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CARTA ENCÍCLICA
Aos nossos diletos filhos François-Marie Richard, Cardeal Presbítero da S.
I. R., Arcebispo de Paris; Victor-Lucien Lecot, Cardeal Presbítero da S. I. R.,
Arcebispo de Bordéus; Pierre-Hector Coullié, Cardeal Presbítero da S. I. R.,
Arcebispo de Lião; Joseph-Guillaume Labouré, Cardeal Presbítero da S. I.
R., Arcebispo de Rennes; e a todos os Nossos Veneráveis Irmãos os
Arcebispos e Bispos, e a todo o Clero e povo francês sobre as Relações
entre a Igreja e o Estado.
Pio X, PAPA
4. Assim, tinha ela o direito de esperar, mercê dos laços da gratidão, poder
reter esses políticos no declive e induzi-los finalmente a renunciar aos
seus projetos.
9. Finalmente, essa tese inflige graves danos à própria sociedade civil, pois
esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o
seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata
dos direitos do homem e dos seus deveres.
11. E, se, separando-se da Igreja, um Estado cristão, seja qual for, comete
um ato eminentemente funesto e censurável, quanto não é para deplorar
que a França haja enveredado por essa trilha, quando, menos ainda do
que todas as outras nações, jamais deveria ter entrado nela! A França,
dizemos Nós, que, no correr dos séculos, foi, da parte desta Sé Apostólica,
o objeto de tamanha e tão singular predileção; a França, cuja fortuna e
cuja glória sempre estiveram intimamente unidas à prática dos costumes
cristãos e ao respeito da religião!
12. Bem razão tinha, pois, de dizer o mesmo Pontífice Leão XIII: "A França
não pode esquecer que o seu destino providencial a uniu à Santa Sé por
laços sobejamente estreitos e sobejamente antigos, para que ela queira
algum dia quebrá-los. Dessa união, com efeito, saíram as suas verdadeiras
grandezas e a sua glória mais pura... Perturbar essa união tradicional seria
tirar à própria nação uma parte da sua força moral e da sua alta influência
no mundo" (Alocução aos peregrinos franceses, 13. IV. 1888).
A Concordata...
13. Os laços que consagravam essa união deviam ser tanto mais
invioláveis quanto assim o exigia a fé jurada dos tratados. A Concordata
firmada entre o Sumo Pontífice e o Governo francês, como aliás todos os
tratados do mesmo gênero que os Estados concluem entre si, era um
contrato bilateral que obrigava dos dois lados.
15. Ora, hoje o Estado ab-roga por sua única autoridade o pacto solene
que havia firmado. Transgride, assim, a fé jurada. E, para romper com a
Igreja, para se libertar da sua amizade, não recuando diante de coisa
alguma, não hesita em infligir à Sé Apostólica o ultraje que resulta dessa
violação do direito das gentes, como não hesita em abalar a própria
ordem social e política, visto que, para a segurança recíproca das suas
relações mútuas, nada interessa tanto às nações como uma fidelidade
inviolável no respeito sagrado dos tratados.
21. Quanto a Nós, foi-Nos uma dor bem amarga o ver o Estado fazer assim
invasão em matérias que são da alçada exclusiva do poder eclesiástico; e
tanto mais gememos com isto quanto, esquecido da equidade e da justiça,
ele criou dessarte para a igreja da França uma situação dura, adversa e
opressiva dos seus direitos mais sagrados.
