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Maringá, 2020
chr94@outlook.com
Universidade Estadual de Maringá
Centro de Tecnologia
Lista de Tabelas
Tabela 1 : Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à área bruta do perímetro analisado ........................................... 108
Tabela 2: Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à área líquida loteada do perímetro analisado ....................... 108
Lista de Gráficos
Gráfico 1: Relação de percentuais (em relação à área bruta do perímetro) da atual Zona 20....................................................................... 109
Gráfico 2: Relação de percentuais (em relação à área bruta do perímetro) do traçado hipotético ........................................................... 109
Gráfico 3: Relação de percentuais legais (em relação à área bruta do perímetro) da atual Zona 20 .......................................................... 111
Gráfico 4: Relação de percentuais legais (em relação à área bruta do perímetro) do traçado hipotético ............................................... 111
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 15
3.1. A Zona 20 87
3.2. Legislação atual: parâmetros e índices 105
CONCLUSÃO 113
REFERÊNCIAS 115
Introdução
Como avaliar o rendimento de um traçado urbano? Tal pergunta constitui o cerne
da presente pesquisa. Desenvolvido originalmente por Gianfranco Caniggia e seus
discípulos, o conceito de rendimento expressa uma ideia de adaptação,
aproveitamento e eficiência, e foi empregado sobretudo na leitura de conjuntos
edificados e territórios, mas ainda não foi aplicado na análise e proposição de novos
traçados urbanos, como veremos mais adiante. Para responder tal pergunta, é
necessário, antes, entender o contexto no qual ela se origina. Trato aqui de
morfologia e traçado urbano. Falo de como avaliar e projetar novos traçados urbanos
sem cair na vala comum do laissez-faire do projeta, aprova e, só na execução, pensa
no contexto, ou melhor, em como driblar as características naturais, edificadas e
culturais de um lugar – isso quando alguém se lembra disso.
1 “La forma della città si manifesta, appare, si rivela se confrontata con un fondale naturale. Proprio la forma della Figura 1: Panorama da cidade de Orte, na Itália,
città di Orte pare in quanto tale perché sulla cima di questo colle bruno divorato dall’autunno, con questa brunatura de onde Pasolini teceu suas observações.
davanti, e contro il cielo grigio. Ora, quelle case che ti ho citato prima (…) vengono turbare soprattutto il rapporto Fotografia de John G. Walker. Fonte: Flickr
della forma della città e la natura. Ora, il problema della città e il problema della salvezza della natura che circonda disponível em: https://flic.kr/p/6HRbik.
la città sono un problema unico. Ma sempre si pone il problema di rispettare il confine naturale tra la forma della
città e la natura circostante.” PASOLINI, 1974.
16 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
2
A questão da distinção entre cidade e entorno natural é longa, passando pela Filosofia e pela psique humana. Jordan
Peterson (2018, pp. 14-15) comenta que é um equívoco pensar a natureza como algo “puro e paradisíaco (...), sem as
perturbações e depredações da humanidade”, pois essa natureza também é feita de doenças, insetos e “secas que
causam inanição”. Assim, é pela existência de tais coisas que “tentamos modificar nosso entorno, protegendo
nossos filhos, construindo cidades e sistemas de transporte, e produzindo alimentos e energia”. No entanto, a ordem
“que se se insere no caos e na ordem do Ser é cada vez mais ‘natural’ conforme perdura por mais tempo”. E isso
“porque ‘natureza’ é ‘aquilo que seleciona’, e quanto mais tempo uma característica tem existido, mais tempo teve
para ser selecionada – e para moldar a vida”. Ou seja, transformamos a natureza em habitat humano, distinguindo-
o de seu entorno, porém, sem esquecer de moldá-lo às pré-existências que permaneceram ao longo do tempo.
Introdução 17
3
O trecho do curso ministrado por Olavo de Carvalho (2012b) está disponível em vídeo (CARVALHO, 2016).
18 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
2015; GRIEVES E JEFFERY, 2017; SCRUTON, 2012, pp. 209-253; ABBOTT, 2011;
KENNEDY E ADOLPHS, 2011; KIRK, 1982).
No âmbito da arquitetura, para Caniggia e Maffei (2008, pp. 21-33), esse fenômeno é
reflexo de uma crise em que a ‘consciência espontânea’ parece não ter mais lugar
em face de racionalizações cada vez mais abstratas. Por trás dele estão variáveis
como tecnologia e organização socioeconômica, fatores político-administrativos e
especulativos, além da influência de intelectuais (BERTAUD, 2014, 2004; KOSTOF,
2014; FERRARI, 2004, pp. 72-73; WOLFE, 1990).
Afirmava Philippe Daverio (2018) que as cidades se tornaram feias porque a lei impôs
que elas se tornassem feias, utilizando como exemplo as cidades italianas. Após os
desabamentos em Agrigento, durante o terremoto de 1963, uma “Norma
Transitoria” foi estabelecida na Itália, segundo a qual todas as novas edificações
deveriam ser construídas separadas umas das outras. Dali em diante, pequenos
assentamentos começaram a se espalhar pelas áreas de campanha à semelhança de
fungos. Com isso, as verdadeiras cidades, feitas de estradas e de casas que se tocam,
começaram a se tornar fósseis destinados a sumir.
se o caos arquitetônico: “resolveram derrubar cidades inteiras e fazer outra coisa (...),
e aí começaram a fazer monstruosidades (...) sem pensar no efeito que isto vai ter
sobre as próximas gerações” (CARVALHO, 2012b, s.p.; BORTOLOTTI, 2015).
Desse modo, surgiu uma contraposição entre cidades de uma “estética coerente” e
cidades que são uma “coleção de deformidades absolutamente inclassificável”. E
isso é particularmente visível no Brasil. No caso das cidades ‘coerentes’, percebe-se
que as diversas casas convivem com “um certo número de estilos onde você vê um
diálogo”. Uma casa em um estilo dialoga com outra de outro estilo, e uma terceira
casa apresenta uma nova solução, e assim por diante. E, com isso, é possível perceber
“a história da arquitetura (...) nas cidades”. Já no caso das cidades ‘inclassificáveis’, é
impossível dizer “a que estilo pertence [a maior parte dos edifícios,] porque não tem
estilo nenhum”. E, para variar, “no meio dessa feiúra, o sujeito contrata um arquiteto
estrangeiro e faz uma maravilha, uma obra-prima que não tem nada a ver com o
restante da rua. [E] então a coisa vai ficando cada vez pior” (CARVALHO, 2011, s.p.).
Essa observação é a chave para o primeiro capítulo.
20 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Como resolver isso? Em outra ocasião, Daverio (2015a) fazia notar a necessidade de
uma “restauração da paisagem”. Todavia, isso não poderia ser feito segundo um
conceito de patrimoine, em que tudo deveria ser congelado para garantir a ideia de
‘restauro filológico’, como ocorreu aos centros históricos. Essa restauração deveria
seguir o conceito de legacy, no qual se deve apreender a herança histórica que se
recebe, aprender com ela e replicá-la continuamente. Tratando de forma urbana, e,
mais especificamente, de traçado urbano, pode-se entender como ‘legado’ o
conjunto de tecidos edificados que constituem as cidades (como aquelas históricas),
sobretudo como expressão de um modus faciendi desenvolvido ao longo de
gerações por meio de pequenas intervenções (edificações ao longo de percursos
sinuosos), com tentativa e erro. Ou seja, o ‘legado’ tem um aspecto morfológico
(edificado e organizacional) que é expressão de uma componente cultural, de uma
tradição. Seguindo esse raciocínio, é necessário projetar novas áreas urbanas
coerentes com o legado cultural que herdamos. Legado radicado no imaginário
coletivo, como se pode perceber das cidades históricas às favelas (DAVERIO, 2015b),
com suas ruas tortuosas sobre o relevo e suas casas justapostas umas às outras. O
aspecto mais básico de uma cidade, e, por isso mesmo, um de seus aspectos
fundamentais, é o traçado urbano. Traçado que se assenta sobre um sítio. Se as
cidades italianas tradicionais foram constituídas pelas casas construídas parede-
com-parede, tais casas foram dispostas ao longo de percursos gerados pelo relevo
seguindo uma lógica própria. É necessário, portanto, compreender esse mecanismo
de formação para poder aperfeiçoa-lo e aplica-lo na contemporaneidade.
