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As ondas avermelhadas
do Paraíba — ligeiras
misturam-se às enxurradas,
que rolam das cabeceiras.
A sensitiva chorosa,
que entre mistérios se vela,
não é, meu Deus, mais mimosa,
nem mais bonita do que ela.
II
LÉLIA
II
III
Nos altaneiros píncaros,
nas regiões algentes
das serras imponentes
volteiam frias brumas
e além, além se esfrolam
nas praias oceânicas
os flocos alvadios
de trépidas espumas,
rasgando o seio níveo
de encontro à penedia:
IV
As fúlgidas lucíolas
nas horas do silêncio
passeiam vagabundas
— erráticas alâmpadas,
cruzando-se nas sombras
dos lameirais de além;
— estrelas animadas —
repartem seus fulgores
e vão inconscientes,
seguidas de uma auréola;
mas sem saber que é própria
a luz que as alumia:
VI
NEVOEIRO
A ESTÂNCIA
Em tardes melancólicas,
sozinho, aqui sentado,
revolvo na memória
a pequenina história
do nosso amor...
Um riso,
um casto olhar bem terno,
frases onde o perfume
das almas se derrama
íntimo e quase a medo,
eis enquanto consiste
e a página resume
daquele estranho drama,
cujo singelo enredo
revolvo na memória
sozinho, aqui sentado,
em tardes melancólicas.
Do remoinho o círculo
passeia a espuma clara
na superfície d’água,
a frol da correnteza
quebra-se na aspereza
das pedras, e revolta
queixas sentidas solta
mais que um gemido — tênues,
brandas qual um anélito;
eu lembro pesaroso
tristeza, dor e mágoa
que tu’alma padece
e, ao tom de íntima prece,
se fito o espelho da água,
teu rosto me retrata
do remoinho o círculo.
—
Da vida — o encanto efêmero,
do encanto — o gozo rápido,
do gozo — a flor mendace
e o perpassar fugace
das ilusões senis,
— desmancham-se em silêncio;
— desmentem-se num’hora;
— desfazem-se na aurora
das crenças juvenis...
— Se um riso o não alenta;
— se um beijo o não demora;
— se amor o não sustenta;
foge mendace e rápido
da vida o encanto efêmero…
Se tu quiseras, linda,
um dia — um só, embora —
prender aqui teu sonho...
Eu a mirar teu rosto
tremendo envergonhado,
outras vezes risonho...
Tu — a falar de amores,
eu — a encher de flores
cheirosas — teu regaço;
um beijo, um ai…
Depois...
se tu quiseras, linda...
CISMANDO - I
Os eflúvios do gerânio
acendem langues desejos;
nas matas-virgens às dríades,
os silfos roubam mil beijos;
o sangue — corre precípite,
a alma — em sonhos se abisma,
e a mente — embala-se lânguida
na rede frouxa da cisma...
Os pirilampos notívagos
brincam nas sombras da veiga,
são as mimosas alâmpadas
que a noute acende — tão meiga!
para aclarar nosso tálamo...
O leito é alvo e macio
— como do armínio a pelúcia.... —
O ar da noute é tão frio!...
II
III
Da lagoa à superfície
boia indolente a canoa;
queres cismar? — Embarquemo-nos...
Ao largo! ao longe! à lagoa!
Desfralda as velas — argênteas
como as virgínias anáguas, —
somos nós dous e o silêncio....
vamos cismar sobre as águas.
……………………..
Vem, querida; a lua é pálida,
o éter silencioso,
as estrelinhas são vívidas;
vagueia — perdido — um gozo
na imensidade do páramo:
— ‘inda vem longe a alvorada,
mas tu dormitas exânime
no teu sonhar de acordada...
ROMAGEM
— Do acerado espinho
gota que vai tombar,
— nos velos do arminho
alvíssimo — o diamante,
fúlgido, cintilante,
não é, não é brilhante
mais que a luz desse olhar...
— A lágrima de cera,
que sobre a cruz do altar
tombou, — se não descera
de além, do céu, do empíreo...
— a lágrima do círio
não trai maior martírio
que o teu súplice olhar!
Solícito, sereno,
dói vê-lo assim brilhar...
Talvez tenha veneno...
É quase o olhar materno,
talvez; — tão meigo e terno!..
— Veio talvez do inferno
aquele estranho olhar...
Meu Deus, foi um momento
de íntimo gozar...
Sofri desse tormento
o influxo venenoso...
Oh! quanto ansiar de gozo
no raio voluptuoso
desse lânguido olhar!
SENSITIVA * * *
………………………….
