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Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves


RIO Piranhas-Açu
CONSTRUÇÃO Entre 1979 e 1983
DATA(S) DO(S) EVENTO(S) Dezembro de 1980 e 15 de dezembro de 1981
TIPO DE DOCUMENTAÇÃO Técnica

1. Descrição da barragem da barragem, alcançando, em profundidade, o topo do substrato rochoso.


Os materiais empregados na construção da barragem do Açu foram,
A barragem do Açu (Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves) se localiza no basicamente, os sedimentos presentes nas proximidades do sítio. Foram
rio Piranhas, cerca de 6 km a montante da cidade do Açu, no Estado do Rio utilizados os solos aluvionares silto-argilosos de coloração escura (IIA)
Grande do Norte, e dista de Natal cerca de 250 km. Ela foi erguida para atender encontrados nas margens do rio, o cascalho com matriz argilo-arenosa (IB)
à necessidade de suprimento de água do Projeto de Irrigação do Baixo Açu. que ocorre em um terraço na margem esquerda, e os sedimentos arenosos
Trata-se de uma barragem de terra, com extensão de aproximadamente (IC) existentes no leito do rio, de granulometria média a grossa. O material
2.550 m, tendo em sua ombreira direita o vertedouro principal e contando, rochoso foi retirado de uma pedreira de granito na margem esquerda.
ainda, com dois diques transbordáveis e um dique fusível. A adução a Em 1980, um consultor estrangeiro, chamado para opinar sobre rebaixamento
partir da tomada d’água é em túnel, com extensão de 160 m, localizada na e instrumentação, disse (com base em curvas granulométricas) que o material
margem direita. IC não seria impermeável o suficiente e sugeriu a colocação de uma camada
A construção da barragem foi iniciada em 1979 e finalizada em 1983. A de solo IIA, com 7 m de espessura, sobre a areia de fundação, ligando o núcleo
seção típica do projeto original é apresentada na Figura 2.1. A presença à trincheira de vedação. O projeto foi modificado como mostrado na seção
de uma camada de aluvião na fundação, com cerca de 30 m de espessura, da Figura 2.2, de modo que o material silto-argiloso aluvionar escuro (IIA)
constituída por areia média e grossa, com bolsões de pedregulho, motivou tornou-se contínuo entre o núcleo da barragem e a trincheira de vedação a
a implantação de uma trincheira de vedação, localizada no pé de montante montante. A construção se desenvolveu ao longo dos anos de 1980 e 1981.

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Figura 2.1 – Seção original da barragem do Açu (Nunes e Mello, 1982)

Figura 2.2 – Nova seção da barragem do Açu adotada em 1980 (Nunes e Mello, 1982)

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2. Descrição dos acidentes lado seco (acima da El. 36,00 m, na qual a obra se encontrava quando a
decisão foi tomada).
Durante a construção ocorreram dois episódios de ruptura, descritos a seguir. Em 15 de dezembro de 1981, quando a construção do aterro da barragem
Mello (1982) e Sandroni (1986) mencionam que, no início de dezembro de central encontrava-se com aproximadamente 35 m de altura, faltando
1980, ocorreram dois deslizamentos vizinhos (separados por 10 m) e quase apenas 5 m para atingir o nível final de projeto, ocorreu a ruptura do talude
simultâneos, em um alteamento antecipado do aterro de solo fino (IIA) de montante da barragem. O primeiro sinal do acidente foi notado com o
construído rapidamente (em cerca de um mês). Esse alteamento teve como aparecimento de fissuras na praça de construção, de forma não contínua,
finalidade atuar como “ensecadeira” para conter uma eventual enchente. ao longo da linha que define a superfície de jusante do núcleo da barragem.
Essas duas rupturas abrangeram cerca de 150 m de extensão cada, possuíam Logo após, constatou-se que essas fissuras estabeleceram continuidade
14 m de altura e talude 1,0V:1,5H, e ocorreram pouco depois de concluída numa longa extensão. Em seguida, observou-se o aparecimento de novas
a construção do alteamento. As superfícies de ruptura se desenvolveram fissuras paralelas às anteriormente mencionadas e também o progressivo
inteiramente dentro do maciço argiloso e foram do tipo rotacional, como aumento de sua abertura. Começou então o movimento descendente
indicado na Figura 2.3. do talude de montante da barragem, acompanhado da movimentação
A obra prosseguiu pautada pela seção da Figura 2.2, exceto pelo fato do de sua berma, desenvolvendo-se de forma contínua na extensão de
desvio de umidade especificado para o solo IIA ter sido deslocado para o aproximadamente 600 m.

Figura 2.3 – Rupturas no alteamento antecipado ocorridas em dezembro de 1980 (Sandroni, Notas de Aula, inédito)

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Do instante de observação das primeiras fissuras até a ruptura do talude de


montante decorreram cerca de 30 minutos (descrição detalhada na Figura
2.4). Com a ruptura, o nível do maciço acidentado ficou 15 m abaixo da
cota do aterro não envolvido no deslizamento e ocorreu o deslocamento
horizontal do pé do talude de montante da barragem em aproximadamente
25 m de extensão. O acidente mobilizou mais de 800.000 m3 de solo e
enrocamento. A Figura 2.5 apresenta uma seção da barragem após a
ruptura. A posição da superfície de ruptura foi minuciosamente investigada
através de poços, como mostrado na Figura 2.6.
As Figuras 2.7 e 2.8 apresentam fotos aéreas do trecho escorregado, em
vista de montante para jusante e em vista lateral desde a ombreira esquerda,
respectivamente (Sandroni, arquivo pessoal).