Dessa maneira, o que faz com que uma obra humana, de uma casa a um território,
seja harmônica ou conflitante com a realidade pré-existente? Como avaliar se um
novo traçado urbano apresenta uma qualidade comparável àquela das antigas
cidades, que faça jus ao legado morfológico herdado?
Introdução 21
Além disso, trato de traçado dado que a forma urbana é mais dinâmica, complexa e
difícil de ser ‘controlada’. A construção de novas edificações segue necessidades de
mercado que não são totalmente previsíveis (BERTAUD, 2018) e deve lidar com
aspectos culturais e tipológicos (CANIGGIA E MAFFEI, 2008). Já o traçado é
resiliente e não pode ser alterado com facilidade. Porém, como apresenta uma
relação intrínseca com a forma urbana (REIS FILHO, 2000), o traçado é decisivo no
22 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
projeto e no planejamento urbano. É por isso que, nesta pesquisa, a forma é preterida
ao traçado urbano. É ele, o traçado urbano, que é o ponto de partida para a resolução
do problema levantado tanto por Philippe Daverio quanto por Olavo de Carvalho.
uma cidade cuja qualidade urbana seja reconhecidamente devida à coerência entre
traçado e sítio. Essa coerência pode ser antevista por sua identidade, coesão e
hierarquia do traçado e das vias, pela relação adequada entre tecidos edificados e
áreas livres, e pela definição de limites urbanos. A leitura de um tal traçado urbano
e dos princípios que lhe deram origem permitirá verificar quais variáveis podem
servir na avaliação do rendimento.
Por sua vez, a “análise” é o “exame minucioso de uma coisa em cada uma das suas
partes”, ou a “separação dos princípios componentes de um corpo ou substância”
(ANÁLISE, 2020; ANALYSE, 2020). Ou seja, é um processo de abstração, no qual
efetuamos a separação de uma parte das propriedades do mundo real (ou de um
dado conjunto). Até podemos concebê-la, mas ela não pode existir separadamente
das outras partes. E, por fim, “avaliação” é o ato de “determinar o valor” de algo,
oriundo do termo latino “valeo”, que significa “estar em condição de fazer algo”, “ser
eficaz, válido”(AVALIAR, 2020; VALEO, 2020, tradução nossa).
Introdução 25
Dito isso, para avaliar um traçado urbano são necessários parâmetros com os quais
estabelecer uma relação de comparação e a partir dos quais classificar os aspectos
comparados. Já para produzir novos traçados urbanos de qualidade, o projeto desses
traçados precisa ser avaliado desde sua concepção. E, para que isso possa ser
reproduzido em outros cenários, tais parâmetros necessitam estar sistematizados e
articulados.
Suponha-se, por exemplo, uma avaliação da qualidade urbana de uma cidade a partir
da análise de sua cobertura vegetal. Nessa análise, uma rua (elemento) contém um
determinado número de árvores indicado por um projetista (variável). A quantidade
de árvores numa área gera uma ‘densidade vegetal’ (parâmetro); quanto maior essa
‘densidade’, melhor a qualidade urbana. Disso, é possível deduzir que é necessário
projetar ruas com densidade vegetal adequada para atingir uma maior qualidade
urbana. Na presente pesquisa, portanto, as variáveis identificadas na análise do
traçado urbano proposta darão origem a esses parâmetros de avaliação.
Maringá, todavia, tem se expandido com novas áreas urbanas de qualidade espacial
questionável (MENEGUETTI, 2007). Com isso, é possível perceber duas porções de
cidade com características morfológicas distintas e que se contrapõem. A primeira
levou em consideração as características do sítio escolhido (Figura 2), na área do
plano original. E a segunda foi moldada mais pelo parcelamento rural pré-existente
que pelas características naturais do terreno (Figura 3). Assim, a verificação das
características morfológicas presentes nessas áreas distintas permitirá averiguar o
que faltou às novas expansões que havia na área do plano original, e como o traçado
de novas expansões urbanas pode ser melhorado a partir do rendimento.
Por meio da DSR busca-se diminuir o hiato entre teoria e prática por meio de
soluções satisfatórias – ainda que não-ideais – e generalizáveis, ao menos para
algumas “classes de problemas”, sem perder, com isso, o rigor científico (LACERDA
et al., 2013). Desse modo, busca-se ainda que o resultado da presente pesquisa possa
ser empregado por profissionais e técnicos além das fronteiras do âmbito
acadêmico (DRESCH et al., 2015; VAN BOEIJEN et al., 2014). Uma pesquisa
desenvolvida seguindo tal método abarca conscientização, sugestão,
desenvolvimento, avaliação e conclusão acerca do problema em questão e do
artefato produzido para sua resolução (TAKEDA et al., 1990).
Na prática, a pesquisa será constituída por três etapas principais (Figura 4), que
correspondem aos objetivos específicos elencados acima. A primeira fase será a
conceituação do rendimento e outros termos relacionados, oriundos do arcabouço
da escola italiana de morfologia urbana. A segunda fase comportará a ‘leitura’ do
traçado urbano do plano original de Maringá, da qual poderão ser identificadas as
variáveis, e, com isso, os parâmetros de avaliação do rendimento no traçado urbano.
Enquanto isso, a terceira fase será constituída da sistematização desses parâmetros
de avaliação do traçado urbano, e de sua verificação na área de expansão urbana de
Maringá – sendo a validação de sua aplicabilidade ou não. Destarte, a presente
Introdução 29
dissertação será constituída por três capítulos: (i) Rendimento e traçado urbano; (ii)
Maringá, leitura morfológica; e (iii) Avaliação do rendimento urbano.
Propõe-se ainda, ao fim da atual pesquisa, além da discussão dos resultados obtidos,
a relação do rendimento com a configuração das atuais formas urbanas, seus
desdobramentos socioculturais, ambientais e econômicos, e como a avaliação do
rendimento de traçados urbanos – que se pretende desenvolver com a atual
pesquisa – possa contribuir na compreensão do fenômeno abordado, bem como na
concepção e projeto de novas áreas urbanas, com uma maneira particular de
compreender e desenhar a cidade.
32 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
CAPÍTULO I
5
Parte do capítulo a seguir foi publicada no artigo “O conceito de rendimento da escola italiana de morfologia: um
parâmetro para a boa forma da cidade” (COSTA E REGO, 2019).
36 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
6
“Organismo”, aqui, refere-se à noção aristotélica de algo “composto por partes desiguais”, mas “bem combinadas”
de modo a “executar a função (...) para o qual foi designado” (MORA, 1962b, p. 341). Essa noção difere da ideia de
“organismo” ligada às ciências naturais, difundida sobretudo após o século XIX (STRAPPA, 1995, pp. 21-24).
Rendimento e traçado urbano 37
7
Desse modo, o verbo latino reddere constitui a raiz da língua italiana, portuguesa, inglesa, e mesmo francesa
(rendre) – ao menos em seu significado. Em sentido direto, o termo latino quer dizer devolver, restituir, entregar,
pagar uma dívida, cumprir uma promessa, recompensar, oferecer; e, em sentido figurado, significa traduzir, verter,
repetir, replicar, refletir uma luz ou imagem, reproduzir, e, particularmente, levar de um estado para outro, tornar,
transformar (FARIA, 1962, pp. 848-849; YIELD, 2020).
