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RESUMO: OLIVEIRA Fº, V. R. As revisões críticas da Escola de Campinas à economia política cepalina.
Ciências Humanas e Sociais em Revista, Seropédica, RJ: EDUR, v. 30, n 1, p. 52-66, jan.-jun., 2008. O artigo
procura mostrar como a Unicamp interpretou e conceituou a industrialização brasileira. O objetivo da Escola de
Campinas era o de fazer uma crítica ao pensamento da CEPAL, procurando mostrar que a industrialização deve ser
entendida a partir de um movimento interno ou endógeno da economia. Este enfoque permite discutir uma nova gama
de problemas do ciclo expansivo e recessivo. O argumento central é o de que existem forças endógenas capazes de dar
origem e suporte à industrialização. O investimento passa a ser a variável estratégica do crescimento, não se aceitando
determinações exógenas ou a variável consumo como impulsionadores da industrialização.
ABSTRACT: OLIVEIRA Fº, V. R. Unicamp School of Economics’ critical revision of CEPAL’s political economy.
Ciências Humanas e Sociais em Revista, Seropédica, RJ: EDUR, v. 30, n 1, p. 52-66, jan.-jun., 2008. The article
intends to show how Unicamp economists analysed Brazilian industrialization. The object of that School was to
present a critical vision of CEPAL’s theoretical construction. They argued that industrialization should be aprehended
from an internal dynamics. Their main argument was that internal forces gave birth and support to that process,
through investment. They refused CEPAL’s vision of external shocks and mass-consumption pressures pushing towards
industrialization . This new approach also shed light on the problems of the industrial cicles.
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destes custos são receitas para os setores fi- dependência que resulta da não constituição
nanceiro e comercial, que se transferem em de forças produtivas capitalistas, isto é, do
pagamentos de salários, depreciação do capi- bloqueio interno da industrialização.
tal fixo, custos de insumos e lucros. Por fim, o ponto a ser retido é que foi apre-
Quando considerada a acumulação em sen- sentado um movimento endógeno na fase ex-
tido global, maior é o impacto da economia portadora. A base do argumento é a relação
cafeeira: interna entre o capital cafeeiro e o industrial.
O primeiro, por ter capacidade de importar,
“a produção de café é, opera como um departamento de bens de pro-
simu1taneamente, demanda por terras, dução na economia, e ainda é capaz de gerar
meio de produção e força de trabalho, uma demanda interna aos setores urbanos e
pelo lado da acumulação e, pelo lado industriais. Por sua vez, o setor industrial for-
do gasto corrente, demanda por ali- nece a capacidade de reprodução da força de
mentos, bens de consumo assalariado trabalho do complexo exportador.
e bens de consumo capitalista” (Idem,
p. 105). A CONCEITUAÇÃO DA INDUSTRIALI-
ZAÇÃO LATINO-AMERICANA E A
Do lado do capital industrial, sua NOVA PERIODIZAÇÃO DE CAMPINAS
dependência em relação ao café se expressa
em três mecanismos: A industrialização, segundo Sérgio Sil-
va e Cardoso de Mello, é a forma de domina-
i. para repor ou ampliar a capacidade ção do capital sobre o trabalho, e define a ade-
prdutiva, pois a economia cafeeira dá quação de forças produtivas capitalistas às
a capacidade para importar. Deste relações de trabalho. Entendemna seguindo os
modo, o café faz a vez de verdadeiro passos de Marx, que apresenta este processo
setor de bens de produção; como a passagem da subordinação formal à
ii. o capital industrial ainda não é capaz subordinação real do trabalho ao capital. Ou
de criar seu próprio mercado, depen- seja:
dendo da demanda do setor cafeeiro;
iii. pelo lado da acumulação do capital, “A industrialização representa essa
dado não haver forças produtivas ca transformação (revolucionarização)
pitalistas na economia. do processo de trabalho pelas relações
de produção capitalistas” (SILVA,
O período de 1888 a 1933 é o período do 1976, p.20).
