um sistema. São pouquíssimos, ínfimos, os profissionais estaduais
que possuem realmente habilitação na área.

Sabe-se da necessidade de incremento na formação/especialização não só dos


profissionais de Inteligência, mas também dos usuários/gestores. Muitos executivos não
sabem como utilizar/demandar o serviço, que por vezes ficam esquecidos nos âmbito da
burocracia.

Tais fatores, dentre outros, poderíamos citar como os que são mais observados: a
falta de mentalidade de informações, a vaidade pessoal, o egoísmo em não compartilhar
dados, o problema cultural que mitiga a importância da atividade de Inteligência e a
falta de preparo dos agentes.

4.2. Inteligência em Nível Estratégico na Segurança Pública

Em nível estratégico apenas no âmbito das agências centrais de inteligência,


produzem conhecimento para o nível de decisão estratégico. Estas agências devem atuar
na coordenação e fiscalização da atividade em todos os níveis, sendo prioritários os
níveis estratégico e tático. O nível operacional somente deve ser desenvolvido pela
agência central para atendimento das demandas do decisor e por sua determinação
direta. Com isso, tanto operadores, quanto decisores são unânimes quanto à importância
da inteligência em nível estratégico a ser desempenhado, muito embora seus
fundamentos não sejam os mesmos.

O conhecimento em nível estratégico, produzido por Agências Centrais de


Inteligência, devidamente qualificadas em pessoal e material, não só pode contribuir
para o desenvolvimento da Política de Segurança Pública, como, na ausência dele – o
conhecimento – e delas – as Agências que o produzem – consideraria impossível a
realização do trabalho da Segurança Pública, transformando-o numa experiência
totalmente empírica, despida de qualquer fundamento racional.
5. AÇÕES ESTRATÉGICAS

Os órgãos do Executivo com poder de polícia ou com atribuições que envolvam


fiscalização e controle devem dispor de setores de Inteligência.

As informações táticas, ao serem reunidas e processadas no âmbito da


Inteligência de Estado, e não mais policial, assumem importância estratégica. Para isso
é preciso que um órgão federal, no caso a ABIN, agrupe as informações já processadas
pelas diversas Inteligências estaduais e federais. Essas informações táticas, novamente
processadas, voltariam para as Inteligências policiais, onde têm mais utilidade. Esse
sistema já vem sendo empregado por alguns estados no combate ao crime organizado e
no apoio ao Ministério Público e às polícias.

As atividades de Inteligência são mais eficazes que as operações ostensivas na


identificação de esquemas criminosos e para desbaratar quadrilhas. Por isso, deve haver
divisão entre a Inteligência governamental e a policial, voltada para táticas de repressão
e investigação das quadrilhas, com ambas interligadas. Entretanto, essa integração não é
fácil sem um órgão central de Inteligência interna, como ocorre nos EUA.

Um órgão nacional de Inteligência deve trabalhar com: centralização,


processamento e distribuição de informações, e também com análises estratégicas que
permitam aos órgãos de repressão, fiscalização e controle exercerem suas atividades na
neutralização das organizações criminosas. Somente um órgão nacional, sem objetivos
policiais e que preste contas diretamente ao Chefe do Poder Executivo e ao Congresso
Nacional, poderá desenvolver, com devida isenção, a Inteligência de caráter estratégico
essencial para a segurança pública e institucional.
Um problema é a “ausência de Cultura de Inteligência entre os órgãos da
Administração Pública”. Quem trabalha com informações sigilosas e com segurança
deve ser capacitado através de treinamentos. E segundo esse autor, os cursos da ABIN
para “magistrados, membros do Ministério Público e servidores da Administração
Pública direta e indireta, federal e estadual” vêm gerando efeitos positivos ao
conscientizarem sobre os mecanismos de Inteligência disponíveis. Pois:

O estabelecimento de uma cultura de Inteligência na Administração Pública, o


que é de significativa importância para a garantia do sigilo e da preservação e difusão de
dados essenciais à segurança pública. Não se trata de restabelecer as "estruturas
tentaculares danosas do antigo SNI", mas, sim, o incentivo à percepção da importância
da atividade de Inteligência no Estado democrático e a aplicação desses conhecimentos
no combate às organizações criminosas.