38 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
8
Aptidão é “a probabilidade de que dado organismo deixe descendência”, e, nesse caso, o “apto” é a combinação
“entre o atributo do organismo com a demanda do ambiente” (PETERSON, 2018, p. 13) – ideia oriunda do pensamento
heideggeriano, que, junto com as ideias de Aristóteles, aparece latente na escola italiana de morfologia urbana. Em
inglês, o termo fitness (aptidão) indica a qualidade de ser adequado (suitable) para algo (FITNESS, 2020; SUITABLE,
2020). Desse ponto de vista, rendimento até poderia se aproximar do termo ‘adequabilidade’, que é a qualidade
daquilo que pode se adequar (ADEQUABILIDADE, 2020; ADEQUÁVEL, 2020). Porém, há outras ideias – como a da
Física – que me fazem permanecer com o termo utilizado por Caniggia e Maffei (2008) e Carlotti (1995).
9
A obra em questão é uma síntese de “Maps of Meaning: The Architecture of Belief” (PETERSON, 1999).
10
Na Física, rendimento é a “medida da eficiência, da capacidade útil de um processo ou de uma máquina, definida
como relação de duas grandezas físicas homogêneas”. Num processo de transformação de energia, o rendimento é
a relação entre energia transformada e energia gasta – relação sempre inferior a um, “porque os fenômenos reais
nunca são perfeitamente reversíveis” (RENDIMENTO, 2018c; PONTECORVO, 1936, s. p., tradução nossa). Já em
Rendimento e traçado urbano 39
Caniggia expôs essa ideia de adaptação e coerência entre artefato e contexto na obra
‘Lettura di una città: Como’ (CANIGGIA, 1963). Porém, só em ‘Lettura dell’edilizia
di base’ (CANIGGIA E MAFFEI, 2008), publicado originalmente em 1979, o termo
rendimento foi utilizado para expressar essa ideia. Atualmente, podem-se perceber
duas acepções de rendimento, que poderiam ser denominadas rendimento edilício
e rendimento territorial, respectivamente.
âmbito econômico, “quando se investe em um título (...) ou em outro asset real ou financeiro num certo arco
temporal”, o rendimento é a “relação entre incremento de valor (entre o início e o fim do período) do investimento
e seu valor inicial” (RENDIMENTO, 2018d) noção que se aproxima da física. Já em se tratando de pessoas (e mesmo
esporte ou animais), o rendimento é a medida com a qual alguém dá cabo das próprias funções e dos próprios
deveres profissionais, medida influenciada pelas variáveis de um contexto (RENDIMENTO, 2018b).
40 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
homem. Detalharei a seguir essas duas acepções de rendimento a seguir para poder
delinear uma terceira espécie de rendimento, adaptada à escala da cidade.
No mundo edilício, dizer que uma arquitetura tem bom rendimento equivale a
afirmar que ela é de boa qualidade, traduzindo “a relação entre um resultado (...) e os
meios empregados para obtê-lo” (DE MARTIN, 2009, p. 34, tradução nossa). Porém,
engana-se quem pensar que isso equivale à mera relação entre aproveitamento de
materiais e custos de obra, pois o termo carrega um significado mais profundo. O
rendimento é “a dialética entre uma ação antrópica e uma reação ambiental,
constituída pelo menor ou maior esforço com que o ambiente tenderá a reabsorver
o resultado daquela ação” (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, p. 52, tradução nossa).
o conjunto edificado no qual essa edificação é inserida. Quanto menos essa casa
destoar do conjunto, maior seu rendimento. Porém, isso não implica que essa casa
deva ser uma imitação, mas sim que ela deve seguir as configurações essenciais
presentes nas outras casas do conjunto. Ou seja, essa edificação deverá seguir o tipo
das edificações do quarteirão.
Ao fazer essa análise, Carvalho (2011) percebera algo patente aos olhos de muitos,
mas que não fora traduzido em termos arquitetônicos. Ele, como filósofo, limitara-
se apenas a dizer que existe uma “estética” coerente e um “diálogo” entre estilos, e
que isso possibilita a percepção de uma continuidade histórica entre as edificações.
Quando ele fala em cidades com “estética coerente”, podemos entender cidades
com tecidos urbanos de bom rendimento edilício. E o que permite o “diálogo” entre
diferentes “estilos”11 nada mais é que o “tipo” descrito por Caniggia e Maffei (2008).
11
O “estilo” de uma edificação só consegue ‘dialogar’ com outros estilos de tempos distintos (CARVALHO, 2011, s.p.)
quando esse “estilo” não é uma expressão individual, romantizada, mas sim quando – sobretudo na arquitetura – “é
a escolha de princípios que coordenam o ato construtivo do artífice”, e que é reconhecível pela frequência de certos
elementos e pela repetição de algumas estruturas tectônicas já experimentadas (STRAPPA, 1995, pp. 26 e 29,
tradução nossa). Toda edificação genuína é a materialização do tipo de uma área: sua ‘função’ é algo prático e
simbólico e se reflete na distribuição hierárquica de vãos e recintos que são colocados de pé pela ‘tectônica’, e essas
duas se expressam por meio de uma ‘linguagem’ – um “estilo”. Esse processo de como o tipo de uma área se
materializa em diversas edificações ao longo do tempo foi descrito em detalhes por Giuseppe Strappa (1995).
42 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Figura 5: Florença Fonte: Acervo do autor. Tipo pode ser descrito como um conjunto, ou "patrimônio de características
comuns" de algo (STRAPPA, 1995, p.24, tradução nossa). Para a escola italiana de
morfologia, o "tipo" precede a "intervenção". Ele funciona como uma "pré-projeção
daquilo que será o objeto realizado, terminado, mesmo sendo anterior à fisicidade
mesma do próprio objeto" (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, p. 53, tradução nossa).
Podemos observar a existência do tipo, por exemplo, em cidades e vilas históricas,
ou até favelas.12 Nelas, nenhuma casa é absolutamente igual à outra. Porém, todas
são semelhantes, formam um conjunto edificado coeso, apresentam o mesmo
conjunto de características – o mesmo tipo.
12
E essa manifestação do tipo em cidades históricas e favelas revela a possibilidade de que ideias da escola italiana
de morfologia urbana possam ser abarcadas pela ideia de ‘imaginário coletivo’ de Olavo de Carvalho (2012).
Rendimento e traçado urbano 43
Desse modo, tipo pode ser sintetizado como o produto da consciência espontânea
radicada no imaginário coletivo, formado pelo universo de elementos físicos ao
nosso redor (CANIGGIA E MAFFEI, 2008; CARVALHO, 2012; STRAPPA, 2012).
Portanto, não podemos restringir o tipo a uma categoria taxonómica, que exprime
apenas uma das características de uma edificação, como a sua função de comércio
ou residência. E isso é particularmente sensível ao tratarmos de forma como
"aspecto visível de uma estrutura", forma que resulta de um processo que pode ser
"conhecido e indagado racionalmente" (STRAPPA, 2019, p. 3).
44 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Mas existem divergências entre as definições do rendimento. Marzot (2015, pp. 50-
51, tradução nossa) define o rendimento como "o tempo necessário para
reestabelecer uma condição de equilíbrio após um contexto edificado ter sido
afetado por uma mudança". No entanto, se é fato que um contexto edificado leva um
certo tempo para ‘assimilar’ uma nova edificação, tampouco o rendimento pode ser
considerado simplesmente como um arco temporal. Para Caniggia e Maffei (2008),
uma edificação levará mais tempo para ser assimilada na medida em que menor for
seu rendimento, sua adaptação em relação ao ambiente. Ou seja, o tempo é um dos
fatores presentes no rendimento, mas não o próprio rendimento.
Para Caniggia e Maffei (2008, pp. 51-52), todavia, o rendimento pode verificar apenas
o ‘antes’ e o ‘depois’, em função do tempo e das obras necessárias às adaptações do
contexto à intervenção. Porém, isso não impede de verificar a qualidade do processo
46 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
em si, uma vez que é possível analisar a qualidade do estado anterior e antever
possíveis resultados de uma intervenção, ou avaliar a situação post operam. Assim,
é possível avaliar o rendimento de cada fase de um conjunto edificado a partir da
análise de cada nova intervenção.
Na escala do território, o rendimento diz respeito à aptidão de uma área para uso do
homem. Se no rendimento edilício, intervenção e contexto eram de uma mesma
natureza, no rendimento territorial temos duas coisas distintas: a estruturação
natural e a estruturação antrópica. Porém, a relação entre intervenção e contexto
permanece: é necessário identificar as características e potencialidades do contexto
para, então, aproveitá-las na intervenção.
