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AS REVISÕES CRÍTICAS DA ESCOLA DE CAMPINAS À ECONOMIA


POLÍTICA CEPALINA

VIRGILIO ROMA DE OLIVEIRA FILHO*

* Professor Associado 1 da UFRRJ - Departamento de Ciências Econômicas - virgilio85@gmail.com

RESUMO: OLIVEIRA Fº, V. R. As revisões críticas da Escola de Campinas à economia política cepalina.
Ciências Humanas e Sociais em Revista, Seropédica, RJ: EDUR, v. 30, n 1, p. 52-66, jan.-jun., 2008. O artigo
procura mostrar como a Unicamp interpretou e conceituou a industrialização brasileira. O objetivo da Escola de
Campinas era o de fazer uma crítica ao pensamento da CEPAL, procurando mostrar que a industrialização deve ser
entendida a partir de um movimento interno ou endógeno da economia. Este enfoque permite discutir uma nova gama
de problemas do ciclo expansivo e recessivo. O argumento central é o de que existem forças endógenas capazes de dar
origem e suporte à industrialização. O investimento passa a ser a variável estratégica do crescimento, não se aceitando
determinações exógenas ou a variável consumo como impulsionadores da industrialização.

Palavras-chave: industrialização brasileira; pensamento da Unicamp; CEPAL.

ABSTRACT: OLIVEIRA Fº, V. R. Unicamp School of Economics’ critical revision of CEPAL’s political economy.
Ciências Humanas e Sociais em Revista, Seropédica, RJ: EDUR, v. 30, n 1, p. 52-66, jan.-jun., 2008. The article
intends to show how Unicamp economists analysed Brazilian industrialization. The object of that School was to
present a critical vision of CEPAL’s theoretical construction. They argued that industrialization should be aprehended
from an internal dynamics. Their main argument was that internal forces gave birth and support to that process,
through investment. They refused CEPAL’s vision of external shocks and mass-consumption pressures pushing towards
industrialization . This new approach also shed light on the problems of the industrial cicles.

Key words: industrialization; Unicamp Thought; CEPAL.

INTRODUÇÃO endógenos de crescimento - foram os de


Tavares (1974) e Mello (1982).
Analiso a abordagem da Unicamp, que se
Procuro apresentar no presente artigo as estrutura em três momentos históricos defini-
críticas ao pensamento cepalino da industria- dos: 1) fase de nascimento do capital industri-
lização formuladas pelo pensamento econô- al, sob a égide da economia cafeeira; 2) fase
mico de Campinas, através de seu modelo restringida, que acelera a transição pela capa-
endógeno. Por “Escola de Campinas” desig- cidade do setor industrial em reproduzir parte
namos os trabalhos nucleados no Doutorado do capital industrial; e 3) fase de industriali-
em Economia da UNICAMP, que o Prof. zação pesada, que cria uma articulação
Ferdinando Figueiredo chama de “Pensamen- interindustrial onde o capital se determina ple-
to Econômico da Unicamp” (FIGUEIREDO, namente, posto que se reproduz internamen-
1990). Esses autores procuram captar a dinâ- te, sob o comando do capital estrangeiro e do
mica interna dos países periféricos, revisando setor produtivo estatal.
a teoria dos choques externos da CEPAL. Os Divido a demarcação crítica da Unicamp
dois principais trabalhos dessa Escola, que em duas etapas: uma anterior a 30; e outra
inauguram uma nova forma de interpretar a posterior aos anos 30, indo até a consolidação
economia brasileira a partir de modelos da indústria nos anos 60. Para introduzir o mo-

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delo da Unicamp recorro a uma rápida dis- não se constituem, simultaneamente,


cussão das visões críticas da Unicamp sobre forças produtivas capitalistas”
as idéias da CEPAL referentes à fase coloni- (MELLO, 1982, p. 31).
al.
O padrão de desenvolvimento, entre nós,
A ECONOMIA COLONIAL, SE- é específico pois:
GUNDO CARDOSO DE MELLO
“a reprodução das relações sociais de
Mello (1982) propõe, em sua tese de dou- produção capita1istas não está asse-
torado “O Capitalismo Tardio”, defendida em gurada endogenamente, quer dizer, no
1975, uma nova forma de pensar o desenvol- âmbito das próprias economias
vimento latino-americano. Recusa em sua obra latinoamericanas” (Idem, 1982, p. 31).
o formalismo cepalino, que se ampara numa
função de produção neoclássica, e começa Portanto, na fase hacia fuera está escon-
justamente onde silenciava a CEPAL - nas re- dida uma especificidade que torna singular o
lações sociais de produção e na acumulação capitalismo periférico. O sistema e as forças
de capital. produtivas não afiançavam a reprodução in-
O autor define uma nova periodização que terna da força de trabalho. Da análise da eco-
atenta para o desenvolvimento e implantação nomia colonial percebese que esta se consti-
do capitalismo na América Latina, a partir da tuiu com base em dois setores: o de exporta-
articulação das forças produtivas e das rela- ção e outro produtor de alimentos.
ções sociais de produção. A nova periodização Com a expansão do capitalismo, e sua afir-
proposta pelo autor é subdividida em: econo- mação nos centros hegemônicos, muda a fun-
mia colonial; mercantilescravista; exportado- ção da economia colonial, sendo diferente
ra-capitalista; industrialização restringida; e agora sua complementaridade em relação aos
industrialização pesada. centros:
O nervo central da proposta é, portanto, a
de pensar a implantação do capitalismo a par- “... não se trata de produzir alimen-
tir de elementos endógenos, internos, especí- tos e matériasprimas produzidas em
ficos, por não terem sido geradas simultanea- massa (pelo conjunto da periferia);
mente relações sociais e forças produtivas ca- não mais produção mercantil para fo-
pitalistas. mentar a acumulação primitiva, senão
O esforço de revisão crítica à CEPAL pas- produção mercantil complementar
sa pela proposição de que a industrialização para rebaixar os custos de reprodução
latinoamericana foi retardatária, isto é, da força de trabalho e para baratear
constituiuse a partir de uma base colonial, e o custo dos alimentos componentes do
num momento em que o capitalismo capital constante” (Idem, p. 45).
monopolista já era hegemônico em escala
mundial. O ponto decisivo da fase colonial, na eco-
A tese de Cardoso de Mello é a de que não nomia mercantilescravista, é que o controle do
existe apenas uma economia primá- excedente é interno, bem como a decisão de
rioexportadora, mas duas. A primeira, basea- investir. Portanto, há uma internalização, ain-
da no trabalho escravo, e a segunda, no traba- da que incipiente, do processo de acumulação
lho assalariado. É o trabalho assalariado que de capital (modelo endógeno).
dá origem ao capitalismo na América Latina,
embora de forma parcial, pois

“não é certo, de modo especificamen-


te capitalista de produção, desde que

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O CAPITAL CAFEEIRO E SUA RELAÇÃO fose do capital cafeeiro em capital industrial.


