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O dever da desobediência
set 16, 2009

Tendo o Reitor do Seminário de Ecône, Padre Lorans, pedido que eu colaborasse na


redação deste número da “Lettre aux Anciens”, pareceu-me útil relembrar o que
escrevi em 20 de janeiro de 1978 sobre algumas objeções que nos �zeram, relativas
à nossa atitude face aos problemas que a atual situação da Igreja levanta.

Uma das perguntas era: Como o senhor concebe a obediência ao Papa? Eis a
resposta dada há dez anos:

Os princípios que determinam a obediência são conhecidos e são tão conformes


com a razão e com o senso comum, que podemos perguntar como é que pessoas
inteligentes podem a�rmar que “preferem enganar-se com o Papa do que estar na
Verdade contra ele“.

Não é isso que nos ensinam a lei natural e o Magistério da Igreja.

A obediência supõe uma autoridade que dá uma ordem ou decreta uma lei. As
autoridades humanas, mesmo sendo instituídas por Deus, apenas têm autoridade
para atingir o �m determinado por Deus, e não para dele se desviarem. Quando
uma autoridade usa o seu poder em oposição à lei pela qual esse poder lhe foi dado,
não tem direito à obediência, e devemos desobedecer-lhe.

Essa necessidade de desobediência é aceita em relação ao pai de família que


encoraja a �lha a prostituir-se, ou em relação à autoridade civil que obriga os
médicos a provocarem abortos e a matarem inocentes. Porém, a autoridade do Papa
é aceita a qualquer preço, como se o Papa fosse infalível no seu governo e em todas
as suas palavras. É desconhecer a história e ignorar o que é, na realidade, a
infalibilidade.

Já São Paulo teve que dizer a São Pedro que ele “não andava direito segundo a
verdade do Evangelho” (Gal. II,14). E o mesmo São Paulo encorajou os �éis a não lhe
obedecerem se lhe acontecesse pregar um Evangelho diferente daquele que lhes

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tinha ensinado anteriormente (Gal. I,8).

São Tomás, quando fala da correção fraterna, alude à resistência de São Paulo face a
São Pedro, e comenta-a assim: “Resistir na cara e em público ultrapassa a medida
da correção fraterna. São Paulo não o teria feito em relação a São Pedro se não fosse
de algum modo o seu igual (…). No entanto, é preciso saber que, caso se tratasse de
um perigo para a Fé, os superiores deveriam ser repreendidos pelos inferiores,
mesmo publicamente. Isso ressalta da maneira e da razão de agir de São Paulo em
relação a São Pedro, de quem era súdito, de tal forma, diz a glosa de Santo
Agostinho, que ‘o próprio Chefe da Igreja mostrou aos superiores que, se por acaso
lhes acontecesse abandonarem o reto caminho, aceitassem ser corrigidos pelos
seus inferiores’” (S. Tomás., Sum. Theol. IIa-IIae, q. 33, art. 4, ad 2m).

O caso evocado por São Tomás não é ilusório pois aconteceu, por exemplo, em
relação a João XXII. Esta Papa julgou poder a�rmar que as almas dos eleitos só
gozariam a visão beatí�ca depois do Juízo Final. Emitiu essa opinião pessoal em
1331 e, em 1332, pregou uma opinião semelhante sobre o castigo dos condenados.
Queria impor essa opinião à Igreja por um decreto solene.

Mas as vivíssimas reações dos Dominicanos – principalmente os de Paris – e dos


Franciscanos �zeram com que renunciasse a essa opinião em favor da tese
tradicional, de�nida pelo seu sucessor Bento XII em 1336.

E eis o que diz o Papa Leão XIII na sua encíclica Libertas praestantissimum, de 20
de junho de 1888: “Suponhamos, pois, uma prescrição de um poder qualquer que
estivesse em desacordo com os princípios da reta razão e com os interesses do bem
público (e, com mais razão ainda, com os princípios da Fé): ela não teria nenhuma
força de lei…” E, um pouco adiante: “Quando faltar o direito de mandar, ou quando a
ordem for contrária à razão, à lei eterna, à autoridade de Deus, então é legítimo
desobedecer – queremos dizer: aos homens – para obedecer a Deus.“

Ora a nossa desobediência é provocada pela necessidade de conservar a Fé


católica. As ordens que nos foram dadas exprimem claramente que o foram para
nos obrigar à submissão sem reservas ao Concílio Vaticano II, às reformas pós-
conciliares e às prescrições da Santa Sé, ou seja, a orientações e a atos que minam a
nossa fé e destroem a Igreja, e a isso é impossível acedermos.