Nesse sentido, pode-se dizer que tal ideia de rendimento se aproxima da noção de
aptidão, ou suitability, formulada por McHarg (1971). Porém, o conceito de Carlotti
se relaciona mais com a ideia caniggiana da formação de territórios antropizados. O
rendimento territorial serve para avaliar a adaptabilidade e as resistências
morfológico-ambientais à antropização e à mutação do sistema de relações
socioeconômicas de um território.
Cada território possui formas naturais que, por sua vez, apresentam uma ‘coerência
intrínseca’. Cada promontório corresponde ao fundo de vale que o delimita, e seus
formatos são interdependentes.13 Se o rio faz uma curva aqui, a cumeada faz uma
curva lá. Isso ocorre porque cada uma dessas estruturas naturais, com seus formatos
peculiares, resulta de um longo processo no qual fatores tectônicos, características
do solo, clima e pluviosidade de uma área desempenham seu papel (CANIGGIA E
MAFFEI, 2008, p. 216). E, desse modo, nota-se uma hierarquia natural, orográfica e
hidrográfica, visível de modo particular na distribuição de cumeadas e talvegues.14
13
“Promontório” é uma “porção de território individuada por ter uma espécie de unidade”, que emerge em relação
ao território circunstante, e que apresenta uma “autonomia dada por uma delimitação natural” (CANIGGIA E
MAFFEI, pp. 244-245, tradução nossa); uma espécie de ‘unidade de relevo’.
14
Podemos citar o exemplo das bacias hidrográficas, que nada mais são que estruturas hierárquicas de linhas de
talvegue, e que, a partir da obra de Ian McHarg (1971), têm sido utilizadas como unidades de planejamento territorial,
precisamente graças à sua hierarquização – perceptível a partir do quanto uma bacia se ramifica por um território.
Rendimento e traçado urbano 51
Maringá é definida por muitos como uma ‘cidade-jardim’, graças à consideração das
formas do sítio e outras pré-existências no projeto de seu traçado, cujo arranjo lhe
conferiu uma identidade peculiar. Diante disso, que qualidades desse traçado
podem ser associadas ao rendimento na avaliação de cidades novas? Para identifica-
las, efetuo uma leitura morfológica. ‘Leitura’, no sentido dado por Caniggia e Maffei
(2008, pp. 65-66), é a análise do conjunto com vista à projetação – diferente da
simples ‘análise’, que é o exame das partes de algo em si mesmo, sem
necessariamente ter por finalidade a projetação (ANÁLISE, 2020; ANALYSE, 2020). E
15
Três são os desenhos desse “ante-projéto”, fases da concepção de um mesmo plano para Maringá. O primeiro
apresentava um traçado com partes bem definidas, mas um conjunto ainda não aparecia totalmente coeso. As
modificações em seu desenho, provavelmente feitas durante conversas – como indicam as anotações e desenhos
feitos com lápis de diversas cores –, deram origem à segunda versão do “ante-projéto”. Essa segunda versão do
“ante-projéto” para Maringá apresentava maior compatibilização entre as partes, e foi passada a limpo em um
terceiro desenho com mais detalhes técnicos. É sobre esse terceiro desenho que faço essa leitura.
56 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Figura 11: Território e Ferrovia. Fonte: IBGE, EMBRAPA, CPLA, IAP e Open Street Maps (editados pelo autor).
60 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
18
Pode-se argumentar que Maringá não está deslocada sobre uma cumeada secundária, mas assentada sobre a
cumeada principal. Porém, esse argumento cai por terra ao observarmos que a cumeada territorial na qual Maringá
se assenta apresenta uma topografia suave, diferente daquelas cumeadas italianas descritas por Caniggia e Maffei
(2008). Logo, a primeira e a segunda fase desse primeiro ciclo de ocupação do território podem ser identificadas em
um mesmo local, e, em um processo planejado, até ao mesmo tempo.
Maringá, leitura morfológica 61
Figura 12: Traçados das cidades plantadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Notem-se os percursos de cumeada em vermelhos e os traçados rurais e urbanos
desenhados pela CTNP. Em sentido anti-horário, as cidades de Londrina, Cambé, Rolândia e Arapongas. Note-se o desenho formal, com vias ortogonais, arrematado por vias
restringidas pela topografia do sítio. Fonte: Museu da Imigração de São Paulo.
62 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
19
Rios e afluentes que podem ser entendidos em três categorias. A primeira é a de delimitador territorial, que é o
caso dos rios Paranapanema e Ivaí. A segunda é constituída pelos delimitadores da área de influência da cidade,
como no caso do rio Pirapó. E a terceira categoria é dos delimitadores urbanos, como os córregos lindeiros à área
urbana projetada. Duas cumeadas ligam diretamente a cumeada territorial a esses limites. E, se pensarmos ainda na
cumeada territorial como dividida no sentido do rio Paraná e no sentido da cumeada do Tibagi, é possível afirmar
que a área de Maringá apresenta quatro ‘braços’: dois representados pela cumeada territorial nos sentidos Leste e
Oeste, e as duas cumeadas secundárias que atingem os rios, possibilitando o contato com outras áreas do território.
Tais cumeadas, somadas às unidades de relevo, forneciam condições favoráveis à expansão do traçado de Maringá,
como veremos mais adiante.
Maringá, leitura morfológica 63
Figura 14: Topografia tridimensional da área de Maringá (deformação Z de 10 vezes no Grass). Fonte:
Elaborado pelo autor.
64 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
20
Na área do plano Vieira, a unidade de relevo mais facilmente distinguível é aquela compreendida entre os
córregos Cleópatra e Moscados – um promontório com três quilômetros na direção Sul. Além dele, o promontório
a leste, entre os córregos Merlo e Moscados, pode ser facilmente percebido. Enquanto isso, o promontório entre o
córrego Cleópatra e Betty a oeste, e as demais unidades de relevo só podem ser observadas de uma escala mais
ampla.
Maringá, leitura morfológica 65
marcada pelo asterisco, foi colocada em uma região mais plana do sítio. Em
hachurado temos o “Maringá Velho” – assentamento provisório assentamento
provisório anterior à cidade, absorvido no Plano Vieira. Em traço contínuo, temos a
Avenida Brasil; em pontilhado, os antigos acessos ao Maringá Velho; e, em traço-
ponto, as estradas abertas pela Companhia para dar acesso às áreas rurais: de Oeste
a Leste, no sentido norte, temos a Estrada São José (A), a Estrada Mandacaru (B), a
Estradinha (C) e a Estrada Morangueira (D). E, na direção Sul, temos a Estrada
Cleópatra (E). Note-se como todas elas nasciam na avenida Brasil. E, no caso
particular da estrada Morangueira (D), observe-se como seu desenho parte do
centro principal.
Figura 15: Estruturas antrópicas anteriores ao Plano Vieira. Fonte: Museu da Bacia do Paraná (adaptado pelo autor).
66 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
21
O termo “canteiro”, aqui, serve para designar logradouros públicos arborizados ou ajardinados – que podem servir
como praças, mas que não foram especificados por Vieira em seu Plano. Nesse sentido, o termo “canteiro” pode ser
entendido como pertencente ao conjunto de áreas livres públicas da cidade, não sendo vinculado necessariamente
à ideia de sistema viário, como no caso dos “canteiros centrais” – termo utilizado pelo Código de Trânsito Brasileiro
(BRASIL, 1997) – ou “canteiros de avenidas”, utilizado como sinônimo. A diferença entre o termo geral “canteiro” e
o termo “canteiro central” ficará patente mais adiante, à medida que visualizarmos o Plano Vieira.