6. HOMICÍDIOS NO BRASIL E PARÁ

O Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. Isso significa 28,9 mortes a


cada 100 mil habitantes. Os números representam uma mudança de patamar nesse
indicador em relação a 2005, quando ocorreram 48.136 homicídios. As informações
estão no Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O estudo analisa os números e as taxas de homicídio no país entre 2005 e 2015 e


detalha os dados por regiões, Unidades da Federação e municípios com mais de 100 mil
habitantes. Apenas 2% dos municípios brasileiros (111) respondiam, em 2015, por
metade dos casos de homicídio no país, e 10% dos municípios (557) concentraram
76,5% do total de mortes.

Os estados que apresentaram crescimento superior a 100% nas taxas de


homicídio no período analisado estão localizados nas regiões Norte e Nordeste. O
destaque é o Rio Grande do Norte, com um crescimento de 232%. Em 2005, a taxa de
homicídios no estado era de 13,5 para cada 100 mil habitantes. Em 2015, esse número
passou para 44,9. Em seguida estão Sergipe (134,7%) e Maranhão (130,5). Pernambuco
e Espírito Santo, por sua vez, reduziram a taxa de homicídios em 20% e 21,5%,
respectivamente. Porém, as reduções mais significativas ficaram em estados do Sudeste:
em São Paulo, a taxa caiu 44,3% (de 21,9 para 12,2), e, no Rio de Janeiro, 36,4% (de
48,2 para 30,6).

Houve um aumento no número de Unidades da Federação que diminuíram a


taxa de homicídios depois de 2010. Especificamente nesse período, as maiores quedas
ocorreram no Espírito Santo (27,6%), Paraná (23,4%) e Alagoas (21,8%). No sentido
contrário, houve crescimento intenso das taxas entre 2010 e 2015 nos estados de
Sergipe (77,7%), Rio Grande do Norte (75,5%), Piauí (54,0%) e Maranhão (52,8%). A
pesquisa também aponta uma difusão dos homicídios para municípios do interior do
país.

6.1. Municípios mais pacíficos e mais violentos

O Atlas da Violência 2017 analisou dados do Sistema de Informação sobre


Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, referentes ao intervalo de 2005 a 2015, e
utilizou também informações dos registros policiais publicadas no 10º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP. Para listar os 30 municípios potencialmente
mais violentos e menos violentos do Brasil em 2015, o estudo considerou as mortes por
agressão (homicídio) e as mortes violentas por causa indeterminada (MVCI).
Altamira, no Pará, lidera a relação dos municípios mais violentos, com uma taxa
de homicídio somada a MVCI de 107. Em seguida, aparecem Lauro de Freitas, na Bahia
(97,7); Nossa Senhora do Socorro, em Sergipe (96,4); São José de Ribamar, no
Maranhão (96,4); e Simões Filho, também na Bahia (92,3). As regiões Norte e Nordeste
somam 22 municípios no ranking dos 30 mais violentos em 2015.

Entre os 30 mais pacíficos, 24 são municípios da região Sudeste. No entanto, os


dois primeiros da lista ficam em Santa Catarina: Jaraguá do Sul (3,7) e Brusque (4,1).
Em seguida, aparecem Americana (4,8) e Jaú (6,3), ambos em São Paulo, Araxá, em
Minas Gerais (6,8), e Botucatu (7,2), também em São Paulo. A lista completa dos 30
municípios mais e menos violentos está nas tabelas 2.1 e 2.2 da pesquisa.

