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CENTRO DE ENSINO APARÍCIO BANDEIRA

AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A INCLUSÃO SOCIAL ATRAVÉS DO ESPORTE

O esporte é forte aliado na reabilitação e inclusão social para


pessoas com deficiência física e/ou sensorial (PCD). Os benefícios para
este grupo vai além da saúde. Fazer parte da sociedade e se sentir aceito
são aspectos importantes que a prática esportiva impulsiona para quem
vive a realidade da deficiência, seja congênita ou adquirida.

O desporto tem a capacidade não só de tirar do enclausuramento


residencial e do abalo emocional que a deficiência por vezes causa. As
modalidades esportivas trazem avanços significativos nos âmbitos
particular e familiar. Referência em paradesporto, o educador físico
Vicente Cristino ressalta o papel da prática esportiva na reabilitação.

"O principal trunfo é sair de casa. Mostrar o que ela (PCD) pode
resgatar é bem superior ao que ela imagina. Isso acontece dentro desses
processos de ressocialização", afirma o professor de Educação Física e
especialista em atividade motora adaptada.

O trabalho inicial é detectar o tipo de deficiência, saber as


preferências do aluno e apontar qual a modalidade mais indicada. Segundo
Vicente, é fundamental avaliação médica antes de qualquer contato inicial
com a atividade. "Por exemplo, uma pessoa com deficiência intelectual ou
traumatismo crânio-encefálico pode ter convulsão. Então, se avalia antes",
salienta.
Técnico de basquete em cadeira de rodas e vice-presidente da
Associação D'eficiência Superando Limites (Adesul), Lídio Andrade
conta que o contato com o esporte motiva, ressignifica e reorganiza a
vivência diária do praticante. "Tenho atleta que nem saía de casa e falava
que a vida tinha acabado. Depois de praticar o esporte, adaptou o carro e
roda por toda Fortaleza", comemora.

De acordo com Lídio, a rotina de treinos ajuda a iniciar ou retomar


uma vida profissional. O ambiente familiar é outro a sentir os efeitos da
ressocialização. "Eles têm problemas de autoestima. No esporte, acabam
extravasando e veem que têm mais condições de chegarem mais longe,
voltarem ao mercado de trabalho. Na família também, muitos têm filhos,
e a vida continua".

Apesar dos benefícios claros, o professor Vicente faz ressalvas


sobre o esporte paralímpico. Entraves como o preconceito e a falta de
apoio ainda estão presentes no cenário esportivo para PCDs. "Ainda existe
discriminação na sociedade e falta acessibilidade para se deslocarem ao
local de treino", diz o especialista.

Para Vicente, Fortaleza ainda possui poucos espaços voltados para


trabalhar com deficientes desde a base. "Os colégios precisam incluir
práticas esportivas nas aulas de educação física para alunos com
deficiência. Muitas vezes são dispensados. Não podem ser dispensados,
têm que praticar."

"Você vai ficar cego". O diagnóstico sem rodeios foi dito pelo
oftalmologista para Luiz Geovane, então com 17 anos.
"Achei graça. Me abalei um pouco. O doutor não me enganou.
Perguntou se eu trabalhava. Eu era artesão e jardineiro, podava árvores",
lembra, sobre a consulta que há 13 anos mudou sua vida.

Os trabalhos foram deixados. Mas surgiram novas paixões. Filho


de primos de primeiro grau, Geovane nasceu com cegueira congênita,
assim como uma das irmãs. A deficiência avançou de forma gradativa até
o hoje massoterapeuta ficar sem a visão.

O esporte o ajudou a se reinventar à nova realidade. Antes atleta de


"futebol de fim de semana" na vizinhança, Geovane, agora cego, foi
buscar no esporte o apoio necessário para se inserir na sociedade. A única
certeza era a mudança. "Minha mãe me apoiou. Dona Socorro pegou
minha mão e disse que iria começar uma nova vida. E ela estava certa."

Geovane procurou uma academia no bairro onde morava, o


Conjunto Palmeiras, e começou a praticar muay thai. Com pouco tempo,
estava trocando socos com adversário com 100% da visão. Desde então,
ficou conhecido como "Demolidor" — em referência ao super-herói cego
da Marvel.