24. Além disso, nada é mais contrário à liberdade da Igreja do que essa lei.
Com efeito, quando, em conseqüência da existência das associações
culturais, a lei de separação impede os pastores de exercerem a plenitude
da sua autoridade e do seu cargo sobre o povo dos fiéis; quando atribui ao
Conselho de Estado a jurisdição suprema sobre essas associações, e as
submete toda uma série de prescrições fora do direito comum, as quais
dificultam a formação delas, e ainda mais a sua manutenção; quando,
depois de proclamar a liberdade de culto, restringe-lhe o exercício por
múltiplas exceções; quando despoja a Igreja da polícia interior dos
templos para investir dela o Estado; quando entrava a pregação da fé e da
moral católicas, em que o arbítrio pode facilmente exercer-se, que faz ela
então senão colocar a Igreja numa sujeição humilhante, e, a pretexto de
proteger a ordem pública, roubar a cidadãos pacíficos, que formam ainda
a imensa maioria na França, roubar-lhes o direito sagrado de ali
praticarem a sua própria religião? Por isto, não é somente restringindo o
exercício do seu culto, ao qual a lei de separação reduz falsamente toda a
essência da religião, não é só assim que o Estado fere a Igreja; é, ainda,
criando obstáculos à sua influência, sempre tão benéfica, sobre o povo, e
de mil maneiras diferentes paralisando-lhe a ação. Foi assim que, entre
outras coisas, não lhe bastou arrancar a essa Igreja as Ordens religiosas,
suas preciosas auxiliares no sagrado ministério, no ensino, na educação,
nas obras de caridade cristã, senão que a priva ainda dos recursos que
constituem os meios humanos necessários à sua existência e ao
cumprimento da sua missão.
29. Enfim - e como poderíamos Nós calar-nos sobre este ponto? - afora os
interesses da Igreja que ela fere, a nova lei será também das mais funestas
para o vosso país. Efetivamente, não há nenhuma dúvida de que ela
arruíne lamentavelmente a união e a concórdia das almas. E, no entanto,
sem essa união e sem essa concórdia nenhuma nação pode viver ou
prosperar. Eis aí por que, sobretudo na presente situação da Europa, essa
harmonia perfeita forma o voto mais ardente de todos aqueles que, na
França, amando verdadeiramente o seu país, ainda têm a peito a salvação
da sua pátria. Quanto a Nós, a exemplo do Nosso Predecessor, e herdeiro
da sua predileção toda particular pela vossa nação, sem dúvida nos
havemos esforçado por manter a religião de vossos avós na posse integral
de todos os seus direitos entre vós; porém, ao mesmo tempo e sempre
tendo diante dos olhos essa paz fraternal cujo vínculo mais estreito dos
olhos essa paz fraternal cujo vínculo mais estreito é certamente a religião,
temos trabalhado para vos consolidar a todos na união. Por isto, não
podemos, sem a mais viva angústia, ver que o Governo francês acaba de
praticar um ato que, atiçando no terreno religioso paixões já excitadas de
maneira sobejamente funesta, parece de molde a transtornar
completamente funesta, parece de molde a transtornar completamente o
vosso país. É por isto que, lembrando-nos do Nosso múnus apostólico, e
cônscio do imperioso dever que Nos incumbe de defender contra todo
ataque e de manter na sua integridade, absoluta os direitos invioláveis e
sagrados da Igreja, em virtude da autoridade suprema que Deus Nos
conferiu, pelos motivos acima expostos Nós reprovamos e condenamos a
lei votada na França sobre a separação entre a Igreja e o Estado, como
uma lei profundamente injuriosa para com Deus, a quem renega
oficialmente, erigindo em princípio não reconhecer a República nenhum
culto. Reprovamo-la e condenamo-la como violando o direito natural, o
direito das gentes e a fidelidade pública devida aos tratados; como
contrária à constituição divina da Igreja, aos seus direitos essenciais e à
sua liberdade; como postergando a justiça e calcando aos pés os direitos
de propriedade que a Igreja adquiriu a títulos múltiplos e, ademais, em
virtude da Concordata. Reprovamo-la e condenamo-la como gravemente
ofensiva para a dignidade desta Sé Apostólica, para a Nossa Pessoa, para o
Episcopado, para o clero e para todos os católicos franceses.