nascimento e consolidação do capital indus-
trial no Brasil, e onde são geradas as condi- A industrialização capitalista significa o
ções para uma nova etapa de desenvolvimen- processo de constituição de forças produtivas
to. especificamente capitalistas, que afiançam a
O esquema de reprodução conjunta do reprodução da classe trabalhadora e do capi-
capital industrial e cafeeiro permite entender tal industrial. A tese central de Cardoso de
a inserção subordinada da economia brasilei- Mello é a de que a industrialização latino-ame-
ra na economia mundial, ricana é capitalista, mas específica, por ser re-
tardatária.
“pelo lado da realização do capital A crítica de Mello à problematização
cafeeiro e pelo lado da acumulação do cepalina devese ao fato de que esta concebe a
capital industrial” (Idem, p. 108); industrialização como o lançamento das ba-
ses da autonomia nacional, isto é, como for-
ma de reverter a situação periférica, não con-
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templando qualquer modelo endógeno de acu- indústria leve, a indústria pesada de meios de
mulação de capital. produção.
Segundo Cardoso de Mello, a problemá- No enfoque cepalino, a questão estava
tica da industrialização latino-americana é a na órbita do mercado, argumentação esta
problemática da transição ao capitalismo. A considerada incorreta para Cardoso de Mello,
especificidade se apresenta porque a econo- já que o complexo cafeeiro gera demanda para
mia exportadora capitalista se tornou domi- bens de consumo e para meios de produção.
nante, sem criar uma estrutura produtiva capi- Recusa igualmente a tese de que a
talista adequada à reprodução da força de tra- desvalorização cambial afete a rentabilidade
balho. da indústria.
A ausência de bases materiais que asse- Segundo Cardoso de Mello, a razão
gurassem a reprodução das relações capitalis- para o não surgimento de forças produtivas
tas se devia ao fato de que essa reprodução capitalistas se deve ao momento da
era feita de forma exógena. A criação de ba- industrialização latino-americana. Esta ocorre
ses materiais internas marcaria o início da tran- após a segunda revolução industrial européia,
sição para o capitalismo. que define um novo padrão de
Este processo de reprodução do capital industrialização, assentado em gigantescas
significa a criação das bases materiais do ca- escalas e monopolização crescente.
pitalismo, isto é: Nesse momento (18701900), o
capitalismo está na fase dos grandes
“Em termos da constituição de um de- oligopólios e amplo processo de concentração
partamento de bens de produção ca- de capital. São realizados vultosos
paz de permitir a autodeterminação do investimentos que exigem plantas mínimas
capital, vale dizer, de libertar a acu- avançadas. Ao contrário dos supostos
mulação de quaisquer barreiras de- cepalinos, a tecnologia não estava disponível
correntes da fragilidade da estrutura no mercado, num cenário de barreira às
técnica do capital” (Idem, p. 98). entradas, que passava por profundas
mudanças, com o aparecimento de novos
A industrialização retardatária tem uma processos e produtos.
especificidade que está duplamente determi- O quadro acima aponta que se
nada: tornavam quase insolúveis a mobilização e
concentração de capitais no volume requerido,
“Por seu ponto de partida, as econo- numa economia incipiente como a brasileira.
mias exportadoras capitalistas nacio- Havia, também, altos riscos aos novos projetos
nais, e por seu momento, o momento de investimento pesado.
em que o capitalismo monopolista se Compreendese, assim, que o caminho
torna dominante em escala mundial, natural dos investimentos fossem os setores
isto é, em que a economia mundial da indústria leve, por possuir tecnologia
capitalista já está constituída” (Idem, acessível e simples, tamanho pequeno de
p. 98). planta mínima e volume reduzido do
investimento inicial. É esta configuração que
Para Mello, industrialização retardatária explica o perfil do investimento na fase de
não tem o sentido usado por Gershenkron nascimento do capital industrial, e não
(1962). Este último analisa os casos tardios problemas de demanda prévia, ou preço
de futuras potências, como Japão, Alemanha, relativo dos fatores.
