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RENDIMENTO E TRAÇADO URBANO

Conceito, leitura, avaliação e projeto

Higor Ribeiro da Costa

Universidade Estadual de Maringá


2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
HIGOR RIBEIRO DA COSTA

RENDIMENTO E TRAÇADO URBANO


Conceito, leitura, avaliação e projeto

Dissertação apresentada ao Programa


Associado UEM/UEL de Pós-
Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Estadual
de Maringá, como pré-requisito para a
obtenção do título de mestre.

Orientador: Prof. Dr. Renato Leão Rego.

Maringá, 2020
chr94@outlook.com
Universidade Estadual de Maringá
Centro de Tecnologia

RENDIMENTO E TRAÇADO URBANO


Conceito, leitura, avaliação e projeto

Higor Ribeiro da Costa


Orientador: Prof. Titular Dr. Renato Leão Rego

Mestre em Arquitetura e Urbanismo


Dissertação aprovada em 17 de março de 2020

Universidade Estadual de Londrina (UEL) Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Universidade Estadual de Maringá (UEM)


Ao Renato, pela aposta.
À comunidade ucraniana, pela adoção.
Aos meus amigos, pela paciência.
Ut in omnibus glorificetur Deus
RESUMO
Como avaliar o rendimento de um traçado urbano? Na presente dissertação
desenvolvem-se parâmetros de avaliação do rendimento de um traçado urbano.
Formulado por Gianfranco Caniggia e Gian Luigi Maffei, e utilizado posteriormente
por Paolo Carlotti, o rendimento está na base do arcabouço teórico da escola italiana
de morfologia urbana e reflete uma ideia de adaptação, aproveitamento e eficiência,
mas ainda não foi trazido para o universo lusófono. Além disso, tal conceito já foi
empregado em diversas áreas do conhecimento, e, no âmbito da morfologia, já foi
aplicado na compreensão de edificações e territórios. Porém, o rendimento ainda
não foi empregado na avaliação do traçado urbano e, particularmente, no projeto de
novas áreas das cidades. Desse modo, no primeiro capítulo da presente dissertação
interpreta-se o conceito, adaptando-o para a escala das cidades, com uma definição
lusófona específica. Para aplica-lo, faz-se uma leitura morfológica no segundo
capítulo, utilizando a cidade de Maringá como objeto, de modo a extrair parâmetros
de avaliação e projeto, que, por fim, são sistematizados no terceiro capítulo. Almeja-
se, portanto, com a presente dissertação, proporcionar uma compreensão mais
abrangente da cidade a partir de novos horizontes projetuais.

Palavras-Chave: Rendimento, cidades novas, forma urbana, traçado urbano,


projeto.
ABSTRACT
How to evaluate an urban layout’s rendimento (yield)? In this thesis, some
parameters for evaluating the rendimento of an urban layout are developed. The
concept of rendimento is at the bases of Italian School of Type-morphology
theoretical framework. It was formulated by Gianfranco Caniggia and Gian Luigi
Maffei, and reflects an idea of adaptation, profit and efficiency, but it was not yet
brought to the Portuguese language universe. Nevertheless, this concept was
already used in the comprehension of buildings and territories. However,
rendimento was not applied in urban layout evaluation, especially in new cities
areas design. Thereby, this concept in interpreted and adapted to the urban scale
with a Portuguese definition in chapter one. A morphological reading of the city of
Maringá is done in chapter two in order to apply this concept and extract evaluation
and design parameters which are systemized in chapter three. Therefore, this work
aims to enlarge city comprehension, with new design horizons.

Keywords: Rendimento, new towns, urban form, urban layout, design.


Lista de Figuras
Figura 1: Panorama da cidade de Orte, na Itália .......................................................................................................................................................................15
Figura 2: Vista aérea da cidade de Maringá ............................................................................................................................................................................... 26
Figura 3: Vista aérea de Maringá com parte das expansões ao norte da cidade .................................................................................................... 27
Figura 4: Delineamento da pesquisa. ............................................................................................................................................................................................ 29
Figura 5: Florença. .................................................................................................................................................................................................................................. 42
Figura 6: Favela dos Prazeres, Rio de Janeiro-RJ ..................................................................................................................................................................... 43
Figura 7: “Ante-projéto da cidade de Maringá no Estado do Paraná”, elaborado por Jorge de Macedo Vieira. .................................... 54
Figura 8: Delimitação da área de propriedade da Parana Plantations. ..................................................................................................................... 56
Figura 9: Parcelamento rural da área nos arredores de Maringá. ................................................................................................................................. 57
Figura 10: Esquema de ocupação das propriedades rurais delimitadas pela Companhia ................................................................................ 57
Figura 11: Território e Ferrovia ......................................................................................................................................................................................................... 59
Figura 12: Traçados das cidades plantadas pela Companhia ............................................................................................................................................ 61
Figura 13: Pré-existências naturais e antrópicas da área do plano Vieira .................................................................................................................. 62
Figura 14: Topografia tridimensional da área de Maringá. ............................................................................................................................................... 63
Figura 15: Estruturas antrópicas anteriores ao plano Vieira. ........................................................................................................................................... 65
Figura 16: Legenda das edificações e das áreas do plano Vieira. ................................................................................................................................... 66
Figura 17: O centro principal ao sul da estação ferroviária ............................................................................................................................................... 67
Figura 18: Centros secundários ....................................................................................................................................................................................................... 68
Figura 19: Centros de Maringá sobre o relevo......................................................................................................................................................................... 69
Figura 20: Desencontros das vias de bairro. .............................................................................................................................................................................. 73
Figura 21: Praças e canteiros ............................................................................................................................................................................................................. 74
Figura 22: Percursos estruturantes e delimitadores, configurações de vias retas e curvas............................................................................ 77
Figura 23: Mapa do relevo e declividade de Maringá com a área do plano Vieira e a área de intervenção ............................................ 88
Figura 24: Parcelário atual de Maringá sobre o relevo, compreendendo o plano Vieira e as expansões urbanas ............................. 90
Figura 25: Atuais avenidas de Maringá, compreendendo o plano Vieira e as expansões urbanas .............................................................. 93
Figura 26: Processo de projeto ......................................................................................................................................................................................................... 97
Figura 27: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:50.000). ......................................................................................................... 99
Figura 28: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:20.000) ......................................................................................................... 101
Figura 29: Situação atual da Zona 20 (escala 1:8000) .......................................................................................................................................................... 102
Figura 30: Novos lotes (escala 1:8000) ........................................................................................................................................................................................ 103
Figura 31: Sobreposição dos traçados (escala 1:8000) ....................................................................................................................................................... 104
Figura 32: Definição de áreas legais na atual situação da Zona 20 ................................................................................................................................ 111
Figura 33: Definição de áreas legais no traçado hipotético .............................................................................................................................................. 111

Lista de Tabelas
Tabela 1 : Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à área bruta do perímetro analisado ........................................... 108
Tabela 2: Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à área líquida loteada do perímetro analisado ....................... 108

Lista de Gráficos
Gráfico 1: Relação de percentuais (em relação à área bruta do perímetro) da atual Zona 20....................................................................... 109
Gráfico 2: Relação de percentuais (em relação à área bruta do perímetro) do traçado hipotético ........................................................... 109
Gráfico 3: Relação de percentuais legais (em relação à área bruta do perímetro) da atual Zona 20 .......................................................... 111
Gráfico 4: Relação de percentuais legais (em relação à área bruta do perímetro) do traçado hipotético ............................................... 111
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 15

1. RENDIMENTO E TRAÇADO URBANO 35

1.1. Etimologia e usos 37


1.2. Rendimento na escala da cidade 50

2. MARINGÁ, LEITURA MORFOLÓGICA 55

2.1. O território da Companhia 56


2.2. Uma cidade nova sobre pré-existências 62
2.3. Elementos característicos do Plano Vieira 66

3. AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO URBANO 83

3.1. A Zona 20 87
3.2. Legislação atual: parâmetros e índices 105

CONCLUSÃO 113

REFERÊNCIAS 115
Introdução
Como avaliar o rendimento de um traçado urbano? Tal pergunta constitui o cerne
da presente pesquisa. Desenvolvido originalmente por Gianfranco Caniggia e seus
discípulos, o conceito de rendimento expressa uma ideia de adaptação,
aproveitamento e eficiência, e foi empregado sobretudo na leitura de conjuntos
edificados e territórios, mas ainda não foi aplicado na análise e proposição de novos
traçados urbanos, como veremos mais adiante. Para responder tal pergunta, é
necessário, antes, entender o contexto no qual ela se origina. Trato aqui de
morfologia e traçado urbano. Falo de como avaliar e projetar novos traçados urbanos
sem cair na vala comum do laissez-faire do projeta, aprova e, só na execução, pensa
no contexto, ou melhor, em como driblar as características naturais, edificadas e
culturais de um lugar – isso quando alguém se lembra disso.

A forma da cidade só se manifesta, aparece e se revela quando confrontada com um


cenário natural. E, portanto, o problema das cidades e o problema da conservação da
natureza que as rodeia são uma coisa só (Figura 1). A afirmação não é minha, mas do
cineasta Pierpaolo Pasolini (1974). 1 Porém, a questão não se restringe apenas à
necessidade de respeitar os confins naturais entre a forma urbana e a natureza

1 “La forma della città si manifesta, appare, si rivela se confrontata con un fondale naturale. Proprio la forma della Figura 1: Panorama da cidade de Orte, na Itália,
città di Orte pare in quanto tale perché sulla cima di questo colle bruno divorato dall’autunno, con questa brunatura de onde Pasolini teceu suas observações.
davanti, e contro il cielo grigio. Ora, quelle case che ti ho citato prima (…) vengono turbare soprattutto il rapporto Fotografia de John G. Walker. Fonte: Flickr
della forma della città e la natura. Ora, il problema della città e il problema della salvezza della natura che circonda disponível em: https://flic.kr/p/6HRbik.
la città sono un problema unico. Ma sempre si pone il problema di rispettare il confine naturale tra la forma della
città e la natura circostante.” PASOLINI, 1974.
16 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

circunstante.2 É necessário pensar em como projetar novas áreas urbanas a partir da


natureza do sítio onde elas devem ser plantadas.

Com as mudanças ocorridas nos últimos dois séculos, as formas urbanas se


tornaram cada vez maiores e mais complexas. Numa lógica de crescimento rápido e
ilimitado, as cidades se esparramaram pela campanha (ZUFFI et al., 2015), com
traçados em perpétuo conflito com o contexto natural sobre o qual se assentam.
Despontaram expansões urbanas aparentemente ‘ordenadas’ por decretos,
zoneamentos e lógicas de mercado, com a multiplicação de distritos, bairros e
loteamentos, distantes ou contíguos às áreas consolidadas. Todavia, tais expansões
foram projetadas com formas abstratas, desgarradas do contexto natural em que se
assentam e das pré-existências realizadas pelo homem. Assim, carentes de
singularidade, tais expansões resultaram na produção de territórios descontínuos e
paisagens contraditórias (STRAPPA et al., 2018, p. 11).

Nesse processo, oriundo de mudanças radicais nas ideias, na sociedade e na


economia, muitas das características que definiam as cidades enquanto tais
pareceram desaparecer. Limites, materialidade, organicidade, tudo pareceu se
desfazer no ar. Em muitos casos, o legado das cidades tradicionais – seu modo de
organização, com suas características e qualidades –, formadas ao longo do tempo

2
A questão da distinção entre cidade e entorno natural é longa, passando pela Filosofia e pela psique humana. Jordan
Peterson (2018, pp. 14-15) comenta que é um equívoco pensar a natureza como algo “puro e paradisíaco (...), sem as
perturbações e depredações da humanidade”, pois essa natureza também é feita de doenças, insetos e “secas que
causam inanição”. Assim, é pela existência de tais coisas que “tentamos modificar nosso entorno, protegendo
nossos filhos, construindo cidades e sistemas de transporte, e produzindo alimentos e energia”. No entanto, a ordem
“que se se insere no caos e na ordem do Ser é cada vez mais ‘natural’ conforme perdura por mais tempo”. E isso
“porque ‘natureza’ é ‘aquilo que seleciona’, e quanto mais tempo uma característica tem existido, mais tempo teve
para ser selecionada – e para moldar a vida”. Ou seja, transformamos a natureza em habitat humano, distinguindo-
o de seu entorno, porém, sem esquecer de moldá-lo às pré-existências que permaneceram ao longo do tempo.
Introdução 17

como organismos, foi descartado em nome do ‘progresso’. E o que deveria contar a


partir de então era a cidade feita para os automóveis, a cidade-máquina
(GURATZCH, 2014). Suas ruas já não deveriam mais ser desenhadas a partir do
relevo, como caminhos de mula, nem definidas pelas fachadas das edificações que
se justapunham umas às outras, como corredores. Ao contrário, as novas áreas
urbanas deveriam ser projetadas a priori com funções segregadas, ruas retas e
edificações em bloco, soltas nos lotes, independentemente das pré-existências
naturais ou culturais do local.

O imaginário coletivo, formado a partir dos elementos visuais e físicos à disposição,


foi afetado por novas formas urbanas menos congruentes, pois a realidade edificada
moldada pelo ser humano também o molda (CARVALHO, 2012a; CARVALHO, 2012b;
BOND, 2017).3 Com isso, alterou-se o modus faciendi do ambiente físico do homem,
i. e., a maneira com que se abrem percursos, constroem edificações, organizam
cidades e desenvolvem territórios. Pouco a pouco, o universo material no qual habita
o ser humano foi desvinculado da morfologia natural sobre a qual se assenta e
passou a ser concebido de maneira abstrata. Porém, dificilmente o ser humano
consegue criar formas que não venham do mundo de elementos físicos ao seu redor.
Assim, mesmo que passe despercebido enquanto causa, diversas problemáticas
ambientais, urbanas, socioeconômicas e culturais surgem ligadas a esse processo
de expansão urbana desvinculada da materialidade do sítio. Mesmo que não se
perceba, forma, imaginário e modus faciendi foram afetados por esse fenômeno, e
os reflexos disso são perceptíveis não apenas na paisagem, mas na sociedade e no
comportamento de seus indivíduos (STRAPPA, 2012; SUSSMAN E HOLLANDER,

3
O trecho do curso ministrado por Olavo de Carvalho (2012b) está disponível em vídeo (CARVALHO, 2016).
18 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

2015; GRIEVES E JEFFERY, 2017; SCRUTON, 2012, pp. 209-253; ABBOTT, 2011;
KENNEDY E ADOLPHS, 2011; KIRK, 1982).

No âmbito da arquitetura, para Caniggia e Maffei (2008, pp. 21-33), esse fenômeno é
reflexo de uma crise em que a ‘consciência espontânea’ parece não ter mais lugar
em face de racionalizações cada vez mais abstratas. Por trás dele estão variáveis
como tecnologia e organização socioeconômica, fatores político-administrativos e
especulativos, além da influência de intelectuais (BERTAUD, 2014, 2004; KOSTOF,
2014; FERRARI, 2004, pp. 72-73; WOLFE, 1990).

Afirmava Philippe Daverio (2018) que as cidades se tornaram feias porque a lei impôs
que elas se tornassem feias, utilizando como exemplo as cidades italianas. Após os
desabamentos em Agrigento, durante o terremoto de 1963, uma “Norma
Transitoria” foi estabelecida na Itália, segundo a qual todas as novas edificações
deveriam ser construídas separadas umas das outras. Dali em diante, pequenos
assentamentos começaram a se espalhar pelas áreas de campanha à semelhança de
fungos. Com isso, as verdadeiras cidades, feitas de estradas e de casas que se tocam,
começaram a se tornar fósseis destinados a sumir.

De fato, se observarmos o que ocorreu durante o último século, notaremos uma


série de mudanças inesperadas em nossas cidades. Muitas das expansões urbanas,
inclusive no Brasil, seguiram um paradigma totalmente diferente do que se
observara até então. A norma tornou-se fazer tabula rasa. Olavo de Carvalho (2012b)
asseria que, até os anos 1950, havia alguma coerência no ambiente físico brasileiro –
e que isso era paralelo ao florescimento da cultura nacional. Com o crescimento
econômico, a indústria automobilística e o incentivo de personalidades como
Juscelino Kubitschek – trazendo consigo Lúcio Costa e Oscar Niemeyer –, instaurou-
Introdução 19

se o caos arquitetônico: “resolveram derrubar cidades inteiras e fazer outra coisa (...),
e aí começaram a fazer monstruosidades (...) sem pensar no efeito que isto vai ter
sobre as próximas gerações” (CARVALHO, 2012b, s.p.; BORTOLOTTI, 2015).

Na tentativa de salvaguardar algo, criaram-se ‘centros históricos’ para ‘preservar’ os


antigos núcleos urbanos enquanto todos os novos bairros eram projetados e
construídos segundo lógicas radicalmente diferentes, na busca da “ruptura com
uma indesejável tradição anterior” (RUBINO, 2002, p. 8). Não havia um elo entre o
legado urbano de cidades antigas e a prática projetual empregada em sua expansão.
Muito pelo contrário, paralela ao tombamento de exemplares arquitetônicos
individuais ou do congelamento de conjuntos edificados, cavalgava a concepção
modernista de urbanismo.

Desse modo, surgiu uma contraposição entre cidades de uma “estética coerente” e
cidades que são uma “coleção de deformidades absolutamente inclassificável”. E
isso é particularmente visível no Brasil. No caso das cidades ‘coerentes’, percebe-se
que as diversas casas convivem com “um certo número de estilos onde você vê um
diálogo”. Uma casa em um estilo dialoga com outra de outro estilo, e uma terceira
casa apresenta uma nova solução, e assim por diante. E, com isso, é possível perceber
“a história da arquitetura (...) nas cidades”. Já no caso das cidades ‘inclassificáveis’, é
impossível dizer “a que estilo pertence [a maior parte dos edifícios,] porque não tem
estilo nenhum”. E, para variar, “no meio dessa feiúra, o sujeito contrata um arquiteto
estrangeiro e faz uma maravilha, uma obra-prima que não tem nada a ver com o
restante da rua. [E] então a coisa vai ficando cada vez pior” (CARVALHO, 2011, s.p.).
Essa observação é a chave para o primeiro capítulo.
20 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Como resolver isso? Em outra ocasião, Daverio (2015a) fazia notar a necessidade de
uma “restauração da paisagem”. Todavia, isso não poderia ser feito segundo um
conceito de patrimoine, em que tudo deveria ser congelado para garantir a ideia de
‘restauro filológico’, como ocorreu aos centros históricos. Essa restauração deveria
seguir o conceito de legacy, no qual se deve apreender a herança histórica que se
recebe, aprender com ela e replicá-la continuamente. Tratando de forma urbana, e,
mais especificamente, de traçado urbano, pode-se entender como ‘legado’ o
conjunto de tecidos edificados que constituem as cidades (como aquelas históricas),
sobretudo como expressão de um modus faciendi desenvolvido ao longo de
gerações por meio de pequenas intervenções (edificações ao longo de percursos
sinuosos), com tentativa e erro. Ou seja, o ‘legado’ tem um aspecto morfológico
(edificado e organizacional) que é expressão de uma componente cultural, de uma
tradição. Seguindo esse raciocínio, é necessário projetar novas áreas urbanas
coerentes com o legado cultural que herdamos. Legado radicado no imaginário
coletivo, como se pode perceber das cidades históricas às favelas (DAVERIO, 2015b),
com suas ruas tortuosas sobre o relevo e suas casas justapostas umas às outras. O
aspecto mais básico de uma cidade, e, por isso mesmo, um de seus aspectos
fundamentais, é o traçado urbano. Traçado que se assenta sobre um sítio. Se as
cidades italianas tradicionais foram constituídas pelas casas construídas parede-
com-parede, tais casas foram dispostas ao longo de percursos gerados pelo relevo
seguindo uma lógica própria. É necessário, portanto, compreender esse mecanismo
de formação para poder aperfeiçoa-lo e aplica-lo na contemporaneidade.