Colaborar na destruição da Igreja é atraiçoar a Igreja e Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, todos os teólogos dignos desse nome ensinam que, se o Papa pelos seus atos
destrói a Igreja, não lhe podemos obedecer e deve ser repreendido, respeitosa mas
publicamente. (Vitoria, Obras…, pp. 486-487; Suarez, De �de, disp. X, sec.VI, no. 16;
São Roberto Bellarmino, De Rom. Pont., lib. II, c. 29; Cornelius a Lapide, Ad. Gal. 2,
11; etc.),

Os princípios da obediência à autoridade do Papa são os mesmos que os que

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ordenam as relações entre uma autoridade delegada e os seus súditos. Eles só não
se aplicam à autoridade divina, que é sempre infalível e indefectível e, portanto, não
supõe qualquer falha.

Na medida em que Deus comunicou a sua autoridade ao Papa, e na medida em que


o Papa entende usar essa infalibilidade – cujo exercício implica em condições bem
determinadas – não pode haver falha.

Mas fora desses casos, a autoridade do Papa é falível, e, por isso, os critérios que
obrigam a desobediência aplicam-se aos seus atos. Não é, pois, inconcebível que
haja um dever de desobediência em relação ao Papa.

A autoridade que lhe foi conferida foi-lhe conferida para �ns determinados e, em
de�nitivo, para glória da Santíssima Trindade, de Nosso Senhor Jesus Cristo, e para
salvação das almas.

Tudo o que for realizado pelo Papa em oposição a esse �m não terá qualquer valor
legal, nem qualquer direito à obediência e, mais ainda, obriga à desobediência para
permanecer na obediência a Deus e na �delidade à Igreja.

É o que acontece relativamente a tudo o que os últimos Papas ordenaram em nome


da liberdade religiosa e do ecumenismo, desde o Concílio: todas as reformas feitas
a esse respeito são desprovidas de qualquer direito e de qualquer obrigação. Os
Papas usaram da sua autoridade contrariamente ao �m para o qual essa autoridade
lhes foi dada. Têm, pois, direito à nossa desobediência.

A Fraternidade S. Pio X e a sua história manifestam publicamente essa necessidade


de desobediência para permanecermos �éis a Deus e à Igreja. Os anos 74-75-76
trazem à memória essa incrível disputa entre Ecône e o Vaticano, entre o Papa e eu
próprio.

O resultado foi a condenação, a suspensão “a divinis”, nula de pleno direito, pois o


Papa abusou tiranicamente da sua autoridade para defender suas leis contrárias ao
bem da Igreja e ao bem das almas.

Esses acontecimentos são uma aplicação histórica dos princípios do dever de


desobediência.

Foram motivo de afastamento de certo número de padres amigos e de alguns


membros da Fraternidade que, assustados por essa condenação, não
compreenderam o dever de desobediência em determinadas circunstâncias.

Ora, doze anos se passaram; o�cialmente, a condenação mantém-se; as relações


com o Papa são tensas, tanto mais que as conseqüências do ecumenismo se
aproximam da apostasia, o que nos obrigou a reações veementes.

No entanto, o anúncio de uma consagração episcopal feita em 29 de junho de 1987

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alvoroçou Roma, que, �nalmente, decidiu aceder ao nosso pedido de uma visita
apostólica e enviou, em 11 de novembro, o Cardeal Gagnon e Mons. Perl.

Tanto quanto nos foi dado saber pelos discursos e comentários dos visitadores, o
seu julgamento foi dos mais favoráveis, e o Cardeal não hesitou em assistir à Missa
Ponti�cal de 8 de dezembro, celebrada pelo prelado suspenso “a divinis”.

Que concluir de tudo isto, a não ser que a nossa desobediência dá bons frutos,
frutos reconhecidos pelos enviados da autoridade à qual desobedecemos?

E eis-nos perante novas decisões a tomar. Estamos mais do que nunca animados a
dar à Fraternidade os meios de que precisa para continuar a sua obra essencial: a
formação de verdadeiros padres da Santa Igreja Católica Romana, isto é, dotar-me
de sucessores no Episcopado.

Roma compreende esta necessidade, mas aceitará o Papa que os bispos sejam
oriundos da Tradição? Para nós não pode ser de outro modo. Qualquer outra
solução seria sinal de que nos querem alinhar pela Revolução Conciliar, e, nesse
caso, o nosso dever de desobediência surge imediatamente.

As conversações estão em curso, e em breve conheceremos as verdadeiras


intenções de Roma. Elas decidirão o futuro. Temos de continuar a rezar e a velar.
Que o Espírito Santo nos guie por intercessão de Nossa Senhora de Fátima!

Ecône, 29 de março de 1988,


+ Marcel Lefebvre

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