A análise isolada das taxas de homicídio pode ocultar o verdadeiro nível de


agressão letal por terceiros em um município. Exemplo disso é Barreiras (BA), onde foi
registrado apenas um homicídio em 2015. Isso colocaria a cidade entre as mais pacíficas
do país. No entanto, ocorreram em Barreiras, naquele ano, 119 MVCI, uma taxa de 77,3
por 100 mil habitantes, o que eleva o município para a relação dos municípios mais
violentos.

6.2. Perfis das vítimas

Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas
em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, uma
redução de 3,3% na taxa em relação a 2014. No que diz respeito às Unidades da
Federação, é possível notar uma grande disparidade: enquanto em São Paulo houve uma
redução de 49,4%, nesses onze anos, no Rio Grande do Norte o aumento da taxa de
homicídios de jovens foi de 292,3%.

Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas: mais de 92% dos


homicídios acometem essa parcela da população. Em Alagoas e Sergipe a taxa de
homicídios de homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4 mortes por 100 mil
homens jovens em 2015.

A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com


informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados
em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade,
do sexo, estado civil e bairro de residência.

Os dados sobre mortes decorrentes de intervenção policial apresentam duas


variações: as analisadas por números do SIM na categoria “intervenções legais e
operações de guerra” (942) e os números reunidos pelo FBSP (3.320) em todo o país.
Os estados que mais registraram homicídios desse tipo pelo SIM em 2015 foram Rio de
Janeiro (281), São Paulo (277) e Bahia (225). Pelos dados do FBSP, foram registrados
em São Paulo 848 mortes decorrentes de intervenção policial, 645 no Rio de Janeiro
645 e 299 na Bahia.

Avalia-se que, no Brasil, falhas na investigação fazem com que a maior parte
dos casos de crime fique sem solução, sem haver sequer o seu encaminhamento ao
Ministério Público para o estabelecimento de denúncia (Adorno e Pasinato, 2010). Isto
reflete uma dificuldade histórica e estrutural das polícias brasileiras que,
tradicionalmente, não mantêm as atividades de investigação e inteligência em posição
de destaque entre suas atribuições. Ou seja, para além da crítica comum quanto à
“morosidade da justiça”, a grande diferença entre o número de delitos que geram
atendimentos policiais e o que realmente se transforma em processos penais representa
um dos maiores fatores de impunidade no país (Misse, 2010).

Como ilustração do tema, em fevereiro de 2012 a imprensa divulgou


amplamente o fracasso de um mutirão empreendido conjuntamente pelo governo
federal, pelo Judiciário e pelo Ministério Público para concluir cerca de 143 mil
inquéritos policiais – que estavam parados – que haviam sido instaurados até 2007 pelas
polícias civis.

Em resultado, o que se conseguiu foi o mero arquivamento de grande parcela


dos inquéritos, devido à falta de provas, indicação de autores, suspeitos e testemunhas,
ou mesmo à identificação muito imprecisa dos mesmos.

As deficiências das atividades de investigação podem ser abordadas a partir de


diferentes aspectos, como falta de estrutura ou de investimento na formação de peritos.
Contudo, neste texto pretende-se enfatizar uma dimensão específica, relacionada à
cultura ocupacional das polícias. Diferentes estudos apresentam um quadro preocupante
em relação ao lugar mantido pelo ensino das técnicas de investigação criminal nesta
cultura. Pesquisa realizada no Rio de Janeiro, objetivando identificar os processos
formais e informais de investigação e de transmissão de informação em delegacias
especializadas, indica que o conhecimento e a aprendizagem adquiridos pelos policiais
decorrem principalmente do desempenho cotidiano de seus trabalhos. A conclusão é
que expertise para solucionar os casos de sequestros, homicídios e de crime organizado
engloba poucas atividades formais de especialização (Nascimento, 2008).

