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Um bom jeito de falar sobre a mudança de comportamento que o judô promove, principalmente nas

crianças, não será apresentando uma lista de mazelas das quais queremos distância, que poderiam estar nos
acometendo ou aos pequenos, como inquietude, desobediência, desatenção, agressividade, contestação, sem falar
de sedentarismo, obesidade e até depressão. Conhecemos bem o desafio que enfrentamos na educação de nossos
filhos. Longe disso, por meio de entrevistas, trazemos à luz a obra de Jigoro Kano, o “Judô” (“ju” = suave; “do” =
caminho), o Caminho da Suavidade, um método de autoconhecimento e aperfeiçoamento físico e moral, um modo
de viver com sabedoria, respeito, disciplina e outros valores, com o qual ele nos presenteou. Enquanto levantava
informações para o texto, meu filho de 10 anos Luís Carlos Llanos, recém-iniciado no esporte, comentava que o judô
é para ele uma “segunda chance” e a possibilidade de “viver em comunidade”. É exatamente essa comunidade
formada pelas famílias de alunos e professores que aqui entrevistamos.
Empenhado em levar o Judô ao conhecimento de mais pessoas, o sensei Celso Galdino de Araújo,
Kodansha de 6o dan, da escola Judô Nipo, em Palmas, Tocantins, encomendou: “Precisamos nada mais que um
texto contando o que os pais dizem sobre a mudança de comportamento das crianças. O judô fala por si só”.

O peso das medalhas

“Você sabe o que é “pacóvia?”, pergunta a medalhista de ouro da 1a etapa do Campeonato Estadual do
Tocantins de 2022, Kamila Ibiapina de Souza Durão, de 13 anos, hoje detém a faixa laranja. Desde os sete aluna do
sensei Celso Galdino de Araújo, Kamila conta que chegou ao tatami bagunceira, antissociável e acima do peso: “Eu
era redonda, gordinha, mesmo!”. Determinada a vencer mais disputas, aprendeu a equilibrar a balança e até passou
a gostar de alimentos que antes não comia, como frutas, para se encaixar em categorias de atletas mais leves.
Ganhou massa muscular, foi ficando mais forte e desenvolveu a disciplina não apenas para dosar o arroz no prato,
mas, principalmente, para tornar-se mais estudiosa e organizada. “Vencer dá uma sensação de felicidade e orgulho,
é como tirar dez na prova, mas multiplicado por cinco!”. E a família apóia e torce nas arquibancadas, sabendo que o
caminho no judô vem trazendo muito mais que as medalhas. Kamila recorda que sempre que tirava uma nota boa ia
contar pro sensei: “Ele é como um segundo pai, dá importância para essas coisas pequenas, coisa que ninguém
faz”. Coisas pequenas, mas significativas, como a primeira viagem de avião, patrocinada pela Confederação
Brasileira de Judô, a descontração durante as numerosas viagens de ônibus para os campeonatos, as amizades
que vem fazendo Brasil afora com os outros atletas. “Pacóvia é tudo o que tem de ruim”, revela, serena,
desembaraçada no falar. A graça está na semântica negativa da palavra que ficou gravada com um lembrete na
mente da jovem: “Aprendi essa palavra com o sensei. Ele vai ensinando a gente e o nosso pensamento vai
mudando. Li no “Manual de Judô” (2015) que o sensei Celso escreveu, as frases filosóficas do fundador do judô, o
sensei Jigoro Kano, como ‘Nunca te orgulhes de haver vencido um adversário, ao que vencestes hoje, poderá
derrotar-te amanhã. A única vitória que perdura é a que se conquista sobre a própria ignorância’. Faz a gente
pensar...”.

Legado Japonês

Antonio Osshiro aos sete anos fez sua primeira aula no dojô do Judô Nipo com o sensei Celso Galdino, há
cerca de seis meses, ainda com a máscara como parte do uniforme, embora a mãe tivesse planejado iniciá-lo no
judô desde antes do nascimento. “Eu sempre tive a expectativa de que Antonio crescesse nessa doutrina, pois o pai
dele é japonês”, diz Erica Cristina Rezende Oshhiro, administradora. Para o casal Osshiro, a cultura japonesa já é
em si a base para uma boa educação. Por isso, a confiança nesse esporte. Erica acredita que o pequeno faixa
cinza-ponta azul tem a percepção de que o judô é algo sério. “Ele achou cansativo no começo e até quis desistir,
mas insistimos e agora já vê no esporte uma forma de lazer. Dá pra ver que ele está mais seguro quando corre e
parece mais concentrado”. Criada a partir de manuscritos, segredos e valores cultivados por mestres de artes
marciais oriundos dessa cultura, a obra de Jigoro Kano é também um legado do povo japonês para o mundo.
Segundo Jigoro Kano, “o treinamento das artes marciais pode ser utilizado como uma potente força na busca do
autoaperfeiçoamento”. O regulamento tem como objetivo garantir a “honesta e leal disputa desportiva“ sem prejuízo
para a integridade física e moral dos atletas. E como é próprio da tradição japonesa, geração após geração as
máximas desse mestre são seguidas à risca pelos disseminadores de seu ideal, como ocorre nos treinos
ministrados pelo sensei Celso Galdino. “Somos loucos pelo sensei”, elogia Erica referindo-se à seriedade do
trabalho e à maneira como trata seus alunos. “Ele é firme, tem carisma, sabe como olhar, falar, como corrigir.
Antonio tem muito carinho por ele”.