COM O CAPITAL INDUSTRIAL A origem da burguesia industrial, se-
gundo a tese de Warren Dean, é a burguesia
A compreensão do surgimento da indus- imigrante, que de importadora se torna aos
trialização no modelo endógeno torna neces- poucos industrial, nas franjas da expansão
sária, segundo a Escola de Campinas, uma cafeeira do século XX. Por outro lado, de
análise conjunta da economia cafeeira, uma acordo com Cardoso de Mello, somente o ca-
vez que a reunião dos capitais cafeeiro e in- pital cafeeiro reunia as condições financeiras
dustrial se dá num movimento conjunto de para ser a matriz do capital industrial. Na óti-
acumulação de capital. A ca de Mello, as condições de nascimento do
economia cafeeira deve ser entendida dentro setor industrial são dadas pela economia
de um marco global do sistema capitalista bra- cafeeira, por:
sileiro, já que o seu dinamismo não se restrin-
ge ao seu núcleo produtivo, mas promove im- - gerar uma massa de capital monetário
portantes efeitos de encadeamento produtivo concentrada nas mãos de uma
e a implantação/ampliação do trabalho assa- determinada classe social, passível de
lariado na economia. se transformar em capital produtivo;
A burguesia cafeeira, desde sua origem,
exerce as funções comerciais de financista, de - transformar a própria força de
investidor no sistema de transportes, e por fim trabalho em mercadoria; e
de empresários industriais. Cano (1977) defi-
ne a multiplicidade de atividades do setor ca- - criar um mercado interno de
feeiro com a noção de “complexo cafeeiro”, proporções consideráveis.
com um núcleo produtivo e um comercial-fi-
nanceiro urbano. Celso Furtado já assinalava,
Para Cardoso de Mello, a passagem do
no seu “Formação Econômica do Brasil”, o
capital cafeeiro ao capital industrial se dava
caráter polivalente da burguesia cafeeira, que
porque o capital cafeeiro não encontrava
produzia, tinha bancos e outras atividades co-
merciais e financeiras. aplicação lucrativa no núcleo produtivo:
Este movimento dá ao capital cafeeiro
“Havia um vazamento de capital mo-
diversos aspectos ou faces: é capital agrário;
netário do complexo exportador cafe-
mercantil; industrial; e bancário, (SILVA,
eiro porque a acumulação financeira
1976).
sobrepassava as possibilidades de
Segundo Silva (1976), estes aspectos pro-
acumulação produtiva” (MELLO,
moviam diferentes funções econômicas, rela-
1982, pp. 143-144).
tivamente autônomas, preenchidas por capi-
tais diferentes (agrário, industrial) formando
Um dos pontos altos da tese de Cardoso
frações de classes burguesia agrária, comer-
de Mello, é a relação conjunta café x indús-
cial, industrial. Contudo, dada a incipiência
tria, por onde se estrutura o modelo endógeno
do desenvolvimento das forças produtivas, o
de articulação econômica inter-setorial. O se-
capital cafeeiro reunia no Brasil todas estas
tor cafeeiro tem capacidade de induzir cres-
funções. O ponto a realçar é que a hegemonia
cimento, bem como criar uma mútua realimen-
era exercida pela esfera comercial do capital,
tação entre os dois setores. A análise é feita
subordinado ao mercado mundial.
com base num esquema de reprodução de dois
Em resumo, é a acumulação de capital no
departamentos.
setor cafeeiro que abre as possibilidades para
No aspecto da reprodução do capital, se-
a afirmação do capitalismo e da industrializa-
gundo o autor, o capital cafeeiro incorre em
ção no Brasil. Cumpre assinalar como se dá
determinados custos: de transportes;
este movimento conjunto que faz a metamor-
comercialfinanceiro; e de salários. Parcela

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destes custos são receitas para os setores fi- dependência que resulta da não constituição
nanceiro e comercial, que se transferem em de forças produtivas capitalistas, isto é, do
pagamentos de salários, depreciação do capi- bloqueio interno da industrialização.
tal fixo, custos de insumos e lucros. Por fim, o ponto a ser retido é que foi apre-
Quando considerada a acumulação em sen- sentado um movimento endógeno na fase ex-
tido global, maior é o impacto da economia portadora. A base do argumento é a relação
cafeeira: interna entre o capital cafeeiro e o industrial.
O primeiro, por ter capacidade de importar,
“a produção de café é, opera como um departamento de bens de pro-
simu1taneamente, demanda por terras, dução na economia, e ainda é capaz de gerar
meio de produção e força de trabalho, uma demanda interna aos setores urbanos e
pelo lado da acumulação e, pelo lado industriais. Por sua vez, o setor industrial for-
do gasto corrente, demanda por ali- nece a capacidade de reprodução da força de
mentos, bens de consumo assalariado trabalho do complexo exportador.
e bens de consumo capitalista” (Idem,
p. 105). A CONCEITUAÇÃO DA INDUSTRIALI-
ZAÇÃO LATINO-AMERICANA E A
Do lado do capital industrial, sua NOVA PERIODIZAÇÃO DE CAMPINAS
dependência em relação ao café se expressa
em três mecanismos: A industrialização, segundo Sérgio Sil-
va e Cardoso de Mello, é a forma de domina-
i. para repor ou ampliar a capacidade ção do capital sobre o trabalho, e define a ade-
prdutiva, pois a economia cafeeira dá quação de forças produtivas capitalistas às
a capacidade para importar. Deste relações de trabalho. Entendemna seguindo os
modo, o café faz a vez de verdadeiro passos de Marx, que apresenta este processo
setor de bens de produção; como a passagem da subordinação formal à
ii. o capital industrial ainda não é capaz subordinação real do trabalho ao capital. Ou
de criar seu próprio mercado, depen- seja:
dendo da demanda do setor cafeeiro;
iii. pelo lado da acumulação do capital, “A industrialização representa essa
dado não haver forças produtivas ca transformação (revolucionarização)
pitalistas na economia. do processo de trabalho pelas relações
de produção capitalistas” (SILVA,
O período de 1888 a 1933 é o período do 1976, p.20).
nascimento e consolidação do capital indus-
trial no Brasil, e onde são geradas as condi- A industrialização capitalista significa o
ções para uma nova etapa de desenvolvimen- processo de constituição de forças produtivas
to. especificamente capitalistas, que afiançam a
O esquema de reprodução conjunta do reprodução da classe trabalhadora e do capi-
capital industrial e cafeeiro permite entender tal industrial. A tese central de Cardoso de
a inserção subordinada da economia brasilei- Mello é a de que a industrialização latino-ame-
ra na economia mundial, ricana é capitalista, mas específica, por ser re-
tardatária.
“pelo lado da realização do capital A crítica de Mello à problematização
cafeeiro e pelo lado da acumulação do cepalina devese ao fato de que esta concebe a
capital industrial” (Idem, p. 108); industrialização como o lançamento das ba-
ses da autonomia nacional, isto é, como for-
ma de reverter a situação periférica, não con-