De fato, as organizações policiais brasileiras não alcançaram grau de


profissionalismo adequado em duas de suas atribuições fundamentais: uso da força
física e capacidade de investigação. Primeiro, porque fazem demasiado uso da força,
principalmente contra as classes populares (Paixão, 1988). Segundo, porque os
trabalhos de investigação e análise criminal acabam ficando em segundo plano, em
meio ao enorme conjunto de outras demandas que ganharam posição de prioridade no
cotidiano das polícias. Estes requerimentos vão desde atividades administrativas até o
atendimento a um grande número de casos sem nenhuma relação com a ocorrência de
crimes, que por si mesmas já representam uma enorme demanda frente à precariedade
de recursos materiais e humanos das polícias (Azevedo e Vasconcellos, 2011). Além
disso, a própria cultura organizacional normalmente desenvolvida pelos policiais é
recalcitrante a um maior grau de especialização e profissionalismo no aprimoramento
do uso de técnicas de investigação, principalmente pela forte noção que compartilham
de que o policial se forma “nas ruas” ou “na prática”.

Ao serem questionados sobre suas competências para investigar caso de


homicídios, os policiais dizem que não fizeram nenhum curso para isso. Dizem que vão
aprendendo com a experiência, e que alguns elementos que trouxeram da delegacia em
que estiveram anteriormente pode ser utilizada para elucidar crimes (Nascimento, 2011,
p. 27).

Trata-se do mito do “faro policial”. Policiais geralmente desvalorizam a


formação recebida em suas academias, considerando os cursos muito distantes da sua
prática cotidiana (Minayo e Souza, 2003). Diante da ocorrência de um crime (por
exemplo, um homicídio), o investigador da polícia civil, ancorado em sua experiência
ou intuição, cogita as possíveis motivações envolvidas e, a partir disso, procura indícios
que indiquem os suspeitos. Então, lançando mão principalmente de depoimentos,
acredita que, uma vez diante do culpado, poderá pegá-lo em suas próprias contradições
devido ao seu “faro policial” apurado.

A função de investigar é complexa e importante demais para ser executada


dentro de patamares do senso comum. Não se pode negar que esforços têm sido feitos
para aprimorar a formação em capacidade investigativa, e devem ser valorizados.
Contudo, é preciso refletir seriamente sobre a possibilidade de novos avanços. Como
defende Barreto Júnior (2009), as carreiras de delegado e detetive precisam ser
reconceituadas, para serem compreendidas dentro de um novo prisma de gestão do ato
investigatório. Este pode ser visto como um processo racional de imbricação técnica,
com características qualitativamente semelhantes à pesquisa científica.

Caberia então perguntar acerca da viabilidade de uma fusão metodológica entre


os objetivos de descrever o crime para os efeitos judiciais da punição e, ao mesmo
tempo, os objetivos de uma descrição esclarecedora, modeladora de uma “leitura”
científica sobre a recorrência e características do comportamento criminal no tempo e
no espaço. Essa última orientação se prestaria à formulação de políticas de intervenção
preventiva, de caráter proativo e articulado às agendas de outros setores do poder
público, além de movimentos sociais responsáveis e competentes (Barreto Júnior, 2009,
p. 45).

Nesse mesmo sentido, Pereira (2010) aborda a possibilidade de uma ciência da


investigação, que ultrapassaria a prática isolada e individual, tornando-se uma atividade
coletiva e ampla, voltada para discussão de modelos gerais de análise. Esta perspectiva
aponta para outro tópico também fundamental ao aprimoramento institucional das
polícias: a produção e a utilização de inteligência policial.

Apesar de serem conceitos correlatos e de fato complementares, é preciso


distinguir a investigação criminal da inteligência policial. Como citado anteriormente, a
investigação consiste em uma atividade reativa, com a qual se buscam levantar indícios
e provas de uma infração penal e sua autoria, cuja destinação será o inquérito policial e
os autos do processo criminal, caso proposta a denúncia pelo Ministério Público. Já a
inteligência é uma atividade proativa, caracterizada pela busca constante de
informações que, uma vez organizadas, tornam-se disponíveis para auxiliar a tomada de
decisões. A investigação criminal tem, por natureza, a função de fornecer subsídios para
repressão de delitos já ocorridos. Em oposição, a inteligência pode auxiliar tanto ações
preventivas quanto repressivas da criminalidade.

