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Reflexão crítica sobre o jornalismo de investigação praticado

em Portugal. As consequências do mercado no jornalismo de


investigação em Portugal

Jornalismo Especializado II

Discente: Vera Lúcia Barbosa Senra Lopes, a2021114748


Docente: Pedro Coelho

junho, 2022
Reflexão crítica sobre o jornalismo de investigação praticado em
Portugal
O jornalismo de investigação é determinante para o exercício do quarto poder que tem
sido esquecido devido à falta de jornalistas motivados, à falta de recursos financeiros e
ao tempo escasso vivido nas redações. O jornalismo de investigação permite uma
monitorização do exercício do poder, um aumento da responsabilidade de quem o
exerce, uma proteção da democracia e a denúncia dos casos de corrupção e abuso do
poder, aspetos estes que são decisivos para uma sociedade livre (Coelho, 2015). Há falta
de jornalistas de investigação sobretudo porque é uma área desafiante onde é necessário
ter determinação, confiança, experiência, conhecimento e uma motivação pessoal
elevada, onde um não nunca pode ser aceite. As reportagens de investigação resistem ao
imediatismo que tem emergido, devido à competitividade entre meios de comunicação e
à massificação de informação presente no digital que violam muitas das vezes o código
deontológico. Depois de muita pressão para chegar a um fim, o jornalismo de
investigação prevaleceu demonstrando que é possível ser transparente, contextualizar e
investigar a informação, assim como verificar os factos no terreno e expor da melhor
forma informação rigorosa e à prova de bala. Só este género jornalístico permite
cumprir as regras éticas e deontológicas na sua essência.

Apesar da televisão não ser considerada a plataforma de excelência da investigação


jornalística na história, continua a ser o meio mais completo de transmissão de
informação. A junção do vídeo e do texto transmite emoções e ajudam o telespectador a
entrar na história na sua plenitude, não deixando margem para dúvidas. Além disso, a
televisão generalista resistiu melhor à crise de audiências do que qualquer outro meio de
comunicação como é o caso da rádio e da imprensa escrita. A televisão é o meio mais
viável para ser feito jornalismo de investigação devido às suas receitas pois, segundo
David Simon (cit. por Coelho, 2015), os lucros vão sendo revestidos de forma
sistemática, na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias associadas ao meio.
No meio televisivo, a credibilidade acaba também por ser um bom negócio porque gera
lucro:

“A credibilidade impõe qualidade e gera influência. A influência gera audiências. As audiências


geram receitas. Gera-se, assim, uma reação em cadeia, um loop onde a qualidade gera sucesso
comercial, que por sua vez gera mais qualidade ainda” (Philip Meyer cit. por Coelho, 2015).
A Grande Reportagem da SIC é um claro exemplo de sucesso que prova que é possível
fazer jornalismo de investigação em Portugal de qualidade onde a falta de tempo, de
recursos financeiros e humanos não é desculpa, porque definitivamente a credibilidade
gera lucro e o lucro possibilita investimento em mais trabalhos jornalísticos de
qualidade.

É necessário que se invista mais em jornalismo de investigação em Portugal porque está


provado que é possível, o público tem interesse o que faz com que os recursos
financeiros cresçam, falta apenas a vontade das direções dos canais acreditarem que é
possível a fusão de um jornalismo de qualidade com um aumento do número de
audiências.

As consequências do mercado no jornalismo de investigação em


Portugal
O mercado do jornalismo nos dias de hoje está extremamente relacionado com o
surgimento das novas tecnologias. A internet é uma arma poderosa para a investigação e
divulgação apelativa das reportagens, no entanto, tornou-se também uma ameaça, não
só para o jornalismo quotidiano, mas também para o jornalismo investigativo. Isto deve-
se à fragilização dos alicerces comerciais: “A Internet, plataforma de acesso
privilegiado aos conteúdos informativos, está a revelar-se incapaz de gerar receitas que
suportem um jornalismo de qualidade, pelo que a ameaça que pesa sobre a investigação
jornalística é real e de consequências devastadoras” (Coelho, 2015, p. 108).