“Me abraçaram no muay thai. Deu uma doida e participei do


Cearense com o pessoal que enxerga. O professor me adaptou bem para a
luta. Eu já sabia a sequência que meu adversário faria e sabia onde ele
estava. A luta demorou só 40 segundos. Consegui ganhar dele com um
nocaute técnico", conta.

Apesar do sucesso repentino na arte marcial tailandesa, foi vestido


no quimono onde ele se sentiu em casa. O judô surgiu na vida de Geovane
em 2015. De lá pra cá, colecionou medalhas e vitórias contra adversários
cegos e não cegos.

A modalidade se tornou paixão. Depois dos braços da esposa e dos


dois filhos, o tatame é o local onde Geovane fica mais à vontade.

"O esporte me ajudou e me incentiva muito. Têm pessoas que


desacreditam mesmo sem deficiência. Não tem preço. Tem uma
importância muito grande para cada atleta, principalmente, o
paralímpico", se declara.

Do judô, Geovane passou a ser multiatleta. Treina — e é destaque


— ainda do jiu-jitsu e atletismo.

A falta de patrocínio ainda é um entrave. O judoca precisa investe


em rifas e bingos para custear as viagens para as competições em outros
estados.

Outro obstáculo é o preconceito. "Em 2015, na Copa Fortaleza, o


cara (adversário) falou que judô não era esporte pra cego. Em menos de
15 segundos, dei um ippon (golpe que encerra a luta) e venci. Ele me
respeitou e mudou de opinião. 'Esporte é para todos', me disse após a
derrota. Levantei a mão dele pra cima como se tivesse vencido por conta
do preconceito quebrado."

Luiz Geovane é atleta da seleção cearense de judô e coleciona


conquistas na modalidade, como o título do Norte-Nordeste e a Copa
Ceará e o 5º lugar no Brasileiro, no Rio de Janeiro.

Desafio e prazer
O trabalho desenvolvido com pessoal com deficiência (PCDs) no
esporte é via de mão dupla. O praticante recebe os benefícios desde fatores
fisiológicos à ressocialização. Os personagens paralelos envolvidos, como
professores, companheiros de treino, amigos e familiares, também são
impactados.

Professor de judô de Geovane, o faixa-preta Cláudio Roberto, da


equipe Clube Sol Nascente, explica o desafio e o prazer de participar do
desenvolvimento do aluno. Ele conta que é necessário fazer adaptações
nas atividades para deixar o esporte acessível ao praticante cego.

"É um desafio prazeroso ver o empenho diário e a dedicação aos


treinos. Dificilmente ele falta um treino", comenta.

O sensei avalia o esporte como fundamental para a vivência externa


do paratleta. "Além da parte fisiológica, a questão de você se sentir bem,
não só fisicamente, mas socialmente. O judô socializa, tem uma filosofia
de todos participarem de forma inclusiva e conjunta", salienta.

Para Cláudio Roberto, a era digital tem facilitado a busca de


conhecimento para se trabalhar com o público PCD. "Abriram muitos
cursos. A internet ajuda muito, o ambiente online, com cursos sobre como
atuar com o deficiente visual, de como atender a esse público. Cabe ao
profissional estudar, pesquisar e fazer as adaptações nas aulas. O mundo
virtual está aí para ajudar nesse sentido", afirma.

Analista de sistemas, Elton Simões treina judô há dois anos. Nos


últimos 12 meses, passou a conviver com Geovane. Os laços criados
resultaram em efeitos positivos no judoca, que não possui qualquer tipo
de deficiência.
"É revigorante. Pra mim em especial, devido à deficiência dele, e
muitas vezes, tem pessoas que não possuem deficiência, e colocam
obstáculos para qualquer coisa na vida. Me motivei ainda mais para fazer
o esporte, estar envolvido em algum projeto e ler mais sobre o assunto",
diz Elton.