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templando qualquer modelo endógeno de acu- indústria leve, a indústria pesada de meios de
mulação de capital. produção.
Segundo Cardoso de Mello, a problemá- No enfoque cepalino, a questão estava
tica da industrialização latino-americana é a na órbita do mercado, argumentação esta
problemática da transição ao capitalismo. A considerada incorreta para Cardoso de Mello,
especificidade se apresenta porque a econo- já que o complexo cafeeiro gera demanda para
mia exportadora capitalista se tornou domi- bens de consumo e para meios de produção.
nante, sem criar uma estrutura produtiva capi- Recusa igualmente a tese de que a
talista adequada à reprodução da força de tra- desvalorização cambial afete a rentabilidade
balho. da indústria.
A ausência de bases materiais que asse- Segundo Cardoso de Mello, a razão
gurassem a reprodução das relações capitalis- para o não surgimento de forças produtivas
tas se devia ao fato de que essa reprodução capitalistas se deve ao momento da
era feita de forma exógena. A criação de ba- industrialização latino-americana. Esta ocorre
ses materiais internas marcaria o início da tran- após a segunda revolução industrial européia,
sição para o capitalismo. que define um novo padrão de
Este processo de reprodução do capital industrialização, assentado em gigantescas
significa a criação das bases materiais do ca- escalas e monopolização crescente.
pitalismo, isto é: Nesse momento (18701900), o
capitalismo está na fase dos grandes
“Em termos da constituição de um de- oligopólios e amplo processo de concentração
partamento de bens de produção ca- de capital. São realizados vultosos
paz de permitir a autodeterminação do investimentos que exigem plantas mínimas
capital, vale dizer, de libertar a acu- avançadas. Ao contrário dos supostos
mulação de quaisquer barreiras de- cepalinos, a tecnologia não estava disponível
correntes da fragilidade da estrutura no mercado, num cenário de barreira às
técnica do capital” (Idem, p. 98). entradas, que passava por profundas
mudanças, com o aparecimento de novos
A industrialização retardatária tem uma processos e produtos.
especificidade que está duplamente determi- O quadro acima aponta que se
nada: tornavam quase insolúveis a mobilização e
concentração de capitais no volume requerido,
“Por seu ponto de partida, as econo- numa economia incipiente como a brasileira.
mias exportadoras capitalistas nacio- Havia, também, altos riscos aos novos projetos
nais, e por seu momento, o momento de investimento pesado.
em que o capitalismo monopolista se Compreendese, assim, que o caminho
torna dominante em escala mundial, natural dos investimentos fossem os setores
isto é, em que a economia mundial da indústria leve, por possuir tecnologia
capitalista já está constituída” (Idem, acessível e simples, tamanho pequeno de
p. 98). planta mínima e volume reduzido do
investimento inicial. É esta configuração que
Para Mello, industrialização retardatária explica o perfil do investimento na fase de
não tem o sentido usado por Gershenkron nascimento do capital industrial, e não
(1962). Este último analisa os casos tardios problemas de demanda prévia, ou preço
de futuras potências, como Japão, Alemanha, relativo dos fatores.
EUA, ou Estados Nacionais, que definem O nascimento do capital industrial se
outro quadro econômico, social e político. dá entre 1889 e 1894, num momento de auge
Outra questão decisiva, para o autor, é o da economia cafeeira, em decorrência de um
fato de não se criar, em simultâneo com a vazamento de capital cafeeiro para o setor

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industrial. “Há industrialização, porque a dinâ-


