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Lús Gnsco

AxroNro Menrnqs
Organizadores

DIREITO PENAL u
COMO CRITICA DA PENA
Estudos em homenagem a Juarez Tavares
por seu 70." Aniversiário em2 de setembro de20l2

ALFRTDo CHrpJNo SÁNcrGz . ANroMo CÀvarrERE . AI"ToNro MARTTNS


ARTUR DE BR.rro GuErRos SouzÀ .
ArrRy LopEs JR. . BERND SCHüNEMANIT
CÁRr-os EDUARDo ADRTANo JAprAssú . Cráus Ro)G{
DRKFÀBRrcrus . EDGÁFDaADERToDoNNA . ENRreuEBAcrGALtrpo
Éntxa MeNoFs pe CARveuro . EucENro RAúL Z, FFÁRoNI . FERNÁ|.Do VELÁseuEz V
FRÀNcEscoPALÀzzo . FRANcrscoMufrozcor,rpe . FneNrSeuosR
HELENA REoTNA LoBo DA CosrÁ . Ja\.ERAucusro DE Luc . JoAeurN PEDRo DA RoctrÁ
JoRoE DE FrcuErFrDo DrÀs . JosÉ Lurs DlEz R.EoLLÉs . JosÉ LLrs GuzMÁN DAr,BoRÂ
JUAN M. TERaADTLLo§ BAsoco . JuAREz CRrNo Dos SAr'ros . Jur.Jo B. J. MÂrER
KL^us VoLK . LoruNz Scuurz . LrIIGr FERRÂJoLr . Luts GREm . LLtz Rxcrs PMDo
Lurz EIDÁM . MÂRr THERTZA RocHA DE Assrs MorJRÀ . MTGUEL BÁIo
MlouEL REALE JuNroR . Mrrou Cenolr Mexrh,mz . MosÉs MopiENo HERNÁNDEZ
MoRlrz Vo&MBAUM . PAUt-o DE SousA MENDES . RÀúL CBRr/Dü
RTNATo DE MELLo JoRop Srr-wnr . SAscHA ZTEMAÀ'I,{ . SERoro MoccrÀ
SÉRorc SALoMÃo SHECATR^ .THoMAsVoRilBÀr,\,r' ULFRDNEUMANN
WTNFRTED H^SSEMER .
WoLFGANG NAUCKE