Dessa maneira, o que faz com que uma obra humana, de uma casa a um território,
seja harmônica ou conflitante com a realidade pré-existente? Como avaliar se um
novo traçado urbano apresenta uma qualidade comparável àquela das antigas
cidades, que faça jus ao legado morfológico herdado?
Introdução 21

Diante disso, a presente pesquisa indaga a possibilidade de avaliação da qualidade de


um traçado urbano. Produzido pela prática da ‘consciência espontânea’ (termo que
será discutido no capítulo 1) ou pelo exercício ‘crítico’ do planejamento, o traçado
pode ser considerado produto e suporte da atividade humana num dado lugar
(COELHO et al., 2013, p. 13). Conjunto de percursos, parcelamentos e edificações
realizados pelo homem sobre o contexto natural de um território, o traçado urbano
pode guardar aspectos ambientais, culturais e funcionais de uma área.

Trato de traçado, e não de forma urbana, porque enquanto a forma é algo


tridimensional (edificado), o traçado é bidimensional (impresso, marcado no solo)
e, portanto, mais à mão de quem trata das cidades. No passado, muitas cidades se
desenvolviam a partir da abertura de percursos e da construção de edificações,
como se verá adiante. Com isso, a forma precedia o traçado. Traçado que nada mais
era que a marca que a forma deixava sobre o substrato natural em que era
construída. Tanto é assim que um levantamento cadastral – e isso é visível em
cidades históricas, tanto na Europa como no Brasil – só é possível depois de uma
realidade material construída e consolidada existir no local. Atualmente, esse
processo foi invertido. Primeiro se projeta o desenho de todas as ruas e quadras, a
disposição dos lotes e a localização das edificações e centros, e só depois isso é
colocado em prática. O traçado passou a ser o balizador da forma urbana.

Além disso, trato de traçado dado que a forma urbana é mais dinâmica, complexa e
difícil de ser ‘controlada’. A construção de novas edificações segue necessidades de
mercado que não são totalmente previsíveis (BERTAUD, 2018) e deve lidar com
aspectos culturais e tipológicos (CANIGGIA E MAFFEI, 2008). Já o traçado é
resiliente e não pode ser alterado com facilidade. Porém, como apresenta uma
relação intrínseca com a forma urbana (REIS FILHO, 2000), o traçado é decisivo no
22 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

projeto e no planejamento urbano. É por isso que, nesta pesquisa, a forma é preterida
ao traçado urbano. É ele, o traçado urbano, que é o ponto de partida para a resolução
do problema levantado tanto por Philippe Daverio quanto por Olavo de Carvalho.

Spiro Kostof (2014) registrou características formais, espaciais, estéticas e


simbólicas de diversas cidades. Seus traçados se relacionavam com a fisicidade do
sítio segundo as intenções e modos de fazer daqueles que os produziram. Sabe-se
que a aderência ao relevo dá à forma urbana uma complexidade que lhe confere
caráter e identidade particulares, especialmente em cidades de traçado mais
‘espontâneo’. Isso porque sua gênese e desenvolvimento obedecem “a regras
específicas de localização e formas de agregação” diretamente relacionadas “com a
estrutura do suporte físico natural” (GUERREIRO, 2002, p. 17). Cada particularidade
do território proporciona uma série de condições de uso. Facilidade para percorrer,
aptidão da terra para produção agropecuária, proteção dos ventos e exposição solar
são alguns dos fatores que levam o ser humano a se apropriar de uma área de um
determinado modo.

Em cidades novas, planejadas a priori por profissionais específicos e plantadas em


sítios deliberadamente escolhidos, espera-se que a relação do traçado com o
contexto natural seja a mais adequada. Porém, nem sempre isso acontece e o que se
vê em muitos casos é uma relação conflituosa entre eles, influindo não apenas na
paisagem e no território, mas também na condição de seus habitantes, que não se
sentem parte do lugar (STRAPPA et al., 2018, p. 11). Assim, que conceito pode traduzir
essa relação entre traçados urbanos e sítios de implantação?

Ao procurar uma explicação para a forma de determinadas cidades, sua harmonia


intrínseca e coerência com o contexto natural, deparei-me com o arcabouço da
Introdução 23

escola italiana de morfologia urbana. Nela, desenvolveram-se teorias e métodos de


‘leitura’ de formação de territórios a partir da morfologia natural, de percursos e de
assentamentos humanos (MARZOT, 2002; CATALDI, 2003). Nesse arcabouço,
formulou-se a noção de ‘rendimento’, que trata da relação de adequação entre o
artefato construído e seu contexto, em situações e escalas diversas (CANIGGIA E
MAFFEI, 2008; CARLOTTI, 1995). Tendo sido aplicado à edilícia e ao território,
elementos que compõem a forma urbana, a proposição desta pesquisa é que o
conceito de rendimento pode ser relacionado ao traçado urbano.

Há pesquisas que avaliam a ‘urbanidade’ de uma cidade (OLIVEIRA E MEDEIROS,


2016; OLIVEIRA E SILVA, 2013) ou a influência do suporte físico natural na
configuração de assentamentos espontâneos (LOUREIRO, MEDEIROS E
GUERREIRO, 2017). Para isso, diversos autores estudam densidade de
parcelamentos, mixité de usos e space syntax. Porém, tais pesquisas analisam
apenas desdobramentos do fenômeno aludido, i.e., a adaptação do traçado ao sítio, e
não por quais razões ou o grau em que essa relação se dá; nem dão diretrizes para
que um traçado urbano seja projetado coerente ao sítio. Assim, se tal relação pode
ser traduzida pela noção de rendimento dada por Caniggia e seus discípulos, a
questão de pesquisa que aqui se delineia é: ‘como avaliar o rendimento de um
traçado urbano’?

Com isso, o objetivo principal desta pesquisa é desenvolver um conjunto de


parâmetros para avaliação e projeto de traçados urbanos com rendimento
adequado. Tais parâmetros deverão servir para a avaliação de contextos
consolidados e, sobretudo, para a avaliação do projeto de novas áreas urbanas. No
âmbito de um mestrado voltado à metodologia de projeto, a pesquisa se volta ao
contexto de cidades novas planejadas. E, com isso, busca-se como objeto de estudo
24 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

uma cidade cuja qualidade urbana seja reconhecidamente devida à coerência entre
traçado e sítio. Essa coerência pode ser antevista por sua identidade, coesão e
hierarquia do traçado e das vias, pela relação adequada entre tecidos edificados e
áreas livres, e pela definição de limites urbanos. A leitura de um tal traçado urbano
e dos princípios que lhe deram origem permitirá verificar quais variáveis podem
servir na avaliação do rendimento.

Há três procedimentos fundamentais nesta pesquisa: leitura, análise e avaliação.


“Leitura”, no sentido dado por Caniggia e Maffei (2008, pp. 65-66), significa
“compreender (...) as estruturas do espaço antrópico” (percursos, edificações,
tecidos edificados e organismos urbanos, áreas de influência, etc.) que caracterizam
uma determinada área, buscando perceber uma sistemática de relações entre
elementos aparentemente heterogêneos. Ou seja, podemos entender “leitura”
como sinônimo de observação do conjunto (urbano, edificado, etc.) e identificação
dos seus elementos, características e lógicas internas (de formação,
desenvolvimento e funcionamento).

Por sua vez, a “análise” é o “exame minucioso de uma coisa em cada uma das suas
partes”, ou a “separação dos princípios componentes de um corpo ou substância”
(ANÁLISE, 2020; ANALYSE, 2020). Ou seja, é um processo de abstração, no qual
efetuamos a separação de uma parte das propriedades do mundo real (ou de um
dado conjunto). Até podemos concebê-la, mas ela não pode existir separadamente
das outras partes. E, por fim, “avaliação” é o ato de “determinar o valor” de algo,
oriundo do termo latino “valeo”, que significa “estar em condição de fazer algo”, “ser
eficaz, válido”(AVALIAR, 2020; VALEO, 2020, tradução nossa).
Introdução 25

Para exemplificar: observar as relações que estão por trás da disposição de


elementos urbanos é “leitura”; medir as dimensões de lotes, comparando amostras
de bairros distintos é “análise”; e dizer se um projeto ou traçado urbano é de boa
qualidade, baseando-se em parâmetros determinados, é “avaliação”. Vale apenas
salientar que a avaliação pode englobar tanto a leitura quanto a análise, e que a
leitura pode se valer de análises para sua concretização.

Dito isso, para avaliar um traçado urbano são necessários parâmetros com os quais
estabelecer uma relação de comparação e a partir dos quais classificar os aspectos
comparados. Já para produzir novos traçados urbanos de qualidade, o projeto desses
traçados precisa ser avaliado desde sua concepção. E, para que isso possa ser
reproduzido em outros cenários, tais parâmetros necessitam estar sistematizados e
articulados.

Suponha-se, por exemplo, uma avaliação da qualidade urbana de uma cidade a partir
da análise de sua cobertura vegetal. Nessa análise, uma rua (elemento) contém um
determinado número de árvores indicado por um projetista (variável). A quantidade
de árvores numa área gera uma ‘densidade vegetal’ (parâmetro); quanto maior essa
‘densidade’, melhor a qualidade urbana. Disso, é possível deduzir que é necessário
projetar ruas com densidade vegetal adequada para atingir uma maior qualidade
urbana. Na presente pesquisa, portanto, as variáveis identificadas na análise do
traçado urbano proposta darão origem a esses parâmetros de avaliação.

Nesse sentido, a cidade de Maringá-PR, no Brasil, possibilita um objeto de estudo


com diversas amostras. Reconhecida pela qualidade de seu projeto urbano inicial, a
cidade foi planejada por Jorge de Macedo Vieira seguindo os preceitos de Raymond
Unwin (REGO, 2001). Seu traçado é notadamente vinculado ao seu contexto natural,
26 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

desde a escolha do sítio de implantação à disposição dos percursos, parcelamentos,


edificações e espaços livres. Desse ponto de vista, o estudo do traçado urbano dessa
área de Maringá, em paralelo com a leitura dos princípios que nortearam seu
projeto, possibilitará identificar os parâmetros de avaliação do rendimento.

Maringá, todavia, tem se expandido com novas áreas urbanas de qualidade espacial
questionável (MENEGUETTI, 2007). Com isso, é possível perceber duas porções de
cidade com características morfológicas distintas e que se contrapõem. A primeira
levou em consideração as características do sítio escolhido (Figura 2), na área do
plano original. E a segunda foi moldada mais pelo parcelamento rural pré-existente
que pelas características naturais do terreno (Figura 3). Assim, a verificação das
características morfológicas presentes nessas áreas distintas permitirá averiguar o
que faltou às novas expansões que havia na área do plano original, e como o traçado
de novas expansões urbanas pode ser melhorado a partir do rendimento.

Assim, como objetivos específicos, têm-se: (i) conceituar rendimento, transpondo-


o para o contexto do traçado urbano; (ii) efetuar a leitura do traçado urbano do plano
inicial de Maringá; e (iii) sistematizar um conjunto de parâmetros atinentes ao bom
rendimento de um traçado urbano, verificando-os em uma porção do traçado da
áreas de expansão urbana de Maringá. Para isso, a presente dissertação se
Figura 2: Vista aérea da cidade de Maringá com
as zonas 4, 5 e 6, nas quais existe um traçado desenvolve por meio de uma pesquisa em ciência do projeto, ou design science
orgânico mais adaptado ao sítio. reseach (DSR). Esse método de pesquisa é prescritivo, e “estabelece e operacionaliza
Fonte: CNES/Airbus, 2019. Disponível em:
a pesquisa quando o objetivo desejado é um artefato ou uma recomendação”,
Google Earth Pro.
podendo ser aplicado tanto em âmbito acadêmico como organizacional. Focado na
resolução de problemas, a design science research é um processo de projetação de
Introdução 27

artefatos (constructos, modelos, métodos e instanciações)4 para resolver problemas


e avaliar o que foi projetado – ou que funciona –, além de comunicar seus resultados.
Tal método é empregado para possibilitar “a transformação de [certas] situações por
meio da mudança de suas condições para estados melhores ou desejáveis”,
podendo, inclusive, levar ao “aperfeiçoamento de teorias” (DRESCH et al., 2015, pp.
67-71, tradução nossa).

Por meio da DSR busca-se diminuir o hiato entre teoria e prática por meio de
soluções satisfatórias – ainda que não-ideais – e generalizáveis, ao menos para
algumas “classes de problemas”, sem perder, com isso, o rigor científico (LACERDA
et al., 2013). Desse modo, busca-se ainda que o resultado da presente pesquisa possa
ser empregado por profissionais e técnicos além das fronteiras do âmbito
acadêmico (DRESCH et al., 2015; VAN BOEIJEN et al., 2014). Uma pesquisa
desenvolvida seguindo tal método abarca conscientização, sugestão,
desenvolvimento, avaliação e conclusão acerca do problema em questão e do
artefato produzido para sua resolução (TAKEDA et al., 1990).

Para dar suporte ao ‘método’ e à ‘instanciação’ da DSR, utiliza-se ainda um estudo de


caso, que “investiga um fenômeno [ou configuração] contemporâneo em seu
contexto real” (YIN, 2009, p. 18, tradução nossa). A escolha do estudo de caso recai,
Figura 3: Vista aérea de Maringá com parte das
além disso, em sua capacidade de explicar ligações aparentemente casuais baseado
expansões ao norte da cidade, com os novos
em múltiplas fontes de evidências, desenvolvendo teorias generalizáveis (GROAT E loteamentos se ‘encaixando’ nos lotes do antigo
WANG, 2013, pp. 419-420). A partir dele, será possível identificar as variáveis parcelamento rural, num traçado mais
ortogonal.
Fonte: Maxar Technologies, 2019. Disponível em:
Google Earth Pro.
4
Segundo Lacerda et al. (2013), os constructos (ou conceitos) constituem o vocabulário de um domínio e os modelos
são conjuntos de proposições ou declarações. Enquanto isso, os métodos são conjuntos de passos para executar uma
tarefa – criações típicas das pesquisas em design science; e, por fim, as instanciações são a concretização de um
artefato em seu ambiente e operacionalizam constructos, modelos e métodos.
28 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

presentes no traçado de Maringá que serão sistematizadas como parâmetros do


rendimento.

Assim, na revisão bibliográfica, onipresente nesta dissertação, serão estudados


autores como Caniggia e Maffei (2008), Carlotti (1995), Lynch (1960), Kostof (2014),
Oliveira (2016), Costa e Netto (2015), Guerreiro (2002), Strappa (2018, 1995), Rego
(2009), Unwin (1909), Meneguetti (2007), Beloto (2015), Nunes (2016), Bonfato
(2008), Bertaud (2018) e Carvalho (2012); bem como artigos científicos disponíveis
nas revistas Urban Morphology e Urbanform and Design, na Revista de Morfologia
Urbana, nos anais dos seminários internacionais ISUF e PNUM, entre outros. Por sua
vez, a ‘leitura’ do traçado urbano será feita a partir de mapas e levantamentos obtidos
junto a órgãos e instituições como a Universidade Estadual de Maringá (UEM), o
Museu da Bacia do Paraná, a Prefeitura do Município de Maringá (PMM) e a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), bem como no Banco de
Dados Geográficos do Exército (BGDEx), no projeto Open Street Maps (OSM) e nas
bases dos softwares Google Earth Pro e QGIS.

Na prática, a pesquisa será constituída por três etapas principais (Figura 4), que
correspondem aos objetivos específicos elencados acima. A primeira fase será a
conceituação do rendimento e outros termos relacionados, oriundos do arcabouço
da escola italiana de morfologia urbana. A segunda fase comportará a ‘leitura’ do
traçado urbano do plano original de Maringá, da qual poderão ser identificadas as
variáveis, e, com isso, os parâmetros de avaliação do rendimento no traçado urbano.
Enquanto isso, a terceira fase será constituída da sistematização desses parâmetros
de avaliação do traçado urbano, e de sua verificação na área de expansão urbana de
Maringá – sendo a validação de sua aplicabilidade ou não. Destarte, a presente
Introdução 29

dissertação será constituída por três capítulos: (i) Rendimento e traçado urbano; (ii)
Maringá, leitura morfológica; e (iii) Avaliação do rendimento urbano.

Figura 4: Delineamento da pesquisa. Fonte: Produzido pelo autor.

No primeiro capítulo, a argumentação lógica, baseada na revisão bibliográfica,


servirá para a formação de um arcabouço teórico e conceitual, no qual o conceito de
rendimento será associado ao traçado urbano. Almeja-se que os resultados dessa
primeira fase sejam: a compreensão do conceito de rendimento, suas origens e
30 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

aplicações; a transposição de tal conceito para a escala e o contexto dos traçados


urbanos; e a identificação dos elementos morfológicos analisados pelos autores que
tratam do fenômeno-rendimento.

No segundo capítulo, somam-se interpretação histórica, leitura morfológica, e


associação lógica. Desenvolve-se assim, em primeiro lugar, uma contextualização de
Maringá e do processo de ocupação territorial no qual está inserida. Em seguida, na
leitura morfológica, os elementos do traçado urbano – percursos, parcelamentos,
edificações e espaços livres – serão analisados em função de seus atributos e,
sobretudo, compreendidos a partir de seu arranjo espacial em relação ao relevo e
outros elementos do ambiente natural e antrópico, combinando várias escalas, do
território às edificações. Tal ‘leitura’ será feita lado-a-lado com a revisão do manual
de Raymond Unwin (1909), e das obras de Caniggia e Maffei (2008) e Carlotti (1995).
Busca-se, assim, identificar as variáveis utilizadas por Macedo Vieira e as possíveis
relações com os conceitos da escola italiana de morfologia urbana. Assim, por meio
da associação lógica, tais variáveis serão relacionadas ao conceito de rendimento
através de parâmetros, como supracitado.

No terceiro capítulo, tais parâmetros serão sistematizados e empregados na análise


morfológica de uma porção da área de expansão urbana de Maringá, e em uma
proposta hipotética de traçado urbano na mesma área, desenhada a partir desses
parâmetros. Assim, tais parâmetros serão validados mediante a verifição de sua,
permitindo, além disso, um contraponto entre as diferentes áreas do mesmo
organismo urbano. Espera-se – como resultado da generalização da DRS e do estudo
de caso –, que tais parâmetros de avaliação possam ser utilizados para outros
contextos urbanos – seja na avaliação de traçados já consolidados como para balizar
o projeto de novos traçados urbanos.
Introdução 31

Propõe-se ainda, ao fim da atual pesquisa, além da discussão dos resultados obtidos,
a relação do rendimento com a configuração das atuais formas urbanas, seus
desdobramentos socioculturais, ambientais e econômicos, e como a avaliação do
rendimento de traçados urbanos – que se pretende desenvolver com a atual
pesquisa – possa contribuir na compreensão do fenômeno abordado, bem como na
concepção e projeto de novas áreas urbanas, com uma maneira particular de
compreender e desenhar a cidade.
32 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto
CAPÍTULO I

RENDIMENTO E TRAÇADO URBANO


1. Rendimento e traçado urbano5
Como transpor o conceito de “rendimento” da escola italiana de morfologia urbana
para a língua portuguesa e associá-lo diretamente à escala da cidade? Tal indagação
constitui o cerne deste capítulo, cujo raciocínio será desenvolvido a seguir. Para
tanto, apresento o conceito de rendimento e suas origens a partir de revisão
bibliográfica com tradução direta dos originais italianos. E, em seguida, sintetizo
uma definição lusófona específica, considerando sua aplicação no estudo da forma
física das cidades.