A capacidade para importar estava mica da acumulação passa a se assen-
atrelada ao setor cafeeiro; seguese que, após tar na expansão industrial, ou melhor,
haver este setor se suprido de importações que porque existe um movimento endógeno
lhe eram necessárias, bem como após o Estado de acumulação em que se reproduzem,
ter obtido as divisas necessárias a seus gastos, conjuntamente, a força de trabalho e
ficava disponível capacidade para importar parte crescente do capital constante
meios de produção e alimentos que industriais; mas a industrialização se
reproduzem a força de trabalho industrial. encontra restringida porque as bases
Deste modo, foi a economia cafeeira que técnicas e financeiras da acumulação
engendrou a capacidade de expansão industrial são insuficientes para que se implan-
que antecede a 1a. Guerra Mundial, em te, num golpe, o núcleo fundamental
especial após 1905, com ampla capacidade de da indústria de bens de produção, que
importar. permitiria à capacidade produtiva
Contudo, os anos de 1913 e 1914 são anos crescer adiante da demanda,
de crise da produção industrial. O conflito autoderminando o processo de desen-
mundial vem aliviar a situação do setor indus- volvimento industrial” (Idem, p. 110).
trial porque a indústria fica mais competitiva
alcançando, ainda, mercados externos. A re- O setor industrial, nesse novo padrão de
cuperação industrial é feita pelo uso de capa- acumu-lação, é capaz de liderar o crescimen-
cidade ociosa gerada previamente, portanto to e se libertar da dependência do setor cafe-
não há renovação das plantas e do investimen- eiro, mas tem um limite à sua reprodução: de-
to industrial no período da guerra. pende da capacidade para importar, gerada
Na década de 20 o setor exportador passa pelo setor agroexportador, por não existir um
por amplo dinamismo, amparado por opera- núcleo produtor de bens de capital, ou seja,
ções de valorização e de defesa permanente, por ainda permanecer restringida a industria-
em 1924, e com preços em elevação. As boas lização. Cardoso de Mello observa que o se-
condições de realização e acumulação permi- tor industrial não consegue criar o setor de
tem ao setor industrial, escudado em aumen- bens de produção, que permitiria uma repro-
tos da capacidade para importar, modernizar dução endógena, nesta fase. Não haveria um
se e apontar para a diversificação, com o esquema interno de acumulação que desse
surgimento de uma pequena indústria de aço, suporte a indústria pesada . Nesta fase do ca-
de cimento, e a atualização da indústria de bens pitalismo mundial aumentavamse os requisi-
de consumo. tos de capital, e maiores eram as escalas de
A modernização acima aludida permite a produção.
recuperação econômica após o colapso do Tavares (1974), reinterpretando o proces-
modelo exportador em 1929. A defesa da ren- so de industrialização brasileira, assinala que
da cafeeira, nos anos 30, sustentando a renda no período que vai de 1933 a 1956 ainda se
nacional, encontra um setor industrial previa- aplica o conceito cepalino de “substituição de
mente diversificado, com capacidade ociosa, importações”, pois se promoveu um cresci-
pronto para liderar o novo padrão de acumu- mento industrial a partir de uma capacidade
lação que se inicia em 1933. para importar que diminuiu de forma absolu-
O ano de 1933 é o ano do primeiro ciclo ta. Entretanto, prefere a denominação de “in-
industrial. Para Cardoso de Mello, iniciase dustrialização restringida” para o período.
uma nova fase do período de transição na di- Contudo, do ponto de vista analítico, Con-
reção do capitalismo plenamente constituído. ceição segue a linha de Cardoso de Mello afir-
Nesta fase, que se move até 1955, configurase mando que a dinâmica externainterna, típica
um processo de “industrialização restringida”: do pensamento cepalino, não se sustenta mais.
É necessário que haja, em uma teoria dinâmi-

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ca, um esquema endógeno de movimento, por Este limite na capacidade produtiva indi-
onde os elementos externos seriam encaixa- ca que o crescimento industrial começa com a
dos. Neste sentido, o movimento endógeno de expansão do setor de bens de consumo, que
acumulação é definido de forma cíclica com dá o ritmo e dinamismo e, somente a partir
base nas empresas nacionais, públicas e es- daí, se estende ao setor de bens de produção,
trangeiras, com desigual poder de acumula- ambos protegidos da concorrência externa pela
ção entre elas. queda da capacidade para importar. Portanto,
Duas características contraditórias marca- é sustentável ainda o conceito de substituição
riam, no enfoque de Tavares, a fase restringida de importações, já que o montante absoluto
de industrialização: a primeira é que o coman- das importações de bens de produção só é ul-
do do processo de expansão industrial está a trapassado em alguns ramos em 1947.
cargo do setor industrial, onde o segmento A manutenção do conceito não deve obs-
urbano é o determinante da renda e demanda, curecer, contudo, os novos marcos da acumu-
isto é, da realização dos lucros. A segunda é lação industrial: o incremento da produção
que o desenvolvimento das forças produtivas industrial permite reproduzir internamente a
e as bases técnicas e financeiras do capital são força de trabalho e parte do capital constante
insuficientes para a implantação da grande in- industrial. Existe uma relação dentro dos dois
dústria, capaz de afiançar o crescimento da setores industriais que determinam a expan-
capacidade produtiva adiante da demanda. são da força de trabalho e sustentam as mar-
Vale dizer, existem limites endógenos na acu- gens de lucro da indústria.
mulação de capital que obstaculizam o desen- Em síntese, a industrialização estava
volvimento autodeter-minado. restringida, sem ter condições de
O movimento endógeno da industrializa- autodeterminar a reprodução endógena do ca-
ção restringida permite captar os limites in- pital e, portanto, ainda dependente da impor-
ternos do processo de industrialização e de- tação neste ciclo industrial que se estende de
senvolvimento e, a partir daí, inserir esse po- 1933 a 1956.
tencial interno nas relações internacionais (flu- A implantação de um novo bloco de in-
xo de comércio, capital estrangeiro). Estava vestimento entre 1956 e 1961 significou, para
clara, portanto, a mudança em relação ao Cardoso de Mello, verdadeira onda de inova-
enfoque cepalino: ções Schumpterianas, assinalando um salto
tecnológico na estrutura produtiva. Há um
“Nossa hipótese central de análise novo padrão de acumulação, que configura um
continua sendo de que os fluxos, de processo de industrialização pesada e que
comércio e de capital estrangei-
ro, não determinam exogenamente a “implicou um crescimento acelerado
dinâmica da acumulação; apenas se da capacidade produtiva do setor de
articulam com ela e a modificam des- bens de produção e do setor de bens
de dentro, acentuando as mudanças de consumo antes de qualquer expan-
internas em curso na estrutura produ- são previsível de seus mercados”
tiva e no padrão histórico de acumu- (MELLO, 1982, p. 117).
lação” (TAVARES, 1974, p. 119).
Segundo o esquema de três departamen-
Chama a atenção para o fato de que o ci- tos, estes eram constituídos pelo setor de bens
clo de industrialização que se inicia em 1933 de capital, D1, pelo setor de consumo para
já assinala um crescimento expressivo do se- capitalistas, D2, e pelo setor de bens de con-
tor de bens de produção, mas ainda incapaz sumo para os trabalhadores, D3. O ponto im-
de atender as necessidades correntes da acu- portante é que os dois primeiros têm sua ins-
mulação industrial e, muito menos, crescer na talação autônoma, isto é, não dependem da
frente da demanda. demanda corrente, pois criam demanda den-

