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Tema: Amor
Stela Está em seu ateliê, vê uma sacola de tecido no chão, dá uma olhada por cima e deixa-a.
Mexe no celular e ouve uma notícia.
VOZ: Foi encontrado essa manhã o corpo do apresentador de Tv Marcos Valente, ancoras de
um dos mais populares programas policiais apresentados todas as tardes. O comunicador estava
em um de seus apartamentos na capital paulista com um tiro na cabeça. Segundo funcionários
do prédio Marcos Valencia não morava no prédio, o mesmo era usado por ele para encontros.
Conhecido por seu discurso conservador, Valente que também era líder religioso, preparava-se
para entrar na política e já havia sido sondado por diferentes partidos para concorrer a um cargo
público nas próximas eleições. O delegado responsável pelo caso ainda aguarda análise da
polícia técnica em relação as câmeras de segurança do edifício que indicaram suspeitos do
crime.
STELA: Tem sim, eu acabei de fazer. Você viu que mataram o Marcos Valente?
STELA: Encontraram o corpo dele hoje de manhã em um apartamento que ele tinha para
encontros clandestinos.
MARINA: Que ironia do destino. O cara vivia fazendo discurso moralista de ódio na Tv,
mandando matar bandido, perseguia homossexual e tinha uma vida dupla? Na certa era casado
e tinha uma amante. Clichê total. O idiota não se deu ao trabalho nem de ser original?
STELA: A polícia está investigando. Parece que as câmeras de segurança gravaram tudo.
MARINA: Quer saber? Eu tenho nojo desse cara, mas, sei lá, tomara que peguem o assassino.
MARINA: Aham. Saí de lá super tarde. Eu tive uma discussão com a produtora executiva, ela
quer que eu corte um monte de coisas. Ela quer que eu faça um documentário imparcial,
asséptico. Uma covarde essa mulher. Mas depois eu te conto, eu preciso ir agora.
STELA: Muito trabalho?
MARINA: Muito, eu vou entrevistar uns caras de jornalismo independente e depois vou pra ilha
trabalhar na montagem.
MARINA: Hum, não sei. Melhor não me esperar, talvez eu volte tarde.
STELA: Eu espero.
STELA: Eu sei que não precisa, mas eu quero. Ai Marina, a gente quase não se encontra mais,
vem jantar comigo, vem?
MARINA: Que roupa? (volta para pegar) Ah não, não. Isso aqui eu vou levar para a lavanderia.
Pode deixar.
MARILU: Cheguei.
MARILU: Não foi nada difícil convencer, viu. Você que é incrível. Bem minha amiga, se prepara
por que daqui pra frente a tua vida vai mudar.
MARILU: Só que?
STELA: Ah Marilu, é a Marina. Em outros tempos a primeira coisa que eu faria seria ligar pra ela
pra contar da exposição, mas agora, sei lá... Ela está tão distante.
MARILU: É, ia ser muito bom pra ela. Já está na hora da Marina sair dessa depressão. Depois de
tudo que aconteceu com Helena.
STELA: Todos.
Elas riem.
STELA: Eu acho tudo isso uma merda. Eu sei, o cara era um monstro, tudo bem, mas comemorar
o assassinato de uma pessoa é cruel demais.
MARILU: É complicado. Enquanto era só um maluco falando coisas na Tv, ok. Mas a partir do
momento em que o cara começa a entrar para a política, fazendo discurso de ódio, aí a coisa
fica séria. A quantidade de casos de agressão a negros e gays aumentou muito depois que esse
cara entrou pra Tv. Enquanto era só, lugar de bandido é na cadeia, ok. Dizem que ele mesmo
estava envolvido numa série de escândalos sexuais e a polícia não está facilitando nada, está
cada vez mais violenta. E não é só com bandido não, com todo mundo. Pra mim esse Marcos
Valente era tão perigoso quanto o assassino dele. É uma merda comemorarem? É claro que é,
mas eu acho que eu entendo o que essas pessoas estão sentindo.
STELA: Quer dizer, o assassino seria preso por ter feito a coisa certa, certo?
STELA: Sabe que essa história de crime me deu uma ideia. Vai ser a minha próxima série.
MARILU: Como?
STELA: Lembra do Célio? Aquele cara com quem eu saia que era perito digital da polícia?
STELA: Eu estou pensando em falar com ele e pedir pra ele arrumar as imagens da câmera de
segurança desse caso. Aí eu vou fazer uma intervenção em todos os frames do vídeo. Vai ser a
primeira da série “Assassinos de Assassinos”. O que é que você acha?
STELA: A Marina?
MARILU: Até hoje ela não se conformou com a morte da Helena. Que horror, só por que ela era
trans?
STELA: Não, não, esse não. Hoje a noite eu vou cozinhar pra Marina e eu quero servir isso de
entrada.
MARILU: Bem minha amiga, eu já vou. Passei aqui só pra te contar a novidade, aliás acho que
merecemos uma festinha lá em casa para comemorar a exposição, o que você acha?
MARILU: Stela, quanto aquela coisa da Marina que anda te preocupando. Fala com a tua filha.
Tudo que ela passou foi muito difícil, fala com ela.
STELA: Eu também.
Black out
Marina e Stela estão terminando de jantar
STELA: Parece que você nem ficou feliz com a minha exposição.
MARINA: Claro que eu fiquei, mãe. Essa exposição é só o começo, agora esse mundo vai ser seu.
MARINA: Não, obrigada. Nossa, eu estou muito cansada. Acho que vou tomar um banho e
dormir.
STELA: Marina, eu quero falar um pouco com você sobre a morte da Helena.
MARINA: O que?