A inteligência policial refere-se ao tratamento sistemático de informações e à


produção de conhecimento a partir do estabelecimento de correlações entre fatos
delituosos, ou situações de imediata ou potencial influência sobre eles, estabelecendo
padrões e tendências da criminalidade em determinado contexto histórico de alguma
localidade ou região (Ferro, 2006). Pode, inclusive, ser vista como atividade
complementar à investigação de delitos, fornecendo elementos que permitem a
compreensão do modus operandi de agentes criminosos dentro de uma moldura maior,
com o apoio de softwares, georeferenciamento e técnicas estatísticas.

Enquanto a investigação criminal propriamente dita consiste em atividade de


competência exclusiva das polícias judiciárias, a expertise em inteligência pode e deve
ser desenvolvida para assessorar, inclusive, as ações de policiamento ostensivo, por
meio de análise, compartilhamento e difusão controlada de informações. Estas práticas
permitem a compreensão de um conjunto de fatores que incidem sobre o
comportamento criminoso em determinados contextos locais ou regionais. Isto ocorre
por meio da análise criminal, interdisciplinar e qualificada, com base nos dados
fornecidos por diversas fontes, como ocorrências policiais e informações produzidas no
decorrer das investigações. Mesmo aquelas que não venham a compor o inquérito ou a
denúncia podem ser armazenadas de forma a servir de subsídio para a tomada de
decisões futuras.

O primeiro Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), de 2000, já previa a


implementação de um subsistema de inteligência de segurança pública (SISP), com
criação prevista no Decreto no 3.448, de 5 de maio de 2000, mas que, até o momento
atual, não se encontra consolidado.

Ao invés de atuar sobre incidentes de uma forma isolada e limitada, a


inteligência policial, se mais utilizada, poderia orientar as atividades dos policiais para
diagnósticos situacionais mais detalhados, de longo prazo, possibilitando melhor
alocação de recursos para o combate ao crime e para a manutenção da ordem.

Os órgãos de segurança pública não podem operar com uma visão restrita de
conhecimento. A quantidade de dados acumulados pelas polícias brasileiras é grande,
mas dispersos. É preciso haver interesse em recuperá-los e transformá-los em orientação
útil para lidar com qualquer tipo de crime: da chamada criminalidade organizada, como
os tráficos de drogas e de armas, até os tipos de delitos mais corriqueiros, como furtos,
arrombamentos e roubos de veículos. Com o trabalho de inteligência, que também
envolve a capacidade crítica, por parte dos profissionais da área, de preencher as
lacunas de informação com julgamento analítico, é possível munir as polícias com
estratégicas mais eficientes para cumprir o seu papel, provendo maior segurança aos
cidadãos.

7. A INTELIGÊNCIA NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Nas últimas décadas, as atividades criminosas têm passado por uma série de
mudanças, que culminaram em ações cada vez mais organizadas por parte de
delinqüentes e organizações criminosas. A partir da segunda metade da década de 1970,
com o fortalecimento do narcotráfico e o desenvolvimento de grandes mercados
consumidores – em especial EUA e Europa Ocidental –, as organizações criminosas
aperfeiçoaram seu modus operandi, atualmente com caráter muito mais complexo e
transnacional. Assim, os últimos 25 anos presenciaram o fortalecimento do crime
organizado, com ramificações nos mais diversos tipos de atividades ilícitas, do
narcotráfico à extorsão e corrupção, passando pela prostituição, tráfico de pessoas e
órgãos, tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Além do caráter empresarial, as
organizações criminosas têm cooperado entre si e formado verdadeiros conglomerados
transnacionais promotores de delitos. Diante do grau de complexidade e diversificação
do crime organizado, a atividade de inteligência adquire grande importância não só para
a repressão, mas, sobretudo, no que concerne à prevenção contra o desenvolvimento do
crime organizado. A atividade de inteligência é útil para o planejamento de estratégias
de ação das autoridades no contexto da segurança pública. E as ações de inteligência
devem reunir inteligência governamental e policial, em escala federal e estadual.