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tro do setor industrial, num mecanismo de incapaz de tocar a industrialização pesada,


retroalimentação. Ao contrário, o setor 3 de- ainda lhe valeu uma demanda derivada, for-
pende da renda e demanda dos demais, que mando um cordão de pequenas empresas for-
são líderes e centrais na dinâmica capitalista. necedoras e distribuidoras da indústria pesa-
A implantação de um padrão industrial, da.
com os três setores da dinâmica industrial Em suma, criase um padrão solidário en-
constituídos, como o assinalado, não poderia tre as empresas nacionais, as estrangeiras e o
ser decorrência de um mero desdobramento Estado, que definem o novo padrão de acu-
ou continuidade da fase restringida, ainda que mulação dos anos 50, segundo Cardoso de
nessa fase fossem gestadas condições impor- Mello.
tantes para tanto. Conclui Cardoso de Mello que se com-
A alta complementaridade dos investimen- pletara, assim, no Brasil, um esquema capita-
tos, bem como sua concentração no tempo, não lista endógeno de reprodução capitalista, com
permitia que o capital fosse mobilizado pela forças produtivas capitalistas e industrializa-
acumulação prévia, já que requeria a concen- ção, frustrando os cepalinos ao não realizar
tração de recursos internos e externos para a “as promessas que, miticamente, lhes havi-
diversificação da estrutura produtiva. Isto sig- am atribuído”.
nifica que o projeto da indústria pesada não
estava ao alcance do capital nacional vincula- A DINÂMICA OLIGOPÓLICA DOS
do à indústria restringida. Seguese que o novo ANOS 50 E AS FLUTUAÇÕES CÍCLICAS
padrão NOS ANOS 60, SEGUNDO CONCEIÇÃO
TAVARES
“não poderia deixar de estar apoiado
no Estado e no novo capital estrangei- Revendo suas teses cepalinas, Tavares
ro, que se transfere sob a forma de (1974) apresenta a concepção heterodoxa de
capital produtivo” (Idem, p. 118), que a dinâmica da industrialização pesada e
oligopólica é sujeita a flutuações cíclicas, que
dando especificidade ao desenvolvimento não decorrem de problemas na estrutura pro-
latinoamericano. dutiva, e sim de problemas de realização da
A ação do Estado foi decisiva enquanto maisvalia, ou seja, insuficiência da demanda
investidor dos blocos pesados de bens de pro- efetiva que provoca capacidade ociosa e
dução, e definidor das bases de associação subutilizada.
com o capital estrangeiro. Primeiro, que só ele Sua análise da estrutura industrial brasi-
podia investir na infraestrutura e montar o ca- leira tem como base o trabalho de Joseph
pital social básico, pois dispunha de instru- Steindl1, sendo que a dinâmica interindustrial
mentos de mobilização e centralização do ca- segue o esquema de articulação
pital. tridepartamental de Kalecki.
Após definido um esquema de acumula- Steindl define o investimento de for-
ção interno, e com generosos favores e incen- ma endógena. E, para este autor, os traços
tivos fiscais, decide o capital estrangeiro in- demarcadores de uma estrutura oligopólica são
vestir nos setores de bens duráveis de consu- a capacidade ociosa planejada e a não plane-
mo. A razão da vinda das grandes empresas jada. A tipologia dos oligopólios, de acordo
oligopólicas internacionais se prende à pró- com Tavares (1974), é definida por três estru-
pria expansão mundial marcada por acirrada turas industriais: o oligopólio competitivo; o
competição oligopólica. oligopólio diferenciado concentrado; e a
O capital estrangeiro, líder dos setores oligopólio puro concentrado.
dinâmicos, resolvia o problema da capacida- Para Tavares três aspectos marcaram a
de para importar, já que eles próprios traziam expansão industrial no ciclo expansivo de
capacidade produtiva. Para o capital nacional, 19561961:

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i. o bloco de investimento que se implan- pidez do crescimento destes investimentos,


ta não depende de uma demanda pré- contudo, em virtude de que os setores líderes
via, ou seja, é capaz de criar e assegu- crescem independentes da demanda, e com
rar sua própria demanda. As escalas altas escalas de produção, fez com que, no
do investimento superam a demanda inicio dos anos 60, já existissem problemas
corrente em regra; de queda dos investimentos, e de realização
ii. o boom dos investimentos não se di- do potencial de acumulação.
funde por todos os ramos da econo- Iniciada a década de 60, fortes efeitos
mia, ficando restrito a 3 ou 4 setores desaceleradores da expansão industrial se
ou ramos industriais, como: material manifestam, refletindo o fim da instalação dos
de transporte; material elétrico; e novos blocos de investimento. Na raiz da cri-
metalmecânico, de pouco peso relati- se, está a queda da demanda induzida por
vo na estrutura industrial, mas de ele- investimentos privados, à medida que entra
vada complementaridade em digestão a nova capacidade dos setores de
interindustrial; e bens duráveis de consumo e de capital.
iii. não se verifica uma concentração ab- Na argumentação de Tavares, dois pro-
soluta do mercado, havendo, no entan- blemas são decisivos para a desaceleração se
to, uma concentração relativa em fa- transformar em crise. De um lado, desajustes
vor das grandes empresas nacionais, dinâmicos da estrutura da demanda à capaci-
públicas e privadas, nos setores de dade produtiva instalada: de outro, problemas
insumos básicos e bens de capital que, de realização e financiamento de um potenci-
em geral, não competem com as es- al de acumulação fortemente incrementado no
trangeiras em preços ou diferenciação ciclo expansivo anterior.
de produtos. Em resumo, num esquema endógeno de
análise da desaceleração cíclica, dois pontos
Segundo Tavares a nova configuração dos são decisivos: de um lado, o descompasso
investimentos tem um impacto mais dramáti- entre a demanda dos setores industriais e a
co na estrutura da capacidade produtiva do que evolução da capacidade produtiva; e de ou-
na de demanda. Esta última estava historica- tro, como realizar um enorme potencial de
mente condicionada a uma distribuição de ren- acumulação.
da concentradora e um perfil de consumo de A explicação para o descompasso da ca-
padrão europeu dos grupos de alta renda. pacidade produtiva devese ao fato de que os
O padrão de investimento tem forte efei- novos setores implantados no ciclo expansi-
to acelerador, como dito, sobre a renda urba- vo, em geral , se apr esent avam
na e sobre o setor de bens de capital. É que há superdimensionados, devido ao tamanho das
grande complementaridade tecnológica dos escalas mínimas, em cotejo com o tamanho
investimentos e uma concentração destes no do mercado. Caso a taxa de crescimento da
tempo, que fazem criar efeitos dinâmicos, em demanda se mantivesse, não haveria proble-
cadeia, sobre a demanda interindustrial do ma sob aspecto micro, ainda mais que numa
complexo industrial. tecitura oligopólica as margens de lucro são
Este padrão, que se iniciou em 1956, se elevadas.
caracteriza, portanto, pela montagem dos com- Sob uma ótica macroeconômica, o pro-
plexos industriais de material elétrico, mate- blema da continuidade do crescimento é mais
rial de transporte e metalmecânico, que defi- complexo, já que exige não apenas a supera-
nem uma articulação interindustrial e uma di- ção de problemas de demanda corrente, mas
nâmica oligopolista, capazes de assegurar de- é necessário garantir uma estrutura de cresci-
manda dentro da cadeia produtiva, com o cres- mento equilibrado entre os distintos setores
cimento à frente da demanda e apostando numa industriais.
demanda que estes setores podiam criar. A ra-