A paixão pelo esporte direcionou as escolhas de vida de Santiago


Aprígio, 19. O sonho de se tornar atleta paralímpico o motivou a mudar
de cidade, a sair do conforto da casa dos pais e foi combustível até para
vivenciar um grande amor. Para manter os treinos, o jovem chegou morar
um mês em Fortaleza, outro em Cascavel — distante 64,3 km da Capital.

Santiago nasceu com mielomeningocele — malformação


congênita que afeta ossos da coluna e medula espinhal. Na infância, em
Cascavel, costuma jogar futebol com os amigos e, mesmo na cadeira de
rodas, fechava o gol. Para ele, o apoio dos colegas e da escola foi
fundamental no processo de inclusão.

"Hoje, eu sou muito feliz pela minha deficiência", afirma.


Houve, entretanto, períodos de dúvida. Assistir ao futebol pela TV
ou ver amigos correndo atrás da bola sem qualquer limitação física doía.
"Antes, quando era pequeno, ficava muito triste, mas ao longo do tempo
fui crescendo e entendendo", explica.

No processo de entendimento e de conhecimento da deficiência,


Santiago percebeu que a paralisia dos membros inferiores não o impedia
de buscar o sonho. Com consultas anuais no Hospital Sarah Kubitschek,
referência no atendimento de reabilitação, o jovem descobriu os esportes
adaptados.
Depois daí, a decisão já estava tomada. "Foi um amigo meu do
Sarah (hospital), que treinava no Cepid (Centro de Profissionalização
Inclusiva para a Pessoa com Deficiência) e me chamou. Então pensei:
'Vou só terminar meus estudos'. Quando terminei, falei com ele, perguntei
como tinha feito, me informei e comecei, conta.

Após concluir o ensino médio, em 2018, tudo foi rápido. Para


treinar, ele precisaria morar em Fortaleza. No início deste ano, combinou
com a namorada, — hoje noiva dele —, que ficaria um mês na casa dela
para participar dos treinamentos. No seguinte, retornaria a Cascavel e
levaria essa rotina para lutar pelo sonho.

A mãe de Santiago foi contra no começo. "Pra mim, não foi muito
bom porque sempre vivi com meus pais. Mas eu queria muito e tinha que
fazer alguma coisa."

Hoje, Santiago mora em Fortaleza com a noiva. Treina quatro


vezes por semana. Dedica-se a duas modalidades: o basquete em cadeira
de rodas e o tênis de mesa. A meta para este ano é conquistar uma medalha
e conseguir uma bolsa de paratleta.

"O esporte me ajudou na inclusão. Hoje, não me sinto excluído.


Pelo contrário, me sinto muito bem como qualquer pessoa. E me motiva
cada vez mais", diz.

A rotina de treinos é árdua. E começa antes mesmo de entrar em


quadra. Morando no bairro Presidente Vargas, Santiago precisa de cerca
de duas horas para chegar aos treinamentos, passando por dois terminais
e pegando três ônibus. Mas no final vale a pena.
"O esporte é muito bom pra mim. Vou pegando resistência e tenho
contato com outros cadeirantes. Conversamos bastante, e isso me deixa
ainda mais feliz. Agora, eu posso praticar o esporte com outros
cadeirantes. O lugar do cadeirante não é só na arquibancada (assistindo),
mas ele também pode praticar", sintetiza.

Prática esportiva e capacitação profissional. Dois pontos essenciais


nos desafios de reabilitação e inclusão de uma pessoa com deficiência
(PCD). Em Fortaleza, o Centro de Profissionalização Inclusiva para
Pessoas com Deficiência (Cepid), localizado na Barra do Ceará, trabalha
tanto com esporte, em diversas modalidades, quanto qualifica para o
mercado de trabalho.

Inaugurado em 2014, o Centro de 4.988 m² tem capacidade de


atender cerca de 1.200 pessoas e oferta cursos nas áreas de comércio e
serviços administrativos, confecção e moda inclusiva, Libras (Língua
Brasileira de Sinais), formação de audioescritores e braille. O local tem
ainda amplo espaço para a prática de natação, tênis, handebol, basquete,
entre outros.

"Temos duas áreas distintas de inserção: o esporte e a área técnica",


resume a coordenadora do Cepid, Regina Tahim.