3. Consequências do acidente

O acidente de 15 de dezembro de 1981 representou a perda quase total


da obra construída até aquele momento. Não houve outros danos,
além daqueles sofridos pela própria obra. Dada a importância do
Figura 2.4 – Descrição da sequência da ruptura em 15/12/1981 (Sandroni, 1986)
empreendimento, o DNOCS empreendeu sua reconstrução.

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Figura 2.5 – Seção da barragem após o rompimento (Nunes e Mello, 1982)

Figura 2.6 – Geometria das rupturas e posição da superfície de ruptura em poços (Mello,1982)
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Figura 2.7 – Vista do paramento de montante após escorregamento Figura 2.8 – Vista lateral desde a ombreira esquerda após escorregamento
(Sandroni, Notas de Aula, Inédito) (Sandroni, Notas de Aula, Inédito)

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4. Medidas de recuperação Esses materiais foram lançados e compactados a montante da berma de


recobrimento da trincheira de vedação constituindo um tapete com até
A barragem foi reconstruída com nova configuração. O novo maciço foi 600 m de extensão no sentido montante-jusante (não mostrado na
construído com seção homogênea, utilizando-se cascalho areno-argiloso Figura 2.9). Uma visão geral da reconstrução da barragem está apresentada
existente em grande quantidade no local. O filtro chaminé inclinado, com na Figura 2.10.
4,5 m de espessura, alcançou a cota 60,70 m em seu topo (Figura 2.9). A nova estrutura foi intensamente instrumentada, com piezômetros de tubo
Todos os materiais envolvidos no escorregamento foram removidos, aberto (tipo Casagrande), piezômetros pneumáticos, medidores de nível
totalizando cerca de 1,2 x 106 m (com exceção da parte inferior do solo
3 d’água, inclinômetros, marcos superficiais e extensômetros magnéticos.
argiloso, como se pode ver na Figura 2.9).

Figura 2.9 – Seção da barragem após a reconstrução (Nunes e Mello, 1982)

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Figura 2.10 – Visão geral da reconstrução da barragem (Sandroni, Notas de Aula, Inédito)

5. Causas do acidente Após o acidente e para a reconstrução da estrutura, as características


geotécnicas dos materiais constituintes do aterro e da fundação foram
O relatório final sobre as causas do acidente, segundo nota do DNOCS de exaustivamente investigadas. Aspectos da mecânica dos escorregamentos
março de 1982, atribui o escorregamento às elevadas pressões neutras podem ser encontrados em Sandroni (1986) e Mello (1982). Nessas mesmas
desenvolvidas no material argiloso preto que constituía o núcleo e a parte referências se encontram análises e estudos de estabilidade do acidente.
inferior da berma de montante.

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6. Material consultado

AMORIM, E.F. – Acidente na barragem Engo. Armando Ribeiro Gonçalves, em Açu, RN. 2013. Pág. 115-126. Texto sem indicação de edição.

CARVALHO, L. H. de, GUEDES, J.A. & DE PAULA, J.R. – Açu: uma cortina impermeabilizante. In: XIV Seminário Nacional de Grandes Barragens. Recife, 1981. Tema
II. Pág. 499-518.

CARVALHO, L. H. de – Dewatering from a cut off trench in a deep pervious foundation - Armando Ribeiro Gonçalves Dam. In: Congresso Internacional de Grandes
Barragens, XIV, Rio de Janeiro, 1982. Vol. 3, C.7. Pág. 1185-1195.

CBDB - Comitê Brasileiro de Grandes Barragens – Açu dam and reservoir. In: Main Brazilian Dams. Design, Construction and Performance. Rio de Janeiro. 2000.
Pág. 29-36.

CRUZ, P. T. da – 100 barragens brasileiras: casos históricos, materiais de construção, projeto. Oficina de Textos. São Paulo. FAPESP. 1996. 648 páginas.

MELLO, F.M. & ÁVILA, J.P. de – Brazilian National Committee on Large Dams. General Paper. Congresso Internacional de Grandes Barragens, XV, Lausanne. 1985.
Volume II. Pág. 941-958.

MELLO, V.F.B. - A case history of a major construction period dam failure. In: Amici et Alumni Eng. Prof. Eng. De Beer, Bruxelas. 1982. p. 63-78.

PESSOA, J.C.C.P. – Acidentes em barragens. Sanevia, Rio de Janeiro, n0 26, maio/1964. p. 93-101.

PESSOA, J. C.C.P. – Problemas geométricos da seção transversal de uma barragem de terra do tipo zoneada e métodos construtivos não convencionais. In:
Seminário Nacional de Grandes Barragens, XVII. Brasília, 1987. Anais... Rio de Janeiro, CBGB, 1987. Vol. 2, Pág. 77-88.

SANDRONI, S.S. – Aspectos geotécnicos de uma ruptura de maciço de barragem durante a construção. In: Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e
Engenharia de Fundações, 8. Porto Alegre, 1986. Anais. ABMS. V.4. Pág. 225-34.

SANDRONI, S.S. – Barragem do Açu. PowerPoint para aulas ministradas na COPPE/UFRJ (1986 a 2008) e na PUC-RJ (2010 em diante). 72 figuras. Inédito.

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