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Com base nos esquemas de reprodução componente autônomo da demanda, face à


tridepartamental de Kalecki, Tavares faz uma desaceleração da demanda pública nos anos
análise desagregada por cada um dos departa- 60. Os problemas de financiamento interno e
mentos, captando suas especificidades cíclicas, externo do setor público eram a barreira deci-
sem deixar de articulálos entre si. siva para aquela expansão compensatória.
O setor de bens de produção, líder da di- Em resumo, a crise que envolveu o D1 se
nâmica do ciclo expansivo anterior, além de caracterizava por excesso de capacidade, fal-
estratégico na expansão industrial, acusa pro- ta de oportunidade de investimento, e por fim,
blemas de desaceleração, em função de seu problemas de demanda para a capacidade ins-
próprio crescimento desordenado e acelera- talada.
do. O traço marcante de sua reprodução é que No setor de bens de consumo duráveis a
este setor tem problemas de demanda induzida, crise de desaceleração é de natureza diversa.
afetando o acelerador do setor industrial. Por- Este Departamento 2 produzia visando aten-
tanto, tornavase imprescindível que o investi- der a demanda de grupos de alta e média ren-
mento da economia tivesse continuidade para da, favorecido por uma elevada concentração
ir ocupando sua capacidade ociosa. da renda. A tese de Tavares é que neste setor
Existiam, segundo Tavares, três motivos não há problemas de deficiência estrutural da
para que o investimento do setor industrial não demanda. Nele, a manutenção de um nível alto
gerasse estímulos para o setor de bens de ca- de demanda dependia mais de um processo
pital: que envolveria publicidade, diferenciação de
produtos, aumento do esforço de vendas e
i. para as multinacionais, esgotavamse as aumento das margens de endividamento, sen-
oportunidades de investimento lucra- do que seu problema residia mais na capaci-
tivo no próprio setor de bens de pro- dade de realizar seu potencial de acumulação.
dução, compatível com a margem oci- O comportamento do setor setor de bens
osa planejada destas empresas, e que de consumo não duráveis na crise, por sua
se somava à incerteza quanto ao cres- natureza competitiva, apresenta queda de pre-
cimento de longo prazo da economia; ços, amplos índices de nacionalização e que-
da das margens de lucro. A retomada do setor
ii. a demanda de reposição de equipamen- virá somente após a recuperação dos setores
to estava limitada pela juventude do líderes, quando tenham reiniciado a expansão.
parque industrial e também porque a A crise, sob a ótica interindustrial e com
indústria têxtil não tinha motivos para base nos esquemas de três departamentos,
se modernizar dada a queda do consu- aponta que o problema não se vincula à de-
mo corrente; manda corrente, e sim à queda da demanda
iii. o setor privado nacional perdera os es- dentro do próprio setor industrial. Em parti-
tímulos derivados da implantação do cular entre os departamentos lideres da expan-
complexo metalmecânico, que apresen- são industrial. A questão é enfocada pelo lado
tava grandes margens de capacidade da desaceleração dos investimentos e seus im-
ociosa. pactos negativos na cadeia industrial.
O segundo enfoque para a crise do padrão
Restavam como componentes autônomos industrial, sob ótica endógena, era a forma-
da demanda o gasto e o investimento públi- ção de um potencial de acumulação que não
co, de grande impacto indutor nos anos 50, se realizava.
com a implantação dos setores siderúrgicos, O potencial de acumulação, segundo
de petróleo e transportes. Tavares, se expressa no elevado grau de mo-
Contudo, o investimento público, que sig- nopólio e nas margens brutas de lucros. Vári-
nificara 50% dos investimentos globais nos os fatores explicavam essa elevação numa eco-
anos 50, já não cumpria a função de ser um nomia como a brasileira:

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i. o crescimento da produtividade tende Este padrão requer, para seu equilíbrio