Marcial Pons
MADR| | BARoELoNA I BUENoSATRES | §AOPAULO

N12
494 DIREITO PENAL COMO CRÍTICA DA PENA

útil à vida do grupo criminoso. A segunda questão se refere à punibiiidade


da assim chamada corrupção por servilismo ou sujeição, em que o funcio-
nário público corrupto pÍatica não um <<ato>> ilícito em sua função, como
expressamente requer a lei, mas sim sujeita toda sua função à ilicitude, sem
individuação de um ato determinado, colocando-se assim <<a serviço, do
corruptor. Partindo do fato de que em ambos os câsos se trata evidentemente
de compoÍamentos abstratamente merecedores de punição, cuja relevância
criminológica emerge com as transformações da realidade social, isso não
significa, entretanto, que a solução possa ser a mesma, devendo-se confrontar
aquele merecimento de punição com as opções «tipológicas>> expressas pelo z9
legislador.
Ora, dada a situação normativa italiana, na qual o concurso eventual de SOCIETAS DELINQAERE POTEST? DESAFIOS
pessoas no crime não é minimamente tipificado, sendo inteiramente fundado E PERSPECTTVAS DA RECENTE REFORMA
no chamado princípio de causalidade, a incriminação do concurso eventual
em crime de associação não parece estar em contÍaste com o princípio de
DO CÓDIGO PENAL ESPANHOL
taxatividade. Poderá haver outras razões interpretativas ou sistemáticas para
excluílo, mas não a determinação taxativa. De fato, é o próprio legislador
que, com a disciplina do concurso de pessoas, rompeu toda tipicidade,
concentrando a responsabilidade por concurso em qualquer comportamento Luz Rscls Pnaoo
dotado de eficácia causal apto a favorecer o crime em referência. Professor Titular de DiÍeito Penal. Universidade Estadual de Maringá. Pós-douto-
rado em Direito Peral. Universidades de Zaragoza (Espanha) e Robert Schuman de
Outra conclusão se impõe a propósito da comrpção por servilismo.
Strasbourg (França). Coordenador da Revista de Ciências Penais.
Ela constitui, de fato, um «tipo» criminoso distinto daquele - pÍua um ou
mais atos determinados - preüsto pelo legislador; distinto não somente e
não tanto sob o âspecto lingústico, mas sobretudo porque dotado de um
conteúdo de desvalor distinto. Considere-se, com efeito, que a com.rpção
EnKa MeNoEs DE CARVALHo
por servilismo, ou pela função considerada de todo, poderia ser valorada Professora Adjunta de Direito Penal. Univenidade Estadual de Maringá.
como mais ou menos grave em relação à corrupção por ato determinado. Doutora e pós-doutora em Direito Penal. Universidade de Zaragoza (Espanha).
Mais grave, pela amplitude de sua potenciâlidade lesiva, que não,está Pesquisadora do CNPq.
previamente circunscrita â este ou aquele ato de ofício. Menos grave, pela
menor intensidade do perigo conexo à generalidade da pactum sceleris, c;.tja
atuação deverá depois passar por uma ulterior deliberação contra o dever I.
quantas vezes sejam os atos que serão cometidos. Essa escolha «tipológica»
SUMÁRro: Considerações inhodutórias - II. O sistema de
responsabilidade penal das pessoas juídicas do Código Penal
de desvalor - entre amplitude ou intensidade do perigo para a administração espanhol - III. Avaliação pontual da reforma - IV. Conclusões
pública - não pode ser efetuada pelo juiz, que deverá ater-se ao tipo tal como principais.
ele emerge claramente da prescrição legal.

t, (.()NSTDERAÇÔeS rNrnOOUrÓRr,q.S

Nus últimns décudus, ussiste-se u um acirrado debate em torno da


ndnrisnibilidudc tll rurponsrhilidudc pcnrl dus pcssoss jurÍdic.rs, que pode
flcr rcsumido crn duun principltin tcndênoiun: dc utn htdo, ur;uclu c;ue rechrça
496 I)IRF]I1'O P}.]NAI, COMO CRIl'ICA I)A PF]NA t-t ltz RFtcts pRAI)o Ft Éptrl mr.:Nt;t-:s I)Ft cARVALHo 497