LÁGRIMAS
o brado do Niágara
às múrmuras cascatas,
dos roseirais ao frêmito
o estrépito das matas;
MURMÚRIOS
* * *
VACILAÇÕES
e se te vejo — louca
sobre o abismo — calma,
onde a candura virginal se apouca
e a essência esvai-se do perfume d’alma;
TRISTE ANIVERSÁRIO
PÁGINA ÍNTIMA
Do jardim de minh’alma
dou-te as flores primeiras.
Sangram meu peito os ásperos espinhos
destas pobres roseiras...
— falta-lhes rócio, prantos que são bálsamos
e valem de carinhos,
se vêm do coração aos olhos— lágrimas...
Vicejaram um dia
no canteiro das puras amizades,
depois a ventania
do desamor, e a ingratidão mataram
aquelas pobres flores;
— de tantas e tão lindas! só ficaram
as pálidas saudades....
……………………………..
NENÉ
INOCÊNCIA
—
E mais se abraza a atmosfera cálida
ao beijo da canícula;
tudo busca uma sombra protetora,
agasalho e abrigo.
À furna, o teto de sapé, as árvores,
a relva aveludada das campinas,
o murmurante córrego das grotas,
o leque das trementes bananeiras,
o pomar, a floresta, a capoeira,
a mouta de arvoredo
têm sombras e frescores;
aqui, além, por onde o olhar passeia
descuidoso a seguir uma quimera,
há uma alfombra amiga em cada arbusto,
um ninho nessa alfombra
e um ente a repousar naquele ninho.
O CAMARIM DE LÚCIA
……………………
Um leito gracioso
— antes concha de pérola; —
mais do que se mostrando, — adivinhado
através a indiscreta transparência
de um níveo cortinado...
gentil, misterioso,
— antes ninho de pássaro, —
de pequenino e alvo e tão catita!
Mais visão ideal que asilo e alcáçar
de uma moça bonita...
escondendo-se quase
na frouxa claridade da penumbra;
— antes froco de névoa,
de tão mimoso e frágil; — mais aéreo,
mais irreal que o afigura a ideia,
menos realidade que mistério.
………………………
—
Um toucador singelo;
— antes brinco da infância;
mimo de confusão, capricho artístico,
templo do estudo e altar da faceirice.
(denunciando o espelho irrefletido
a femínea ledice...)
……………………
PALAVRAS AO CORAÇÃO
NA ROÇA
……………………….
HETAÍRA
………………….
SOMBRAS
Os últimos murmúrios
do canto d’aves que nos ares passa
mistura-se às cantigas
das ledas raparigas;
sobre o sapé do teto dos tugúrios
ondulam tênues frocos de fumaça.
II
O rumor d’alegria
mora naquela aldeia abençoada,
a descuidosa, jovial risada
tem ali agasalho
e o rosto prazenteiro,
tostado ao sol ardente do trabalho,
trai o filho do povo
— o coração honrado de um roceiro.
III
Cantava:
"Ó gênios d’amplidão, ó pássaros,
"que ides em busca do frescor das várzeas,
"levai-lhe o adeus de um coração magoado
"e as vozes tristes de minh’alma, ó pássaros.
IV
—
Mas, se os idílios duram pouco tempo
e as rosas d’alma, como as outras, murcham,
e as Estações do ano também mudam,
não é de admirar que o Inverno — o feio!—
viesse surpreender o arrulho casto
daqueles dous pombinhos.
………………………
Epílogo:
Foi nestas circunstâncias
que o Inverno um belo dia enverga as roupas
de um pálido mancebo...
(Se vos lembrais dos versos que vão lidos,
haveis de recordar a "estirpe ilustre
do moço fazendeiro.”)
Trazia a bolsa farta, o peito um ermo
de piedade e amor...
—
Oh! vem, meu pobre amigo, tu conheces
a veemência de sentir que est’alma
hauriu do sofrimento! Os meus segredos,
o ansiar de dor, blasfêmias, preces,
audácias vãs e amesquinhados medos,
sonhos pueris e verdadeiras raivas,
tudo surpreendeste... As agonias
de minhas noites, os sutis anélitos
e o louco brado que trazia a raiva
aos lábios revoltados, sei, ouviste...
(Pois manda a Lei e o hábito santíssimo
deste patriarcal viver da roça
que vigie o dormir do senhor-moço
um pariá, escravo, um cousa, um negro,
homem embora!..
E tu, meu pobre pajem,
a quem o mundo (risum teneatis!)
não profanou as páginas alvíssimas
do livro d'alma, imaculado ainda,
oh! não me invejes, não; eu sofro e muito
neste desterro inóspito da vida!