a aumentar em virtude da atualização dinâmico, que seja aprofundada a relação
dos investimentos, das economias ex- capitalconsumo, que opera contra uma melhor
ternas, elevando o rendimento do tra- distribuição de renda e, depois, que seja
balho e do capital; aprofundada a relação capitalinvestimento.
ii. o aumento da produtividade não é Dois fenômenos típicos de economias madu-
transferido aos preços e aos salários, ras com excesso de capital, que demandam
gerando problemas de expansão do crescimento e busca de novos
sobreacumulação das grandes empre- mercados. A resultante do processo descrito
sas oligopólicas; nos países subdesenvolvidos são as pressões
iii. numa economia subdesenvolvida, as inflacionárias e desequilíbrios no balanço de
estruturas oligopólicas têm pesos e pagamentos, já manifestadas no ciclo expan-
assimetria no crescimento, com poder sivo.
desigual de monopólio nos distintos A gama de problemas e contradições do
setores produtivos, e entre as empre- novo ciclo expansivo parece, para a autora,
sas e os sindicatos; e, mais relevante que o processo de dificuldades
iv. por fim, a taxa de salário não sobe de- externas e industrialização. Daí que ela não
vido ao excedente de trabalhadores e ache conveniente, do ponto de vista analítico,
ao baixo nível de organização da força a designação de substituição de importações
de trabalho, aumentando as margens de para os anos 50, mesmo que se aceite este con-
lucro. ceito formalmente enquanto o coeficiente im-
portado estiver caindo.
O que caracteriza a acumulação A superação do conceito se deve também
monopólica no Brasil é que este elevado po- ao fato de que, na dinâmica externainterna,
tencial de acumulação é desviado para fora do
setor industrial, em aplicações patrimoniais, “as importações derivadas deste novo
ou seja, é esterilizado, não contribuindo de complexo industrial ultrapassariam,
forma decisiva para elevação dos investimen- em breve espaço de tempo, o montan-
tos na economia, que vai desaguar numa ten- te de demanda das importações subs-
dência estagnacionista. tituídas” (Idem, p. 133).
Igualmente singular foi a retomada do ci-
clo expansivo no Brasil. A singularidade da O processo acarreta desequilíbrio no ba-
recuperação da economia brasileira, no cha- lanço de pagamentos, contornado pela empre-
mado “Milagre Brasileiro” dos anos 70, dá se sa estrangeira que tem capacidade financeira
de forma contrária às economias avançadas e, para importar e cresce como um oligopólio
Segundo Tavares, de acordo com o modelo de diferenciado na frente da demanda pré exis-
Kalecki. A dinâmica da retomada no Brasil não tente, forçando a diversificação do consumo
se inicia pelo investimento, atingindo primei- tão logo haja desaceleração.
ro o consumo capitalista. Como observa a au- Outro aspecto onde o pensamento
tora, o movimento se inicia com o consumo cepalino é marcadamente criticado diz respeito
das camadas de alta renda, que estimula a taxa ao mercado consumidor. Para a CEPAL, nos-
de lucro e de acumulação de capital, afetando sos problemas decorriam de uma tendência
positivamente as oportunidades de investimen- subconsumista, e a industrialização se origi-
to e emprego. nara por estímulos de uma demanda corrente
A massa trabalhadora suportaria duas opo- insatisfeita. A tese de Campinas, como até aqui
sições: uma entre salários e lucros; e outra, apresentada, é que existe uma demanda
entre consumo popular versus consumo de endógena interindustrial, dentro do novo blo-
capitalistas, esta última específica da econo- co de investimento pesado. Os novos agentes
mia capitalista brasileira. têm capacidade de criar demanda corrente de

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consumo, num processo marcado por diferen- O setor de bens de consumo duráveis, por
ciação de rendas. Portanto, o investimento tem sua inserção peculiar na estrutura industrial,
um perfil endógeno, que deve ser investiga- determina uma elasticidade cíclica acentuada
do, ainda que sujeito à flutuação cíclica. Por de seus efeitos de encadeamento para trás e
fim, o mercado interno como um todo não é para frente. Há, deste modo, um efeito
relevante para os novos investimentos da in- superacelerador na expansão, e desacelerador
dústria de bens duráveis e de bens de capital. na retração, pelas impactos na cadeia produti-
A próxima seção traz um esboço de uma teo- va.
ria do ciclo endógeno em economias periféri- Curiosamente, este setor, justamente por
cas. ter uma demanda de grupos altos e médios,
logo, beneficiado por um perfil concentrador
CICLOS ENDÓGENOS, MERCADO E da renda, é o primeiro a entrar em
MISÉRIA NA AMÉRICA LATINA desaceleração cíclica.
A reversão do ciclo depressivo dáse pelo
Um primeiro traço do ciclo expansivo na padrão diferenciado de consumo, que é refor-
economia brasileira, segundo Tavares e çado por uma estrutura de financiamento es-
Belluzo (1978) é que esses ciclos têm dura- pecializado e margens de endividamento cres-
ção de apenas cinco a sete anos. A explicação centes. E, ainda, pela abertura em leque dos
dos autores é que nas economias periféricas o salários, que permite recuperar o consumo
crescimento industrial tem natureza desequi- capitalista, retomando o crescimento do setor
librada. de duráveis pela ocupação de sua capacidade
Tal desequilíbrio se deve ao fato de que ociosa e, mais tarde, pela elevação da taxa de
os setores líderes da expansão industrial, numa investimento. Tão logo recuperado este setor,
economia subdesenvolvida, têm um pequeno há uma tendência a contraarrestar a trajetória
peso relativo na composição do gasto e na pro- recessiva da economia.
dução industrial global, não sustentando, por Os aspectos assinalados de um ciclo in-
muito tempo, o crescimento. dustrial numa economia periférica mostram a
Os Departamentos 1 e 2, num esquema “dessoldagem” que há entre as possibilidades
Kaleckiano, apresentam um efeito reduzido na do crescimento e a solução dos desequilíbrios
estrutura industrial pré-existente. Tão logo sociais. Os autores assinalam que:
esses setores sejam instalados, cessam seus
efeitos de realimentação da demanda “A lógica da industria1ização é de-
interindustrial. Neste momento, o peso abso- terminada pela industrialização pe-
luto da indústria do Departamento 3, de sada que pode ou não gerar seus pró-
benssalários, reaparece principal como com- prios mercados, independentes do que
ponente da demanda corrente da indústria. se passe com o mercado de massas.
O Departamento 3 não tem capacidade de Este é o sentido profundo da fra-
liderar o crescimento, muito menos tura existente entre as condições de
sustentálo. É dependente, para seu crescimen- vida das massas e seu papel como pro-
to, da expansão dos Departamentos 1 e 2 e dutores e consumidores para um mer-
dos salários ali gerados, bem como da acumu- cado capitalista num país subdesenvol-
lação urbana. vido. Neste sentido, resolver o proble-
Portanto, o nível do investimento, ou de ma do atraso industrial num capitalis-
sua flutuação cíclica, se relaciona a proble- mo tardio não equiva1e a solucionar
mas de financiamento ou de demanda os problemas do subdesenvolvimento
interindustrial, tornando se frágeis as hipóte- e pobreza”. (TAVARES e
ses de subconsumo de massas, ou insuficiên- BELLUZZO,1978, p. 127)
cia de mercado interno.