a possibilidâde de realização de um delito por parte das pessoas jurídicas, que aceita e incorpora elementos de càráter normâtivo no conceito de delito
excluindo-as «la imposição de sanções penais e reservando-lhes consequên- (tanto no âmbito do tipo como na esfera da culpabilidade). Todavia, naquilo
cias jurídicas dc caráter extrapenal; de outro, uma tendência quc propugna que o flnalismo não abandona jamais - a vontade humana - reside o maior
o fim do axioma socieÍas delinquere non poÍesÍ, estendendo a aplicação das obstáculo à admissibilidade da pessoajuídica como sujeito ativo da conduta
sanções penais às pessoas jurídicas com lastro em considerações político- delitiva.
c minais, dentro de uma perspectiva claramente expansionista do âmbito de
Para vencer esse obstáculo, fcz-se necessário abdicar da face volitiva
intervenção do Direito Penal.l
do dolo e defender sua normativização-] Esse dolo normativo que é pura
A necessidade de extensão do Direito Penal a novos domínios repre- elaboração jurídica, sem qualquer base empírica - não passa de mais um
scntados por bens jurídicos fundamentalmente transindividuais - estimulou criÍério objetivo de imputação (de resultados ou da própria conduta).
o referido debate e conferiu-lhe acentuado destaque.
No caso específico da responsabilização penal de pessoas jurídicas,
Com efeito, a natureza de determinados bens juídicos indubitavel- trata-se da pedra fundamental para a edificação de uma nova teoria do delito,
mente merecedores de proteçào juídico-penal conduzir.r o setor da doutrina ou melhor, de umâ autêntica /eoria da imputctçtio.a
Íàvorável à responsabilidade penal das pessoasjuídicas a questionar a viabi-
lidade prática da conservação das categorias dogmáticas tradicionais.
A constrxção de um modelo de responsabilidade penal das pessoas
jurídicas depende, segundo seus defensores, da re-elaboração das catego-
Passou-se a indagar se a modema criminalidade econômica e ambiental, riâs tradicionais, ou melhor, da criação de novas categorias ou de um novo
por exemplo, não exigiria respostas penais hábeis a afrontar esse fenômeno conceito de delito. E isso porque as categorias que conrpõem o conceito de
e se não seria imperioso inch-rir as pessoas jurídicas como sujeitos ativos delito que atua como pressuposto à aplicação de sanções penais às pessoas
das condutas delitivas perpetradas por pessoas físicas em detrimento de físicas são cornpletamente descaracterizadas e perdem suaessência quando
tão importantes bens juídicos. Se a doutrina contrária argumentava que as imbuídas das exigências político-criminais que impulsionam a derrocada
pessoas jurídicas careciam de capacidade de ação e de capacidade de culpa- do apotegma societus delinquere non potest. Por isso, nos últimos tempos,