A coordenadora conta que muitos dos atletas despontam,


competem em outros estados e até chegam à seleção brasileira. Um dos
nomes revelados no Cepid é a de Oara Uchôa, atleta paralímpica de
basquete de cadeira de rodas que vestiu a camisa do Brasil no Parapan de
Lima, Peru, no mês passado.
"O esporte é de fundamental importância para autoestima deles
(PCDs), para se ocuparem e saírem do meio de ondem vivem. Muitos
deles são deficientes provenientes de algum acidente. Eles passam pela
fase depressiva, de querer desistir e, de repente, se encontram em algum
esporte. Possuem histórias de vida belíssimas", comenta Regina.

Além do Cepid, outros espaços são utilizados na Capital e na


Região Metropolitana de Fortaleza para prática de esportes para pessoas
com deficiência. O caminho percorrido por eles para chegar às
modalidades esportivas é frequentemente por meio de associações
voltadas para PCDs. Através de parcerias, estas organizações conseguem
promover treinos em universidades, escolas, institutos estaduais e federais
e locais de uso público, como as areninhas.

Segundo o professor de Educação Física e membro da Associação


D'eficiência Superando Limites (Adesul), David Xavier, a instituição é a
única do Estado a trabalhar com nove modalidades. Ele explica que ao
trazer treinos para o ambiente acadêmico acaba despertando também o
interesse pelo estudo nos praticantes.

"O meio acadêmico acaba olhando também para o deficiente como


protagonista", comenta David.

Para chegar ao deficiente e levá-lo para o esporte, a Adesul, assim


como outras associações, divulga os trabalhos via redes sociais. Ademais,
profissionais ligados às organizações promovem, de forma gratuita,
apresentações em escolas e universidades. "Através destas vivências, eles
vão conhecendo. Tem gente que vê e indica, e vai divulgando no boca a
boca."
Especialista em esporte adaptado, David ressalta que no Interior a
dificuldade na oferta de esportes para pessoas com deficiência é ainda
maior. Para o professor, a falta de qualificação profissional para a área e
o custo de equipamentos para determinados esportes são fatores
dificultadores para a ampliação do processo para o restante do Estado.
"Infelizmente ainda é pouco. O pessoal tem muito medo disso (de se
especializar na área), receio de não saber trabalhar (com o público PCD)",
afirma.

David destaca a questão do preconceito como mais um fator que


distancia o profissional de Educação Física do trabalho voltado para
pessoas com deficiência. "Também existe. Tem profissional que não
acredita no deficiente", completa.

O esporte para pessoas com deficiência (PCDs) possui


especificidades. As modalidades são adequadas para cada tipo de
comprometimento físico ou intelectual do praticante. Ao ser inserido no
ambiente esportivo, a potencialidade do aluno será avaliada e direcionada.

"Qualquer pessoa com deficiência que chega para trabalhar


conosco, sempre identificamos a potencialidade dela. Tem membro
parado, qual o potencial? A gente o escuta e direciona para um esporte
onde ele possa ser eficiente", afirma o educador físico Felipe Catunda.

No esporte paralímpico, as modalidades são divididas por classe.


Cada categoria é definida pelo grau do comprometimento. Por exemplo,
no judô adaptado para cego, existem três categorias, variando da cegueira
completa a baixa visão.
No basquete ou handebol de cadeira de rodas, o time em quadra
precisa somar uma pontuação específica. Cada atleta terá uma quantidade
de pontos conforme a lesão física. Felipe Catunda explica que essas
especificidades são necessárias para deixar a competição justa.

Existem dois tipos de categoria de esporte paralímpico: adaptado e


exclusivo. Modalidades como natação, judô, futebol e basquete passam
por adequações para atender o desportista com deficiência. Já o golbol
(goalball) é modalidade direcionada a deficientes visuais.

"Por mais comprometido (por causa da deficiência), a gente extrai


o potencial. Analisamos o quadro clínico para entender a deficiência e
trabalhar o que ele pode fazer e direcionar para a modalidade", ressalta
Felipe.

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