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Para Mello e Belluzzo (1977), seguindo nanceira de recursos. Os países de industriali-


o mesmo enfoque analítico, a explicação para zação tardia contaram, para arrancar para in-
a crise do ciclo expansivo 19681973 devese a dustrialização pesada, com o sistema financei-
problemas de declínio da taxa de acumulação. ro ou, em alguns casos, com o Estado como
Os críticos do “milagre brasileiro” assinala- aglutinador de capitais para os projetos indus-
vam ser razão do esgotamento o crescimento triais.
voltado para o mercado externo, em detrimen- Salientam Coutinho e Reichstull (1977)
to do mercado interno. que nos países de industrialização atrasada, à
A refutação dessas críticas é feita por Car- medida que não se dispõe de uma lenta e pré-
doso de Mello e Belluzzo com a argumenta- via centralização do capital, faz-se necessária
ção de que o mercado interno não se contra- outra alavanca para a acumulação capitalista.
põe ao mercado externo, ou que o dinamismo Esta tarefa coube ao braço financeiro acoplado
do segundo seja feito às custas do primeiro. às sociedades anônimas e aos títulos públicos.
Em segundo lugar, as exportações têm um peso Todos unificados por um projeto nacional bur-
pequeno, não respondendo pelo dinamismo da guês, de expansão do espaço econômico.
economia. Por fim, o motor do capitalismo não No Brasil ficava patente a dramaticidade
é o consumo de massas. da industrialização, com a nova divisão inter-
O capitalismo é dinamizado pela acumu- nacional do trabalho, sob liderança da indús-
lação de capital, sendo que o consumo é deri- tria avançada e do imperialismo. O sistema
vado da própria acumulação. O mercado in- bancário não cumprira a função de centralizar
terno no capitalismo é, antes de tudo, merca- o capital. O circuito mercantil exportador pas-
do de meios de produção, ou seja, neste siste- sa pelo comércio externo, realizandose no
ma, a produção visa à própria produção. exterior. Desta forma, o sistema bancário bra-
Em relação aos salários, salientam que a sileiro, ainda que envolvido com a exporta-
massa de salários não é o motor do capitalis- ção, não consegue criar formas de
mo, posto que o consumo dos trabalhadores intermediação financeira nãobancárias. O pon-
tem uma posição subordinada na reprodução to nodal, segundo Coutinho e Reichstull, é que
capitalista, e a taxa de salário é fixada pelo os lucros não se materializavam internamen-
ritmo da acumulação de capital ou, então, é te. A forma de superação desta limitação seria
deduzida a partir da fixação da taxa de lucro. a supressão do próprio capital
Portanto, as bases do crescimento são de- mercantilexportador.
rivadas da acumulação de capital que tem tra- A conclusão dos autores é que somente o
ços específicos em relação ao padrão clássi- Estado poderia cumprir as funções de mobili-
co. zar e centralizar capital para o desenvolvimen-
Do padrão clássico, teríamos uma acumu- to dos projetos de insumos básicos e bens de
lação monopolista de Estado, com o capital capital. Vale dizer, somente o investimento
se determinando endogenamente. De especí- estatal e a coordenação do Estado atenderiam
fico, teríamos a importância crucial do setor aos requisitos de projetos concentrados no
produtivo estatal, a profundidade da tempo. Afinal, o Estado no capitalismo retar-
internacionalização da economia e do sistema datário teria uma atuação diversa e especifi-
produtivo e, por fim, pela extensão do contro- ca:
le do Estado sobre o processo de acumulação.
“não pode limitarse às funções clás-
ESTADO E CICLO ENDÓGENO sicas de administração fiscal e mone-
NUM CAPITALISMO PERIFÉRICO tária: as condições objetivas do de-
senvolvimento lhe impõem a tarefa de
A acumulação de capital sob hegemonia criar e acumular capital prod ut i -
mercantil exportadora deixou ainda uma in- vo, centralizar e intermediar o capital
fluência na incapacidade de mobilização fi- financeiro, além de supervisionar, or-

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denadamente, a constituição da BREVE COMENTÁRIO FINAL


base pesada do sistema
industrial”.(COUTINHO e As idéias da Unicamp se estruturam num
REICHSTULL, 1977, p. 59). modelo endógeno que consegue explicar de
forma cabal a industrialização. Vimos que o
Segundo Coutinho e Reichstull (1977), modelo compreende várias fases. Na sua ori-
fazse mister fazer uma distinção entre o in- gem, há uma articulação conjunta café-indús-
vestimento público produtivo ligado ao setor tria; nos anos 30, a indústria, já liderando o
produtivo estatal e os gastos públicos de bens crescimento, ainda é incapaz de reproduzir
públicos, administração, obras etc. todo o capital industrial dentro da economia;
Foi no ciclo expansivo 195661, definido e nos anos 50 apresenta uma dinâmica de eco-
como fase da industrialização pesada, que to- nomia capitalista, com flutuações cíclicas que
maram corpo os grandes projetos nos setores foram agravadas pelas condições do subde-
hidrelétrico, siderúrgico e de petróleo. senvolvimento. Ficou patente que a indústria,
Com essa política de investimentos em na na nova dinâmica capitalista, pôde pres-
capital social básico, apoio financeiro e sub- cindir do mercado interno e da distribuição
sídios cambiais, o capital estrangeiro decide equitativa da renda, revendo as premissas
investir na indústria de bens duráveis e de bens cepalinas de que a industrialização acarreta-
de capital, completando o movimento de de- ria melhor distribuição de renda, permitindo
terminação do capital. avançar para um novo ciclo expansivo.
Salientam Coutinho e Reichstull que, em- Deve-se observar, contudo, que as
bora o D1 não tenha sido totalmente constitu- condicionantes externas provocaram grande
ído, porque não se articulou o setor de capital depressão nas economias periféricas, a partir
fixo, o circuito reprodutivo do capital alargou dos anos 80, revalidando, de certa forma, as
sua base, autonomizando a reprodução de teses dos choques externos. Outro aspecto que
insumos circulares. Observam que as interpre- permite a manutenção da visão cepalina é o
tações que apontam os investimentos gover- de que o mercado interno de massas é uma
namentais e a criação do setor de bens durá- condição para um novo padrão de desenvol-
veis, no âmbito do Plano de Metas, mascaram vimento mais sustentado e incorporador das
essa mudança essencial no padrão de acumu- populações excluídas.
lação:

“…o peso adquirido pelo D1 na etapa REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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