bilidade, não valia a pena esgrimir tais argumentos tomando como ponto dc em lugar de se dedicar à adaptação de princípios e càtegorias inspirados na
prrtida o ser humano responsável, que rege sua ação pela vontade e que ó conduta humana, o setor favorável à responsabilização das pessoas jurídicas
censurado precisamente por poder agir de outro modo. tem assumido a diÍícil missão de elaborar uma nova teoria do delito, agora
Em realidade, seria necessário forjar novas categorias dogrnáticas quc pensada e dirigidr aos enter morris.
sustentassern uma teoria da imputação (objetiva) para as pessoas jurídicas.r Posto isto, cabe perguntar: trata-se, Íealrnente, de umâ noya teoria do
Não é possível trasladar às pessoas jurídicas a noção de condutq quc delito? Ou seria, no fundo, a retomâda de um esquema de inrputaçàu que se
inspira o conceito de delito das teorias causais ou da teoria finalista, por lastrea - e se confunde - com uma responsabilidade penal de índole oble
cxcmplo. Este último situa o ser humano no centro da teoria juríclica tkr tira? Quais os pilares (ou critérios objetivos de imputação) que sustentam
dclito e retuta qualquer imputação que não seja ÍIndamentalmentc subjc essa nord teoria do delito? Como as modernas legislações têm afrontado o
tivâ. O rótulo dc «subjetivista», poróm, não corrcspondc à tcoria Iinllislir. problcma'?

Recentementc, a Lci Orgânica 5, de 22 de junho de 2010 - cm vigor'


' ('1. Srr.r,,r SÁN('rIiz. Jesús Marí . «El contexto del cle Relirlrna rlcl (irlir,o dcsde 23 de dezembro de 2010 instituiu a responsabilidade penal das
l'cnrrl clc l00t{". (tturk,ntos ptntLbt.losl María Lit|iu.^Dteproyeclo
lil Atttt,pntrctto dt ttnrlilita r,,tt ,ltl
{rlliyol'tttrtl rh 200,\- Algutut.t tttpLtto.t. Bilhaor tJnivct'sitliul rlc Dcuslo. r.6- l0o(). l) l\
Srrlrrr'cssesrlcsalirrs.vi(lccspcrialnrcnlcZlNri\l,l,,r,tlr(,r rt.l.:r. ,t. l tttt1,,tr,t ttttttt,,,h'1,' ' Solrrc tsslr |lIll('rilr. \,i(l(. l)r)r l(xl()s. R{}Nltj() CAs,\lloN^, Cârlos Marí:l (,r.rlii- «[nforme
tltiutltttrrriúrhtttlt»ttrrltilnlttl ynrtl ttlrt:1tt:r'tttttlttttlr',t: I 'crl. I'irrrDl,urr: Àrrrrrz;r,lr/ \,Ír( li)\irl.rlr,\(l( r(Lrt,lr(ri!r([lI)cr.rh()PrnLrl rl dcslrrollo sociàl y tccnológico: líncxs dc
l'lrorr\on I{rrr{.r\. 100(). l) ll7 tl5: ll\r) Irrr'r'rr,r . l\lrlrrr'l .l.r rrslx'r\irl)rlrl:rl lx.r',rl ír\(\rri,ir.i(,ll \ r('frrlllsÍ)rr\. lr: Àrret,rz.r, lrrnilirr.]osé. lttrtr!rtpttttirittrlt! Dtrctlto
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(.rrt)r(,..r'rrl. I'r Sr r,r\N,,llr l,r \, \. l,'.' ll rr"'r lrr \ir fr' ( r,r..r, l,Irrrl,, rl)rl,. r rl,,,rrl,ltr,rl,r(''r,l( rilrl,,li r.'lr.t,rx,l lnr lrI()\/rolo.,l(.'.r(l, turro) l,tl,\l',titl
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498 TJIREI'fO PENAL COMO CRÍTICA DA PENA I-UIZ RECIS PI{AI]o E ERTKA MENDES DE CARVALHO 499