Sou livre, e o que isso val’?. A liberdade
exclui acaso d’alma o sofrimento?
Um patriota amorável
que quer bem à causa pública,
não fez figura no Astro,
nem canta palinódias na República
Um poucochinho filósofo
e um tanto quanto poeta,
que acredita em Deus e no diabo
no ensino-livre e na eleição direta!...
Um franc-tireur de horóscopos
que em tudo enxerga harmonias,
que ingere — ruins paradoxos
e digere — piores utopias...
O Club de — encômios-mútuos
demarcou-lhe esta atitude;
se a opinião — é açude
e as rãs — Musas paludosas,
que mal faz que do dilúvio
salvem-se poucos preceitos
e a arca esbarre defeitos
no Ararat das Nebulosas?...
A respeitável distância
rasga-se um quadro; que encerra?
— Um perfil rotundo, — Serra.
No horizonte, por instantes,
lê-se patente a denúncia,
de que no mar das rapsódias
pesca o mau-gosto paródias
nas espumas flutuantes.
……………………………
…………………………….
O BEIJO DA VISÃO
E as tranças a oscularem-se
no colo branco e nu?
— Mais negras, mais cetíneas
que as penas do urubu!
E a cinturinha mágica,
sumida no filó?
Mais fina que o diâmetro
do mais fino cipó!
Sinais particulares:
— É canhoto
e deita, o tal patusco, — à luz do dia —
comparativo amor — pelo borralho,
superlativo medo — d’água fria.
LENDA.
A ESMO
Terminada a doutrina
o senhor cardeal houve por bem
edificar-me com um texto hebraico,
e concertando as dobras da batina,
com gesto farisaico
resmoneou: — Amen.
VÊNUS E EU
PANDEMONIUM - A J. Freire
Liberais, Conservadores
engrolam tanta aravia
nos palavrões retumbantes,
que, se confusão havia,
depois de tudo ordenarem,
fica tudo — como dantes.
O Progressismo caminha
no andar da tartaruga,
vive mais gordo que um monge,
coça a beata peituga
e santamente resmunga:
"devagar se vai ao longe.”
Os Republicanos rezam
numa diversa cartilha
de diversíssima escola;
andam sempre em pilha-pilha..
Se um diz: esfola; — outro: mata!
Se um quer matar, — outro esfola!
O Monarquismo caminha
por entre tantos escolhos,
tapando as bocas a eles,
pondo-lhes vendas... nos olhos;
dando pingues sinecuras
a uns, a outros, àqueles...
E as divergências aunam-se
e a Nobre Sociedade
vai cantando a ladainha
e incensando a Majestade;
pois dá-se bem co’o dictado:
— puxar a brasa à sardinha.—
Os Representantes sujam-se
no nacional pugilato;
— geme a montanha um momento,
atroa o ar, — pare um rato!
E a canalha bate palmas
aos truões do Parlamento!
E deslembrados os mártires
da liberdade brasília
ninguém os encara ao sério;
— a ingratidão cospe lia
nos heróis da Independência
deste Bourbônico Império.
CRIADO E BIBLIOTECA I
II
Ó décimo-nono século
dos meus tamanhos pecados!
— Século dos gatos-pingados
das procissões e dos santos!
Século de luz? não; de pândegas,
das mal rimadas poesias
— como a que leem, — das manias
de todo o gênero e tantos!
LUCÍOLA
REVERSO - A Rezende.
Presto um guincho
agudo e penetrante me acordava
daquele arroubo; um traço fumarento
e um rouco estrepitar denunciavam
que tu, Rezende, estavas no catálogo
das cidades do Rei — e nuvem negra
empestava teus ares co’os vapores
de mais sandeus, mais coke e mais doutores!
Após vieram
os humanos cupins e o rei das selvas
atônito escutou a voz das larvas,
a injúria vil dos vermes discursistas,
ao som de esmeraldinos instrumentos.
Foi o golpe final, o couce fátuo
do sendeiro boçal, impado, estulto,
na fronte do leão agonizante!
……………………..
Adeus ainda.
Se o poeta um dia,
cansado de viver, a veia exangue,
plectro quebrado e morna a fantasia,
vier bater à porta de teus lares,
não faças cara feia ao filho pródigo;
antes recebe-o bem, que o coitadinho,
— Ícaro audaz — naquele instante augusto,
sem asas p’ra voar — tomba do espaço
e vem morrer — por desfastio último —
de tédio em teu regaço!