Vitória Fraternal

Os gêmeos Caio e Inácio Gomes dos Santos, de 10 anos, estrearam seus kimonos com o sensei Celso
Galdino aos três anos de idade, mas deixaram de frequentar o judô nos últimos dois anos por conta da pandemia.
“Eles sentiram falta dos treinos, mas lidaram bem com a situação”, explica o pai Cácio Henrique dos Santos, técnico
em máquinas de costura. Os meninos, que sempre tiveram bom comportamento, passaram a ter confiança para
enfrentar os desafios dentro e fora do tatami: “Até na escola, eles sabem que são capazes, que vão dar conta”,
explica satisfeito. Mesmo tendo retornado ao “dojô” (academia) poucos meses antes do início do Campeonato
Estadual deste ano, nesta primeira etapa a vitória veio em dose dupla para a família: Caio conquistou a medalha de
ouro e Inácio ficou com a de bronze. Segundo o pai, Inácio lamentou a derrota, o que é natural, mas recuperou-se
rapidamente, pois estava preparado para uma eventual disputa com o irmão. Além disso, a reação de Inácio é uma
demonstração de resiliência e maturidade. Entre os princípios éticos e morais do judô estão, por exemplo, “o
respeito incomensurável à vida” ao preparar os atletas para “a vitória e para os reveses da derrota, sem entretanto
deixar de incluir o sentido da disputa, da busca honesta da vitória, da ousadia e até da autosuperação da
capacidade física e psicológica no combate desportivo, onde não cabe a covardia e o esmorecimento”. Por isso, os
irmãos faixa-azul seguem treinando juntos, companheiros para todas as horas. Questionados sobre o resultado no
pódio, rebatem: “Estamos de boa!”.
Amor ao Judô

Nem todos praticam judô com o objetivo de conquistar troféus. Embora o sensei Celso Galdino convoque
os atletas que estão em condições de disputar campeonatos, competir é uma escolha pessoal. Alguns lutam
simplesmente para vivenciar a experiência, afinal “Conhecer-se é dominar-se, e dominar-se é triunfar”, um princípio
desse esporte. Para Álvaro XXXXXXXXXX, que começou a fazer aulas com o sensei Celso Galdino aos quatro
anos, a emoção de participar bastava: “Ele fala a língua dos treinos, os nomes dos golpes em japonês. Seu primeiro
campeonato foi em 2019, mas ele não era competitivo, não se preocupava em ser o campeão. Se vencesse, bem,
se não, ok. Um dia me falou que praticava por amor!”, relata XXXXXXXXXX, profissão xxxxxx, pai do judoca. E a
colheita desse amor vem sendo próspera. Aos quase doze anos, na primeira etapa do Estadual, o dedicido faixa-
amarela levou o ouro em sua categoria. Sua dedicação ao esporte vem sendo notada pelos colegas na escola e
também por seguidores que o acompanham no Instagram. Com essa guinada, o discurso de Álvaro hoje é outro: a
competição é o ápice do esporte, a conclusão de todo o treinamento. “Tive que comprar um kimono trançado, pois
agora ele quer representar o estado do Tocantins no Regional de Mato Grosso! Já tem peso, faixa e idade para ir
para o escolar e se vencer, vai participar dos Jets (Jogos Estudantis do Tocantins)”, celebra o pai.

Sorriso de campeão

“Um menino triste” é como Patrícia Costa Silva, pioneira de Palmas, TO, descreve seu filho na infância.
“Coloquei na natação, mas ele vivia isolado, não tinha amigos”. A dona de casa sofria com a perda de um filho e
criava sozinha Gabriel Costa dos Santos, uma criança que brincava sozinha e, revoltada, quebrava os brinquedos.
Aos sete anos, conheceu o judô, onde se sentiu melhor -- e sua vida mudou. “O apelido dele? É que depois de
entrar no judô, estava sempre sorrindo. O sensei Celso Galdino foi o pai que ele não teve. Gabriel viajou o Brasil
todo, só não esteve em uma capital, acho, e coleciona mais de 100 medalhas!”, anuncia. Hoje também professor,
faixa-preta, Gabriel conquistou na primeira etapa do Campeonato Estadual deste ano a medalha de ouro e o
primeiro lugar no campeonato. A convivência com sensei e a disciplina que adquiriu foram decisivas para o rapaz,
que hoje tem uma família, uma loja, e pensa em cursar Educação Física.

Do sofá para o dojô

Quando pequeno, Fernando Camargo praticou judô, mas desistiu do esporte para dar atenção a sua
carreira, o que não é uma exceção. Depois de completar o doutorado em História, sentiu que podia dedicar um
tempo para melhorar sua condição física e o empurrão para o primeiro passo para longe do sedentarismo foi a
lembrança que tinha do esporte praticado na infância: “Eu estava entrevado, não conseguia mais me levantar do
sofá! E já gostava do judô, acompanhava o esporte, já tinha praticado, então, voltei”, conclui. Ao vestir o kimono
novamente, seu prognóstico mudou e o acadêmico reescreveu um capítulo em sua vida: “Foi uma transformação
brutal. Conseguiu parar de fumar e comecei a me alimentar melhor. De fora, treinar parece muito mais difícil do que
é. Aprendi a cair (no tatami) e minha coordenação motora melhorou, o que ajudou até na prevenção de acidentes
domésticos. Você pode fazer o judô conforme sua capacidade”, ensina. Aos 46 anos, o renovado professor hoje
está mais para atleta, pois, com mais disposição e consciência corporal, começou até a fazer outros esportes, como
natação e corrida e promete fazer um triatlo no final do ano!

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