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Livro: Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças
| Autora: Raquel Rolnik
Resenha Crítica
Professor: Elenise Felzke Schonardie
Mestrando: Marco Antonio Compassi Brun

1 RESENHA

O segundo capítulo “Os sem-lugar ou a crise global de insegurança da posse”,


incluído no livro “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças”, é iniciado pela autora com exemplos de locais mundiais que, de alguma forma,
refletem a situação de risco de muitas pessoas e populações que passam suas vidas em
lares precários e indefinidos.
A autora utilizada de localidades como o Haiti, Buenos Aires, Ilhas Maldivas e
outros para explorar a crise global de insegurança da posse. Com estados de precariedade
resultantes de planejamentos políticos inadequados ou até mesmo desastres naturais.
Após essas considerações iniciais, é interessante observar como a autora consegue
refletir sobre as perspectivas de desigualdades, de grupos marginalizados em favelas,
comunidades e assentamentos populares, com razões e fundamentos que perpassam as
ideias do senso comum, neutras em relação ao modelo do capitalismo da
contemporaneidade.
Assim, a autora faz uma leitura crítica, da qual entendo ser pertinente, a respeito
dos atuais modelos de exploração de terra que se tornaram um padrão em boa parte do
mundo. Isto é, terrenos e espaços territoriais como reservas de valor, de formas de
expansão do capital, mesmo sem produtividade, como nos casos vistos na África
(ROLNIK, 2015, p. 160).
Nesse sentido, a disparidade territorial se acentua. Os acessos não apenas são
reduzidos, como o aumento da população marginalizada nos centros urbanos também é
reflexo de busca de emprego industrializado, em modelos de vida precários, justamente
porque no meio fundiário há uma concentração de domínio quase total das terras por um
pequeno grupo – o que inclusive leva ao crescente número de litígios dessa natureza.
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O desenvolvimento sobre os fenômenos de exclusão social e, inclusive, de


obstrução ao acesso aos espaços urbanos por grupos à margem da sociedade são
legitimados, como pontua a autora, até mesmo pela ordem jurídica e pelo poder soberano
do Estado.
Especificamente sobre isso, a autora reflete como esses grupos, que mesmo
situados como habitantes legítimos de determinadas localidades muitas vezes são
expulsos a força ou esmagados pelo desenvolvimento urbano movido pelo capital. Assim,
se tornam inimigos dessa movimento. Logo, inimigos da ordem. Até alcançar o status de
ilegalidade, numa subversão do uso da lei como meio de expulsar os indesejados e
explorar pontos que oferecem ao mercados boas condições futuras e finança.
O Estado, por sua vez, legitima essas condições justamente através da ordem
jurídica. Mas, também, de maneira omissiva, com a imposição de maiores dificuldades
para quem já vive em comunidades afastadas – tanto no sentido espacial, como no aspecto
social. Isto é, ações afirmativas, políticas públicas e planejamentos de infraestrutura não
são pensados para aqueles que vivem em assentamentos ou regiões similares.
Dessa forma, a precariedade e o estado de ilegalidade impulsionam a exclusão e,
por outro lado, garantem a expansão de exploração de posse e terra de pequenos grupos
que dominam o topo da hierarquia.
Sobre a exploração de posse e a dificuldade de propriedade de pessoas em situação
de pobreza e vulnerabilidade, a autora expõe, com base em exemplos como o das Ilhas
Maldivas e de Ruanda, situações em que o pensamento capitalista baseado nos conceitos
da propriedade privada afetam e agravam esses cenários.
Nesse sentido, a autora expõe as políticas e tentativas de titulações de posses de
terras, que supostamente trariam segurança e maiores possibilidades aos mais pobres,
segundo teorias capitalistas. As quais, no entanto, representam pouco impacto para essas
modificações. Enquanto, por outro lado, fomenta ainda mais a exploração do capital no
uso da terra como reserva de valor e acumulo financeiro.
Ademais, importante refletir que mesmo programas de reforma fundiária, que em
tese promoveriam modificações significativas na desigualdade e na insegurança da posse,
acabam por colocar as populações vulneráveis em situações de maior fragilidade – e não
o oposto. Até porque muitas vezes tais intenções são voltadas para a meta final de
propriedade privada, as quais dependem de processos de registro complexos, custosos e
burocráticos, além de uma série de outros elementos que apenas induzem ao afastamento
de grupos mais pobres da posse e de habitação.
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O afastamento dos pobres e moradores de slums de uma posse segura também é


ocasionado por atos de despossessão em massa que ocorrem por diferentes fontes. Na
maioria delas, movidas pelo capitalismo desenfreado na tentativa de valorizar cada vez
mais locais, transformá-los em em áreas ricas os centros urbanos e, com isso, explorar
esses espaços, os quais não contam com minorias – até porque se torna extremamente
custoso para estas se manter em locais como esses. Além das pressões políticas e até
mesmo autoritarismo e violência, no caso da China.
Despossão que ocorre, da mesma forma, a partir de desastres naturais em locais
suscetíveis a tais fatos, como na Turquia, Haiti e outros. Nesses casos, a expulsão de
moradores em situação vulnerável e de pobreza por vezes ocorre anteriormente aos
desastres, como método supostamente preventivo, sem qualquer política pública de
realocação de qualidade. Ou, em outros casos, após fenômenos como terremotos e
tsunamis, como uma espécie de “limpeza” que o governo aproveita para fazer no local.
Por fim, outro método presente nas estratégias de possessão expostos pela autora
são os ocorridos em pontos sedes de grandes eventos – como Olimpíadas, Copa do Mundo
e outros. Nos exemplos, é comum denotar o movimento político para afastar e até tornar
ilegal aqueles sem posse ou sem condição de uma vida digna de transitarem na cidade no
período dos megaprojetos e megaeventos. Ademais, os preços de aluguéis e de serviços
básicos inflacionam com o recebimento de muitos turistas e de fluxo de capital. O que,
indiretamente, afasta os que não tem como se manter sob essas circunstâncias
econômicas.
O que foi visível no Rio de Janeiro – apenas para acrescentar criticamente ao texto
– nos períodos de Olimpíadas, na cidade; e na Copa do Mundo, no Brasil todo. O qual,
com UPPs e outros mecanismos, apenas agravou o cenário de desiquilíbrio patrimonial,
despossessão e desigualdade sócio-econômica entre a população.

2 REFERÊNCIAS

ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das


finanças. 1ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2015.

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