Maringá, leitura morfológica 67
2.3.1. Centros
O centro principal foi desenhado ao sul da região central, ligado à estação ferroviária
por uma avenida. Seu traçado era composto por três praças e quatro canteiros
rodeados por um conjunto de edifícios públicos e pela igreja matriz (Figura 17).23 O
conjunto edificado foi disposto em cinco quadras que, juntas, formavam um
quadrilátero dentro da região central e um crescent, ou semi-círculo, na porção
mais ao sul do conjunto – delimitado a leste e a oeste por duas avenidas que
confluíam na direção do promontório sul. Assim, o centro cívico foi encaixado no
limite Sul e não no centro geométrico da região central de cidade – porém, foi
22
De fato, a praça central de Maringá não coincide com a praça da estação ferroviária – que constituía o ponto de Figura 17: O centro principal ao
partida do traçado da cidade e o ponto de chegada de seus visitantes. Ao contrário, essas “duas praças distintas estão sul da estação ferroviária.
conectadas por uma avenida larga e importante”. Esse eixo, arrematado por essas duas praças, “destaca-se no Detalhe do plano Vieira para
desenho da cidade como seu elemento principal: uma via de aproximadamente 46 metros de largura e 600 metros Maringá. Fonte: Museu da Bacia
de comprimento, com canteiro central e passeio de pedestres” (REGO, 2001, p. 1575). do Paraná.
23
Duas dessas praças foram desenhadas com formato circular, enquanto a praça no meio do conjunto foi desenhada
como um quadrilátero subdividido em quatro partes, com uma fonte luminosa circular ao centro.
68 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Desenhados como pontos focais da cidade e de seus bairros, esses centros formaram
os pontos de “origem” a partir dos quais os bairros tomaram forma, sendo
arrematados pelos limites dados pela topografia. Assim, cada um desses centros,
colocados sobre pontos importantes do relevo, comanda a estruturação de cada
bairro e pode ser entendido como polo urbano, 24 seja como ponto do qual partem ou
para onde se dirigem os percursos – graças à sua coerência com o relevo. Na Figura
Figura 18: Alguns dos centros secundários executados. Em
19 temos alguns dos centros de Maringá sobre o relevo. Linhas esfumadas
sentido horário, as praças: Pedro Álvares Cabral, Regente Freijó, representam as cumeadas (e a mais espessa é a cumeada territorial). Linhas
Mons. Bernardo Cnudde e Ari Barroso. Fonte: Museu da Bacia
do Paraná. pontilhadas correspondem às curvas de nível presentes no plano Vieira. Em
tracejado, a ferrovia. O asterisco marca a parada do trem. A letra (A) marca o centro
principal. As letras (B), (D) e (E) marcam os centros localizados nas cumeadas
secundárias. E as letras (C) e (F) marcam os centros sobre linhas de escoamento.
24
Sobretudo por apresentarem uma condição de “polaridade”, necessária à formação de um organismo urbano
(CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 137-138 e 171-173)
Maringá, leitura morfológica 69
Além dessa coerência dos centros projetados com o relevo, é possível observar uma
hierarquização nessa rede de centros principais e secundários do plano Vieira. Por
meio dessa hierarquia de – pelo menos dois – centros definidos, pôde-se estabelecer
uma relação de proporção entre as partes do projeto, enfatizando e subordinando
cada uma delas.
Figura 19: Alguns dos centros de Maringá sobre o relevo. Fonte: Museu da Bacia do Paraná, adaptado pelo autor.
numa hierarquia muito clara entre o elemento principal do plano e seus centros
secundários” (REGO, 2001, p. 1575). Isso conferiu à cidade uma identidade própria,
gerada pelas formas desenhadas intencionalmente consoantes ao relevo do sítio e
pela unicidade dos traçados dos bairros, que formam um conjunto coeso e
hierarquizado por seus centros.
2.3.2. Bairros
O desenho das avenidas e ruas de cada bairro foi feito combinando linhas retas e
curvas. Podemos notar a ortogonalidade da área central, com sua praticidade e
imponência, e o aspecto pitoresco dos bairros, com suas perspectivas mais
adaptadas aos pormenores do relevo. “[A]s vias de traçado ortogonal são
proporcionalmente mais curtas que as vias curvas e irregulares, menos monótonas
e mais variadas”. Além disso, “[a]s retas desenhadas pelas primeiras têm definidos
seus pontos iniciais e finais, garantindo, deste modo, um limite e um atrativo à
paisagem da rua” (REGO, 2001, p. 1574). É só a partir desse aspecto morfológico – da
colocação dos bairros sobre os promontórios e do desenho de seu traçado – é que se
pode compreender a setorização dos bairros.
Maringá, leitura morfológica 71
Para onde quer que se olhe no plano Vieira, é possível verificar uma hierarquização,
desde a escolha do relevo ao posicionamento dos centros – o que se refletiu na neta
separação entre o traçado imponente e retilíneo do centro e o traçado curvo e
pinturesco dos bairros. É possível perceber que Vieira distinguiu os bairros por meio
dos centros e da continuidade dos percursos em correspondência das unidades de
relevo. Em correspondência da importância de cada um desses bairros, os centros,
percursos, praças, edificações e equipamentos públicos foram hierarquizados.
25
Vias retas indefinidas eram consideradas como ‘monótonas’, destruindo a paisagem urbana. E deveriam ser
combinadas com algumas vias curvas, sobretudo nas áreas centrais, onde grandes edifícios públicos seriam
implantados ou onde se buscasse um efeito imponente (UNWIN, 1909, pp. 237-269 e 299).
72 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Notemos como os bairros são separados, distintos uns dos outros, pelas avenidas.
Com isso, as ruas dos bairros não continuam indiscriminadamente, como ocorreria
em um grid ortogonal. Ao contrário, projetaram-se desencontros entre as ruas de
um bairro e de outro. Cada rua termina em uma avenida – que, nessa situação,
assume um papel delimitador; e, para facilitar esta leitura, tais avenidas podem ser
entendidas como ‘percursos delimitadores’. Esse desencontro é visível de modo
Maringá, leitura morfológica 73
particular na área central, cujas ruas não continuam na direção dos bairros ao sul,
mas param na avenida que os separa.
Figura 20: Desencontros das vias de bairro entre a área central comercial e os bairros residenciais.
Detalhe do plano Vieira para Maringá. Fonte: Museu da Bacia do Paraná.
porém seguindo o mesmo desenho, como é o caso das avenidas que ladeiam o centro
principal, cujos fluxos adentram outros bairros sem interrupção. E o terceiro modo
é identificado pela articulação das vias por meio das rotatórias, como no caso das
principais avenidas da cidade, que formam uma rede intrincada na qual as avenidas
não podem ser separadas umas das outras sem dano para o conjunto.
Com isso, pode-se notar no plano Vieira uma atenção não apenas à individualidade
proporcionada pelo relevo, ou à unicidade gerada pelos limites, mas também à
Maringá, leitura morfológica 75
Figura 22: Vias retas e curvas se intercalam no desenho de Vieira. Em cinza, a área central, um
quadrilátero xadrez. Em laranja, dois grids delimitados por avenidas curvas. Em verde, um grid curvo
moldado pelas vias delimitadoras dos bosques. Em azul, bairros residenciais, com um traçado
curvilíneo. Em amarelo, um traçado de transição entre a área central ortogonal e o traçado curvilíneo
dos bairros residenciais em azul. Por fim, em roxo, a zona industrial com suas ruas oblíquas à ferrovia,
de modo a permitir o acesso aos comboios. Fonte: Museu da Bacia do Paraná, adaptado pelo autor.
78 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Passando desse sistema de avenidas e redondos para o interior dos bairros, é possível
verificar que o traçado foi projetado aí com ruas desenhadas seguindo a disposição
das principais avenidas que delimitavam os bairros. Na região central, e em alguns
outros bairros, a configuração das vias se apresentava por um traçado xadrez, com a
replicação do formato dos percursos estruturantes, contido pelos percursos
delimitadores. E, no caso da área central, além do relevo plano, tal arranjo
encontrava respaldo na necessidade de garantir uma imagem de imponência por
meio de um traçado retilíneo.