A internet tornou-se uma barreira que impede a verificação de informação, um dos


valores jornalísticos cruciais na sociedade, devido ao excesso de informação ao dispor
de qualquer pessoa, que impede a capacidade de filtrar. Este excesso alimenta a fome de
atualizações, de notícias novas numa proporção abismal, segundo o autor. Separar a
informação fiável das mensagens falsas que circulam diariamente nos nossos
dispositivos é uma tarefa que o público não tem condições de realizar, sendo esse o
trabalho do jornalista que deveria estar presente no quotidiano, o que infelizmente não
acontece. Esta pressão de serem os primeiros a lançar a notícia causada em parte pelo
mercado e pela competitividade entre meios a fim de conseguir mais audiências,
fragiliza as bases do jornalismo, rejeitando os princípios morais e profissionais. A
abundância de informação à mercê tanto do público, como do próprio jornalista
“alimenta a nossa ilusão de liberdade, cada um de nós acreditando estar mais perto da
verdade” (Coelho, 2015, p.109).

Para o autor há uma solução para este problema que passa por um equilíbrio “que nos
abra um caminho que evite as ilusões provocadas pelo ruído do excesso e as restrições
impostas pela unidirecionalidade” (Coelho, 2015, p.109). Porque de facto é melhor
trabalhar com mais informação que nos permita reter e verificar o que realmente é
verdade, abrindo-se um leque de opções, do que apenas ter um caminho a seguir.
Através desta investigação aprofundada, o jornalista recupera o seu papel que tem sido
descredibilizado, posto de parte e esquecido na imensidão de informação que chega ao
público diariamente.

Principais obstáculos na realização da reportagem de investigação


Jornalistas motivados começam com uma boa formação académica, por isso, é
necessário que se invista também numa unidade curricular especializada em jornalismo
de investigação nos cursos de jornalismo e comunicação. Nessa unidade curricular deve
ser apresentado ao aluno exemplos portugueses e estrangeiros de trabalhos na área,
mostrando também as dificuldades e entraves que esta especificidade do jornalismo
acarreta, formando profissionais capazes de resistir aos obstáculos da profissão com
determinação e perseverança. Estas características fazem parte do perfil do jornalista de
investigação. Alguém convicto das suas ideias e princípios, que desafia as elites e os
órgãos de maior poder, que não desiste à primeira e não se deixa levar pelo receio e o
perigo desta profissão. O jornalista que mostra a cara sem medo e que enfrenta todos os
obstáculos para que o público fique a conhecer o que as elites querem ocultar.

A melhor forma de aprender a fazer jornalismo de investigação é fazer um trabalho


prático, ir para o terreno, definir um ângulo de abordagem, obter informações através de
fontes credíveis e do devido auxílio da internet, confirmar e verificar factos de forma a
construir uma narrativa com base na informação recolhida. Esta unidade curricular
deveria estar presente em todas as universidades que dedicam as suas matérias à
comunicação e ao jornalismo de forma a termos bons futuros profissionais na área em
Portugal.

Eu experienciei a unidade curricular de Jornalismo Especializado II, dedicado a


jornalismo de investigação, onde realizei uma reportagem de investigação num
consórcio de 5 elementos. Deve ter sido a unidade curricular mais difícil do meu
percurso académico pois os obstáculos eram imensos. Começando pelo facto de
estarmos em mestrado e 3 dos elementos do grupo, incluindo eu, serem trabalhadores-
estudantes, pelo que incompatibilidade de horários para reunir não ajudava. Todos nós
temos opiniões e perceções muito distintas sobre o tema e personalidades muito
distintas o que dificultava também a tomada de decisões, no entanto, a divisão de tarefas
ajudou. Decidimos envergar primeiramente por um tema muito complicado e sensível
que seria “O porquê de a Europa receber mais facilmente refugiados ucranianos ao
invés de refugiados do Médio Oriente”. Sem um ângulo de abordagem à vista decidimos
com a ajuda do professor escolher o tema: “A inserção dos refugiados ucranianos no
mercado de trabalho português”, uma problemática sensível e difícil de estudar visto
que é uma realidade que estamos a viver agora, quando a maioria das reportagens de
investigação opta por explorar temas passados fora da agenda mediática.