Rendimento é um conceito da escola de morfologia urbana, presente em “Lettura


dell’edilizia di base” de Gianfranco Caniggia e Gian Luigi Maffei (2008 [1979]), e em
“Per lo studio del processo di trasformazione del territorio romano” de Paolo
Carlotti (1995). Esse conceito expressa uma ideia de adaptação e aproveitamento
entre o artefato construído e seu contexto, e, nesse ínterim, o rendimento já foi
associado ao estudo de duas das escalas do ambiente físico do homem, a edificação
e o território (CANIGGIA, 1963, p. 11; CATALDI, 2015, p. 59; CARLOTTI, 1995; DE
MARTIN, 2009; REBECCHINI, 2008; DALLA NEGRA, 2015). Todavia, o rendimento
ainda não foi associado à escala intermediária desse ambiente – a cidade. Empregado
em um universo de ocupação humana consolidada, tampouco o rendimento foi
aplicado ao projeto e à avaliação de novas áreas urbanas, especialmente em
territórios de ocupação mais recente. Além disso, conceitos essenciais da escola

5
Parte do capítulo a seguir foi publicada no artigo “O conceito de rendimento da escola italiana de morfologia: um
parâmetro para a boa forma da cidade” (COSTA E REGO, 2019).
36 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

italiana de morfologia já constam no universo lusófono (COSTA E NETTO, 2015), mas


o rendimento ainda não está entre eles. É essa a razão de ser do presente capítulo.

Para a escola italiana de morfologia, a cidade é um “organismo” – i. e., formada por


um conjunto de elementos interdependentes, com uma finalidade comum
(CANIGGIA, 1963, p. 16; STRAPPA, 1995, p. 24; MORA, 1962, p. 341). Assim, a cidade se
desenvolve ao longo do tempo a partir de relações que pouco se alteram –
especialmente no que diz respeito à sua forma (STRAPPA, 2019). 6

A escola italiana de morfologia trata de cidades históricas, de formação espontânea.


Nelas, o traçado urbano – com suas ruas, lotes, praças e edifícios públicos – deriva da
topografia do local. Com isso, conjunto edificado e formação natural se mesclam
numa única paisagem. Suas formas permaneceram ao longo do tempo, sendo
absorvidas pelas novas intervenções humanas. E, nesse âmbito, o conceito de
rendimento parece naturalmente mais assimilado.

Contudo, quando ele é ignorado, podem surgir problemas ambientais e


socioeconômicos (STRAPPA, 2018), e isso parece ocorrer frequentemente em
muitas expansões urbanas atuais, projetadas sem maior atenção à forma – seja do
relevo do sítio ou do traçado urbano. Por essa razão, a ‘leitura’ das pré-existências é
condição indispensável para o projeto contemporâneo, que deve ser a síntese
evolutiva de tradições culturais locais, novas tecnologias e usos (CANIGGIA E
MAFFEI, 2008, pp. 15-18, 65-66).

6
“Organismo”, aqui, refere-se à noção aristotélica de algo “composto por partes desiguais”, mas “bem combinadas”
de modo a “executar a função (...) para o qual foi designado” (MORA, 1962b, p. 341). Essa noção difere da ideia de
“organismo” ligada às ciências naturais, difundida sobretudo após o século XIX (STRAPPA, 1995, pp. 21-24).
Rendimento e traçado urbano 37

1.1. Etimologia e usos


Etimologicamente oriundo do verbo latino reddere, o termo italiano rendimento
significa a ação ou fato de rendere, ou seja, dar fruto ou renda, levar de um estado
para outro, tornar útil um trabalho ou serviço, produzir um efeito útil e apreciável
em proporção ao esforço demandado para obtê-lo, e ainda dar forma expressiva a
alguma coisa (FARIA, 1962, pp. 848-849; RENDIMENTO, 2018d, 2018e). No universo
lusófono, render assume os sentidos de prestar homenagem, fazer cessar a alguma
resistência, domar, dar como lucro e ser eficiente ou produtivo (RENDIMENTO,
2018a, 2019; RENDER, 2019). E o mesmo vale para a língua inglesa, com o termo yield,
oriundo do inglês antigo g(i)eldan, remontando ao termo ‘reddo’ latino, do qual
deriva o verbo reddere (YIELD, 2020).7

Na língua portuguesa, outras palavras se aproximam do significado do termo


italiano rendimento, como aptidão e disposição. Aptidão é “a presença de
determinados caracteres que, em seu conjunto, tornam o indivíduo capaz de realizar
determinada tarefa”, particularmente em conformidade com o ambiente e com suas
habilidades (ABBAGNANO, 2007, p. 77), e implica em capacidade, inclinação e
disposição (APTIDÃO, 2020). Enquanto isso, disposição é a distribuição das partes
em um todo segundo uma certa ordem no espaço e no tempo, devido à ordem do
todo (ABBAGNANO, 2007, p. 290), ou, na psicologia, uma tendência ou estado de
ânimo favorável à adoção de uma atitude afirmativa (SANTOS, 1965), uma inclinação

7
Desse modo, o verbo latino reddere constitui a raiz da língua italiana, portuguesa, inglesa, e mesmo francesa
(rendre) – ao menos em seu significado. Em sentido direto, o termo latino quer dizer devolver, restituir, entregar,
pagar uma dívida, cumprir uma promessa, recompensar, oferecer; e, em sentido figurado, significa traduzir, verter,
repetir, replicar, refletir uma luz ou imagem, reproduzir, e, particularmente, levar de um estado para outro, tornar,
transformar (FARIA, 1962, pp. 848-849; YIELD, 2020).
38 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

ou atitude – disponibilidad –, que implica, em sentido filosófico, em potência,


possibilidade e, sobretudo, “possibilidade real” (MORA, 1964a, p. 474).

Tanto aptidão e disposição se aproximam da ideia de rendimento que mostrarei


adiante.8 Porém, se pensarmos que “se algo pode ser feito, então pode ser feito de
forma melhor ou pior”, e que “fazer qualquer coisa é (...) [um ato] com um fim
definido e valorado que sempre poderá ser alcançado com maiores chances de (...)
eficiência” (PETERSON, 2018, p. 90),9 tudo que possui um grau de adequação deve
apresentar, necessariamente, um rendimento dessa mesma adequação. E, diante
disso, permaneço com o termo rendimento.

Usualmente, o termo rendimento é utilizado para expressar uma relação de


eficiência e produtividade: o quanto se tem de retorno de algo, independente de sua
natureza. E pode ser verificado quando se põe na balança o resultado final e o esforço
necessário para consegui-lo. Essa relação se traduz em absorção, incremento,
transformação ou consecução. E, desse modo, o termo rendimento costuma ser
empregado em áreas como física, economia e agronomia (PONTECORVO, 1936;
RENDIMENTO, 2018c; CUNHA et al., 2011).10

8
Aptidão é “a probabilidade de que dado organismo deixe descendência”, e, nesse caso, o “apto” é a combinação
“entre o atributo do organismo com a demanda do ambiente” (PETERSON, 2018, p. 13) – ideia oriunda do pensamento
heideggeriano, que, junto com as ideias de Aristóteles, aparece latente na escola italiana de morfologia urbana. Em
inglês, o termo fitness (aptidão) indica a qualidade de ser adequado (suitable) para algo (FITNESS, 2020; SUITABLE,
2020). Desse ponto de vista, rendimento até poderia se aproximar do termo ‘adequabilidade’, que é a qualidade
daquilo que pode se adequar (ADEQUABILIDADE, 2020; ADEQUÁVEL, 2020). Porém, há outras ideias – como a da
Física – que me fazem permanecer com o termo utilizado por Caniggia e Maffei (2008) e Carlotti (1995).
9
A obra em questão é uma síntese de “Maps of Meaning: The Architecture of Belief” (PETERSON, 1999).
10
Na Física, rendimento é a “medida da eficiência, da capacidade útil de um processo ou de uma máquina, definida
como relação de duas grandezas físicas homogêneas”. Num processo de transformação de energia, o rendimento é
a relação entre energia transformada e energia gasta – relação sempre inferior a um, “porque os fenômenos reais
nunca são perfeitamente reversíveis” (RENDIMENTO, 2018c; PONTECORVO, 1936, s. p., tradução nossa). Já em
Rendimento e traçado urbano 39

No âmbito da escola italiana morfologia urbana, porém, o termo rendimento ganha


uma conotação de adaptação, aproveitamento e coerência, relacionando-se com sua
origem latina de "levar de um estado para outro" (FARIA, 1962, pp. 848-849). Com
isso, o binômio ‘resultado-investimento’ pode ser transposto para a morfologia por
meio do binômio ‘artefato-contexto’. E, para medir o quanto relação entre artefato e
contexto é profícua ou não, o rendimento pode ser medido a partir de fatores que
variam de caso a caso, como veremos adiante.

Caniggia expôs essa ideia de adaptação e coerência entre artefato e contexto na obra
‘Lettura di una città: Como’ (CANIGGIA, 1963). Porém, só em ‘Lettura dell’edilizia
di base’ (CANIGGIA E MAFFEI, 2008), publicado originalmente em 1979, o termo
rendimento foi utilizado para expressar essa ideia. Atualmente, podem-se perceber
duas acepções de rendimento, que poderiam ser denominadas rendimento edilício
e rendimento territorial, respectivamente.

O ‘rendimento edilício’ está implícito na obra de Caniggia e Maffei (2008) e de


autores como De Martin (2009), Rebecchini (2008) e Cataldi (2003). Nessas obras, o
rendimento implica na relação entre uma edificação individual e o conjunto no qual
ela está inserida. Nesse sentido, o termo lusófono ‘edilício’, que diz respeito à
edificação, é mais significativo que os termos ‘construtivo’ ou ‘civil’ (EDILÍCIO, 2019;
FARIA, 1962, p. 40). Já o ‘rendimento territorial’ provém da obra de Carlotti (1995),
estando ali associado à ideia de aproveitamento do território e das estruturas
naturais de uma área – segundo suas aptidões e possibilidades de utilização pelo

âmbito econômico, “quando se investe em um título (...) ou em outro asset real ou financeiro num certo arco
temporal”, o rendimento é a “relação entre incremento de valor (entre o início e o fim do período) do investimento
e seu valor inicial” (RENDIMENTO, 2018d) noção que se aproxima da física. Já em se tratando de pessoas (e mesmo
esporte ou animais), o rendimento é a medida com a qual alguém dá cabo das próprias funções e dos próprios
deveres profissionais, medida influenciada pelas variáveis de um contexto (RENDIMENTO, 2018b).
40 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

homem. Detalharei a seguir essas duas acepções de rendimento a seguir para poder
delinear uma terceira espécie de rendimento, adaptada à escala da cidade.

1.1.1. Rendimento edilício

No mundo edilício, dizer que uma arquitetura tem bom rendimento equivale a
afirmar que ela é de boa qualidade, traduzindo “a relação entre um resultado (...) e os
meios empregados para obtê-lo” (DE MARTIN, 2009, p. 34, tradução nossa). Porém,
engana-se quem pensar que isso equivale à mera relação entre aproveitamento de
materiais e custos de obra, pois o termo carrega um significado mais profundo. O
rendimento é “a dialética entre uma ação antrópica e uma reação ambiental,
constituída pelo menor ou maior esforço com que o ambiente tenderá a reabsorver
o resultado daquela ação” (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, p. 52, tradução nossa).

Dito isso, podemos relacionar ‘ação antrópica’ e ‘ambiente antrópico’ com


‘intervenção’ e ‘contexto’, respectivamente. Essa intervenção é feita por um
indivíduo, ou por um grupo, em um dado intervalo de tempo. Ou seja, algo pontual.
Já o contexto, que reage a essa intervenção, é constituído por uma série de
intervenções amalgamadas ao longo do tempo, em um processo no qual diversos
grupos e indivíduos deixaram suas contribuições, suas intervenções (CANIGGIA E
MAFFEI, 2008, pp. 51-53). Quanto maior é o rendimento de uma intervenção, menor
é o esforço do ambiente para absorvê-la, “para torná-la coerente com seu contexto”
(REBECCHINI, 2008, p. 107).

Ao construir uma casa em um centro histórico, por exemplo, a intervenção é a nova


edificação que é projetada para aquele local e o quarteirão é o contexto, o ambiente,
Rendimento e traçado urbano 41

o conjunto edificado no qual essa edificação é inserida. Quanto menos essa casa
destoar do conjunto, maior seu rendimento. Porém, isso não implica que essa casa
deva ser uma imitação, mas sim que ela deve seguir as configurações essenciais
presentes nas outras casas do conjunto. Ou seja, essa edificação deverá seguir o tipo
das edificações do quarteirão.

Quando você percorre (...) os Estados Unidos de ponta-a-ponta, claro


que você encontra algumas monstruosidades arquitetônicas, mas,
em geral, as cidades são muito bonitas. Têm uma estética coerente.
Isso não quer dizer que todas as casas são feitas no mesmo estilo, mas
você tem um certo número de estilos onde você vê um diálogo. (...)
Aqui tem um estilo X: ele confronta com um outro estilo, e depois
tem uma terceira solução; e assim por diante. Então você vê (...), de
certo modo, a história da arquitetura americana nas cidades.
(CARVALHO, 2011, s.p.).

Ao fazer essa análise, Carvalho (2011) percebera algo patente aos olhos de muitos,
mas que não fora traduzido em termos arquitetônicos. Ele, como filósofo, limitara-
se apenas a dizer que existe uma “estética” coerente e um “diálogo” entre estilos, e
que isso possibilita a percepção de uma continuidade histórica entre as edificações.
Quando ele fala em cidades com “estética coerente”, podemos entender cidades
com tecidos urbanos de bom rendimento edilício. E o que permite o “diálogo” entre
diferentes “estilos”11 nada mais é que o “tipo” descrito por Caniggia e Maffei (2008).

11
O “estilo” de uma edificação só consegue ‘dialogar’ com outros estilos de tempos distintos (CARVALHO, 2011, s.p.)
quando esse “estilo” não é uma expressão individual, romantizada, mas sim quando – sobretudo na arquitetura – “é
a escolha de princípios que coordenam o ato construtivo do artífice”, e que é reconhecível pela frequência de certos
elementos e pela repetição de algumas estruturas tectônicas já experimentadas (STRAPPA, 1995, pp. 26 e 29,
tradução nossa). Toda edificação genuína é a materialização do tipo de uma área: sua ‘função’ é algo prático e
simbólico e se reflete na distribuição hierárquica de vãos e recintos que são colocados de pé pela ‘tectônica’, e essas
duas se expressam por meio de uma ‘linguagem’ – um “estilo”. Esse processo de como o tipo de uma área se
materializa em diversas edificações ao longo do tempo foi descrito em detalhes por Giuseppe Strappa (1995).
42 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Anne Vernez Moudon pode exemplificar essa percepção de Carvalho (2011). Em


“Built for Change” (MOUDON, 1986), a cidade de São Francisco foi esquadrinhada
em seus pormenores. Suas edificações apresentam uma articulação em suas
fachadas e em sua massas edificadas que lhes conferem certa “individualidade e
variedade”, e isso se deve a uma “estrutura comum”, dando uma “unidade à
paisagem da rua” (MOUDON, 1986, p. 71, tradução nossa). A planta de cada casa segue
um esquema comum na cidade, e isso se reflete na fachada, que se integra no
conjunto. E o conjunto das soluções aplicadas segue o que os habitantes locais viram
ou sabiam que havia sido construído anteriormente. Ou seja, eles seguiam uma
tradição que, concluindo com as palavras de Moudon (1986, p. 75, tradução nossa),
são uma “estrutura de regras que guiam projeto e planejamento”. Não é preciso
dizer que a ideia de ‘integração ao conjunto’ recorda rendimento, que aquilo que os
habitantes viram ou conheciam está dentro do ‘imaginário coletivo local’, e que tudo
isso está intrinsecamente relacionado com essa “estrutura comum” – o tipo.

Figura 5: Florença Fonte: Acervo do autor. Tipo pode ser descrito como um conjunto, ou "patrimônio de características
comuns" de algo (STRAPPA, 1995, p.24, tradução nossa). Para a escola italiana de
morfologia, o "tipo" precede a "intervenção". Ele funciona como uma "pré-projeção
daquilo que será o objeto realizado, terminado, mesmo sendo anterior à fisicidade
mesma do próprio objeto" (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, p. 53, tradução nossa).
Podemos observar a existência do tipo, por exemplo, em cidades e vilas históricas,
ou até favelas.12 Nelas, nenhuma casa é absolutamente igual à outra. Porém, todas
são semelhantes, formam um conjunto edificado coeso, apresentam o mesmo
conjunto de características – o mesmo tipo.

12
E essa manifestação do tipo em cidades históricas e favelas revela a possibilidade de que ideias da escola italiana
de morfologia urbana possam ser abarcadas pela ideia de ‘imaginário coletivo’ de Olavo de Carvalho (2012).
Rendimento e traçado urbano 43

Os habitantes desses lugares construíram suas casas sabendo como levantar


paredes e coberturas, abrir portas e janelas, e dispor salas e quartos, quase de
maneira instintiva. E, diferentemente de arquitetos e engenheiros, eles não se
afligiram com arranjos espaciais, estéticos, métodos ou materiais construtivos.
Simplesmente seguiram costumes locais, normas e tradições implícitas, latentes na
realidade edificada.

Essa maneira de agir, denominada "consciência espontânea", permitia ao sujeito


comum prontamente distinguir e saber dizer como uma casa ou uma igreja
deveriam ser feitos (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 45-50; STRAPPA, 1995, pp. 37- Figura 6: Favela dos Prazeres, Rio de Janeiro-RJ.
51; COSTA E NETTO, 2015, p. 154). E o resultado disso eram núcleos urbanos com Fotografia de dany13. É possível notar como todas
as edificações apresentam semelhanças de
formas harmônicas, como ainda é possível ver em cidades como Roma, Orvieto ou
soluções, de formatos, de estruturas, de
Florença (Figura 5). Mesmo sem perceber, tal indivíduo elaborava uma imagem configurações espaciais e fachadas, o que
mental, o tipo dessas edificações, que era deduzido a partir do universo edificado demonstra a existência de um tipo comum.
Fonte: Flickr, disponível em:
com que ele teve contato (Figura 6). E, assim, ele materializava esse tipo em uma https://flic.kr/p/gRVAe7.
nova construção (STRAPPA, 1995, p. 38).

Desse modo, tipo pode ser sintetizado como o produto da consciência espontânea
radicada no imaginário coletivo, formado pelo universo de elementos físicos ao
nosso redor (CANIGGIA E MAFFEI, 2008; CARVALHO, 2012; STRAPPA, 2012).
Portanto, não podemos restringir o tipo a uma categoria taxonómica, que exprime
apenas uma das características de uma edificação, como a sua função de comércio
ou residência. E isso é particularmente sensível ao tratarmos de forma como
"aspecto visível de uma estrutura", forma que resulta de um processo que pode ser
"conhecido e indagado racionalmente" (STRAPPA, 2019, p. 3).
44 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Hoje, faz-se necessário "readquirir essa consciência espontânea". Para nós,


pesquisadores e projetistas, isso significa compreender e identificar os
comportamentos coletivos latentes e os tipos do local onde se atua (DE MARTIN,
2009, pp. 42-43, tradução nossa). E, a partir disso, "projetar intencionalmente" – com
"consciência crítica", atuando "com base em uma gama de possibilidades" (STRAPPA,
1995, p. 38, tradução nossa). Só assim é possível retomar a identidade cultural de uma
área. Para isso, é necessário avaliar o rendimento edilício, essa qualidade da relação
entre intervenção e contexto. E isso pode ser feito por meio da "coerência" do tipo
(CATALDI, 2003, p. 31). Ou seja, cada nova edificação deve ‘se render’ ao tipo do
ambiente, assumir as características comuns do contexto onde é colocada.