Já em alguns outros bairros, o traçado era composto por vias curvas, adaptadas as
curvas de nível, que replicavam o formato dos percursos delimitadores. E, além
disso, costurando essas vias curvas, vias perpendiculares retilíneas conectavam os
limites aos eixos e centros desses bairros. O desenho dessas vias retas provinha do
rebatimento de alguns percursos estruturantes que definiam o comprimento das
vias curvas. E seu formato e disposição puderam proporcionar, desse modo, um
aspecto pinturesco, uma fluidez no tráfego e uma economia de gastos construtivos.
nas ruas dos bairros, elas compunham o fechamento das perspectivas, em que as
ruas não continuavam e, ao contrário, terminavam com a vista da edificação.
Tais edificações contavam com quadras exclusivas para elas, resultando que os
edifícios foram projetados soltos dentro das quadras, ainda que relativamente
alinhados às vias ou às esquinas. De todo modo, o papel dessas edificações dentro do
traçado não é de pouca monta, e é uma pena que muitos não tenham sido executados
como Vieira previra, pois a lógica de sua disposição deveria reforçar a paisagem
urbana e territorial.
Quanto à vegetação, não posso mais que fazer eco às análises de Meneguetti (2007)
e, particularmente, de Rego (2001, p. 1576). Durante a implementação do plano
Vieira, em 1949, a Companhia trouxe um engenheiro florestal – Luiz Teixeira
Mendes, conhecido de Macedo Vieira – para prover a arborização dos diversos
canteiros da cidade. Assim, o projeto dos canteiros centrais nas avenidas e de
canteiros variados nas praças e redondos do traçado projetado conferiu uma
qualidade ímpar no que tange à percepção visual da cidade. E isso serviu como
arremate à hierarquização das partes dispostas de maneira orgânica sobre o relevo,
tornando visível ao transeunte essas características do traçado urbano, o que gera
uma impressão visual que corrobora na formação do imaginário coletivo.
CAPÍTULO III
No segundo capítulo, identifiquei como o traçado projetado por Vieira para Maringá
apresentava coerência e organicidade, ainda que de modo acidentalmente
diferente, mas essencialmente semelhante à lógica caniggiana. Identifiquei como a
hierarquização dos centros conferia unicidade aos bairros; como os percursos
delimitadores conferiam individualidade e distinção a cada um desses bairros. E,
além disso, identifiquei como a continuidade dos percursos estruturantes e
84 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Assim, o que faço, chegado a este último capítulo, é a validação desses parâmetros,
de modo a testar sua usabilidade na avaliação e projeto de novos traçados urbanos.
Para isso, seleciono uma área de 1.579.260,37m² (1,58km²), localizada a sudoeste do
perímetro original planejado por Vieira, na confluência entre os córregos Betty e
Cleópatra, na atual Zona 20 do município de Maringá. Nessa área, faço a avaliação do
rendimento do traçado existente (posterior ao Plano Vieira). Em seguida, parto para
a elaboração de uma proposta projetual: uma nova área urbana (hipotética) como
continuação de Maringá segundo os parâmetros supracitados sobre a área do
traçado avaliado. Faço um comparativo entre os resultados obtidos sobre o traçado
atual, sobre a proposta desenvolvida e sobre a legislação vigente de parcelamentos
urbanos em Maringá. E, por fim, teço algumas considerações sobre o rendimento e
o processo de projeto, e sobre a possibilidade de integração do conceito de
rendimento com outras áreas da morfologia urbana e mesmo outros campos do
conhecimento.
Por fim, para validação dos parâmetros, faço a análise tanto dos elementos do
traçado atual e como da proposta desenvolvida. E comparo-os com a atual legislação
em vigor, com a finalidade aferir aplicabilidade e viabilidade desses parâmetros de
avaliação. Com isso, teremos o processo de validação dos parâmetros desenvolvidos
nesta pesquisa, tanto para a avaliação de traçados urbanos já consolidados como
para a avaliação de decisões projetuais – objeto deste mestrado em Metodologia de
Projeto em Arquitetura e Urbanismo.
3.1. A Zona 20
Antes de mais, é necessário analisar as formas naturais do sítio e identificar sua
hierarquia. Para isso, utilizo o levantamento de curvas de nível fornecido pela
Prefeitura do Município de Maringá, com isolinhas de cinco em cinco metros. A
partir desse levantamento, gero um modelo digital de elevação da área (MDE).
Figura 23: Mapa do relevo e declividade de Maringá com a área do plano Vieira e a área de intervenção. Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 89
Entretanto, seja para analisar que para propor algo, é necessário compreender seu
entorno como um todo. Desse modo, é possível identificar dois caracteres a partir da
topografia do sítio. O primeiro é o conjunto de cumeadas que, partindo da cumeada
extraterritorial – i.e., que ultrapassa os limites do território da Companhia – se
ramificam até as pequenas cumeadas dentro do promontório. E o segundo é o
conjunto de rios e córregos que compõem a bacia correspondente.
Junto à porção trabalhada temos uma cumeada secundária que se bifurca, formando
um primeiro polo, que, nessa área, constitui o polo mais importante. Mais ao sul, as
cumeadas resultantes continuam até o fim do promontório, bifurcando-se cá e acolá
em cumeadas locais. Quanto maior o número de bifurcações, quanto mais plano o
seu relevo, e quanto mais conectados aos outros espigões, mais importantes esses
polos. Com isso, temos um polo principal, dois secundários, e, pelo menos, dois polos
intermediários, entre polo principal e polos secundários, e dois polos limítrofes, nos
arrabaldes do promontório.
Enquanto isso, temos três fundos de vale que dão forma ao promontório. Esses
fundos de vale com seus aclives constituem, ao mesmo tempo, os limites e os nós de
encontro entre diferentes promontórios. E, integrados à bacia hidrográfica ao sul de
Maringá, tais fundos de vale também são potenciais corredores ecológicos. A partir
dessas três componentes – polos, cumeadas e fundos de vale –, efetuo a leitura da
situação atual e o desenho de um novo traçado urbano.
90 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Figura 24: Parcelário atual de Maringá sobre o relevo, compreendendo o Plano Vieira e as expansões urbanas (escala 1:50.000). Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 91
É possível perceber que o traçado dos novos bairros, diferente do que ocorria no
plano original de Maringá, não é arrematado por percursos delimitadores formados
por avenidas contínuas. Desse modo, a área analisada não apresenta a hierarquia e a
delimitação desejável para garantir a unicidade e identidade do lugar. Diferente do
padrão pré-existente, as vias de bairro não se conectam com os percursos
estruturantes e com aqueles delimitadores. Ocorre então a divisão que é lugar
comum entre via arterial, coletora e local, diferente do que ocorria anteriormente
entre avenidas e ruas – que se encontravam obrigatoriamente umas com as outras.
Além disso, a disposição das quadras, ora oblongas no sentido Leste-Oeste, ora no
sentido Norte-Sul, além existência de pequenos condomínios fechados, impede a
continuidade das vias de bairro (Figura 25).
Avaliação do rendimento urbano 93
Figura 25: Atuais avenidas de Maringá, compreendendo o Plano Vieira e as expansões urbanas. Fonte: Elaborado pelo autor.
94 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Como cada lote rural foi dividido em um ou mais loteamentos, e como cada um deles
foi projetado de maneira diferente, o que se percebe em diversos pontos é um
conjunto de ruas sem saída. Sendo um parcelamento rural que não previa a
expansão urbana que ocorreu, o parcelamento rural não apresentava grande riqueza
de elementos urbanos, ou uma disposição para tal. E, talvez por praticidade,
tampouco as estradas rurais e os limites dos lotes foram desenhados seguindo os
pormenores do relevo.
Assim, pode-se afirmar que a configuração dessa expansão urbana de Maringá não
apresenta uma organicidade baseada na interdependência dos elementos do
traçado, nem uma coerência com o relevo do sítio e com o traçado urbano anterior
do plano Vieira. Sendo uma área de configuração serial, com ruas em offset, sem
centros secundários, percursos estruturantes, delimitadores e acessos bem
definidos, a hierarquização das vias diz respeito apenas ao tráfego, sem maior
unicidade e individualidade. E, com isso, o que se percebe é quase uma outra cidade,
sem rendimento urbano, diferente do legado do “ante-projéto”.