O professor avisou-nos que seria um tema difícil, mas mesmo assim decidimos arriscar.
O facto de termos decidido mais tarde o nosso ângulo condicionou-nos no tempo que
tínhamos para fazer uma reportagem de tal calibre, o que nos deixou em desvantagem
em relação aos outros grupos. O maior desafio foi sem dúvida em tão pouco tempo
conseguirmos arranjar fontes fiáveis e testemunhos de refugiados ainda para mais sobre
um tema tão sensível. Um agendamento de material da universidade que fosse
compatível com os nossos próprios horários e o horário dos nossos testemunhos
também foi difícil. Logo na nossa primeira fonte não conseguimos requisitar microfone
de lapela e o som não ficou agradável. Além disso a nossa fonte só falava ucraniano
pelo que tivemos de arranjar uma intérprete e fazer a posterior legendagem da
reportagem.

Alguns de nós nunca tinham feito uma reportagem no seu percurso académico porque
vieram de áreas distintas de comunicação, por isso não tínhamos bem noção dos planos
a gravar e na edição o desafio do visual foi o principal entrave. Fazer um bom
storytelling também é fundamental para uma reportagem de investigação e também
tivemos algumas dificuldades nesse aspeto. Já tínhamos a história estruturada, mas
alguns planos que tínhamos feito simplesmente não faziam sentido, por isso a edição
ficou um pouco aquém. Foi um processo muito complicado devo confessar, já tinha
feito reportagens quotidianas anteriormente, mas nunca em tão pouco tempo, ainda para
mais com um rigor que uma reportagem de investigação merece. Os dados do IEFP
eram decisivos para a nossa história e infelizmente não conseguimos com que falassem
connosco mesmo depois das inúmeras tentativas. Tivemos azar porque os dados que
queríamos sobre o número de refugiados que estão atualmente a trabalhar em Portugal
apenas poderiam ser concedidos pelo presidente da instituição e no final do nosso
percurso a presidência mudou.

Estes obstáculos eram facilmente ultrapassados se tivéssemos tido mais tempo para
realizar a reportagem e se no início não estivéssemos tão indecisos sobre o nosso tema.
A partir do momento em que estávamos na página certa demos o nosso melhor apesar
de todos os trabalhos que tínhamos para as outras cadeiras e os nossos empregos.
Apenas eu e outra pessoa do grupo tínhamos alguma experiência básica a editar o que
dificultou o processo também.

As monitorizações em aula ajudavam a guiar-nos e a avançar com o trabalho no


caminho certo, no entanto senti falta de mais bases neste campo e preferia que algumas
das aulas fossem dedicadas à realização da reportagem com a supervisão do professor
pois sinto que o tempo que tínhamos fora da aula não chegava. Entre gravar planos e
entrevistas contactar fontes, editar, fazer o guião da voz off e ainda apresentações do
estado do nosso trabalho, toda esta agenda ocupada acrescida de outros compromissos
deixaram-nos muito ansiosos.

Depois deste obstáculo considero que esta experiência foi enriquecedora acima de tudo.
Devo concordar que fazer uma reportagem de investigação não é nada fácil e um
jornalista desta área deve ser mesmo persistente e nunca aceitar um não como resposta.
Levo este ensinamento para a vida e espero no futuro ser uma pessoa mais organizada e
decidida porque sei que foi um dos principais motivos das dificuldades acima
mencionadas.

Apesar destas dificuldades e de tantas vezes ter pensado em desistir estou agradecida
por não o ter feito. Tenho orgulho no meu trabalho porque sei que demos o nosso
melhor nas condições que tínhamos ao nosso dispor.

Agradeço pela exigência e rigor que o professor nos passou porque só assim seremos
bons jornalistas. Embora tenha sido um trabalho extremamente difícil serviu para me
preparar para minha carreira jornalística que não será nada fácil também.

Referências bibliográficas:
Coelho, Pedro (2015): “A Investigação Jornalística em TV, algumas reflexões sobre o
futuro do jornalismo televisivo”, in SERRA, Paulo, SÁ, Sónia, WASHINGTON, Sousa
Filho (orgs), A Televisão Ubíqua (pp. 105-121), Livros Labcom, disponível em
http://www.livroslabcom.ubi.pt/book/136

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