A atuação de quem planeja, projeta ou simplesmente constrói "sempre implica em


um rendimento". Este rendimento deve ser avaliado com a finalidade de manter a
coerência entre intervenção e contexto. O exemplo de uma cidade histórica é útil
para compreendermos que cada pessoa, ao intervir em um contexto, faz parte de um
conjunto muito maior de indivíduos, pois, ao longo do tempo, tantos outros
construíram as casas daquele quarteirão e daquela área. Sua intervenção, seja uma
pequena casa, um edifício de uso misto ou um grande equipamento público, faz
parte de um conjunto de construções que refletem a história e a cultura de um
determinado local (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 52-53, tradução nossa). E não
considerar isso leva à “coleção de deformidades” com obras-primas que “não tem
nada a ver” com o contexto (CARVALHO, 2011). Existe, portanto, um legado que deve
ser compreendido a partir de seus mecanismos internos de desenvolvimento; e cada
nova edificação deve contribuir na evolução desse legado, sem fazer tabula rasa,
pois "quanto mais a liberdade individual cresce, mais a coletividade sofre"
(REBECCHINI, 2008, p. 107, tradução nossa).
Rendimento e traçado urbano 45

Mas existem divergências entre as definições do rendimento. Marzot (2015, pp. 50-
51, tradução nossa) define o rendimento como "o tempo necessário para
reestabelecer uma condição de equilíbrio após um contexto edificado ter sido
afetado por uma mudança". No entanto, se é fato que um contexto edificado leva um
certo tempo para ‘assimilar’ uma nova edificação, tampouco o rendimento pode ser
considerado simplesmente como um arco temporal. Para Caniggia e Maffei (2008),
uma edificação levará mais tempo para ser assimilada na medida em que menor for
seu rendimento, sua adaptação em relação ao ambiente. Ou seja, o tempo é um dos
fatores presentes no rendimento, mas não o próprio rendimento.

Como exemplo, tomemos um edifício de muitos pavimentos em um quarteirão de


casas. Uma vez construído, observa-se a tendência de substituição formal das casas
do entorno por outros edifícios. Todas as infraestruturas e equipamentos precisarão
ser adaptados de acordo com as necessidades das novas edificações. A
incongruência com a forma e o traçado urbano pré-existentes poderá levar a
demolições e novas construções. O impacto da nova edificação na vizinhança
demandará trabalho para ser reabsorvido e o ambiente construído levará tempo
para atingir um novo estado de equilíbrio. Há quem argumente que isso faz parte de
um processo natural de "destruição criativa" (BERTAUD, 2018), em que a renovação
edilícia é um dos requisitos para uma economia saudável das cidades. Mas o ponto
aqui não é o ‘o quê’, mas o ‘como’. Um processo de renovação edilícia que não
considere o tipo local pode desconfigurar um contexto de maneira por vezes
irremediável.

Para Caniggia e Maffei (2008, pp. 51-52), todavia, o rendimento pode verificar apenas
o ‘antes’ e o ‘depois’, em função do tempo e das obras necessárias às adaptações do
contexto à intervenção. Porém, isso não impede de verificar a qualidade do processo
46 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

em si, uma vez que é possível analisar a qualidade do estado anterior e antever
possíveis resultados de uma intervenção, ou avaliar a situação post operam. Assim,
é possível avaliar o rendimento de cada fase de um conjunto edificado a partir da
análise de cada nova intervenção.

De todo modo, o rendimento edilício revela uma profunda relação de


interdependência entre intervenção e ambiente, entre indivíduo e contexto
cultural. Podemos entendê-lo como a dialética entre algo novo e um universo já
existente. Nesse sentido, na medida em que nos adaptamos a esse universo pré-
existente, maior a qualidade de nossas intervenções. Assim, podemos resumir o
rendimento, de maneira geral, como o "grau de coerência com o contexto" (MAFFEI,
2003, p. 82, tradução nossa); associando-o com a ideia de ‘aptidão’ acima.

1.1.2. Rendimento territorial

Na escala do território, o rendimento diz respeito à aptidão de uma área para uso do
homem. Se no rendimento edilício, intervenção e contexto eram de uma mesma
natureza, no rendimento territorial temos duas coisas distintas: a estruturação
natural e a estruturação antrópica. Porém, a relação entre intervenção e contexto
permanece: é necessário identificar as características e potencialidades do contexto
para, então, aproveitá-las na intervenção.

Na definição de Carlotti (1995, p. 19), o rendimento é conveniência de uso, medida


em relação à capacidade e à funcionalidade de uma área. Em outras palavras, o
rendimento é a medida com que um território pode ser utilizado pelo homem. Isso
em atividades como deslocamento, habitação, produção agrícola e ocupação urbana.
Nesse caso, as possibilidades de utilização do território são conformadas pela
Rendimento e traçado urbano 47

‘resistência’ que os desníveis e a morfologia do terreno apresentam à sua


antropização. Assim, quanto mais favorável for a geomorfologia de um local para
determinados usos, maior será seu rendimento.

Todo território possui uma estrutura própria, independente da presença do homem:


a "estruturação natural" (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, p. 216; CANIGGIA, 1963, pp. 12-
13). Ela representa o conjunto dos caracteres morfológicos e climáticos que tornam
cada lugar único. No que tange à sua forma, a ‘estruturação natural’ é composta pela
orografia e pela hidrografia do sítio. Isso porque a morfologia natural – ou
geomorfologia – de um sítio é formada por estruturas naturais como montes e vales,
planaltos e várzeas, rios e estuários. E seus formatos são reflexo direto de fatores
como geologia, clima, pluviosidade, altimetria, consistência e produtividade do
solo.

Segundo a escola italiana de morfologia, a ‘estruturação natural’ é a base


indispensável para a ‘estruturação antrópica’. Ou seja, a natureza do lugar é o
contexto e a base para a intervenção do homem. A ‘estruturação antrópica’ é
constituída pelos percursos, edificações, núcleos urbanos e áreas produtivas que se
desenvolvem sobre espigões, fundos de vale e outros elementos da estruturação
natural.

Essas duas estruturações – natural e antrópica – formam o que se chama de


‘território’, ou seja, o conjunto de estruturas antrópicas desenvolvido sobre a
geomorfologia de uma área natural, que é delimitada por limites naturais
relativamente intransponíveis (CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 209-216; STRAPPA,
2012, 1995). Portanto, o rendimento territorial se refere ao aproveitamento e
48 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

adaptação das estruturas naturais no desenvolvimento das estruturas antrópicas de


um território.

O rendimento de um território pode então ser avaliado a partir da geomorfologia e


localização geográfica de uma área natural. E isso é feito por meio da verificação da
"energia do relevo", que é constituída pela declividade do terreno e por sua altitude,
que são inversamente proporcionais às possibilidades de utilização espontânea de
uma área. Quanto maior essa ‘energia’, maior a resistência do relevo e o trabalho
para utilizar essa área – e, portanto, menor seu rendimento (CARLOTTI, 1995, pp. 17-
18). Áreas montanhosas ou de declividade acentuada, por exemplo, têm maior
energia e uma plástica mais vigorosa, e, portanto, exigem mais trabalho para serem
utilizadas, diferentemente de platôs e colinas de relevo mais suave.

Nesse sentido, pode-se dizer que tal ideia de rendimento se aproxima da noção de
aptidão, ou suitability, formulada por McHarg (1971). Porém, o conceito de Carlotti
se relaciona mais com a ideia caniggiana da formação de territórios antropizados. O
rendimento territorial serve para avaliar a adaptabilidade e as resistências
morfológico-ambientais à antropização e à mutação do sistema de relações
socioeconômicas de um território.

Todavia, a morfologia do território não é o único fator determinante no uso de uma


área, pois o desenvolvimento tecnológico e as mutações dos sistemas de produção
modificam, continuamente, a relação entre homem e ambiente ao longo do tempo.
Assim, o aproveitamento do sítio pode-se dar não apenas pela facilidade de utilização
imediata de uma área, mas com base no uso pretendido e nas características da área
que podem ser modificadas. Por exemplo, sociedades tecnicamente mais avançadas
tendem a explorar áreas mais extensas, de relevo contínuo, com maior
Rendimento e traçado urbano 49

produtividade agrícola e ocupação urbana. Drena-se uma planície alagadiça e tem-


se uma vasta plantação, e assim bonifica-se a área. E, com o passar do tempo, se essa
área apresentar menor valor agrícola que urbano, aterra-se a planície e cria-se uma
nova área urbana.

Com isso, é possível notar que os critérios de avaliação do rendimento variam


dependendo do uso desejado, do desenvolvimento tecnológico da sociedade, e de
características ambientais que vão além da forma do relevo. Utilizando o
rendimento na análise do território, Carlotti (1995) revelou uma relação entre as
áreas morfologicamente delimitáveis de um território. Nelas, as estruturas
antrópicas produzem uma ação unitária com o contexto natural, e se relacionam
com outras áreas numa relação de interdependência e hierarquia. Ou seja,
determinadas cidades, localizadas em áreas geográficas privilegiadas, circundadas
por um relevo homogêneo extenso, têm maior possibilidade de expansão urbana,
cultivo agrícola e outros usos, tornando-se mais importantes em escala territorial.

Dessa maneira, o rendimento territorial traz à tona a simbiose que há entre a


geomorfologia do sítio e as estruturas construídas pelo homem; podendo ser
associada à ideia de ‘disposição’ citada inicialmente. E, no âmbito da morfologia
urbana, o relevo do sítio, resultante de múltiplos fatores, deve ser levado em conta
na análise ou planejamento em escala territorial. Estradas e ruas, áreas produtivas,
edificações, bairros, cidades e suas conexões devem ser projetados e avaliados a
partir das formas naturais do sítio, como veremos a seguir.
50 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

1.2. Rendimento na escala da cidade


A partir das diferentes acepções de rendimento aqui apresentadas, podemos
entender que a cidade é um ‘artefato’, constituído por percursos e edificações,
inserido em um determinado território, e que esse território apresenta uma
estruturação natural, com uma hierarquia própria. E, desse modo, a intervenção
humana, particularmente do âmbito do projeto e do planejamento urbano, deve
fazer com que o artefato edificado harmonize com o contexto natural no qual será
construído. Ou seja, quanto mais um traçado urbano for estruturado a partir do
relevo do sítio e de sua hierarquia, maior seu ‘grau de coerência com o contexto’ –
seu rendimento; como veremos a seguir.

1.2.1. Hierarquia natural e interdependência

Cada território possui formas naturais que, por sua vez, apresentam uma ‘coerência
intrínseca’. Cada promontório corresponde ao fundo de vale que o delimita, e seus
formatos são interdependentes.13 Se o rio faz uma curva aqui, a cumeada faz uma
curva lá. Isso ocorre porque cada uma dessas estruturas naturais, com seus formatos
peculiares, resulta de um longo processo no qual fatores tectônicos, características
do solo, clima e pluviosidade de uma área desempenham seu papel (CANIGGIA E
MAFFEI, 2008, p. 216). E, desse modo, nota-se uma hierarquia natural, orográfica e
hidrográfica, visível de modo particular na distribuição de cumeadas e talvegues.14

13
“Promontório” é uma “porção de território individuada por ter uma espécie de unidade”, que emerge em relação
ao território circunstante, e que apresenta uma “autonomia dada por uma delimitação natural” (CANIGGIA E
MAFFEI, pp. 244-245, tradução nossa); uma espécie de ‘unidade de relevo’.
14
Podemos citar o exemplo das bacias hidrográficas, que nada mais são que estruturas hierárquicas de linhas de
talvegue, e que, a partir da obra de Ian McHarg (1971), têm sido utilizadas como unidades de planejamento territorial,
precisamente graças à sua hierarquização – perceptível a partir do quanto uma bacia se ramifica por um território.
Rendimento e traçado urbano 51

Para a escola italiana de morfologia, a formação de um território se relaciona


necessariamente com essa hierarquia natural. Em áreas de formação espontânea,
cumeadas, talvegues e linhas de meia pendência serviram como suporte para as
primeiras estradas, que serviam para percorrer e atravessar o território. O relevo
suave e contínuo servia de suporte para áreas agrícolas e, posteriormente, áreas
urbanas. O cruzamento entre os percursos – denominado de “nó” –, por exemplo, era
o ponto do qual se originavam as cidades. E as faixas de declividade acentuada – como
cordilheiras ou vales com rios largos – eram os limites “relativamente
intransponíveis”, cuja dificuldade de atravessamento delimitava esse território
(CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 133-138, 209-212 e 241-248).

Esse mesmo conjunto de relações é visível na escala urbana. Em muitas cidades


antigas, de formação espontânea, o traçado urbano está vinculado às formas do
relevo e ao cruzamento de percursos. O encontro das linhas de cumeada, a
confluência dos fundos de vale e a extensão dos promontórios estruturam e
delimitam o traçado e as formas dessas cidades. Além do mais, o que caracteriza e
constitui um aspecto atraente de muitas dessas cidades antigas é a sua
‘organicidade’, que pode ser percebida pelo formato de seu traçado e pela
localização de suas principais ruas, praças e edificações, que, assim como as formas
naturais, também apresentam uma relação de interdependência e hierarquia. Em
cidades espontâneas, a organicidade advém do fato de seu traçado ter se formado
por meio de um processo. E, de modo geral, a ‘organicidade’ de uma cidade só existe
na medida em que seus elementos – percursos, parcelas, edificações e espaços livres
– surgem de maneira interdependente.
52 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

1.2.2. Rendimento urbano

Ao trazer o foco do rendimento para a escala da cidade, é necessário reconhecer essa


relação coerente entre os elementos morfológicos da forma urbana e as
características do sítio, em particular o relevo – ou seja, entre organicidade e
hierarquia natural. Com isso, o conceito de rendimento pode receber uma terceira
acepção, i.e., o ‘rendimento urbano’, que pode ser entendido como a coerência
intrínseca entre o traçado da forma urbana e o contexto natural.

Ao ter em mente as relações positivas entre certos conjuntos estruturados pelo


homem e suas componentes, é possível projetar a partir da coerência com o
contexto. Porém, um traçado projetado organicamente, com partes
interdependentes, que não corresponda ao contexto natural, tenderá a ser
conflitante, apresentando baixo rendimento. Do mesmo modo um traçado
integrado ao contexto natural sem uma coerência orgânica intrínseca não pode ser
dito de alto rendimento.

O rendimento pressupõe que um traçado urbano orgânico deve ter um caráter de
agregação de ‘elementos individuados por posições e formas peculiares’, com
formatos e funções próprias; ao invés de uma estrutura projetada a partir de
abstrações. O projeto de novos traçados urbanos deve, portanto, levar em
consideração a morfologia natural e a disposição coerente dos elementos
morfológicos. E, desse modo, traçados urbanos com alto rendimento serão então
caracterizados pela adaptação ao relevo e às características ambientais, bem como
pela conformidade às pré-existências antrópicas que porventura houverem na área,
tanto materiais como culturais.
CAPÍTULO II

MARINGÁ, LEITURA MORFOLÓGICA


Figura 7: “Ante-projéto da cidade de Maringá no Estado do Paraná”, elaborado por Jorge de Macedo Vieira. Fonte: Museu da Bacia do Paraná.
2. Maringá, leitura morfológica
Entendendo o rendimento como essa relação de coerência intrínseca entre traçado
e morfologia natural, é hora de encontrar parâmetros para avaliar o rendimento de
um traçado urbano. Nesse momento, tomo por objeto a cidade de Maringá, no norte
do Paraná, que, em seu conjunto, apresenta duas porções de traçado urbano com
configurações distintas. A primeira resulta do “Ante-projéto da cidade de Maringá
no Estado do Paraná”, desenhado por Jorge de Macedo Vieira entre 1945 e 1947 – ou,
simplesmente, ‘Plano Vieira’ (Figura 7) 15 . E a segunda configuração resulta da
expansão urbana ao redor desse perímetro projetado inicial. É sobre aquela primeira
porção que me debruço no presente capítulo.

Maringá é definida por muitos como uma ‘cidade-jardim’, graças à consideração das
formas do sítio e outras pré-existências no projeto de seu traçado, cujo arranjo lhe
conferiu uma identidade peculiar. Diante disso, que qualidades desse traçado
podem ser associadas ao rendimento na avaliação de cidades novas? Para identifica-
las, efetuo uma leitura morfológica. ‘Leitura’, no sentido dado por Caniggia e Maffei
(2008, pp. 65-66), é a análise do conjunto com vista à projetação – diferente da
simples ‘análise’, que é o exame das partes de algo em si mesmo, sem
necessariamente ter por finalidade a projetação (ANÁLISE, 2020; ANALYSE, 2020). E

15
Três são os desenhos desse “ante-projéto”, fases da concepção de um mesmo plano para Maringá. O primeiro
apresentava um traçado com partes bem definidas, mas um conjunto ainda não aparecia totalmente coeso. As
modificações em seu desenho, provavelmente feitas durante conversas – como indicam as anotações e desenhos
feitos com lápis de diversas cores –, deram origem à segunda versão do “ante-projéto”. Essa segunda versão do
“ante-projéto” para Maringá apresentava maior compatibilização entre as partes, e foi passada a limpo em um
terceiro desenho com mais detalhes técnicos. É sobre esse terceiro desenho que faço essa leitura.
56 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

‘morfológica’ porque observo o conjunto dos elementos do traçado urbano e


identifico o arranjo e a hierarquia desses elementos e sua relação com a morfologia
natural. Esta leitura trata de identificar a lógica de estruturação projetada para
Maringá, compreender os preceitos que deram origem tanto aos planos dessa
cidade nova como da sua relação regional, e de que modo eles se aproximam da ideia
de rendimento. A partir disso, posso extrair os parâmetros de avaliação do
rendimento. ‘Avaliação’ não apenas no sentido de análise, mas de síntese teórica
que deve estar presente na mente do projetista ao planejar um traçado.

2.1. O território da Companhia


O projeto de Maringá data de 1945-1947, no contexto da expansão das atividades da
CMNP (Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, antiga CTNP – Companhia de
Terras do Norte do Paraná), visando o “assentamento bem sucedido de colonos” em
sua gleba (Figura 8), limitada pelo rio Paranapanema (a Norte, na divisa com o estado
de São Paulo) e pelo rio Ivaí (a Sul). O método da Companhia consistia no
parcelamento dessa gleba em lotes rurais destinados à cafeicultura, e em um
conjunto de cidades servidas por uma ferrovia que escoaria a produção para o porto
de Santos (REGO, 2009, pp. 59, 95-96, 107 e 120-122).