pessoas jurídicas nô Código Penal espanhol (art. 3l áis) e disciplinou as Em síntese, a política criminal europeia não se atreveu a determinar
sanções penais a elas aplicáveis (art. 33.7). a instituição da responsabilidade penal das pessoas jurídicas por partc dos
A introdução da responsabilidade penal das pessoas j urídicas no Código Estados membros, enfatizando, sim, a previsão de sanções - de caráter penal
Penal espanhol - até cntão impermeável aos reclamos político-criminais que ou não - de fato efetivas, proporcionais e dissuasórias.
exigiam a imposição de sanções penais às pessoas jurídicas - representa o O certo é que grande parte dos países europeus incorporou a responsa-
abandono do princípio de culpabilidade? Quais os desafios e perspectivas qLte bilidade penal das pessoas jurídicas em seus ordenamentos jurídicos (assim,
a Reforma operada no Código Penal espanhol sugere? Qual o tundamento da por exemplo, Ausoia, Bélgica, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França.
responsabilidade penal das pessoas juídicas? E possível aÍirmar que se está Holanda, Irlanda, Islândia, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polônia,
diante de uma responsabilidade penal de natureza objetiva? Portugal, Reino Unido, Suócir e Suíça).
Essas e outras questões merecem a atenção dos doutrinadores que No caso da Espanha, porém, optou-se inicialmente pela imposição dc
pensam e projetam o Direito Penal deste século. sanções penais às pessoas físicas e, ao mesmo ternpo. pela aplicação de outras
consequências jurídicas que não apresentavam natureza de sanção penal,
II. O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS embora fossem autênticas consequências iuídicas do delito em sentido
JURÍDICAS DO CÓDIGO PENAL ESPANHOL amplo. A aplicação dessas consequências não penais não se subordinava às
regras c plincípios que nortcavam as sanções penais.
Na esÍera da União Europeia, figura como marco importante a Reco- Nesse contexto, o Código Penal espanhol de 1995 estabeleceu, no
mendação 18. de 20 de outubro de 1988. do Comitê de Ministros dos Estados Título Vl de seu Livro l, um conjunto de medidas jurídicas contra o delit«r
Membros do Conselho da Europa, relativa à responsabilidade das empresas denominadas con-sequências acessórias, a saber: o conlisco dos eÍ'eitos e
com personalidade jurídica por ofensas cometidas no exercício de sua instrumentos do delito e o confisco dos ganhos (aÍLs. 121 e 128) e algumas
atividade. Recentemente, a Proposta de Dirctiva do Parlamento Europeu c rnedidas aplicáveis a empresas e a associações e organizaçircs delitivas (art.
do Consclho concernente à proteção do meio ambiente através do Direito t29).
Penal, de 2001, após determinar que «os Estados membros se certificariio
que os delitos mencionatlos no art. 3, e a participação nos ou a instigaçiur A natureza jurídica dessas consequências acessórias foi objeto de
aos mesmos sejam castigados medianle sanções efetivas, proporcionais c divergência doutrinária.
dissuasórias», estabelece cm seu art. 4, b, uma lista de medidas obrigatórias Determinado setor doutrinário considerava como autênticas penas,'às
a serem aplicadas às pessoas jurídicas, sem esclarecer sua natureza (pcnirl rnedidas aplicáveis a emprcsas e organizações disciplinadas no referido art.
ou administrativa). Os Estados membros dcvcriam impor certâs medi(lils 129,5 posÍura essa que tomava como ponto de partida o rcconhecimento de
destinadas a reprimir a atuação das pessoas juídicas, mas em nehhurtr capacidade de ação e de culpabilidade aos entes morais. Por outro lado, parte
momento fazia-se obrigatória a previsão de sanções de natureza penal. I)e (la doutrina outorgava a natureza jurídica de medidas de segurança às conse-
firto, a própria Exposição dc motivos afirmava que «os Estados menrbrrts tprências accssórias constantes do Código Penal espanhol.6
poderão prever sânções que não sejam penais, sempre que Íirrcnr cÍclivrrs,
proporcionais e dissuasórias. Por exemplo, podcm impor multas não pctrtis,
supervisão judicial, decisões de liquidação ou exclusão tkr tlilcito u l.rcrtclí
cios ou ajudas públicas». Reconhecia se que pârâ alguns Estitdos rttctttlrt'rts Assir)r, p(Í cxrnlpl(), Zrrr;,rt.ri,r llst,tr.rrt, José Miguel. «l-âs penas prcvistas en el aÍtículo
poderia scr difícil «prever sançõcs pcnais contra as pcssoas.iurítlicrts sert l.)t) rlcl (iirligo pr'nirl plrir lxs pcrvrrras.iurfuicas (Consideraciones teóricas y consecueneias
intnrtlrrzir nrudanças nos princípios lirntllrrttcnlitis tlc scus ( )rllcniuncr ll ( )\ iurt tn:r( tr( ir\ t . l\ rh ,' .lrlr itl. Mrrrh itl. rr. .16. l9r)7. p. .132 ss.; B^(r(;^r-t rft), Silvina- Re.tpo,r.t?-
rlicos naciontris". No rncsrtto scllitkr sc Pt'otttttteiltva x l)rrl)oslir tlc l)ilclivrr
I'rlul*l l,ttrl ,h l,t y,ttttt,tt /r,rxli 1/t. lrucrxr.i Aircs: Ilamnrurahi/l)cpalma.2001, p.296
)OOl l)ll2 (('OI)) tkl I)irlIirrl)('lrI(| clr'()lx'lr (' rkr ( iltselhr. tlc 1) tlt' li'vclcito " ( l li \ rSrr,rrr z..l.srrr Mtrrrr l:r rcr|)orrsirlrilirlrul |)r'nul t[ lrrs ltcr'§1nrirs.iurídicâs y lirs
tlc l(X)7. relrrlivlr i I)r'(Í('(iro (lo rrrt'io lrrrlrilntr' rrrr'rlilrrlt' o l)ih'ilo l\'rrrl, rlttr' , ,,rr\( i r;r\ rr(, .\i,rrr'\ il( l i"l I )rt rl, l ( irrlt,o lt rr:r1. . l)ttt ltt l't tttl tt r»triarirrr. (irrlst'jrr
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500 DIREITO PENAL COMO CRITICA DA PENA LUIZ RECIS PRADO E ERIKA MENDES DE CARVALHO 501