EUA, ou Estados Nacionais, que definem O nascimento do capital industrial se
outro quadro econômico, social e político. dá entre 1889 e 1894, num momento de auge
Outra questão decisiva, para o autor, é o da economia cafeeira, em decorrência de um
fato de não se criar, em simultâneo com a vazamento de capital cafeeiro para o setor
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ca, um esquema endógeno de movimento, por Este limite na capacidade produtiva indi-
onde os elementos externos seriam encaixa- ca que o crescimento industrial começa com a
dos. Neste sentido, o movimento endógeno de expansão do setor de bens de consumo, que
acumulação é definido de forma cíclica com dá o ritmo e dinamismo e, somente a partir
base nas empresas nacionais, públicas e es- daí, se estende ao setor de bens de produção,
trangeiras, com desigual poder de acumula- ambos protegidos da concorrência externa pela
ção entre elas. queda da capacidade para importar. Portanto,
Duas características contraditórias marca- é sustentável ainda o conceito de substituição
riam, no enfoque de Tavares, a fase restringida de importações, já que o montante absoluto
de industrialização: a primeira é que o coman- das importações de bens de produção só é ul-
do do processo de expansão industrial está a trapassado em alguns ramos em 1947.
cargo do setor industrial, onde o segmento A manutenção do conceito não deve obs-
urbano é o determinante da renda e demanda, curecer, contudo, os novos marcos da acumu-
isto é, da realização dos lucros. A segunda é lação industrial: o incremento da produção
que o desenvolvimento das forças produtivas industrial permite reproduzir internamente a
e as bases técnicas e financeiras do capital são força de trabalho e parte do capital constante
insuficientes para a implantação da grande in- industrial. Existe uma relação dentro dos dois
dústria, capaz de afiançar o crescimento da setores industriais que determinam a expan-
capacidade produtiva adiante da demanda. são da força de trabalho e sustentam as mar-
Vale dizer, existem limites endógenos na acu- gens de lucro da indústria.
mulação de capital que obstaculizam o desen- Em síntese, a industrialização estava
volvimento autodeter-minado. restringida, sem ter condições de
O movimento endógeno da industrializa- autodeterminar a reprodução endógena do ca-
ção restringida permite captar os limites in- pital e, portanto, ainda dependente da impor-
ternos do processo de industrialização e de- tação neste ciclo industrial que se estende de
senvolvimento e, a partir daí, inserir esse po- 1933 a 1956.
tencial interno nas relações internacionais (flu- A implantação de um novo bloco de in-
xo de comércio, capital estrangeiro). Estava vestimento entre 1956 e 1961 significou, para
clara, portanto, a mudança em relação ao Cardoso de Mello, verdadeira onda de inova-
enfoque cepalino: ções Schumpterianas, assinalando um salto
tecnológico na estrutura produtiva. Há um
“Nossa hipótese central de análise novo padrão de acumulação, que configura um
continua sendo de que os fluxos, de processo de industrialização pesada e que
comércio e de capital estrangei-
ro, não determinam exogenamente a “implicou um crescimento acelerado
dinâmica da acumulação; apenas se da capacidade produtiva do setor de
articulam com ela e a modificam des- bens de produção e do setor de bens
de dentro, acentuando as mudanças de consumo antes de qualquer expan-
internas em curso na estrutura produ- são previsível de seus mercados”
tiva e no padrão histórico de acumu- (MELLO, 1982, p. 117).
lação” (TAVARES, 1974, p. 119).