A inovação desse empreendimento era a ‘espacialização’ do território feita por meio


de uma rede de cidades – estreitamente relacionada com os percursos territoriais.
Tomando “a artéria traçada pela ferrovia percorrendo os espigões como elemento
estruturador [desse novo território]”, as cidades da CTNP, planejadas “para se
Figura 8: Delimitação da área de propriedade da tornarem grandes centros prestadores de serviços”, foram posicionadas sempre a
Parana Plantations no norte do estado do
Paraná. Fonte: REGO, 2011. uma distância de 100km uma da outra. Já as cidades menores foram “planejadas
Maringá, leitura morfológica 57

como centros de abastecimento da população rural, com no máximo 15 km de


distância entre si”. A partir do percurso territorial de cumeada materializado na
ferrovia, cada bacia hidrográfica foi dividida em lotes compridos e estreitos
(WAIBEL, 1949; KOHLHEPP, 2015), como nas figuras 9 e 10. As extremidades de tais
lotes atingiam a ‘cumiada’ de um lado e o rio de outro (REGO, 2001, p. 1572).16

As primeiras cidades da CTNP foram projetadas apenas na área imediatamente


contígua às paradas da ferrovia, com um traçado reticulado e ortogonal. 17 Porém,
“sempre que possível, o relevo defini[u] as particularidades [desse] traçado urbano”
(BELOTO, 2015, p. 36). Assim, a estrutura cumeada-ferrovia definiu os nós de origem
dessas cidades, e os declives mais acentuados serviram como limitadores desses
núcleos urbanos. Adotaram-se ainda motivos formais, possibilitados pela liberdade
de atuação num território virgem. Um exemplo são os eixos que conectam ‘estação
ferroviária, praça principal e cemitério’ – configurando entrada, centro e saída dos
núcleos urbanos (REGO et al., 2004, pp. 143-144).Nota-se, assim, que o relevo do
espigão balizou a definição do traçado da ferrovia e da estrada paralela a ela, o
parcelamento dos lotes rurais e a localização dos núcleos urbanos. Enquanto isso, as
cumeadas secundárias balizaram as estradas vicinais que conectavam os lotes rurais
às cidades (MENEGUETTI, 2007, p. 72).
Figura 9: Parcelamento rural da área lindeira à
cidade de Marialva, nos arredores de Maringá.
16
A respeito dos lotes rurais, Rego (2001, p. 1572) comenta: “A estrutura agrária com lotes de dimensões limitadas - Figura 10: Esquema de ocupação das
10 a 15 alqueires, em geral -, consoantes com as exigências da topografia, é melhor compreendida quando se adota propriedades rurais delimitadas pela
o ponto de vista prático do vendedor de terras: visava como compradores em potencial chefes de família de recursos Companhia, com o acesso aos terrenos feito a
modestos, imigrantes recém-chegados.” – Estreitos e compridos, da cumeada ao talvegue dos rios: esse formato e partir do percurso de cumeada, e as edificações
dimensão dos lotes rurais terá implicações na conformação da expansão urbana de Maringá, como veremos adiante. localizadas junto ao curso d’água. Fonte: CMNP,
17
A observação da ortogonalidade dos núcleos iniciais tem sua importância ao pensarmos no que ocorreu em 1975.
Maringá e na relação entre centro e bairros dentro do plano original, como será visto adiante – relação que poderia
ser replicada nessas cidades. Porém, assere Rego (2009, p. 123) que “[u]m modelo dessa natureza [i. e., ortogonal] foi
particularmente útil sempre que os assentamentos urbanos tiveram um caráter temporário ou tiveram de ser
construídos às pressas; ou ainda quando foram construídos com objetivos claros, limitados e práticos, tal como se
pode ver em muitos sítios de origens militares ou coloniais.”
58 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

De certo modo, o trabalho da Companhia apresenta algumas semelhanças com o


processo de formação espontânea do território descrito por Caniggia e Maffei (2008)
e por Carlotti (1995, 2012), visto que as estruturas antrópicas foram pensadas a partir
da morfologia natural. Da cumeada entre os rios Paranapanema e Ivaí nasceu o
percurso territorial traduzido pela ferrovia, que requeria uma inclinação mínima e
contínua, economizando estruturas – como pontes, etc. – em um contexto no qual
era necessário desbravar uma mata virgem. Ocorreu, portanto, não uma ocupação
espontânea, mas um processo deliberadamente planejado, que levou em conta
morfologia natural, necessidades práticas, lucratividade, e ocupação gradual da área
– buscando o melhor rendimento [territorial] possível.

Podemos observar na figura 11 que o espigão ocupado pela gleba da Companhia


derivava da cumeada entre os rios Ivaí e Tibagi, que também separava esses dois rios
da bacia do rio Iguaçu, derivando do divisor de águas que separa a bacia do rio Paraná
das demais bacias dos grandes rios do Brasil. Do outro lado do Paranapanema,
partindo de São Paulo, vinha a estrada de ferro Sorocabana. Seu traçado, partindo da
capital paulista, atravessava fundos de vale e áreas de meia pendência, passava por
Botucatu, subindo a cumeada entre o rio Paranapanema e seu afluente, o rio Pardo,
chegando até Ourinhos. Depois desse ponto, a estrada de ferro atravessava o
Paranapanema, adentrando o Paraná, cruzando uma série de fundos de vale até
Jataizinho. Esse trecho foi comprado pela CTNP, que deu continuidade à ferrovia.
Nesse ponto, a ferrovia cruzava o rio Tibagi, adentrando a gleba da CTNP e subindo
no espigão territorial entre Tibagi, Pirapó e Ivaí por meio de uma cumeada
secundária, passando por Londrina até chegar a Cambé. A partir daí, o traçado da
ferrovia prosseguia em direção ao Sul até Apucarana, localizada na bifurcação da
cumeada que vinha do rio Iguaçu, e prosseguia na direção Oeste sobre a cumeada
entre o Ivaí e o Pirapó, chegando até o lugar em que Maringá seria plantada.
Maringá, leitura morfológica 59

Figura 11: Território e Ferrovia. Fonte: IBGE, EMBRAPA, CPLA, IAP e Open Street Maps (editados pelo autor).
60 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Podemos estabelecer uma relação entre o processo de ocupação do território


elaborado por Caniggia e Maffei (2008, p. 214) e o que ocorreu em Maringá. Quatro
são as fases no primeiro ciclo de ocupação de um território. A ferrovia e a estrada
sobre a cumeada territorial – de Cambé até a confluência dos rios Paranapanema e
Ivaí no rio Paraná – representam a primeira fase na qual se percorre uma cumeada
principal que ligue um ponto do território a outro (Figura 12). O estabelecimento das
cidades ao longo da ferrovia representam a segunda fase – com percursos nas
cumeadas secundárias e assentamentos próximos às confluências de rios próximos
da cumeada territorial; são as cidades delimitadas pela topografia dos fundos de vale,
e – como veremos adiante –, no caso de Maringá, um conjunto de bairros com
centros definidos em cada uma das cumeadas secundárias. 18 A terceira fase
corresponderia à ocupação posterior do território, com patrimônios e pequenas
cidades já fora das proximidades da ferrovia. Além disso, essa terceira fase se mescla
à quarta fase – na qual surgem novos assentamentos nos limites de uma área
cultural, ou seja, nos pontos de troca entre diferentes regiões. Nessa quarta fase, a
qual a ferrovia foi desviada para a cumeada secundária na direção do rio Ivaí, e as
estradas que vão em direção a Cianorte, Campo Mourão e Astorga foram
construídas (BELOTO, 2015). E a única coisa que faltaria à conclusão desse primeiro
ciclo de ocupação do território seria o desenvolvimento de núcleos urbanos nos
pontos de cruzamento dessas estradas com os rios Ivaí e Pirapó.

18
Pode-se argumentar que Maringá não está deslocada sobre uma cumeada secundária, mas assentada sobre a
cumeada principal. Porém, esse argumento cai por terra ao observarmos que a cumeada territorial na qual Maringá
se assenta apresenta uma topografia suave, diferente daquelas cumeadas italianas descritas por Caniggia e Maffei
(2008). Logo, a primeira e a segunda fase desse primeiro ciclo de ocupação do território podem ser identificadas em
um mesmo local, e, em um processo planejado, até ao mesmo tempo.
Maringá, leitura morfológica 61

Figura 12: Traçados das cidades plantadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Notem-se os percursos de cumeada em vermelhos e os traçados rurais e urbanos
desenhados pela CTNP. Em sentido anti-horário, as cidades de Londrina, Cambé, Rolândia e Arapongas. Note-se o desenho formal, com vias ortogonais, arrematado por vias
restringidas pela topografia do sítio. Fonte: Museu da Imigração de São Paulo.
62 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

2.2. Uma cidade nova sobre pré-existências


Diferente das cidades que a antecederam no processo da colonização do Norte
Paranaense, cujo traçado era mais ortogonal, ainda que delimitado pelo relevo
(REGO, 2009; REGO et al., 2004), Maringá nasceu de uma lógica diferente. Mesmo
sendo uma cidade ex novo, seu traçado não foi concebido prescindindo das
características físicas do terreno, mas originou-se delas. “Suas ruas ajustam-se à
topografia do sítio (...), num desenho tipicamente pinturesco.” Vieira conferiu um
tratamento que valorizou as áreas verdes, fazendo sobressair praças, jardins e
parques (BONFATO, 2008, p. 111).

Ao observarmos as formas do sítio em que Maringá foi desenhada, alguns elementos


são dignos de nota. O primeiro é a cumeada territorial do espigão entre as bacias ao
Figura 13: Pré-existências naturais e antrópicas
da área do plano Vieira. A linha tracejada indica a Norte e ao Sul (dos rios Pirapó e Ivaí), a partir do qual Maringá teve origem. O
ferrovia e o asterisco a parada do trem. As linhas segundo é o conjunto de cumeadas secundárias, com diferentes extensões, que
contínuas indicam os córregos (A) Nazareth, (B)
Mandacaru, (C) Morangueiro, (D) Betty, (E)
derivam daquele divisor de águas territorial. E o terceiro é o conjunto de fundos de
Cleópatra, (F) Moscados e (G) Merlo. vale, com rios de maior e menor porte (Figura 13). São esses elementos que formam
Fonte: Museu da Bacia do Paraná, adaptado pelo as unidades de relevo sobre as quais Maringá foi desenhada. Cada cumeada
autor.
estruturava, como uma espinha dorsal, as unidades de relevo delimitadas pelos
fundos de vale (Figura 14).19

19
Rios e afluentes que podem ser entendidos em três categorias. A primeira é a de delimitador territorial, que é o
caso dos rios Paranapanema e Ivaí. A segunda é constituída pelos delimitadores da área de influência da cidade,
como no caso do rio Pirapó. E a terceira categoria é dos delimitadores urbanos, como os córregos lindeiros à área
urbana projetada. Duas cumeadas ligam diretamente a cumeada territorial a esses limites. E, se pensarmos ainda na
cumeada territorial como dividida no sentido do rio Paraná e no sentido da cumeada do Tibagi, é possível afirmar
que a área de Maringá apresenta quatro ‘braços’: dois representados pela cumeada territorial nos sentidos Leste e
Oeste, e as duas cumeadas secundárias que atingem os rios, possibilitando o contato com outras áreas do território.
Tais cumeadas, somadas às unidades de relevo, forneciam condições favoráveis à expansão do traçado de Maringá,
como veremos mais adiante.
Maringá, leitura morfológica 63

Figura 14: Topografia tridimensional da área de Maringá (deformação Z de 10 vezes no Grass). Fonte:
Elaborado pelo autor.
64 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Observando a declividade do território ao redor de Maringá, é possível notar áreas


com um relevo contínuo, sem grandes alterações de declividade, quase planos. Essas
áreas são delimitadas por faixas de terra de declividade acentuada, em
correspondência dos córregos mencionados. Desse modo, temos um conjunto de
promontórios – unidades de relevo de formatos e tamanhos variados – estruturados
por cumeadas. Quanto menos extensas e mais próximas da cumeada territorial e da
parada do trem eram essas unidades, mais propícias para a ocupação inicial da
cidade. E, quanto mais extensas, chegando aos limites do território, mais
importantes para a articulação da cidade do território e para a expansão urbana.20

Podemos perceber que o plano Vieira está localizado na articulação desses


promontórios, por conta do espigão territorial. Ao redor dessa área, podemos notar
duas unidades de relevo que, juntas, superam a área do plano Vieira. A primeira, a
leste do córrego Merlo, possuía uma vasta área plana e foi utilizada para o primeiro
aeroporto da cidade. E a segunda unidade de relevo está localizada a oeste do córrego
Cleópatra. Já ao norte do plano Vieira, temos uma série de promontórios mais
longos, que podem ser subdivididos. Entre todos eles, uma área intermediária
articula a área do plano Vieira em si e essas unidades de relevo. E todas essas
estruturas – promontórios, cumeadas, fundos de vale e áreas de topografia suave –
foram aproveitadas pelas estruturas antrópicas que precederam o Plano Vieira.

Na figura 15, podemos observar as pré-existências antrópicas a partir das quais o


plano de Maringá foi desenhado. Em tracejado, temos a ferrovia – cuja parada,

20
Na área do plano Vieira, a unidade de relevo mais facilmente distinguível é aquela compreendida entre os
córregos Cleópatra e Moscados – um promontório com três quilômetros na direção Sul. Além dele, o promontório
a leste, entre os córregos Merlo e Moscados, pode ser facilmente percebido. Enquanto isso, o promontório entre o
córrego Cleópatra e Betty a oeste, e as demais unidades de relevo só podem ser observadas de uma escala mais
ampla.
Maringá, leitura morfológica 65

marcada pelo asterisco, foi colocada em uma região mais plana do sítio. Em
hachurado temos o “Maringá Velho” – assentamento provisório assentamento
provisório anterior à cidade, absorvido no Plano Vieira. Em traço contínuo, temos a
Avenida Brasil; em pontilhado, os antigos acessos ao Maringá Velho; e, em traço-
ponto, as estradas abertas pela Companhia para dar acesso às áreas rurais: de Oeste
a Leste, no sentido norte, temos a Estrada São José (A), a Estrada Mandacaru (B), a
Estradinha (C) e a Estrada Morangueira (D). E, na direção Sul, temos a Estrada
Cleópatra (E). Note-se como todas elas nasciam na avenida Brasil. E, no caso
particular da estrada Morangueira (D), observe-se como seu desenho parte do
centro principal.

Figura 15: Estruturas antrópicas anteriores ao Plano Vieira. Fonte: Museu da Bacia do Paraná (adaptado pelo autor).
66 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

2.3. Elementos característicos do Plano Vieira


Maringá foi projetada como um conjunto coeso, composto por partes
hierarquizadas. O traçado de seu anteprojeto possui uma hierarquia intrínseca na
qual os bairros foram projetados com centros definidos e interligados por avenidas
articuladas por rotatórias. Suas ruas, cujo desenho varia entre regular e irregular,
foram estruturadas por avenidas principais. E seus espaços públicos foram dispostos
de maneira hierarquizada e polinuclear – utilizando inclusive de arborização e
ajardinamento para enfatizar tal aspecto (REGO, 2001, pp. 1572-1577).

O traçado que vemos no projeto de Maringá é difícil de ser dissecado em partes


diversas. É possível notar a interdependência dos elementos desse traçado urbano,
dispostos de maneira hierarquizada. Sua forma tampouco é facilmente descrita,
posto que se molda organicamente à topografia. O que verifico nesse momento,
portanto, é de que modo e em que medida os elementos do traçado projetado para
Maringá apresentam organicidade e correspondência com a hierarquia natural do
sítio. Identifico como elementos urbanos centros; avenidas e ruas; rotatórias, praças
e canteiros; 21 quadras; e edificações públicas foram reunidos sobre o terreno. E, a
partir disso, busco entender como uma cidade nova planejada pode apresentar a
Figura 16: Detalhe do anteprojeto de Jorge de organicidade e a coerência necessárias ao bom rendimento urbano.
Macedo Vieira para Maringá com a legenda das
edificações e das áreas. Fonte: Museu da Bacia do
Paraná.

21
O termo “canteiro”, aqui, serve para designar logradouros públicos arborizados ou ajardinados – que podem servir
como praças, mas que não foram especificados por Vieira em seu Plano. Nesse sentido, o termo “canteiro” pode ser
entendido como pertencente ao conjunto de áreas livres públicas da cidade, não sendo vinculado necessariamente
à ideia de sistema viário, como no caso dos “canteiros centrais” – termo utilizado pelo Código de Trânsito Brasileiro
(BRASIL, 1997) – ou “canteiros de avenidas”, utilizado como sinônimo. A diferença entre o termo geral “canteiro” e
o termo “canteiro central” ficará patente mais adiante, à medida que visualizarmos o Plano Vieira.
Maringá, leitura morfológica 67

2.3.1. Centros

O traçado do plano Vieira apresenta um centro principal e cinco centros


secundários. Esses centros são espaços públicos abertos compostos por áreas verdes
e edificações como “edifícios públicos” e “núcleos comerciais” (Figura 16). No
centro principal congregam-se as sedes das principais instituições, e, nos centros
secundários, o comércio local (BRAGA, 2019, pp. 26-44 e 84-109). O centro principal,
suas edificações governamentais e outros edifícios relacionados foram projetados
visando o aspecto simbólico e cívico daquele local. 22 Enquanto isso, os centros
secundários foram projetados para gerar o mesmo efeito do centro principal em
menor escala, como foco da vida comum da comunidade local.

O centro principal foi desenhado ao sul da região central, ligado à estação ferroviária
por uma avenida. Seu traçado era composto por três praças e quatro canteiros
rodeados por um conjunto de edifícios públicos e pela igreja matriz (Figura 17).23 O
conjunto edificado foi disposto em cinco quadras que, juntas, formavam um
quadrilátero dentro da região central e um crescent, ou semi-círculo, na porção
mais ao sul do conjunto – delimitado a leste e a oeste por duas avenidas que
confluíam na direção do promontório sul. Assim, o centro cívico foi encaixado no
limite Sul e não no centro geométrico da região central de cidade – porém, foi

22
De fato, a praça central de Maringá não coincide com a praça da estação ferroviária – que constituía o ponto de Figura 17: O centro principal ao
partida do traçado da cidade e o ponto de chegada de seus visitantes. Ao contrário, essas “duas praças distintas estão sul da estação ferroviária.
conectadas por uma avenida larga e importante”. Esse eixo, arrematado por essas duas praças, “destaca-se no Detalhe do plano Vieira para
desenho da cidade como seu elemento principal: uma via de aproximadamente 46 metros de largura e 600 metros Maringá. Fonte: Museu da Bacia
de comprimento, com canteiro central e passeio de pedestres” (REGO, 2001, p. 1575). do Paraná.
23
Duas dessas praças foram desenhadas com formato circular, enquanto a praça no meio do conjunto foi desenhada
como um quadrilátero subdividido em quatro partes, com uma fonte luminosa circular ao centro.
68 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

desenhado em correspondência da afluência das curvas de nível que indicavam a


cumeada do promontório entre dois córregos.

Quanto aos centros secundários, três foram desenhados sobre as cumeadas,


conectados às principais avenidas da cidade e dois foram desenhados sobre linhas
de escoamento, no interior dos bairros. De fato, é possível notar como cada um
desses centros foi colocado sobre polos pré-existentes, dados pela topografia. Além
disso, evitou-se a colocação desses centros em locais com aclives acentuados, de
modo a não inibir o tráfego e possibilitando o acesso dos transeuntes, consoante à
sua função comunitária (Figura 18).

Desenhados como pontos focais da cidade e de seus bairros, esses centros formaram
os pontos de “origem” a partir dos quais os bairros tomaram forma, sendo
arrematados pelos limites dados pela topografia. Assim, cada um desses centros,
colocados sobre pontos importantes do relevo, comanda a estruturação de cada
bairro e pode ser entendido como polo urbano, 24 seja como ponto do qual partem ou
para onde se dirigem os percursos – graças à sua coerência com o relevo. Na Figura
Figura 18: Alguns dos centros secundários executados. Em
19 temos alguns dos centros de Maringá sobre o relevo. Linhas esfumadas
sentido horário, as praças: Pedro Álvares Cabral, Regente Freijó, representam as cumeadas (e a mais espessa é a cumeada territorial). Linhas
Mons. Bernardo Cnudde e Ari Barroso. Fonte: Museu da Bacia
do Paraná. pontilhadas correspondem às curvas de nível presentes no plano Vieira. Em
tracejado, a ferrovia. O asterisco marca a parada do trem. A letra (A) marca o centro
principal. As letras (B), (D) e (E) marcam os centros localizados nas cumeadas
secundárias. E as letras (C) e (F) marcam os centros sobre linhas de escoamento.

24
Sobretudo por apresentarem uma condição de “polaridade”, necessária à formação de um organismo urbano
(CANIGGIA E MAFFEI, 2008, pp. 137-138 e 171-173)
Maringá, leitura morfológica 69

Além dessa coerência dos centros projetados com o relevo, é possível observar uma
hierarquização nessa rede de centros principais e secundários do plano Vieira. Por
meio dessa hierarquia de – pelo menos dois – centros definidos, pôde-se estabelecer
uma relação de proporção entre as partes do projeto, enfatizando e subordinando
cada uma delas.

Figura 19: Alguns dos centros de Maringá sobre o relevo. Fonte: Museu da Bacia do Paraná, adaptado pelo autor.