Prevalecia, porém, o entendimento de que as consequências acessórias Essas medidas coerciüvas nã.o são sanÇões, pois não têm finalidade
eram sanções ou medidas sui generis, distintas das penas e das medidas de repressiva. Podem, entretanto, atender a finalidades preventivas distintas
segurança, mas com caráter penal.T daquelas próprias das sanções penais. De conseguinte, «é possível sua reite-
Todos esses posicionamentos conferiam natureza jurídico-penal às ração por lapsos de tempo com o fim de vencer a resistência do obrigado a
consequências acessórias, a fim de revesti-las das gârantias que orientam as produzir a situação juridicamente desejada ou a sua insistência na manu-
sanções penais, dado que, a exemplo destas últimas, importam em inequívoca tenção da situação objetiva contrária ao Direito>>.r0
restrição ou privação de bens e de direitos com fundamento na comissão A previsão de consequências juídicas acessórias - de caráter assecu-
prévia de um delito. ratório ou coercitivo - às pessoas jurídicas, impostas por magistrados ou
A hipótese fática objetiva das consequências acessórias - segundo a tribunais penais, destinava-se, em síntese, a prevenir a prática de condutas
opinião majoritária seria a denominada periculos lade objetiva oü instru- delitivas no contexto empresarial, privando as pessoas físicas do instrumento
mental, isto é, a probabilidade de realizaÍ uma conduta delitiva em função da perigoso que representa a pessoajurídica, ou, ainda, a controlar sua atuação.
relação ou do contato com certas coisas (v.9. armas, efeitos do delito, bene- Eram, porém, medidas pertencentes ao Direito Administrativo.rl
fício obtidos) ou da participação em organizações que favoreçam a prática de Com efeito, as consequências acessórias não lograram derrogar o
delitos por parte das pessoas físicas que a integram.s Aplicadas pelo magis- princípio societas d.elin.quere non potest, embora tenham representado «um
trado no curso de um processo penal e como consequência da prática anterior embrião de sistema sancionador penal aplicável à pessoa juídica".t2
de uma conduta delitiva, serviúam a Íins de prevenção especial.
Após a Reforma, as consequências acessórias do art. 129 do Código
As teses expostas acerca da naturezajuídica das consequências acessó- Penal espanhol tiveram seu âmbito de aplicação circunscrito aos entes
rias não eram plenâmente convincentes. sem personalidade jurídica (por exemplo, associações ilícitas, sociedades
Conforme acertadamente se assevera, as medidas previstas no àÍÍ. 129 mercantis iregulares). A imposição das consequências acessórias é facul-
do Código Penal espanhol não têm naÍurexa penal. tativa e deve ser motivada pelo magistrado, quem afere se a entidade serviu
como instrumento para a conduta delitiva da pessoa física. Assim, às orga-
Tais consequências juídicas apresentam como pressuposto necessário
nizações, grupos ou entidades destituídos de personalidade jurídica legal-
a realização de um fato ilícito prévio, que figura como um sintoma do perigo
objetivo da realização de futuras infrações. Podiam figurar como consequên- mente reconhecida podem ser impostas consequências acessórias à pena da
pessoa física responsável pela conduta delitiva. Já as entidades dotadas de
cias acessórias destinadas às pessoas jurídicas, por exemplo, a dissolução
de sociedades ou organizações, a proibição do exercício ou a suspensão de personalidade juídica reconhecida pelas vias legais sujeitam-se ao modelo
atividades, o fechamento temporário ou definitivo das instalações, a inter- de responsabilidade consagrado pelo art. 3l bis.
venção judicial, entre outras. Também podiam inregrar o catálogo da§ conse- De fato, apenas com a Reforma do Código Penal espanhol operada pela
quências acessórias determinadas medidas de cxâter coercitivo - como a I-ei Orgânica 5, de 22 de junho de 2010, introduziu-se a responsabilidade
multa coercitiva (Zwangsbussen) -, destinadas a «motivar as pessoas físicas penal das pessoas jurídicas no Direito Penal espanhol (art. 3l árs).
que administram a pessoajuídica a adotar medidas de controle inteÍno, isto
é, medidas de organização correta da atividade da empresa, tendentes a evitar
O Preâmbulo da Reforma esclarece que <<regula-se de maneira porme-
norizada a responsabilidade penal das pessoas jurídicas>>, dado que -sào
a realização de fatos lesivos», em outras palavras, são <<medidas orientadas
à remoção do defeito de organização da empresa como situação objetiva dc
perigo>>.e
'lirrnt lo Bltnch,2006. p. 555.
" (;r^d^ M^k rÍN, Luis. op. ( i/.. p. 555.
Sr)ln! n (ll(slào. vi(lc ('^rv^r ri( ). li'ikil Mc|des de; CARvALHo, Gisele Mendes de. «Direito
7 Nesse sentido, por exemplo, MaRr'íNFiz-BurÁN PÉREZ. CaÍhts- Dcn,cltt l\',ul tt"kn
i. t). l\'nill (l( [is r ( r'('sl)oDsirl)ilrrIr(l(' Iürrl (lirs Pcsso s.jurídicâs: ll prop(isito da orientação
Parte Oeneral, Valencia: Tirant lo Blanch, I998. p. 232: l,t,zim Prrr.rr. l)icgo Mínr('|. ( ir\,, ;rrris|rrrrk rrcirrl rIr Sl.l- ltt l't\rÍr. l.ri,/ li.gisl l)ottt, llcnrrAricl ((ixnds.). R.flrrrrdri-
de Derecho Penal.Prrte Ceneral, I, Madrid: []nivcrsilirs, l')()ô. l). 5ll. crlÍr'rnrtr'or. ltl,nh p, u,tl ,hr y,ttr',t trttr,lt, r l.n ,l, li t,t tht piltt tt,it) tht i tt'utrrç'tio lwtrtl .tultjtrivt.2." ctl.
3 Assim, Mrt Plrr(;, SilnlinSo. rI,. r'll.,l)..1. S;ro l':rtthr lul ll l, .'(ll(1, t' .ií,1 r(' I
" Gk^{r^ M^[llN. L is. Irr (;R,\( r^ M,rrrlr.t, Lrrrr (( ir,r(l t, lloll!r\^ l'\\\Nr\x, Mr,,ll( l I Mr,N,!,,(i,Nt,r .1,|lltx11,,, li\r,,r\ '\r,\!.Mrr(flI.\ lr,t,,h,tl\tttl | ':
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502 DIREITO PENAI, COMO CRÍTICA DA PtsNÀ LUIZ REGIS PRADO I] ERIKA MENDES DE CARVALHO 503