Avaliação do rendimento urbano 95
Seguindo a lógica da Design Science Research, uma vez verificado que é possível
fazer a avaliação de outras áreas urbanas a partir do rendimento, elaboro uma
proposta projetual de modo a verificar se é possível desenhar um novo traçado
urbano seguindo os parâmetros elencados no início do capítulo. A partir das três
componentes mencionadas anteriormente – polos, cumeadas e fundos de vale –,
desenho esse novo traçado urbano. Traço primeiro os percursos, centros e quadras
de toda a área circunstante; e, em seguida, detalho o desenho dos lotes da área
pormenorizada. Vale salientar que a proposta que desenvolvo diz respeito apenas ao
promontório da Zona 20. Desse modo, mantive as conexões com outros bairros de
expansão urbana fora do Plano Vieira, em particular a avenida Nildo Ribeiro da
Rocha e a rodovia denominada Contorno Sul, além da continuação da avenida
Nóbrega (que, atualmente, continua na avenida Joaquim Duarte Moleirinho).
a. Processo de projeto
O primeiro passo dessa proposta foi a identificação das cumeadas, nós e pólos do
promontório em que está localizada a Zona 20 – mostrada anteriormente. Feito isso,
observei três possíveis fases de desenvolvimento para a área. Na primeira fase, o
traçado é desenhado a partir da cumeada secundária que parte do plano Vieira. Esta
se torna o percurso estruturante da nova área urbana, chegando ao primeiro centro
secundário (no polo principal) – que funciona quase como um centro principal para
o promontório. A partir disso, observo a distância entre o polo principal e os polos
‘intermediários’, chegando a um raio de 800 metros, aproximadamente. Com isso,
traço os limites dessa primeira área em cerca de 500 metros, de modo que as vias
possam prosseguir desimpedidas e sem fortes declives desde o plano Vieira e dando
96 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Depois disso, temos uma segunda fase de expansão urbana na direção do polo
secundário leste, com uma avenida ligando o polo principal e esse polo secundário,
passando pelo polo intermediário. Como essa estruturação está mais próxima da
área consolidada, há a necessidade de uma expansão urbana na direção do córrego
Cleópatra. O limite dessa segunda fase nasce do limite da primeira fase, prolonga-se
ladeando o fundo de vale e é finalizado ao encontrar uma circunferência ao redor
desse centro secundário leste. Há ainda uma terceira fase de expansão, dessa vez a
oeste, semelhante à segunda fase, porém mais alongada na direção sul – com uma
avenida ligando os polos e uma expansão urbana em direção aos arrabaldes,
delimitada consoante ao córrego Borba Gato. O resultado é semelhante ao que Vieira
desenhou na Zona 3, na Zona 4 e na Zona 5 (Figura 26).
Desenho esse conjunto de estruturas urbanas a partir dos percursos, nós e polos já
presentes no relevo natural da área. A partir da cumeada secundária que parte do
plano Vieira, tenho um grande percurso estruturante para a nova área urbana,
chegando ao primeiro centro secundário. Duas avenidas partem desse primeiro
centro em direção aos outros polos – nos quais desenho os outros centros
secundários –, aproximando-se o máximo possível das cumeadas, utilizando um
desenho ora retilíneo e curto, ora curvo e mais alongado. Busca-se a conexão entre
todos os polos, sobretudo por meio desses percursos estruturantes alinhados às
cumeadas e de outras avenidas cuja função é a de conectar os centros aos arrabaldes
do promontório. A partir do desenho das curvas de nível as outras vias são
delineadas. Tanto as ruas de bairro quanto os percursos delimitadores apresentam
uma declividade menor que 8%, graças ao seu formato. Todavia, uma leve pendência
se faz presente em cada uma dessas vias, de modo a possibilitar o escoamento
pluvial. E, com o distanciamento dos leitos dos rios, graças ao respeito às faixas de
declividade dos fundos de vale, tem-se a preservação das matas ciliares numa
distância de 200 metros do talvegue em média.
Avaliação do rendimento urbano 99
Figura 27: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:50.000). Fonte: Elaborado pelo autor.
100 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
b. Análise da proposta
O desenho proposto apresenta: 431 quadras loteáveis (59 delas totalmente dentro do
recorte pormenorizado e 24 no limite) e 58 canteiros e praças (10 totalmente no
interior do recorte, e três no limite); e 1585 lotes, 1339 apenas dentro do recorte.
Assim, soma-se um total 752.909,19m² de área loteável internas ao limite do
perímetro. As quadras estão desenhadas com medidas de aproximadamente
80x160m, consoante ao padrão do plano Vieira. Já os lotes seguem um padrão de
aproximadamente 12x40m, conforme a Lei 889/2011, que rege o atual parcelamento
urbano (MARINGÁ, 2011). Dentro do recorte temos avenidas de 35 metros de largura
e ruas com 20 metros entre uma testada de quadra e outra, conforme a legislação
vigente, totalizando 496.830,70m². Quanto às áreas verdes, temos 20.968,02m² entre
praças e canteiros, além de 307.708,71m² de bosques nos fundos de vale. Desse modo,
do total de 1.579.260,37m² do total bruto do perímetro analisado, 47,64% são lotes
internos ao perímetro, 31,50% são vias e 19,47% são áreas verdes. Os outros 1,39% são
compostos pelos acessos aos outros bairros além dos fundos de vale.
Avaliação do rendimento urbano 101
Figura 28: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:20.000). Em branco, as vias; em cinza claro, as quadras; em cinza escuro, os lotes comerciais; em verde
claro, as praças e canteiros; em verde escuro, os bosques. Fonte: Elaborado pelo autor.
102 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Comparemos com o atual desenho da Zona 20, composto por 1467 lotes em
1.172.674,51m² (1,17km²) e 451.894,46m² de vias, porém, sem áreas verdes previstas
(uma vez que as rotatórias não contam como áreas verdes na atual legislação). A
diferença entre a qualidade espacial de ambos é sensível, mesmo com um número
semelhante de lotes.
Figura 30: Novos lotes (escala 1:8000). Em cinza escuro, os lotes totalmente internos ao perímetro. Em cinza claro, os
lotes circunstantes e que tangenciam o limite da área analisada. Fonte: Elaborado pelo autor.
104 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Figura 31: Sobreposição dos traçados(escala 1:8000). Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 105
“praça, [ou] área do loteamento reservada ao uso comum e/ou especial do povo, para
recreação, lazer e atividades ao ar livre” (MARINGÁ, 2011). Todas essas são
definições vagas, como é natural a uma lei. Porém, não há definição da localização
de pontos importantes para tais áreas e equipamentos, à exceção da definição das
“vias paisagísticas”, que circundam os fundos de vale. Não se diz que as avenidas
principais devam buscar estar próximas às cumeadas, e que áreas como centros
comerciais devam estar próximas ao encontro dessas cumeadas, por exemplo. Há
apenas uma definição vaga de percentuais que são deixados à mão do empreendedor
que, não raro, não possui critério para a definição de áreas e equipamentos se
relacionam com outras áreas além dos limites de sua propriedade.
Essa é uma falha de legislação que, por um lado, define dimensões e limitações às
possibilidades de dimensionamento e organização dos lotes, e, por outro, deixa
indefinida a locação das áreas públicas, que, essas sim, deveriam ser de competência
do poder público. Assim, não é de estranhar a fragmentação e a baixa coerência com
o relevo dos novos traçados. Tudo é deixado à mercê de um grupo de indivíduos
(empreendedor e projetistas) que atua em média escala (a da gleba ou lote rural
parcelado em pequenos lotes urbanos), cuja necessidade mais imediata é a
rentabilidade que o parcelamento pode oferecer. E nenhum deles tem uma diretriz
concreta de projetação, a não ser a necessidade legal dos percentuais a serem
cumpridos e a prática comum do offset dos limites laterais dos lotes, e, às vezes, o
offset de vias pré-existentes.