Desse modo, o conjunto dos centros, dispostos de maneira interdependente,


apresenta uma organicidade intrínseca, com uma estrutura polinuclear, “articulada
70 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

numa hierarquia muito clara entre o elemento principal do plano e seus centros
secundários” (REGO, 2001, p. 1575). Isso conferiu à cidade uma identidade própria,
gerada pelas formas desenhadas intencionalmente consoantes ao relevo do sítio e
pela unicidade dos traçados dos bairros, que formam um conjunto coeso e
hierarquizado por seus centros.

2.3.2. Bairros

A partir dos centros, de sua colocação e de sua hierarquização, foram desenhados os


bairros. E cada um deles foi projetado primeiro a partir do relevo do sítio. E isso seja
pela colocação de cada bairro no conjunto, seja pelo desenho das curvas de nível,
absorvido no traçado das vias. Novamente a topografia foi levada em consideração.
Cada bairro ao sul da ferrovia foi desenhado sobre um promontório, enquanto a área
central articulava todos eles, servindo de ponto de passagem entre um e outro. E ao
norte da ferrovia, os bairros foram desenhados arrematando uma área com um
relevo mais amplo, sem limites próximos muito claros.

O desenho das avenidas e ruas de cada bairro foi feito combinando linhas retas e
curvas. Podemos notar a ortogonalidade da área central, com sua praticidade e
imponência, e o aspecto pitoresco dos bairros, com suas perspectivas mais
adaptadas aos pormenores do relevo. “[A]s vias de traçado ortogonal são
proporcionalmente mais curtas que as vias curvas e irregulares, menos monótonas
e mais variadas”. Além disso, “[a]s retas desenhadas pelas primeiras têm definidos
seus pontos iniciais e finais, garantindo, deste modo, um limite e um atrativo à
paisagem da rua” (REGO, 2001, p. 1574). É só a partir desse aspecto morfológico – da
colocação dos bairros sobre os promontórios e do desenho de seu traçado – é que se
pode compreender a setorização dos bairros.
Maringá, leitura morfológica 71

De fato, o emprego de ruas retas ou sinuosas dependia do relevo do sítio e de outros


aspectos como tráfego, drenagem e infraestruturas, além da conformação dos lotes
e dos custos de construção – ao diminuir movimentos de terra. As vias curvas foram
utilizadas para se adaptar ao terreno, melhorar as mudanças de direção do tráfego,
conectar percursos existentes, evitar obstáculos e preservar pontos de interesse.
Enquanto isso, as vias retas foram usadas em menor proporção, em menor medida,
e com menores dimensões, exceto quando havia a intenção de gerar vistas abertas e
distantes. Era a complementaridade entre o regular e o irregular (Figura 16).25

Para onde quer que se olhe no plano Vieira, é possível verificar uma hierarquização,
desde a escolha do relevo ao posicionamento dos centros – o que se refletiu na neta
separação entre o traçado imponente e retilíneo do centro e o traçado curvo e
pinturesco dos bairros. É possível perceber que Vieira distinguiu os bairros por meio
dos centros e da continuidade dos percursos em correspondência das unidades de
relevo. Em correspondência da importância de cada um desses bairros, os centros,
percursos, praças, edificações e equipamentos públicos foram hierarquizados.

Todas essas ruas de bairro, de um modo ou de outro, desaguam nas avenidas da


cidade – sem o intermédio do que hoje chamamos ‘vias coletoras’ – e algumas delas
permeiam mais de um bairro. Já as avenidas da cidade serviram como esqueleto ou
amarração para essas ruas menores, e foram articuladas por meio de rotatórias.
Rego (2001, p. 1574) assere como é sensível “a hierarquia entre as vias principais e
secundárias”, diferenciadas por sua largura, de “20, 30, 35 e 40m”, bem como “pela

25
Vias retas indefinidas eram consideradas como ‘monótonas’, destruindo a paisagem urbana. E deveriam ser
combinadas com algumas vias curvas, sobretudo nas áreas centrais, onde grandes edifícios públicos seriam
implantados ou onde se buscasse um efeito imponente (UNWIN, 1909, pp. 237-269 e 299).
72 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

eventual presença do canteiro central e [posteriormente] pela variedade de espécies


na arborização [dessas avenidas]”.

Desse modo, é possível notar a distinção e hierarquização entre os bairros pelos


formatos do seu traçado e por sua localização. Associadas, essas características
fazem perceber, seja ao pedestre que ao motorista, que uma rua, área ou bairro é
mais importante que outro. Essa hierarquização do traçado ao mesmo tempo refletia
e se desdobrava na localização das praças e canteiros, bem como na localização de
edificações e equipamentos públicos.

2.3.3. Percursos delimitadores e entradas

Para realçar a identidade, a hierarquia e a unicidade da cidade e de cada um de seus


bairros, limites definidos foram estabelecidos. De fato, no desenho de Maringá,
pode-se notar como os limites naturais das unidades de relevo, representados pelos
fundos de vale, foram sublimados em infraestruturas e amenidades. É o caso dos
bosques, mas, também, de algumas avenidas e da ferrovia. Porém, nessa delimitação
dos bairros, é possível identificar ainda a utilização de outros dois dispositivos: o
controle da continuidade dos percursos por meio de desencontros; e o emprego de
espaços livres e praças.

Notemos como os bairros são separados, distintos uns dos outros, pelas avenidas.
Com isso, as ruas dos bairros não continuam indiscriminadamente, como ocorreria
em um grid ortogonal. Ao contrário, projetaram-se desencontros entre as ruas de
um bairro e de outro. Cada rua termina em uma avenida – que, nessa situação,
assume um papel delimitador; e, para facilitar esta leitura, tais avenidas podem ser
entendidas como ‘percursos delimitadores’. Esse desencontro é visível de modo
Maringá, leitura morfológica 73

particular na área central, cujas ruas não continuam na direção dos bairros ao sul,
mas param na avenida que os separa.

Figura 20: Desencontros das vias de bairro entre a área central comercial e os bairros residenciais.
Detalhe do plano Vieira para Maringá. Fonte: Museu da Bacia do Paraná.

Há, portanto, um controle da continuidade dos percursos, i. e., do quanto eles


adentram e permeiam outros bairros. Avenidas – percursos estruturantes e
delimitadores – apresentam, por exemplo, maior continuidade que os percursos
locais das ruas dos bairros. Com isso, podemos notar que a área residencial ao sul é
preservada dos fluxos da área central, conforme mostrado na Figura 20. Fluxos que,
quanto maiores, servem à passagem e à convergência: aos deslocamentos entre os
diferentes bairros, ao acesso aos mercados laborais e, consequentemente, ao
comércio, aos serviços e às instituições. Assim, residência e comércio são separados
por meio da configuração morfológica do traçado – por meio desses desencontros.

Essa continuidade de percursos pode ser identificada de três modos. O primeiro é


pela continuidade do percurso em si, como no caso das atuais avenidas que cruzam
a cidade de norte a sul junto aos bosques sem interrupção em seu desenho. O
segundo modo é a congruência entre duas vias de configurações e bairros distintos,
como uma avenida – larga e com canteiro central – que se torna uma rua estreita,
74 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

porém seguindo o mesmo desenho, como é o caso das avenidas que ladeiam o centro
principal, cujos fluxos adentram outros bairros sem interrupção. E o terceiro modo
é identificado pela articulação das vias por meio das rotatórias, como no caso das
principais avenidas da cidade, que formam uma rede intrincada na qual as avenidas
não podem ser separadas umas das outras sem dano para o conjunto.

Quando os percursos de um bairro adentram outro sem interrupção, podemos


perceber que o bairro do qual esses percursos se originam, ou que concentram um
maior número deles, é mais importante que um outro. E isso precisamente graças à
configuração do seu traçado, que predispõe a área para receber um maior fluxo de
pessoas e transportes. Esse dispositivo de delimitação por meio do controle da
continuidade dos percursos, somado à distinção dos bairros termina por exercer, na
separação dos usos do solo, um papel mais importante que o próprio zoneamento.

Além de atingir a individualidade formada a partir do relevo e a unidade gerada pelos


limites, era necessário marcar os pontos de entrada da cidade e de seus bairros – e
os espaços livres e edifícios de caráter extraordinários serviriam para isso. Assim,
além dos desencontros entre percursos, há o emprego de espaços livres e de praças,
pequenos espaços abertos rodeados por edifícios e avenidas arborizadas. As praças
ou possuíam uma edificação em seu interior, ou estavam necessariamente anexas a
Figura 21: a praça Emiliano Perneta, e
os canteiros de entrada para as zona 7
uma edificação. Já os espaços livres não estavam vinculados a nenhuma edificação
(atual praça prof.ª Apparecida Cancian) em particular, sem, com isso, deixar de desempenhar um importante papel no
e zona 4 (atual praça Amábile Giroldo). traçado. A principal função dessas espaços livres e praças, como é possível perceber,
Detalhe do plano Vieira para Maringá.
Fonte: Museu da Bacia do Paraná. era evidenciar os centros e seus acessos com ênfase e dignidade (Figura 21).

Com isso, pode-se notar no plano Vieira uma atenção não apenas à individualidade
proporcionada pelo relevo, ou à unicidade gerada pelos limites, mas também à
Maringá, leitura morfológica 75

marcação das entradas dos bairros da cidade. Essas entradas orientavam e


marcavam os “nós” do traçado de Maringá. Isso proporcionava uma facilidade de
orientação, por exemplo, a um visitante que, sem conhecer a cidade, ou dispor de
um mapa ou aplicativo, teria noção de que ‘partindo dessa estrada, entrando por esse
canteiro, chega-se a algum centro de Maringá’.

2.3.4.Percursos estruturantes e rotatórias

Assim como houve uma hierarquização de centros e bairros, para os percursos –


avenidas e ruas –, não foi diferente. Porém, vale salientar que tal hierarquização não
implicou em uma rigidez taxonômica. O que é possível identificar é um traçado cujas
partes não poderiam ser removidas sem dano para o conjunto; além do emprego de
diferentes larguras para as avenidas e ruas locais, com seus formatos retos ou
curvos, seus canteiros centrais e sua arborização. Na área central, o projeto foi
desenhado com um grid de vias delimitadas por um quadrilátero. Em certos bairros,
grelhas foram contidas pelas avenidas curvas que os delimitavam. Em outros, o
traçado era formado por vias curvas geradas a partir do relevo, dos centros e,
consequentemente, das vias que conectavam os centros secundários dos bairros aos
seus arrabaldes. Além disso, haviam bairros que funcionavam como área de
transição, com um traçado que ora refletia o formato do bosque e do fundo de vale,
ora refletia o grid do centro, e, por fim, agregava a ambos por meio de um conjunto
de avenidas e rotatórias. Com isso, nota-se uma hierarquização da disposição desses
elementos do traçado, e não apenas uma hierarquia de larguras e canteiros centrais.

Além dos ‘percursos delimitadores’ mencionados anteriormente, é possível


perceber avenidas com um papel estruturante – que podem ser entendidas como
‘percursos estruturantes’ –, uma série de articulações entre esses percursos, além
76 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

de percursos locais. Assim, percursos ‘estruturantes’ são as avenidas que dão


continuidade ao fluxo proveniente do conjunto de ruas dos bairros, funcionando
como uma espécie de espinha dorsal da cidade, na qual os percursos locais (ruas de
bairro) se apoiam. Articulações são os pontos nos quais percursos estruturantes
e/ou delimitadores se encontram, e que possibilitam a continuidade dos mesmos,
sendo traduzidos pelas rotatórias. Por fim, os percursos locais são aqueles que
desempenham uma função menor dentro do conjunto da cidade, mas que, porém,
constituem os bairros. Já os delimitadores, como mencionado anteriormente, são
aqueles percursos que trazem à luz os limites latentes das unidades de relevo,
sublimando-os em limites do traçado urbano. E, com isso, é possível identificar a
condição de cada percurso dentro de seu contexto.

No plano Vieira, os percursos estruturantes conectavam os centros, integrando os


bairros. E, junto com os percursos delimitadores, que definiam a unicidade do
traçado, tais percursos estruturantes proporcionavam rápido acesso às ruas dos
bairros, unindo, assim, as formas do relevo às necessidades do tráfego. Enquanto
isso, os bairros, desenhados em sintonia com esse conjunto de percursos,
preservaram seu interior por meio de desencontros. De fato, os percursos
estruturantes são particularmente visíveis nas largas avenidas com formatos
retilíneos. Estas conectavam e articulavam as vias do traçado como um todo, além
de conectarem a cidade ao território circunstante.

Tais percursos foram desenvolvidos no plano Vieira em correspondência da


cumeada principal, das cumeadas secundárias e das junções entre as unidades de
relevo. Em alguns locais, esses percursos estruturantes se fundiam com os
percursos delimitadores, mantendo uma continuidade de percurso. Além disso, tais
percursos estruturantes corroboravam na delimitação dos bairros e de seus
Maringá, leitura morfológica 77

traçados em função do relevo. Não é de estranhar o formato retilíneo dos percursos


estruturantes, mesmo que cortando o relevo de modo um pouco mais acentuado
que os percursos delimitadores. As vias principais foram vistas como canais do
tráfego, utilizadas no desenho urbano para ordenar cidade. E, desse modo, tais
avenidas foram desenhadas de modo a prover fácil acesso de um ponto a outro da
cidade; e, ao que seu desenho indica, de fato tais avenidas eram voltadas à rápida
conexão em toda a cidade (Figura 22).

Figura 22: Vias retas e curvas se intercalam no desenho de Vieira. Em cinza, a área central, um
quadrilátero xadrez. Em laranja, dois grids delimitados por avenidas curvas. Em verde, um grid curvo
moldado pelas vias delimitadoras dos bosques. Em azul, bairros residenciais, com um traçado
curvilíneo. Em amarelo, um traçado de transição entre a área central ortogonal e o traçado curvilíneo
dos bairros residenciais em azul. Por fim, em roxo, a zona industrial com suas ruas oblíquas à ferrovia,
de modo a permitir o acesso aos comboios. Fonte: Museu da Bacia do Paraná, adaptado pelo autor.
78 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Já para articular o encontro de percursos estruturantes e delimitadores, Vieira


empregou uma solução pouco utilizada até então no Brasil: as rotatórias, apelidadas
em Maringá de ‘redondos’. De fato, no plano Vieira para Maringá há uma rede
incindível de avenidas – delimitadoras e estruturantes – articuladas por rotatórias.
Vieira articulou o encontro das vias de tal modo que é possível verificar um
fechamento de perspectivas, evitando a ‘monotonia’ de uma única vista indefinida.

Passando desse sistema de avenidas e redondos para o interior dos bairros, é possível
verificar que o traçado foi projetado aí com ruas desenhadas seguindo a disposição
das principais avenidas que delimitavam os bairros. Na região central, e em alguns
outros bairros, a configuração das vias se apresentava por um traçado xadrez, com a
replicação do formato dos percursos estruturantes, contido pelos percursos
delimitadores. E, no caso da área central, além do relevo plano, tal arranjo
encontrava respaldo na necessidade de garantir uma imagem de imponência por
meio de um traçado retilíneo.

Já em alguns outros bairros, o traçado era composto por vias curvas, adaptadas as
curvas de nível, que replicavam o formato dos percursos delimitadores. E, além
disso, costurando essas vias curvas, vias perpendiculares retilíneas conectavam os
limites aos eixos e centros desses bairros. O desenho dessas vias retas provinha do
rebatimento de alguns percursos estruturantes que definiam o comprimento das
vias curvas. E seu formato e disposição puderam proporcionar, desse modo, um
aspecto pinturesco, uma fluidez no tráfego e uma economia de gastos construtivos.

É importante salientar que os diferentes arranjos das vias não implicavam em


diferenciações quanto ao nível, quantidade e distribuição de equipamentos públicos.
A única exceção é o traçado da área industrial, no limite Leste da cidade. Suas vias
Maringá, leitura morfológica 79

foram desenhadas sobre um relevo relativamente plano, porém, não seguiram um


grid ortogonal, nem um traçado curvilíneo. Suas vias, oblíquas tanto ao desenho da
ferrovia como do limite Norte da cidade, facilitavam o acesso dos comboios de
vagões às indústrias e galpões logísticos, enquanto as locomotivas a vapor
manobravam no pátio localizado no centro da cidade.

Em todo caso, as vias dos bairros projetados se relacionavam com os percursos


estruturantes e delimitadores, seja por sua conexão direta com as avenidas que por
seu desenho que buscava replicá-las. Assim, em seu conjunto, tais percursos e
articulações corroboraram na organicidade da cidade, cujo traçado projetado reflete
a topografia de suas unidades de relevo. Promontórios, planícies e fundos de vale
foram trazidos à tona pelo desenho de Vieira. Com isso, é possível perceber uma
lógica de planejamento que se relaciona com a leitura da morfologia natural, de suas
unidades e de suas junções, passa pela definição de avenidas delimitadoras e
estruturantes e suas articulações, vinculadas ao relevo, chegando à formatação das
vias locais de cada um dos bairros.

2.3.5. Edificações e vegetação


Um adendo se faz necessário a respeito das edificações públicas planejadas por
Vieira. Além dos conjuntos edificados dos centros, Vieira definiu uma série de
quadras com equipamentos públicos. A maior parte delas se localizava no interior
dos bairros, e algumas faziam frente com os percursos estruturantes.

No caso das edificações situadas nas avenidas, Vieira desenhou pequenas


reentrâncias, inclusive com pequenos canteiros. Já no caso das edificações situadas
80 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

nas ruas dos bairros, elas compunham o fechamento das perspectivas, em que as
ruas não continuavam e, ao contrário, terminavam com a vista da edificação.

Tais edificações contavam com quadras exclusivas para elas, resultando que os
edifícios foram projetados soltos dentro das quadras, ainda que relativamente
alinhados às vias ou às esquinas. De todo modo, o papel dessas edificações dentro do
traçado não é de pouca monta, e é uma pena que muitos não tenham sido executados
como Vieira previra, pois a lógica de sua disposição deveria reforçar a paisagem
urbana e territorial.

Quanto à vegetação, não posso mais que fazer eco às análises de Meneguetti (2007)
e, particularmente, de Rego (2001, p. 1576). Durante a implementação do plano
Vieira, em 1949, a Companhia trouxe um engenheiro florestal – Luiz Teixeira
Mendes, conhecido de Macedo Vieira – para prover a arborização dos diversos
canteiros da cidade. Assim, o projeto dos canteiros centrais nas avenidas e de
canteiros variados nas praças e redondos do traçado projetado conferiu uma
qualidade ímpar no que tange à percepção visual da cidade. E isso serviu como
arremate à hierarquização das partes dispostas de maneira orgânica sobre o relevo,
tornando visível ao transeunte essas características do traçado urbano, o que gera
uma impressão visual que corrobora na formação do imaginário coletivo.
CAPÍTULO III

AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO URBANO


3. Avaliação do rendimento urbano
Transposto o rendimento para a língua portuguesa e para a escala urbana, e feita a
leitura do traçado desenhado por Macedo Vieira para Maringá, podemos elencar os
seguintes parâmetros de avaliação do rendimento urbano:
o Coerência;
o Organicidade;
o Hierarquização;
o Limitação;
o Continuidade de percursos.

No primeiro capítulo, defini o rendimento urbano como a ‘coerência intrínseca


entre o traçado da forma urbana e o contexto natural’. Coerência porque os
percursos, nós e parcelamentos do traçado urbano e devem corresponder às
cumeadas, talvegues e suas confluências no relevo. E isso aproveitando o máximo
possível cada área para o parcelamento, sem resultar em um traçado inorgânico ou
em declividades acentuadas. E intrínseca porque essa coerência deve corresponder
com a organicidade do traçado. Ou seja, o conjunto dos elementos do traçado urbano
avaliado – seja projetado ou existente – deve ser hierarquizado e interdependente.

