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4. EXT.

FRENTE DO BANHEIRO DO APARTAMENTO - DIA

Francisca chega na porta do banheiro. Bate

FRANCISCA
Você tá aí?

THAMIRIS
Não, fui embora e já estou no samba. E aí?

FRANCISCA
Eita que este seu patrão não tem jeito mesmo. De
novo com gentilezas comigo.

THAMIRIS
O que ele fez?

FRANCISCA
Mais do mesmo. Nem adianta contar. O que está
com ele lá é bonitão mesmo, mas tem alguma
coisa estranha acontecendo.

THAMIRIS
Como assim?

FRANCISCA
Tem alguma coisa a ver com uma dívida do
patrão da sua vó.

THAMIRIS
Como assim?

Thamiris sai trocada de dentro do banheiro. Entra Francisca.


Passam a conversar sem se ver. Lá dentro do pequeno banheiro, é a vez de Francisca se
trocar.

FRANCISCA
Sei não, os dois estão lá até agora, a conversa tá
quente. Deixei a garrafa de conhaque com eles,
já preparei uns oito drinques.

THAMIRIS
Menina, me conta esta história da patroa do
Morumbi

Francisca dá uma risada.

FRANCISCA
Trabalhei em uma casa lá no Morumbi e era
meio que babá da filha da patroa. Só cuidava
dela. Passava a roupa dela, imagina passar roupa
de criança?
THAMIRIS
Minha avó passava a roupa dos cachorros do avô
do seu Reinaldo.

FRANCISCA
Então, mas aí eu duvido. Já ouviu falar de babá
de boneca?

THAMIRIS
Não exagera, Francisca.

FRANCISCA
Te juro. A menina ganhou uma boneca que valia
sei lá, muito dinheiro, um ano de salário meu. E
aí a mãe contratou uma menina para ser babá da
boneca dela.

THAMIRIS
Ah, essa superou.

FRANCISCA
Calma, vai ouvindo. Ela fez uma festa de
aniversário de cinco anos para a filha e para a
boneca. Alugaram um sítio e fizeram o cenário
da Frozen. Igualzinho. Com gelo e tudo, com
ator, com atriz, orquestra.

Thamiris ri.

THAMIRIS
Francisca para você está inventando.

FRANCISCA
Te juro.

THAMIRIS
Ela pelo menos te pagava bem?

FRANCISCA
Pagava sim e a menina, tadinha, era bem
boazinha.

THAMIRIS
Então por que você perdeu este emprego?

FRANCISCA
Um dia tive que ir com a patroa e a filha no clube
que eles eram sócios lá. Aí estava um sol de
rachar moleira. As madame tudo em guarda sol e
a gente lá fritando embaixo do uniforme. A
menina estava lá com os outros riquinho lá e
tinha umas oito empregada que nem eu lá,
rachando o coco. Fui pedir guarda sol para o
segurança e ele me responde, ignorante: É só
para sócio, você é sócia neguinha?

THAMIRIS
Gente, que pessoa ignorante

FRANCISCA
Entrei lá, chutei os guarda sol tudo e gritava “Cês
tudo vão tomar no cu, cambada de rico nojento, e
você seu lambe bota de milionário, vai apodrecer
aqui porque nem o inferno quer gente como
você, vai tomar no cu também”.

Francisca sai trocada, de cabelo solto.

THAMIRIS
Imagina você que nem é de falar palavrão.
FRANCISCA
Naquele dia explodi. Deixei a babá da boneca lá
e fui embora. Só sei mulher, que fui mandada
embora, pagaram direitinho tudo

THAMIRIS
Pelo menos isso.
FRANCISCA
Acho que ficaram com medo, eu acho. Daquele
dia em diante me matriculei na EJA, voltei a
estudar para nunca mais na minha vida passar
por aquele tipo de coisa. Nunca mais mesmo.

THAMIRIS
Vamos embora, vamos embora, se não a gente
perde o ônibus.

As duas saem do ambiente

5. INT. OUTRO AMBIENTE DO APARTAMENTO -DIA

FRANCISCA
Vamos sair sem os dois lá perceber a gente.

THAMIRIS
Vamos antes que ele toque aquele maldito
sininho.

FRANCISCA
Tenho vontade de morrer ou de matar com o som
daquele sininho.
As duas saem.

CORTA PARA
6. EXT. PISCINA - DIA

Anjo e Reinaldo estão sentados bebendo. Estão em silêncio. Anjo balança a cabeça, tem
um sorriso sutil no rosto.

Reinaldo se levanta e dá um mergulho desengonçado. Volta andando para a borda, em


direção a Anjo.

REINALDO
A gente está aqui bebendo, jogando conversa
fora, eu usando meu tempo, que é muito caro,
viu, assuntos aleatórios, esta história de carnaval,
de samba.

Reinaldo chega na borda. Se encosta e olha fixamente para Anjo


REINALDO
Fala a verdade, o que realmente você quer?
ANJO
Não é muito não.
REINALDO
Se for financiamento de projeto, essas coisas,
tem que falar com meu marketing. Nem sei como
chegou até a mim, me diga.

ANJO
Tenho lá meus métodos, chego em quem eu
quero, a hora que quero.

Reinaldo sai da piscina, Anjo joga a toalha para ele.