Segundo o esquema de três departamen-
Chama a atenção para o fato de que o ci- tos, estes eram constituídos pelo setor de bens
clo de industrialização que se inicia em 1933 de capital, D1, pelo setor de consumo para
já assinala um crescimento expressivo do se- capitalistas, D2, e pelo setor de bens de con-
tor de bens de produção, mas ainda incapaz sumo para os trabalhadores, D3. O ponto im-
de atender as necessidades correntes da acu- portante é que os dois primeiros têm sua ins-
mulação industrial e, muito menos, crescer na talação autônoma, isto é, não dependem da
frente da demanda. demanda corrente, pois criam demanda den-
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consumo, num processo marcado por diferen- O setor de bens de consumo duráveis, por
ciação de rendas. Portanto, o investimento tem sua inserção peculiar na estrutura industrial,
um perfil endógeno, que deve ser investiga- determina uma elasticidade cíclica acentuada
do, ainda que sujeito à flutuação cíclica. Por de seus efeitos de encadeamento para trás e
fim, o mercado interno como um todo não é para frente. Há, deste modo, um efeito
relevante para os novos investimentos da in- superacelerador na expansão, e desacelerador
dústria de bens duráveis e de bens de capital. na retração, pelas impactos na cadeia produti-
A próxima seção traz um esboço de uma teo- va.
ria do ciclo endógeno em economias periféri- Curiosamente, este setor, justamente por
cas. ter uma demanda de grupos altos e médios,
logo, beneficiado por um perfil concentrador
CICLOS ENDÓGENOS, MERCADO E da renda, é o primeiro a entrar em
MISÉRIA NA AMÉRICA LATINA desaceleração cíclica.
A reversão do ciclo depressivo dáse pelo
Um primeiro traço do ciclo expansivo na padrão diferenciado de consumo, que é refor-
economia brasileira, segundo Tavares e çado por uma estrutura de financiamento es-
Belluzo (1978) é que esses ciclos têm dura- pecializado e margens de endividamento cres-
ção de apenas cinco a sete anos. A explicação centes. E, ainda, pela abertura em leque dos
dos autores é que nas economias periféricas o salários, que permite recuperar o consumo
crescimento industrial tem natureza desequi- capitalista, retomando o crescimento do setor
librada. de duráveis pela ocupação de sua capacidade
Tal desequilíbrio se deve ao fato de que ociosa e, mais tarde, pela elevação da taxa de
os setores líderes da expansão industrial, numa investimento. Tão logo recuperado este setor,
economia subdesenvolvida, têm um pequeno há uma tendência a contraarrestar a trajetória
peso relativo na composição do gasto e na pro- recessiva da economia.
dução industrial global, não sustentando, por Os aspectos assinalados de um ciclo in-
muito tempo, o crescimento. dustrial numa economia periférica mostram a
Os Departamentos 1 e 2, num esquema “dessoldagem” que há entre as possibilidades
Kaleckiano, apresentam um efeito reduzido na do crescimento e a solução dos desequilíbrios
estrutura industrial pré-existente. Tão logo sociais. Os autores assinalam que:
esses setores sejam instalados, cessam seus
efeitos de realimentação da demanda “A lógica da industria1ização é de-
interindustrial. Neste momento, o peso abso- terminada pela industrialização pe-
luto da indústria do Departamento 3, de sada que pode ou não gerar seus pró-
benssalários, reaparece principal como com- prios mercados, independentes do que
ponente da demanda corrente da indústria. se passe com o mercado de massas.
O Departamento 3 não tem capacidade de Este é o sentido profundo da fra-
liderar o crescimento, muito menos tura existente entre as condições de
sustentálo. É dependente, para seu crescimen- vida das massas e seu papel como pro-
to, da expansão dos Departamentos 1 e 2 e dutores e consumidores para um mer-
dos salários ali gerados, bem como da acumu- cado capitalista num país subdesenvol-
lação urbana. vido. Neste sentido, resolver o proble-
Portanto, o nível do investimento, ou de ma do atraso industrial num capitalis-
sua flutuação cíclica, se relaciona a proble- mo tardio não equiva1e a solucionar
mas de financiamento ou de demanda os problemas do subdesenvolvimento
interindustrial, tornando se frágeis as hipóte- e pobreza”. (TAVARES e
ses de subconsumo de massas, ou insuficiên- BELLUZZO,1978, p. 127)
cia de mercado interno.
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