No segundo capítulo, identifiquei como o traçado projetado por Vieira para Maringá
apresentava coerência e organicidade, ainda que de modo acidentalmente
diferente, mas essencialmente semelhante à lógica caniggiana. Identifiquei como a
hierarquização dos centros conferia unicidade aos bairros; como os percursos
delimitadores conferiam individualidade e distinção a cada um desses bairros. E,
além disso, identifiquei como a continuidade dos percursos estruturantes e
84 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

delimitadores, que se articulam pelo anteprojeto de Maringá, bem como a fluidez de


passagem e a ‘amarração’ do traçado como um todo, corroborando na
hierarquização e distinção dos bairros.

Assim, o que faço, chegado a este último capítulo, é a validação desses parâmetros,
de modo a testar sua usabilidade na avaliação e projeto de novos traçados urbanos.
Para isso, seleciono uma área de 1.579.260,37m² (1,58km²), localizada a sudoeste do
perímetro original planejado por Vieira, na confluência entre os córregos Betty e
Cleópatra, na atual Zona 20 do município de Maringá. Nessa área, faço a avaliação do
rendimento do traçado existente (posterior ao Plano Vieira). Em seguida, parto para
a elaboração de uma proposta projetual: uma nova área urbana (hipotética) como
continuação de Maringá segundo os parâmetros supracitados sobre a área do
traçado avaliado. Faço um comparativo entre os resultados obtidos sobre o traçado
atual, sobre a proposta desenvolvida e sobre a legislação vigente de parcelamentos
urbanos em Maringá. E, por fim, teço algumas considerações sobre o rendimento e
o processo de projeto, e sobre a possibilidade de integração do conceito de
rendimento com outras áreas da morfologia urbana e mesmo outros campos do
conhecimento.

Levando em conta o arcabouço teórico-metodológico da escola italiana de


morfologia urbana, bem como o processo de desenvolvimento e projeto de Maringá
a partir do Plano Vieira, procedo da seguinte maneira. Primeiro, faço o levantamento
das estruturas naturais e antrópicas pré-existentes. E, a partir disso, efetuo uma
primeira ‘leitura’, observado a relação do conjunto e o papel de cada uma das partes
– estruturas e elementos – dentro desse conjunto. Após essa leitura das pré-
existências, efetuo o levantamento e a leitura dos elementos do traçado urbano. E,
nesse caso, faço-o a partir do levantamento cadastral fornecido pela Prefeitura do
Avaliação do rendimento urbano 85

Município de Maringá (PMM). É nessa leitura que os parâmetros identificados nesta


pesquisa são utilizados.

Com a ‘coerência’, poderemos observar a adequação do traçado, sobretudo de seus


percursos e nós, ao relevo. Devemos observar o quanto o desenho dos percursos
corresponde ou não ao desenho das curvas de nível, evitando declividades ou
movimentações de terra desnecessárias. Além disso, devemos observar o quanto os
principais percursos da área correspondem às principais linhas do relevo – nesse
caso, das cumeadas –, o quanto seus centros e praças correspondem ao encontro
(nós e polos) dessas linhas do relevo, e se essas áreas se encontram em porções de
relevo relativamente contínuo (plano ou de pouca pendência) e bem articuladas
com o restante do território – de modo a predispor seu crescimento a partir disso.

Já com a ‘organicidade’, identificaremos o quanto cada percurso, nó e polo é


interdependente um do outro, e o quanto cada um deriva um do outro. Vale recordar
que um organismo é algo composto de partes desiguais que dependem umas das
outras e que trabalham juntas para cumprir sua função. Logo, um percurso de maior
importância (como uma avenida) não pode simplesmente levar de nada a lugar
nenhum, nem uma praça pode ser colocada aleatoriamente, e mesmo um
equipamento público ou de grande porte pode ser simplesmente colocado em
qualquer parte da cidade sem maior consideração pela relação de interdependência
entre os nós e polos urbanos. Todo os elementos urbanos – ruas, avenidas, praças,
centros, quadras, lotes e edificações – devem servir de apoio mútuo uns aos outros,
não dispostos como uma ‘árvore’ de catalogação taxonômica, e devem corresponder
– no todo e nas partes – às características pré-existêntes do sítio, com consequência
da ‘coerência’ com o mesmo.
86 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Usando a ‘hierarquização’, identificaremos o quanto os elementos e sub-organismos


urbanos estão subordinados uns aos outros, sendo isso consequência da coerência
e da organicidade do traçado. Um bairro central deve apresentar uma
predominância sobre outros bairros menores. Percursos, nós e polos como
avenidas, praças e centros devem ter sua ênfase a partir de sua colocação na cidade,
por sua interconexão e pela colocação de suas igrejas, teatros, galerias, mercados,
shoppings e outros equipamentos – preferencialmente de acesso público.

Já pela ‘limitação’, podemos observar em que medida os limites naturais do sítio –


como os fundos de vale com suas faixas de declividade acentuada – foram
respeitados, e quais elementos urbanos foram utilizados para trazer à tona esses
limites naturais. Ruas, avenidas, áreas verdes ou faixas edificadas podem trazer à luz
as formas do relevo ou obliterá-las proporcionando uma fragmentação do traçado e
de sua expansão. Desse modo, a limitação dos bairros, por exemplo, serve para
distingui-los uns dos outros, mas sem necessariamente separá-los de modo
absoluto, visto que os limites de uma área podem ser pensados como futuros
elementos de conexão entre bairros distintos, ou mesmo elementos estruturantes
de novas expansões urbanas. Assim, o traçado urbano deve ser delimitado e ter seus
arrabaldes claros, mas sem que isso implique em isolamento.

Enquanto isso, pela ‘continuidade de percursos’, podemos identificar o quanto os


percursos adentram ou não de um bairro a outro, e, com isso, o quanto a limitação e
hierarquização entre os bairros ocorre, e se tais percursos obedecem a uma
organicidade e coerência. Bairros podem ser distintos uns dos outros por meio do
desencontro de ruas que são interrompidas no encontro com alguma avenida, de
modo que o fluxo de um bairro não adentre no outro, corroborando na separação de
usos do solo por meio da morfologia – e não apenas por legislação impositiva.
Avaliação do rendimento urbano 87

Feita a ‘leitura’ do traçado da Zona 20, proponho um traçado urbano alternativo. E,


tendo em conta os resultados obtidos até aqui, desenvolvo esse novo traçado a partir
das estruturas naturais da área bem como em sintonia com as soluções empregadas
no plano original de Maringá. Com isso, o desenho proposto deve seguir os
parâmetros de bom rendimento urbano elencados acima.

Por fim, para validação dos parâmetros, faço a análise tanto dos elementos do
traçado atual e como da proposta desenvolvida. E comparo-os com a atual legislação
em vigor, com a finalidade aferir aplicabilidade e viabilidade desses parâmetros de
avaliação. Com isso, teremos o processo de validação dos parâmetros desenvolvidos
nesta pesquisa, tanto para a avaliação de traçados urbanos já consolidados como
para a avaliação de decisões projetuais – objeto deste mestrado em Metodologia de
Projeto em Arquitetura e Urbanismo.

3.1. A Zona 20
Antes de mais, é necessário analisar as formas naturais do sítio e identificar sua
hierarquia. Para isso, utilizo o levantamento de curvas de nível fornecido pela
Prefeitura do Município de Maringá, com isolinhas de cinco em cinco metros. A
partir desse levantamento, gero um modelo digital de elevação da área (MDE).

Com isso, identifico as cumeadas e talvegues da área, e, consequentemente, seus


nós (Figura 23). Além disso, a partir desse modelo digital de elevação, obtenho a
declividade da área. É a partir desses dois produtos combinados que faço a leitura da
situação atual e proponho o desenho de um traçado alternativo.
88 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Figura 23: Mapa do relevo e declividade de Maringá com a área do plano Vieira e a área de intervenção. Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 89

Entretanto, seja para analisar que para propor algo, é necessário compreender seu
entorno como um todo. Desse modo, é possível identificar dois caracteres a partir da
topografia do sítio. O primeiro é o conjunto de cumeadas que, partindo da cumeada
extraterritorial – i.e., que ultrapassa os limites do território da Companhia – se
ramificam até as pequenas cumeadas dentro do promontório. E o segundo é o
conjunto de rios e córregos que compõem a bacia correspondente.

Junto à porção trabalhada temos uma cumeada secundária que se bifurca, formando
um primeiro polo, que, nessa área, constitui o polo mais importante. Mais ao sul, as
cumeadas resultantes continuam até o fim do promontório, bifurcando-se cá e acolá
em cumeadas locais. Quanto maior o número de bifurcações, quanto mais plano o
seu relevo, e quanto mais conectados aos outros espigões, mais importantes esses
polos. Com isso, temos um polo principal, dois secundários, e, pelo menos, dois polos
intermediários, entre polo principal e polos secundários, e dois polos limítrofes, nos
arrabaldes do promontório.

Enquanto isso, temos três fundos de vale que dão forma ao promontório. Esses
fundos de vale com seus aclives constituem, ao mesmo tempo, os limites e os nós de
encontro entre diferentes promontórios. E, integrados à bacia hidrográfica ao sul de
Maringá, tais fundos de vale também são potenciais corredores ecológicos. A partir
dessas três componentes – polos, cumeadas e fundos de vale –, efetuo a leitura da
situação atual e o desenho de um novo traçado urbano.
90 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Figura 24: Parcelário atual de Maringá sobre o relevo, compreendendo o Plano Vieira e as expansões urbanas (escala 1:50.000). Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 91

3.1.1. O atual traçado da Zona 20

Utilizando os parâmetros elencados no início deste capítulo, podemos tomar a Zona


20 como amostra da expansão urbana que ocorreu ao redor do perímetro do plano
Vieira. Podemos notar que, de fato, essa área parece ser constituída apenas por um
emaranhado de ruas e loteamentos, e que essas ruas foram desenhadas como um
offset dos limites dos antigos lotes rurais (Figura 24).

Seguindo retas, da cumeada ao fundo de vale, tais ruas e avenidas possuem


acentuadas declividades e não se adaptam ao relevo do sítio, chegando a mais de 13%
de inclinação. Além disso, os poucos pontos que poderiam ter-se tornado centros e
praças são apenas canteiros, e não se encontram nos pontos mais relevantes da
topografia. Com isso, revela-se uma baixa coerência entre traçado e relevo, e a baixa
organicidade, visto que os elementos urbanos não foram dispostos de maneira
interdependente.

Nota-se, portanto, que não houve uma compatibilização do parcelamento rural


anterior – que apresentava um rendimento aceitável do ponto de vista territorial e
de rentabilidade financeira da terra cultivada – com o novo uso urbano, cujas
necessidades e prerrogativas são diferentes. Não há centros secundários,
conectados ao centro principal por uma rede de avenidas, e localizados no centro
geométrico dos novos bairros; mesmo porque não há bairros configurados em
consonância com as unidades de relevo.

O que se nota é um agrupamento de loteamentos. As novas áreas urbanas não


atingem uma completude simbólica, pois, na medida em que não há um centro que
demonstre uma congregação social e uma ligação com o centro principal, perde-se
92 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

um elo com o restante da cidade. Em toda a área do promontório há quatro rotatórias


já construídas, e uma prevista na extremidade sul. Todavia, todos essas rotatórias
foram colocadas em planos íngremes e sem fechamento de perspectiva, servindo
mormente ao fluxo automotivo. Nota-se, assim, uma ausência de hierarquia na área.
Além desse aspecto, os limites naturais da área não foram trazidos à tona no traçado.
A cobertura vegetal dos fundos de vale foi sensivelmente diminuída em relação ao
padrão pré-existente nos bosques do plano original de Maringá. Os fundos de vale
que dariam continuidade aos bosques desenhados por Vieira foram ocupados, em
boa medida, por quadras e lotes. Com isso, não houve uma distinção das unidades de
relevo e, consequentemente, dos bairros. Os fundos de vale, ao invés de elementos
balizadores do projeto urbano das novas áreas, tornaram-se apenas deformadores
dos grids ortogonais que foram desenhados aí.

É possível perceber que o traçado dos novos bairros, diferente do que ocorria no
plano original de Maringá, não é arrematado por percursos delimitadores formados
por avenidas contínuas. Desse modo, a área analisada não apresenta a hierarquia e a
delimitação desejável para garantir a unicidade e identidade do lugar. Diferente do
padrão pré-existente, as vias de bairro não se conectam com os percursos
estruturantes e com aqueles delimitadores. Ocorre então a divisão que é lugar
comum entre via arterial, coletora e local, diferente do que ocorria anteriormente
entre avenidas e ruas – que se encontravam obrigatoriamente umas com as outras.
Além disso, a disposição das quadras, ora oblongas no sentido Leste-Oeste, ora no
sentido Norte-Sul, além existência de pequenos condomínios fechados, impede a
continuidade das vias de bairro (Figura 25).
Avaliação do rendimento urbano 93

Figura 25: Atuais avenidas de Maringá, compreendendo o Plano Vieira e as expansões urbanas. Fonte: Elaborado pelo autor.
94 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Como cada lote rural foi dividido em um ou mais loteamentos, e como cada um deles
foi projetado de maneira diferente, o que se percebe em diversos pontos é um
conjunto de ruas sem saída. Sendo um parcelamento rural que não previa a
expansão urbana que ocorreu, o parcelamento rural não apresentava grande riqueza
de elementos urbanos, ou uma disposição para tal. E, talvez por praticidade,
tampouco as estradas rurais e os limites dos lotes foram desenhados seguindo os
pormenores do relevo.

Porém, sucessivas decisões político-administrativas da cidade, somadas a esses


fatores, deram ensejo a uma série de loteamentos motivados por uma necessidade
prática, porém, com um modus faciendi tacanha: fazer linhas paralelas às estradas
rurais e aos limites dos lotes. O resultado dessa permissividade é um traçado
descontínuo e incoerente. E, na tentativa de dar maior coesão ao tráfego, como
aludido acima, o que ocorreu foi o engessamento da área e uma pré-configuração
para novas expansões urbanas feitas de bairros como depósitos, com quadras como
prateleiras de lotes.

Assim, pode-se afirmar que a configuração dessa expansão urbana de Maringá não
apresenta uma organicidade baseada na interdependência dos elementos do
traçado, nem uma coerência com o relevo do sítio e com o traçado urbano anterior
do plano Vieira. Sendo uma área de configuração serial, com ruas em offset, sem
centros secundários, percursos estruturantes, delimitadores e acessos bem
definidos, a hierarquização das vias diz respeito apenas ao tráfego, sem maior
unicidade e individualidade. E, com isso, o que se percebe é quase uma outra cidade,
sem rendimento urbano, diferente do legado do “ante-projéto”.
Avaliação do rendimento urbano 95

3.1.2. Proposta de traçado urbano

Seguindo a lógica da Design Science Research, uma vez verificado que é possível
fazer a avaliação de outras áreas urbanas a partir do rendimento, elaboro uma
proposta projetual de modo a verificar se é possível desenhar um novo traçado
urbano seguindo os parâmetros elencados no início do capítulo. A partir das três
componentes mencionadas anteriormente – polos, cumeadas e fundos de vale –,
desenho esse novo traçado urbano. Traço primeiro os percursos, centros e quadras
de toda a área circunstante; e, em seguida, detalho o desenho dos lotes da área
pormenorizada. Vale salientar que a proposta que desenvolvo diz respeito apenas ao
promontório da Zona 20. Desse modo, mantive as conexões com outros bairros de
expansão urbana fora do Plano Vieira, em particular a avenida Nildo Ribeiro da
Rocha e a rodovia denominada Contorno Sul, além da continuação da avenida
Nóbrega (que, atualmente, continua na avenida Joaquim Duarte Moleirinho).

a. Processo de projeto

O primeiro passo dessa proposta foi a identificação das cumeadas, nós e pólos do
promontório em que está localizada a Zona 20 – mostrada anteriormente. Feito isso,
observei três possíveis fases de desenvolvimento para a área. Na primeira fase, o
traçado é desenhado a partir da cumeada secundária que parte do plano Vieira. Esta
se torna o percurso estruturante da nova área urbana, chegando ao primeiro centro
secundário (no polo principal) – que funciona quase como um centro principal para
o promontório. A partir disso, observo a distância entre o polo principal e os polos
‘intermediários’, chegando a um raio de 800 metros, aproximadamente. Com isso,
traço os limites dessa primeira área em cerca de 500 metros, de modo que as vias
possam prosseguir desimpedidas e sem fortes declives desde o plano Vieira e dando
96 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

a volta nesse primeiro centro. E, no ponto de escoamento do percurso entre o plano


Vieira e esse centro, desenho um centro intermediário. E, nessa primeira fase,
obtenho um resultado semelhante à Zona 2 de Vieira.

Depois disso, temos uma segunda fase de expansão urbana na direção do polo
secundário leste, com uma avenida ligando o polo principal e esse polo secundário,
passando pelo polo intermediário. Como essa estruturação está mais próxima da
área consolidada, há a necessidade de uma expansão urbana na direção do córrego
Cleópatra. O limite dessa segunda fase nasce do limite da primeira fase, prolonga-se
ladeando o fundo de vale e é finalizado ao encontrar uma circunferência ao redor
desse centro secundário leste. Há ainda uma terceira fase de expansão, dessa vez a
oeste, semelhante à segunda fase, porém mais alongada na direção sul – com uma
avenida ligando os polos e uma expansão urbana em direção aos arrabaldes,
delimitada consoante ao córrego Borba Gato. O resultado é semelhante ao que Vieira
desenhou na Zona 3, na Zona 4 e na Zona 5 (Figura 26).

Com essas três fases estabelecidas, começo a efetuar mudanças e refinamentos


projetuais a partir de um resultado prelimitar, com um traçado totalmente
curvilíneo (versão 1). Primeiro, conecto os polos intermediários, gerando uma área
de transição entre o traçado da primeira fase e a continuação desse traçado nas fases
seguintes. Depois, conecto os polos secundários com um traçado mais retilíneo, e
com um limite contínuo para a área como um todo, e agrego mais duas expansões
urbanas junto aos polos limítrofes da área ao passo que começo a considerar a
conexão com a Avenida Nildo Ribeiro da Rocha e com o Contorno Sul. Nessa versão,
porém, como replico o traçado das avenidas, obtenho uma série de quadras
pequenas e de difícil parcelamento – nos critérios atuais (versão 2).
Avaliação do rendimento urbano 97

Figura 26: Processo de projeto. Fonte: Elaborado


pelo autor.
98 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Modificando o traçado da segunda e da terceira fase, tornando-as mais distintas e


conectando-as por meio de um bosque no fundo de vale do córrego Água do Jambo.
Mantenho as áreas urbanas junto aos polos limítrofes, além de estabelecer mais um
centro na segunda fase (versão 3). Por fim, modifico parcialmente a segunda fase, de
modo a se conectar com a extensão da avenida Nóbrega (versão 4). E, observando a
interferência do tráfego pesado do Contorno Sul, opto por remover as expansões
urbanas projetadas junto aos polos limítrofes e desenho um desvio que acompanha
o grande percurso delimitador dessa área, chegando ao resultado final (Figura 27).