Esperança no futuro
32. Quanto às leis de perseguição dirigidas contra ela, leis forjadas pelo
ódio, ensina-nos a história e, em tempos mais próximos, nos prova a
própria França que elas acabam sempre por ser ab-rogadas com
sabedoria, quando manifesto se torna o prejuízo que delas decorre para
os Estados. Deus queira que aqueles que, neste momento, estão no poder
na França sigam em breve, sobre este ponto, o exemplo dos que ali os
precederam! Queira Deus que, com os aplausos de todas as pessoas de
bem, não tardem eles a restituir à religião, fonte de civilização e de
prosperidade para os povos, restituir-lhe, com a honra que lhe é devida,
também a liberdade.
33. Até lá, e por tanto tempo quanto durar uma perseguição opressiva,
"revestidos das armas de luz" (Rom 13, 12), devem os filhos da Igreja agir
com todas as suas forças em pró da verdade e em pró da justiça; é esse o
seu dever sempre, é esse o seu dever hoje mais do que nunca.
Apelo
a) aos Bispos
34. Nessas santas lutas, Veneráveis Irmãos, vós, que deveis ser os mestres
e os guias de todos os outros, haveis de por todo o ardor desse zelo
vigilante e infatigável de que, para seu louvor, o episcopado francês tem
fornecido, em todos os tempos, provas tão conhecidas de todos. Mas,
acima de tudo - pois é coisa de importância extrema, - Nós queremos que
em todos os projetos que empreenderdes par a defesa da Igreja vos
esforceis para realizar a mais perfeita união de coração e de vontade.
Estamos firmemente resolvidos a dirigir-vos, em tempo oportuno,
instruções práticas, para que vos sejam uma regra de conduta segura no
meio das grandes dificuldades da hora presente. E de antemão estamos
certo de que a elas vos conformareis muito fielmente. Prossegui,
entrementes, a obra salutar que fazeis; reavivai o mais possível a piedade
entre os fiéis; promovei e vulgarizai cada vez mais o ensino da doutrina
cristã; preservai todas as almas que vos são confiadas dos erros e das
seduções que hoje em dia elas encontram de tantos lados; instrui,
preveni, animais, consolai o vosso rebanho; desobrigai-vos, enfim, para
com ele, de todos os deveres que vos impõe o vosso múnus pastoral.
Nesta obra, sem dúvida alguma, tereis como colaborador infatigável o
vosso clero. Ele é rico em homens notáveis pela piedade, pela ciência, pelo
apego à Sé Apostólica, e Nós sabemos que ele está sempre pronto a, sob a
vossa direção, dedicar-se sem limite em pró do triunfo da Igreja e em pró
da salvação eterna do próximo.
b) ao Clero
35. Muito certamente também, os membros desse clero compreenderão
que, nesta tormenta, devem ter no coração os sentimentos que foram
outrora os dos apóstolos; rejubilar-se-ão de terem sido julgados dignos de
sofrer opróbrios pelo nome de Jesus: Gaudentes... quoniam digni habiti
sunt pro nomine Jesu contumeliam pati (At 5, 41). Reivindicarão, pois,
valentemente os direitos e a liberdade da Igreja, mas sem ofender
ninguém. Muito mais: cuidadosos de guardar a caridade, como o devem
sobretudo ministros de Jesus Cristo, responderão à iniqüidade pela justiça,
aos ultrajes pela doçura, e aos maus tratos por benefícios.
c) aos fiéis
38. Quanto a Nós, por tanto tempo quanto tiverdes de lutar contra o
perigo, estaremos de corpo e de alma no meio de vós; e, dirigindo ao
mesmo tempo ao Deus que fundou a Igreja e que a conserva as nossas
preces mais humildes e mais instantes, suplicá-lo-emos a baixar sobre a
França um olhar de misericórdia, a arrancá-la às ondas desencadeadas em
torno dela, e a restituir-lhe em breve, pela intercessão de Maria
Imaculada, a calma e a paz.