7.1. Dificuldades orçamentárias

As dificuldades orçamentárias são um dos maiores empecilhos à atividade de


inteligência no Brasil, como acontece na maioria dos países latino-americanos. Apenas
para citar o exemplo da ABIN, esse órgão tem aprovado para 2003 um orçamento de
cerca de US$ 40,000,000.00, dos quais a maior parte destina-se a pagamento de pessoal.
A situação dos setores de inteligência das polícias e de outros órgãos brasileiros
não é muito diferente. 16 Não se pode pensar em prevenção e muito menos em combate
às atividades das organizações criminosas sem um investimento significativo em
inteligência. Afinal, investimentos em inteligência costumam dar retorno maior que a
simples aplicação de recursos na solução de questões como a superlotação de presídios
ou a falta de equipamentos e pessoal das polícias – não que essas também não sejam de
grande relevância.

Um exemplo de quanto o investimento em inteligência pode dar retornos mais


concretos refere-se aos recursos aplicados em inteligência financeira. Com apoio a essas
atividades pode-se chegar às altas somas de dinheiro aplicadas pelas organizações
criminosas e neutralizá-las em seu aspecto mais vulnerável: a transformação de seus
recursos ilícitos em lícitos.

O investimento no combate à lavagem de dinheiro requer grandes recursos para


o aperfeiçoamento de técnicos e de equipamentos, mas com retorno garantido.

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/103/01.pdf?sequence=3
http://ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253

9 KENT, Sherman. Informações Estratégicas. __ed, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército;


1967 (Coleção General Benício), p. 18.
https://almiroj2000.jusbrasil.com.br/artigos/136152005/importancia-das-
atividades-de-investigacao-e-inteligencia-policial-para-o-sistema-de-justica-
criminal-e-seu-aprimoramento-no-brasil

Adorno, S. (2002). Crime e violência na sociedade brasileira


contemporânea. Jornal de Psicologia-PSI, Abril/Junho, p. 7-8.
CEPIK, Marco A.C: Inteligência de Segurança Publica em Seis Países:
Mandatos Legais e Estrutura Organizacional. In: (Org) RATTON, José Luiz de
Amorim; BARROS, Marcelo. Polícia, democracia e sociedade. Rio de Janeiro:
Lumem Juris, 2007, p.153 a 196.
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2003.
CEPIK, Marco A. C. Serviço de inteligência: Agilidade e transparência
como Dilemas de Institucionalização. Tese (doutorado) – 2001. IUPERJ.
CEPIK, Marco A. C: Inteligência e Políticas Públicas: dinâmicas
operacionais e condições de legitimação. Artigo publicado em Security and Defense
Studies Review, Volume 2 No. 2, Winter 2002.
GONÇALVES, Joanisval Brito: O controle da atividade de inteligência em
regimes Democráticos: os casos de Brasil e Canadá. Tese de (Doutorado) 2008
UNB.
LOWERNTHAL, Mark. Intelligence: From Secrets To policy. Washington,
DC: CQ Press, 2006.
RODRIGUES, Marcos Eduardo. A importância da atividade de inteligência
pública da PMMG no monitoramento dos movimentos sociais urbanos: A
ocupação dandara. - Trabalho Final apresentado ao Curso de Estudos de
Criminalidade e Segurança Pública, requisito para obtenção do Título de
Especialista. Belo Horizonte, 2010.
GOMES, Rodrigo Carneiro. Prevenir o crime organizado: inteligência
policial, democracia e difusão do conhecimento. Revista do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, v. 21, n. 8, ago. 2009

Você também pode gostar