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Cativeiro Antinegritude e Ancestralidade
Cativeiro Antinegritude e Ancestralidade
CATIVEIRO
ANTINEGRITUDE E ANCESTRALIDADE
CATIVEIRO
ANTINEGRITUDE E ANCESTRALIDADE
1ª edição
2021
314 p.
Este livro está dedicado à memória de meus avós, Dona Regina e Seu Moreno.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 21
O REDEMOINHO NA ENCRUZILHADA
I 41
A PESSOA DO ESCRAVO: MORTE SOCIAL E IMAGINÁ-
RIOS POLÍTICOS DA DIÁSPORA AFRICANA NO BRASIL
II 71
ARRASTÃO: DESCOLONIZANDO O GÊNERO E A SE-
XUALIDADE NO PAGODE BAIANO
III 111
“BLACK BORDER”: O CORPO E A LUTA NO AUDIOVI-
SUAL NEGRO
IV 145
“SANGUE ATLÂNTICO”: MORTE SOCIAL E ANCESTRA-
LIDADE EM ALBERT ECKHOUT E AYRSON HERÁCLITO
V 183
A CENA DA OBJEÇÃO: NARRATIVA, ECONOMIA POLÍ-
TICA E PERFORMANCE
REFERÊNCIAS 268
2 Principais nomes neste debate estão suficientemente discutidos por Pinho nas páginas
que seguem. Não cabe uma revisão neste prefácio. Também me antecipo a qualquer
omissão de autores/autoras que convergem no todo ou em parte com o amplo debate
em questão. De fato, o debate é amplo e intelectuais com afinidades teóricas com os
afropessimistas ou com os afro-otimistas não estão necessariamente de acordo com estas
rotulações redundantes, ainda que a abordagem acadêmica (e o léxico) comum em seus
trabalhos autorize a identificá-los assim. Para referencia conceitual, ver obrigatoriamen-
te Saidiya Hartman (1997), Frank Wilderson (2010), Jared Sexton (2011), João Costa
Vargas (2012, 2017), Fred Moten (2003, 2013), and Christina Sharpe (2016).
ALVES, Jaime (2018). The Anti-Black City: Police Terror and Black
Urban Life in Brazil. University of Minnesota Press.
________.; VARGAS, João Costa (2020). “The spectre of Haiti:
structural antiblackness, the far-right backlash and the fear of a
black majority in Brazil.” Third World Quarterly 41(4): p. 645-662.
Seu Marujo
INTRODUÇÃO
O REDEMOINHO NA ENCRUZILHADA
2 Valdina de Oliveira Pinto, falecida em 2019, foi líder religiosa, educadora anti-racista
e makota, auxiliar da mãe-de-santo, do terreiro Angola Tanusi Junsara, localizado na
comunidade do Engenho Velho da Federação em Salvador.
Uma vez que nos dias que correm o “lugar de fala” parece ser
algo tão importante, julgo que seria adequado, por fim, falar algo sobre
o meu próprio nesse momento. A discussão levada a cabo recentemente
por Djamila Ribeiro já está consagrada, e reivindica sua filiação ao femi-
nismo negro de Patricia Hill Collins e de Lélia Gonzalez para enfatizar
a importância do reconhecimento do locus social do sujeito do discurso,
para compreender como hierarquias sociais se convertem em privilégios
epistêmicos, usualmente acionados pela invisibilização desse mesmo vín-
culo, entre uma posição sociológica de poder – vivida no mundo da vida
e definida por estruturas sociais históricas – e uma prerrogativa de enun-
ciação. Assim, por exemplo, a sobrerrepresentação de homens brancos
em posições de poder na sociedade conduziu a uma situação qual que o
cânone do pensamento acadêmico brasileiro sobre o negro fosse produzi-
do por sujeitos que viam, em seu cotidiano, o negro como Outro. Então,
não se trata de que brancos não possam falar de negros, mas de que negros
não podem ser reduzidos a objetos mudos, sendo descritos e explicados
em terceira pessoa. Ou seja, a questão é o privilégio branco de falar sobre
o negro, o que tem, é claro, e isso às vezes é mal entendido, reflexos no
tipo de conhecimento produzido. Quando Nina Rodrigues julgava que
os descendentes de africanos seriam incapazes, como povo, de progresso
social e de moralidade individual ele confundia sua experiência e ponto
de vista pessoal, eivado de preconceitos, sustentados na ordem objetivada
da sociedade, com a objetividade científica. Como Fanon já disse, aliás,
“para o colonizado a objetividade está sempre voltada contra ele”. Porque
a objetividade objetivada, digamos assim, do mundo colonial é uma or-
dem de opressão, violência e negação, que cria um espaço de morte para
o sacrifício da humanidade do “nativo” racializado.
Tudo aquilo que somos, tudo aquilo que sou, entretanto, pare-
ce frágil, combalido, cheio de ambições fúteis num mundo em desagre-
gação. Tudo aquilo que que imaginamos ser ou viver parece destinado à
diluição impessoal, como a voz de um fantasma, em meio ao redemoi-
nho, em uma encruzilhada deserta à meia-noite.