Desenho esse conjunto de estruturas urbanas a partir dos percursos, nós e polos já
presentes no relevo natural da área. A partir da cumeada secundária que parte do
plano Vieira, tenho um grande percurso estruturante para a nova área urbana,
chegando ao primeiro centro secundário. Duas avenidas partem desse primeiro
centro em direção aos outros polos – nos quais desenho os outros centros
secundários –, aproximando-se o máximo possível das cumeadas, utilizando um
desenho ora retilíneo e curto, ora curvo e mais alongado. Busca-se a conexão entre
todos os polos, sobretudo por meio desses percursos estruturantes alinhados às
cumeadas e de outras avenidas cuja função é a de conectar os centros aos arrabaldes
do promontório. A partir do desenho das curvas de nível as outras vias são
delineadas. Tanto as ruas de bairro quanto os percursos delimitadores apresentam
uma declividade menor que 8%, graças ao seu formato. Todavia, uma leve pendência
se faz presente em cada uma dessas vias, de modo a possibilitar o escoamento
pluvial. E, com o distanciamento dos leitos dos rios, graças ao respeito às faixas de
declividade dos fundos de vale, tem-se a preservação das matas ciliares numa
distância de 200 metros do talvegue em média.
Avaliação do rendimento urbano 99

Figura 27: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:50.000). Fonte: Elaborado pelo autor.
100 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Com isso, a paisagem resultante é semelhante a um terraceamento circundado por


cunhas verdes, sem, com isso, deixar a praticidade de todas as ruas dos bairros
conectadas a um conjunto indissociável de avenidas. O respeito ao relevo e à
declividade fazem também com que as quadras variem de dimensão na medida de
sua proximidade de um centro, de um outro promontório ou de um limite. Desse
modo, o traçado dessa nova área urbana se mostra expansível e bem articulado com
o território circunstante. Na Figura 28, podemos notar as quadras em cinza claro, as
áreas comerciais em cinza escuro, os canteiros e praças em verde claro, um bosque
em verde, e as reservas ambientais em verde escuro. Notem-se as ligações com as
avenidas e rodovias existentes tanto no plano original quanto nas áreas de expansão.

b. Análise da proposta

O desenho proposto apresenta: 431 quadras loteáveis (59 delas totalmente dentro do
recorte pormenorizado e 24 no limite) e 58 canteiros e praças (10 totalmente no
interior do recorte, e três no limite); e 1585 lotes, 1339 apenas dentro do recorte.
Assim, soma-se um total 752.909,19m² de área loteável internas ao limite do
perímetro. As quadras estão desenhadas com medidas de aproximadamente
80x160m, consoante ao padrão do plano Vieira. Já os lotes seguem um padrão de
aproximadamente 12x40m, conforme a Lei 889/2011, que rege o atual parcelamento
urbano (MARINGÁ, 2011). Dentro do recorte temos avenidas de 35 metros de largura
e ruas com 20 metros entre uma testada de quadra e outra, conforme a legislação
vigente, totalizando 496.830,70m². Quanto às áreas verdes, temos 20.968,02m² entre
praças e canteiros, além de 307.708,71m² de bosques nos fundos de vale. Desse modo,
do total de 1.579.260,37m² do total bruto do perímetro analisado, 47,64% são lotes
internos ao perímetro, 31,50% são vias e 19,47% são áreas verdes. Os outros 1,39% são
compostos pelos acessos aos outros bairros além dos fundos de vale.
Avaliação do rendimento urbano 101

Figura 28: Novo traçado hipotético ao sul do plano Vieira (escala 1:20.000). Em branco, as vias; em cinza claro, as quadras; em cinza escuro, os lotes comerciais; em verde
claro, as praças e canteiros; em verde escuro, os bosques. Fonte: Elaborado pelo autor.
102 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Comparemos com o atual desenho da Zona 20, composto por 1467 lotes em
1.172.674,51m² (1,17km²) e 451.894,46m² de vias, porém, sem áreas verdes previstas
(uma vez que as rotatórias não contam como áreas verdes na atual legislação). A
diferença entre a qualidade espacial de ambos é sensível, mesmo com um número
semelhante de lotes.

Figura 29: Situação atual da Zona 20 (escala 1:8000).


Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 103

Figura 30: Novos lotes (escala 1:8000). Em cinza escuro, os lotes totalmente internos ao perímetro. Em cinza claro, os
lotes circunstantes e que tangenciam o limite da área analisada. Fonte: Elaborado pelo autor.
104 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Figura 31: Sobreposição dos traçados(escala 1:8000). Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 105

3.2. Legislação atual: parâmetros e índices


Atualmente, o parcelamento do solo maringaense segue a Lei 889/2011 (MARINGÁ,
2011), que dá uma série de parâmetros para o parcelamento do solo em loteamentos
urbanos . Declividade máxima de 15% para abertura de vias e parcelamento de lotes.
Testadas e áreas mínimas para lotes-padrão (residencial ou comercial) de 12,00m e
400m² em meio de quadra, ou 15,00m e 475m². Vias de circulação articuladas com
as vias adjacentes que já tenham sido construídas ou projetadas pelo poder público.
Avenidas com 35 metros de largura, canteiros centrais e passeios com sete e cinco
metros de largura, respectivamente; e ruas com 16 metros de largura, pista de
rolamento com oito metros de largura e calçadas com quatro metros de largura. Vias
paisagísticas a 60 metros das nascentes e cursos d’água. Todos esses são exemplos
de parâmetros dados para o parcelamento do solo em novos loteamentos. Além
disso, a mesma legislação (Art. 10 § 1.º) dispõe que “[a]s áreas destinadas a
equipamentos comunitários e urbanos, os espaços livres de uso público e as áreas
de interesse público a serem doados ao município“ devem obedecer aos seguintes
parâmetros “mínimos”:
a) “4,0% (quatro por cento) para os equipamentos comunitários e urbanos”;
b) “3,0% (três por cento) para as áreas de interesse público”;
c) “3,0% (três por cento) para os espaços livres de uso público” (que podem ser
completados com até 25% da área do fundo de vale, segundo o Art. 10.º § 7.º).

Deve-se atentar às três definições elencadas pela legislação. Nela, “equipamentos


comunitários” são equipamentos públicos “destinados à educação, cultura, lazer,
saúde, segurança e similares”; as “áreas de interesse público” são áreas destinadas
“a habitação de interesse social ou a fins culturais, esportivos, administrativos ou
institucionais, entre outros”; e os “espaços livres de uso público” são áreas de
106 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

“praça, [ou] área do loteamento reservada ao uso comum e/ou especial do povo, para
recreação, lazer e atividades ao ar livre” (MARINGÁ, 2011). Todas essas são
definições vagas, como é natural a uma lei. Porém, não há definição da localização
de pontos importantes para tais áreas e equipamentos, à exceção da definição das
“vias paisagísticas”, que circundam os fundos de vale. Não se diz que as avenidas
principais devam buscar estar próximas às cumeadas, e que áreas como centros
comerciais devam estar próximas ao encontro dessas cumeadas, por exemplo. Há
apenas uma definição vaga de percentuais que são deixados à mão do empreendedor
que, não raro, não possui critério para a definição de áreas e equipamentos se
relacionam com outras áreas além dos limites de sua propriedade.

Essa é uma falha de legislação que, por um lado, define dimensões e limitações às
possibilidades de dimensionamento e organização dos lotes, e, por outro, deixa
indefinida a locação das áreas públicas, que, essas sim, deveriam ser de competência
do poder público. Assim, não é de estranhar a fragmentação e a baixa coerência com
o relevo dos novos traçados. Tudo é deixado à mercê de um grupo de indivíduos
(empreendedor e projetistas) que atua em média escala (a da gleba ou lote rural
parcelado em pequenos lotes urbanos), cuja necessidade mais imediata é a
rentabilidade que o parcelamento pode oferecer. E nenhum deles tem uma diretriz
concreta de projetação, a não ser a necessidade legal dos percentuais a serem
cumpridos e a prática comum do offset dos limites laterais dos lotes, e, às vezes, o
offset de vias pré-existentes.

Cada projetista e cada empreendedor tem ideias diferentes umas das outras. Não há
mais uma unidade na cultura, consciência espontânea ou tipo que torne possível um
amálgama coerente das diferentes intervenções que se fazem na cidade. Ao menos,
não as há por hora. E, sem uma circulação de ideias acerca da necessidade de atrelar
Avaliação do rendimento urbano 107

o traçado ao relevo do sítio (tanto em âmbito intelectual, acadêmico, profissional ou


burocrático), o que temos é um modus faciendi que tende a se replicar em novos
traçados sempre inorgânicos entre si, incoerentes com o relevo, e, portanto, sem
rendimento urbano imediato – o que não impede de adquirirem organicidade,
porém apenas às custas de grandes arcos temporais e de custosas intervenções
urbanas, que geram não apenas gastos financeiros, senão ainda problemas sociais.

O que quero demonstrar, aqui, portanto, é que é possível projetar novos traçados
com rendimento urbano, sem, com isso, deixar de atentar ao aspecto de
lucratividade natural ao processo de parcelamento, e sem deixar de lado aspectos da
legislação atualmente em vigor. Isso, porém, deve ser feito sempre levando em conta
o que foi dito até este momento – compreendendo, portanto, tudo o que se dispôs
acerca da avaliação do rendimento urbano. E, para demonstrar a viabilidade de um
traçado hipotético como o desenvolvido nesta dissertação, mesmo sob a legislação
atual, faço a contabilização das áreas e seus percentuais, comparando-as aos índices
da Lei 889/2011 e aos índices obtidos no atual traçado da área pormenorizada.

Desenvolvo duas tabelas a seguir. Cada uma possui quatro conjuntos de dados com:
(a) os percentuais mínimos estipulados pela Lei 889/2011, os quantitativos das áreas
(b) do atual traçado da Zona 20 e (c) do traçado hipotético proposto, e (d) a diferença
de áreas do traçado hipotético menos o traçado atual da Zona 20. Cada tabela tem um
referencial. A primeira tem como referência a área total bruta do perímetro
analisado (1580328,69m²). Logo, os percentuais do atual traçado da Zona 20 e do
traçado hipotético são obtidos pela relação “área(m²)/área total do perímetro”. Já a
segunda tabela tem como referência a área líquida loteada (sem contar os fundos de
vale), seja do atual traçado da zona 20 como do traçado hipotético. Ou seja,
1046696,57m² e 752909,19m². Logo, a relação é de “área(m²)/área líquida loteada”.
108 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Tabelas 1 e 2: Comparativo de áreas (m²) e percentuais (%) em relação à (1) área bruta e à (2) área líquida loteada do perímetro analisado. Fonte: Elaborado pelo autor.
Avaliação do rendimento urbano 109

Atual Zona 20 (área bruta) Traçado hipotético (área bruta)


Fundos de vale
6,59%

Logradouros Fundos de vale


públicos 19,74%
25,52%

Área líquida Área líquida


loteada Logradouros loteada
67,88% públicos 48,31%
31,94%

Observando os dois gráficos acima, produzidos a partir dos percentuais da tabela 1, Gráficos 1 e 2: Relação de percentuais (em relação
com as áreas da atual Zona 20 e do traçado hipotético comparadas à área total bruta à área bruta do perímetro) da (1) atual Zona 20 e (2)
do traçado hipotético (variação de até 0,67 pontos
do perímetro, notamos um maior equilíbrio percentual no traçado hipotético. Note- percentuais em relação à Tabela 1 – simplificação
se na tabela a diferença entre ‘área loteada’ e ‘area líquida loteada’ na atual Zona 20. dos resultados para apenas duas casas decimais).
Isso ocorre porque os loteamentos foram aprovados na área antes da Lei 889/2011, Fonte: Elaborado pelo autor.

e, portanto, adentrando a faixa de 60 metros hoje reservada aos fundos de vale. Na


área líquida loteada, essa faixa é subtraída do cômputo total loteado. A área líquida
loteada, de fato, só é menor no traçado hipotético devido ao fato de que, na atual Zona
20, parte dos fundos de vale foi ocupada pelos lotes e ainda não foi desapropriada
conforme solicita a legislação. Assim, os percentuais de fundos de vale e logradouros
públicos são sensivelmente superiores no traçado hipotético, indicando uma maior
110 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

qualidade urbana, com mais acessos e áreas livres, e, com isso, um maior potencial
para valorização da área ao longo do tempo.

É necessário salientar que a relação de percentuais não se resume apenas ao


comparativo entre área líquida, logradouros públicos e fundos de vale dentro do
total de área bruta do perímetro. Alguém pode arguir que tal relação é desvantajosa
para um empreendedor. Todavia, isso pode ser sanado com a aquisição das áreas de
fundo de vale por parte do poder público, preferencialmente antes da permissão de
ocupação urbana da área, evitando, assim, o uso de desapropriações mais onerosas
ao erário público e problemáticas socioambientais. Nesse caso, é preferível que as
áreas de fundo de vale sejam delimitadas e adquiridas antes mesmo do
parcelamento rural, se possível. Ou, em resumo, tais áreas de fundo de vale devem
ser adquiridas antes de maiores valorizações da área (o que ocorre com o
parcelamento, seja rural ou, sobretudo, urbano).

Os principais logradouros públicos, como avenidas e centros, devem ser abertos


pelo poder público antes da permissão para o parcelamento urbano da área. Com
isso, garante-se um traçado contínuo no qual os empreendedores podem construir
as ruas que constituirão o traçado dos bairros. Além disso, a definição e a construção
dos principais percursos e polos do traçado coerentes com o relevo, a priori da
loteação, podem contribuir para balizar o desenho das ruas e quadras. Mesmo que
se utilize do artifício do offset, o fato de ter elementos balizadores coerentes ao
relevo possibilita uma maior qualidade de traçado ao evitar sua descontinuidade,
posto que tal alternativa corroboraria em dirimir a indefinição de empreendedores
e projetistas que desenharão as novas ruas e bairros. E pode-se pensar ainda em fases
de expansão para esse processo de ocupação urbana.
Avaliação do rendimento urbano 111

Figuras 32 e 33: Definição


de áreas legais na atual
situação da Zona 20 e no
traçado hipotético (escala
1:20.000).
Em verde claro, os espaços
livres de uso público; em
vermelho, os equipamentos
comunitários urbanos; e,
em azul, as áreas de
interesse público. Fonte:
Elaborado pelo autor.

Gráficos 3 e 4: Relação de
percentuais legais (em
Atual Zona 20 (área bruta) Traçado hipotético (área bruta) relação à área bruta do
Áreas de perímetro) da (1) atual Zona
Espaços livres de uso interesse público 20 e (2) do traçado
Espaços livres de uso
Equipamentos público 4,15% hipotético (variação de até
público
comunitários e 3,34% 1,69 pontos percentuais em
6,25%
urbanos Equipamentos relação à Tabela 1). Fonte:
1,70% comunitários e urbanos Elaborado pelo autor.
4,20%

Áreas de
interesse Demais
público áreas Demais áreas
0,00% 94,96% 85,40%
112 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

Em relação ao comparativo com a Lei 889/2011, temos o seguinte quadro: no artigo


10, a legislação define que “os logradouros públicos, as áreas destinadas a
equipamentos comunitários e urbanos, os espaços livres de uso público, as áreas de
interesse público e as áreas de fundo de vale” devem ser transferidos para o
Município. Porém, a localização dessas áreas não é especificada no documento. De
todo modo, faço uma comparação entre a situação atual da Zona 20 e do traçado
hipotético tendo como referência o quantitativo total do perímetro analisado. E, com
isso, faço uma ressalva: no caso da situação atual da Zona 20, além da área de fundo
de vale, há apenas um parque com 26673,75m². Esse parque funciona ao mesmo
tempo como equipamento comunitário e como parte do espaço livre de uso público
(sem contar os outros 25% de fundo de vale que podem ser utilizados como tal).
Porém, não há a definição de uma área de interesse público. Assim, na atual Zona 20,
a área de equipamentos comunitários corresponde exclusivamente ao parque, e o
espaço livre de uso público corresponde ao parque mais 25% do fundo de vale.

Já no traçado hipotético, opto por verificar sua viabilidade em uma situação menos
ideal. Assim, delimito seu perímetro sem abranger centro algum. E sigo a prática
comum de escolher quadras menos privilegiadas para cessão ao Município. Logo,
temos equipamentos comunitários e urbanos em quadras menos ortogonais, áreas
de interesse público em quadras sem contato direto com avenidas, e espaços livres
de uso público em canteiros e nos 25% de fundo de vale. Todavia, os resultados
surpreendem, pois, graças à aplicação dos parâmetros do rendimento urbano nesse
traçado hipotético, é possível verificar que as áreas requeridas pela atual legislação
são de fácil acesso e com boa qualidade urbana – e que isso pode ser alcançado
mesmo em uma situação de possíveis conflitos de interesse. Destarte, pode-se
afirmar que o rendimento urbano, passando pela morfologia e pelo imaginário
coletivo, pode auxiliar na resolução de problemáticas socioambientais e legais.
Conclusão
Feita essa verificação, pode-se resumir em três fases a avaliação e a projetação de
um traçado urbano a partir do rendimento. A primeira fase é a leitura e
compreensão da realidade existente, e pode ser feita por intelectuais e arquitetos. A
segunda é o planejamento das novas áreas urbanas, e pode ficar a cargo de um ente
que atenda a diversos grupos sociais. Todavia, na ausência de um único indivíduo,
pode-se delegar tal responsabilidade a organismos como conselhos ou mesmo ao
Estado, que deve proporcionar as principais infraestruturas para o desenvolvimento
urbano sem maiores ingerências nos seus pormenores.

Por fim, a terceira fase pode ser delegada aos grupos ou indivíduos em geral, como
profissionais e escritórios que, regrados por diretrizes comuns, deverão desenvolver
traçados distintos, porém coerentes. Assim, os diversos projetos entre as principais
estruturações gerarão uma diversidade de resultados que, coerentes entre si,
poderão dar à cidade uma maior qualidade sem deixar de atender aos interesses de
cada indivíduo ou grupo, como a obtenção do lucro devido ao investimento feito –
com um rendimento econômico.

Vale salientar que cada uma dessas fases pode ser objeto de reavaliação e seus
resultados podem servir para retroalimentar o próprio método. Isso é verdade em
relação à primeira fase, cujo quadro a ser ‘lido’ muda constantemente na medida em
que a cidade cresce, e, sobretudo, nas duas últimas fases. Tanto a segunda quanto a
terceira fase não são fases estanques. Ao contrário, cada plano para a cidade e cada
projeto de loteamento urbano deve ser visto e revisado, e seu processo projetual
114 Rendimento e traçado urbano: conceito, leitura, avaliação e projeto

deve ser aperfeiçoado com base nos resultados na finalização do planejamento e do


projeto das novas áreas urbanas.

Fazendo a retrospectiva de tudo quanto foi dito nesta dissertação, posso afirmar que
o termo rendimento carrega diversas acepções, sendo empregado em diferentes
áreas. A partir de sua origem latina, foi possível transpor o conceito da escola de
morfologia italiana para a língua portuguesa utilizando o mesmo termo. Até então, o
rendimento traduzia, na morfologia urbana, a relação entre edilícia e conjunto
edificado, medida pela coerência tipo. E, além disso, a relação entre território
natural e uso antrópico, desembocando na hierarquização de assentamentos e
núcleos urbanos a partir de sua extensão geográfica delimitada pelo relevo.
Verifiquei como, em ambos os casos, o rendimento revelava uma relação entre um
‘algo novo’ e um ‘universo existente’, entre um ‘artefato’ e um ‘contexto’. A partir
disso, pude transpor o conceito de rendimento da escala da edificação e da escala do
território para a escala intermediária da cidade. E, com isso, pude atribuir uma
terceira acepção ao conceito de rendimento no estudo da forma das cidades, o
rendimento urbano.

Uma última observação: nesse momento, preferi manter o termo rendimento como
originalmente utilizado pelos italianos, tanto por fidelidade à escola como pelo fato
do termo poder ser empregado tanto no português como ‘rendimento’, no inglês
como ‘yield’, e ‘rendement’ no francês. E isso sem nenhum risco de dar um
significado alheio àquele original, pois, mesmo que o termo ‘rendimento urbano’
possa soar como algo de cunho econômico, não deixa de ser verdade que um traçado
de bom ‘rendimento’ deve trazer um “retorno” em qualidade. Nosso investimento
são o relevo e as pré-existências, e nosso lucro é um traçado que sublime esse
substrato em qualidade urbana. Tornate alle origini e sarà um progresso.
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