REINALDO
Se for patrocinar carnaval, desista.

Reinaldo se enxuga.

ANJO
Sabe que eu sei de coisas, eu sei além. Fiquei
sabendo ontem um pensamento seu que você só
vai ter amanhã.

Reinaldo gargalha. Senta-se. Anjo se levanta. Dá um gole no conhaque.

REINALDO
Essa frase é muito boa. Aliás, você é muito bom
de frases. Poderia vir trabalhar comigo, só
criando slogans.

ANJO
Não me chama assim à toa não.

REINALDO
Sério, me diga seu preço e pode começar agora.

Anjo ri.
ANJO
Gosto muito do que faço. Estou ótimo.

Anjo faz um silêncio.

ANJO
Vou ser bem direto. Vim aqui cobrar uma dívida.

Reinaldo ri.
REINALDO
Já lidei com gente maluca, mas você está
superando. E explica isso.

ANJO
Seu avô me fez um pedido, muito tempo atrás,
fiz e ele nunca me pagou. Também não me
interessei na época. Sabia desde aquele tempo o
que estava por vir.

REINALDO
E o que tenho a ver com as coisas do meu avô?

ANJO
Você não é o único herdeiro? Então...

Reinaldo bebe todo o drinque de uma vez. Limpa a boca.

Pega o sino, toca de uma forma diferente.

REINALDO
Eu posso ao menos saber o que meu avô pediu?

ANJO
Tenho uma sacola cheia de alegrias, que não tem
número na terra para dizer quantas são. Seu avô
pediu uma delas. Na época não gostei muito, mas
pediu, eu dei.
REINALDO
Olha só... Dívida do meu avô, eu pago. Só sou o
que sou graças a ele. Só me dizer o que quer.

ANJO
Quero que você pare com estas suas
perseguições ao samba, ao carnaval.
Francisca entra com uma bandeja contendo um copo com água e outro drinque e com a
garrafa de conhaque. Distribui. Reinaldo pega a água e vira de uma vez só.

ANJO
Obrigado Francisca. Pode deixar a garrafa
comigo.

Francisca olha. Nada diz.

REINALDO
Não gosto de samba, de carnaval, mas é só isso.
Não sei do que está falando.

ANJO
Eu sei o que estou falando e você sabe do que
estou falando. Deste tanto de dinheiro que você
anda gastando nesta campanha contra o carnaval.

Francisca fica ouvindo enquanto serve, demora para servir. Troca olhar com Anjo.

REINALDO
Continuo sem saber.

Anjo ri e olha desafiador para Reinaldo.

ANJO
Por favor não me provoque. Sei o quanto está
gastando corrompendo autoridades, gente que
gosta de dar opinião pois tem bobo que escuta,
que lê, e sei o quanto pretende gastar
patrocinando pessoas que decidem.

Reinaldo olha para ele, olha para Francisca e faz um sinal para que ela saia.
REINALDO
Francisca, não testa minha paciência. Aqui não
tem nada para você. Pode voltar para o seu
lugar?

Ela sai. Olha para o Anjo. Ele retribui com um sorriso leve.

REINALDO
Não sei do que está falando, mas, e se estivesse
gastando, o que me faria mudar de ideia?

ANJO
Meu pedido, oras.

Anjo enche o copo americano de conhaque.

REINALDO
E se eu não quiser aceitar este seu pedido. Pagar
a dívida de meu avô de outra maneira?
ANJO
Só me interessa essa. Como te disse, tenho uma
sacola cheia de alegrias e uma delas é o carnaval,
a felicidade de um povo, de pessoas, das mais
simples às mais endinheiradas. A alegria geral.

Reinaldo ri. Anjo vira o conhaque do copo em um gole só.


REINALDO
Estou falando, você é craque mesmo em frases.

ANJO
Estou te pedindo e se não atender, vai começar a
receber notícias muito ruins sobre as coisas que
você mais gosta.

Reinaldo se irrita.

REINALDO
Não fale de minha família. Não dou este direito.

Anjo ri.

ANJO
Que família? E você lá tem família? A única
coisa que você gosta é Money, dinheiro, Plata, as
suas 200 e sei lá quantas lojas do magazine
Sucesso. Aliás, que nome cafona, não?

REINALDO
Você está me ameaçando?

ANJO
Nada. Sou só um mensageiro. Só te trazendo um
recado.

REINALDO
Vou te convidar a sair de minha casa. Nossa
conversa está encerrada.

Reinaldo se levanta.

ANJO
Quem encerra conversa sou eu e nossa conversa
só vai se encerrar quando você fizer o que lhe
peço.

Reinaldo pega o sino. Vai tocar e anjo coloca a mão, abafando o sino.

ANJO
Não precisa chamar as moças não. Sei o
caminho. Saio por onde entrei

Reinaldo veste um roupão.


REINALDO
E nunca mais ouse cruzar meu caminho.

ANJO
Não tenho riqueza, não tenho terras, não tenho
profissão. Sou só um mensageiro.

REINALDO
A sorte sua é que não sou violento,
ANJO
A sua sorte é bem maior que a minha pois EU
não sou violento.

Chegam à porta. Anjo abre.


ANJO
Escuta bem o que lhe digo e faça o que te falei.

Anjo fecha a porta.

CORTA PARA

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