Cada projetista e cada empreendedor tem ideias diferentes umas das outras. Não há
mais uma unidade na cultura, consciência espontânea ou tipo que torne possível um
amálgama coerente das diferentes intervenções que se fazem na cidade. Ao menos,
não as há por hora. E, sem uma circulação de ideias acerca da necessidade de atrelar
Avaliação do rendimento urbano 107
O que quero demonstrar, aqui, portanto, é que é possível projetar novos traçados
com rendimento urbano, sem, com isso, deixar de atentar ao aspecto de
lucratividade natural ao processo de parcelamento, e sem deixar de lado aspectos da
legislação atualmente em vigor. Isso, porém, deve ser feito sempre levando em conta
o que foi dito até este momento – compreendendo, portanto, tudo o que se dispôs
acerca da avaliação do rendimento urbano. E, para demonstrar a viabilidade de um
traçado hipotético como o desenvolvido nesta dissertação, mesmo sob a legislação
atual, faço a contabilização das áreas e seus percentuais, comparando-as aos índices
da Lei 889/2011 e aos índices obtidos no atual traçado da área pormenorizada.
Desenvolvo duas tabelas a seguir. Cada uma possui quatro conjuntos de dados com:
(a) os percentuais mínimos estipulados pela Lei 889/2011, os quantitativos das áreas
(b) do atual traçado da Zona 20 e (c) do traçado hipotético proposto, e (d) a diferença
de áreas do traçado hipotético menos o traçado atual da Zona 20. Cada tabela tem um
referencial. A primeira tem como referência a área total bruta do perímetro
analisado (1580328,69m²). Logo, os percentuais do atual traçado da Zona 20 e do
traçado hipotético são obtidos pela relação “área(m²)/área total do perímetro”. Já a
segunda tabela tem como referência a área líquida loteada (sem contar os fundos de
vale), seja do atual traçado da zona 20 como do traçado hipotético. Ou seja,
1046696,57m² e 752909,19m². Logo, a relação é de “área(m²)/área líquida loteada”.
108 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Tabelas 1 e 2: Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à (1) área bruta e à (2) área líquida loteada do perímetro analisado. Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 109
Observando os dois gráficos acima, produzidos a partir dos percentuais da tabela 1, Gráficos 1 e 2: Relação de percentuais (em relação
com as áreas da atual Zona 20 e do traçado hipotético comparadas à área total bruta à área bruta do perímetro) da (1) atual Zona 20 e (2)
do traçado hipotético (variação de até 0,67 pontos
do perímetro, notamos um maior equilíbrio percentual no traçado hipotético. Note- percentuais em relação à Tabela 1 – simplificação
se na tabela a diferença entre ‘área loteada’ e ‘area líquida loteada’ na atual Zona 20. dos resultados para apenas duas casas decimais).
Isso ocorre porque os loteamentos foram aprovados na área antes da Lei 889/2011, Fonte: Elaborado pelo autor.
qualidade urbana, com mais acessos e áreas livres, e, com isso, um maior potencial
para valorização da área ao longo do tempo.
Gráficos 3 e 4: Relação de
percentuais legais (em
Atual Zona 20 (área bruta) Traçado hipotético (área bruta) relação à área bruta do
Áreas de perímetro) da (1) atual Zona
Espaços livres de uso interesse público 20 e (2) do traçado
Espaços livres de uso
Equipamentos público 4,15% hipotético (variação de até
público
comunitários e 3,34% 1,69 pontos percentuais em
6,25%
urbanos Equipamentos relação à Tabela 1). Fonte:
1,70% comunitários e urbanos Elaborado pelo autor.
4,20%
Áreas de
interesse Demais
público áreas Demais áreas
0,00% 94,96% 85,40%
112 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Já no traçado hipotético, opto por verificar sua viabilidade em uma situação menos
ideal. Assim, delimito seu perímetro sem abranger centro algum. E sigo a prática
comum de escolher quadras menos privilegiadas para cessão ao Município. Logo,
temos equipamentos comunitários e urbanos em quadras menos ortogonais, áreas
de interesse público em quadras sem contato direto com avenidas, e espaços livres
de uso público em canteiros e nos 25% de fundo de vale. Todavia, os resultados
surpreendem, pois, graças à aplicação dos parâmetros do rendimento urbano nesse
traçado hipotético, é possível verificar que as áreas requeridas pela atual legislação
são de fácil acesso e com boa qualidade urbana – e que isso pode ser alcançado
mesmo em uma situação de possíveis conflitos de interesse. Destarte, pode-se
afirmar que o rendimento urbano, passando pela morfologia e pelo imaginário
coletivo, pode auxiliar na resolução de problemáticas socioambientais e legais.
Conclusão
Feita essa verificação, pode-se resumir em três fases a avaliação e a projetação de
um traçado urbano a partir do rendimento. A primeira fase é a leitura e
compreensão da realidade existente, e pode ser feita por intelectuais e arquitetos. A
segunda é o planejamento das novas áreas urbanas, e pode ficar a cargo de um ente
que atenda a diversos grupos sociais. Todavia, na ausência de um único indivíduo,
pode-se delegar tal responsabilidade a organismos como conselhos ou mesmo ao
Estado, que deve proporcionar as principais infraestruturas para o desenvolvimento
urbano sem maiores ingerências nos seus pormenores.
Por fim, a terceira fase pode ser delegada aos grupos ou indivíduos em geral, como
profissionais e escritórios que, regrados por diretrizes comuns, deverão desenvolver
traçados distintos, porém coerentes. Assim, os diversos projetos entre as principais
estruturações gerarão uma diversidade de resultados que, coerentes entre si,
poderão dar à cidade uma maior qualidade sem deixar de atender aos interesses de
cada indivíduo ou grupo, como a obtenção do lucro devido ao investimento feito –
com um rendimento econômico.
Vale salientar que cada uma dessas fases pode ser objeto de reavaliação e seus
resultados podem servir para retroalimentar o próprio método. Isso é verdade em
relação à primeira fase, cujo quadro a ser ‘lido’ muda constantemente na medida em
que a cidade cresce, e, sobretudo, nas duas últimas fases. Tanto a segunda quanto a
terceira fase não são fases estanques. Ao contrário, cada plano para a cidade e cada
projeto de loteamento urbano deve ser visto e revisado, e seu processo projetual
114 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
Fazendo a retrospectiva de tudo quanto foi dito nesta dissertação, posso afirmar que
o termo rendimento carrega diversas acepções, sendo empregado em diferentes
áreas. A partir de sua origem latina, foi possível transpor o conceito da escola de
morfologia italiana para a língua portuguesa utilizando o mesmo termo. Até então, o
rendimento traduzia, na morfologia urbana, a relação entre edilícia e conjunto
edificado, medida pela coerência tipo. E, além disso, a relação entre território
natural e uso antrópico, desembocando na hierarquização de assentamentos e
núcleos urbanos a partir de sua extensão geográfica delimitada pelo relevo.
Verifiquei como, em ambos os casos, o rendimento revelava uma relação entre um
‘algo novo’ e um ‘universo existente’, entre um ‘artefato’ e um ‘contexto’. A partir
disso, pude transpor o conceito de rendimento da escala da edificação e da escala do
território para a escala intermediária da cidade. E, com isso, pude atribuir uma
terceira acepção ao conceito de rendimento no estudo da forma das cidades, o
rendimento urbano.
Uma última observação: nesse momento, preferi manter o termo rendimento como
originalmente utilizado pelos italianos, tanto por fidelidade à escola como pelo fato
do termo poder ser empregado tanto no português como ‘rendimento’, no inglês
como ‘yield’, e ‘rendement’ no francês. E isso sem nenhum risco de dar um
significado alheio àquele original, pois, mesmo que o termo ‘rendimento urbano’
possa soar como algo de cunho econômico, não deixa de ser verdade que um traçado
de bom ‘rendimento’ deve trazer um “retorno” em qualidade. Nosso investimento
são o relevo e as pré-existências, e nosso lucro é um traçado que sublime esse
substrato em qualidade urbana. Tornate alle origini e sarà um progresso.
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