STELA: Você acha que é bom você fazer esse documentário? Você não acha que isso é mexer
demais nessa sua ferida?
MARINA: Não, o que mexe na ferida não é isso, mãe. É o silêncio das pessoas. Helena foi morta
por um bando de brutamontes não tem nem 6 meses. Ninguém mais fala nisso, nem a gente.
MARINA: A polícia encerrou o caso, mãe. Arquivou por falta de provas, não é isso que eles
falam? Por que? Por que ela era uma transexual.
MARINA: Claro que não, mãe. Eu sei muito bem os limites, ou melhor, a ineficácia da arte. Você
esqueceu que eu sou sua filha? O mundo não ficou menos violentos por causa dos seus
trabalhos, ficou? Eles só interessam a você e a quem compra achando que vai comprar um
pouquinho de paz para o mundo. Desculpa, desculpa.
STELA: Na verdade eu só queria saber como é que você está... deixa pra lá.
STELA: Eu só quero te proteger... Na verdade, Marina, eu estou com muita saudade das nossas
conversas.
MARINA: Logo eu vou terminar esse documentário e eu vou com você para NY nessa exposição,
tá bom? Eu te prometo.
STELA: Vai ter uma festa na casa da Marilu para comemorar a exposição, você não quer ir?
MARINA: Quero. Pronto. Aliás eu a vi saindo do metrô ontem a noite, eu estava passando de
moto e ela nem me viu.
Black out
Stela vai até seu laptop. Procura algo e digita um número no celular.
STELA: Bom dia, o meu nome é Marina, eu trabalho em uma produtora aí no prédio de vocês, a
Luneta Filmes. Anteontem a noite eu estive em uma reunião aí e eu acho que na saída eu deixei
a minha carteira cair na recepção. Será que o vigia da noite não encontrou? Ah eu gostaria sim,
obrigada.
Black out
STELA: É claro que tem, ele checou todos os registros. Não passou ninguém lá naquela noite,
não teve reunião nenhuma.
STELA: Como ela pôde olhar nos meus olhos e mentir pra mim? Como ela pôde mentir assim?
MARILU: Só por que ela mentiu sobre a reunião? Você está encanada com o que?
MARILU: Tipo?
MARILU: Mas Stela, ela já está melhor da depressão, já está até trabalhando.
MARILU: Sei lá, eu falo tão pouco com o meu irmão, mas... acho que é a única coisa que ele sabe
fazer. Por que? Ah não Stela, jura que você quer fazer isso?
Black out
STELA: Ainda bem. Na noite que ela disse que estava na reunião, ela tinha ido encontrar uma
menina. A menina ainda disse pra ela deixar a moto no estacionamento e ir andando até a casa
dela e entrar pelas portas dos fundos pra não chamar a atenção.
MARILU: Viu?
STELA: Agora, eu não sei por que ela escondeu isso de mim.
STELA: Essa menina, parece que ela é muito boa, ela é assistente de direção do documentário
que a Marina está fazendo, é ótima. Até deu uns contatos de uns líderes de grupos envolvidos
nessa causa. Isso é bom, né Marilu? Mostra que ela está se recuperando.
MARILU: É. Não falei que você estava encanada à toa? Agora eu posso ir embora em paz?
MARILU: Confirmadíssima.
STELA: Bom, acho que vou subir, tomar um banho e agora acho que vou poder trabalhar um
pouco. O Célio, o perito, mandou uns arquivos da câmera de segurança lá do crime.
Marilu sai.
Black out.
Stela entra após o banho e vai até o laptop. À medida que vê o vídeo vai se assustando e entrando
em pânico. Ela abre uma maleta de Marina e encontra uma pasta. Ela coloca os documentos
sobre a mesa e analisa tudo.
Black out.
MARINA: Ai que susto, mãe. O que você está fazendo aí sozinha, no escuro?
MARINA: O que?
STELA: Eu sei que você não estava. Por que você inventou essa história de reunião?
MARINA: Sabe?
STELA: Você não estava por que você estava aqui comigo. Entendeu? Você estava aqui comigo
comemorando a minha exposição e combinando a viagem que nós vamos fazer para Nova
Iorque. Entendeu? Nós conversamos a noite inteira e você não saiu daqui naquela noite,
entendeu?
STELA: (pegando a pasta de documento e colocando dentro do balde) O mesmo que você fez
com aquela roupa. Destruindo tudo. Não foi isso que você fez com aquelas roupas?
MARINA: Era pra ser só um escracho. Eu cheguei e o cara começou a falar um monte de merda.
Foi um puta escroto, eu não sei... eu perdi a cabeça.
STELA: Não aconteceu nada. Presta atenção. Amanhã você vai embora desse país e você nunca
mais vai voltar, entendeu? Você não vai dizer pra mim e nem pra ninguém onde você está.
STELA: Não, eu não vou fugir por que não aconteceu nada.
MARINA: Você não precisa fazer isso... você sabe né? Você não precisa fazer isso, tá bom?
Black out.
Reportagem na TV.
REPÓRTER: A artista plástica Stela Pinheiro continua presa acusada de envolvimento no
assassinato do apresentador de Tv Marcos Valente e por obstrução de justiça por destruição de
provas. Segundo o Ministério Público e as investigações, a filha dela Marina Coelho, é a principal
suspeita do crime. De acordo com a polícia, após o assassinato da sua namorada, a transexual
Helena, vitimada por intolerância, Marina pouco a pouco se aproximou a um grupo de
extremistas que promovia ataques a líderes conservadores.
Black out.
MARILU: Alô
MARINA: Eu sei. Mas eu quero contar pra todo mundo a minha versão dessa história.
Black out.