numerosos os instrumentos jurídicos intemacionais quc demandam unta estando submetidos à autoridâde destes, tenham podido realizar a condutâ
resposta penal clara para as pcssoas jurídicas, sobretudo naquelas figuras delitiva por não ter sc cxercido sohre eles o devido controlc: 2) o delito deve
delitivas onde a possível intervenção das mesmas se torna mais evidente ser prâlicado em nome ou por conta da pessoajurídica, e em seu provcito.
(corupção no setor privado, transações comerciais intemacionais, porno- A primeira condição estabelece o sabsÍractum hamanrs da responsabi-
grafia e prostituição infantil, trata de seres huntanos, lavagem de capitais, lidade penal do ente coletivo e a segunda fixa o elemento subjetivo-objetivo
imigração ilegal ou ataques a sistcmas informáticos)». que inspira a conduta da pessoa física.
0
fundamenlo invocado para a admissão da responsabilidade penal da Embora não haja unanimidade na apreciação feita pcla doutrina
pessoa jurídicâ, segundo se extrai do referido Preâmbulo, consiste basica- espanhola que recentemente analisa a oÍientação perfilhada pela Reforma
mente na necessidadc de ordem pragmática de oferecer resposta contundente no tocante ao modelo de responsabilidade, pode-se aÍirmar que o art. 3l
a determinâdas formas de criminalidade comumente perpetradas no âmbito ái,r segue a teoria da responxúilidade penal indireta, por empréslimo o!
empresarial e mcrcantil. subsequente.ta
Nesse contexto, o art. 3l áls estabelece que «tras hipótcses previstas De conseguinte, a atribuição de responsabilidade penal à pessoajuri
neste Código, as pessoas jurídicas serão penalmente responsáveis pelos dica é considerada subsidiária à da pessoa física, de modo quc depende da
delitos cometidos em nome ou por conta das mesmas, c cm scu proveito, por realização de uma conduta delitiva por parte desta última.rs Não há como
seus representantes legais e administradores de fato ou de direito». E segue: prescindir da intervenção humana, que funciona como um substrato indispen-
jurídicas serão também penalmentc
"Nas mesmas hipóteses, as pessoas sável à imputação das consequências penais ao ente moral. A pessoa física
responsáveis pelos delitos cometidos, no exercício de atividades sociais c "empresta" à pessoa jurídica sua vontade: sem quô tenha sido praticado um
por conta e em proveito das mesmas, por aqueles que, estando submetidos delito por pârte dos representântes legais e administradores de fàto ou de
à autoridade das pessoas físicas mencionadas no parágralb anterior, tenhânl direito da pessoa jurídica - ou sem que seus subordinados tenham realizado
podido realizar os Íatos por não ter se exercido sobre eles o dcvido controlc. l conduta delitiva por falta do devido controle por pane destes - não pode
observadas as circunstâncias concretas do caso». conÍigurar-se sua responsabilidade penal. A impossibilidade de identiÍicação
cla pessoa física penalmenle responsável não impede, porém, a atribuiçãro de
A importância da mudançà de orientação da legislação cspanhola resitlc
no fato de que a introdução da responsabilidadc penal das pessoas jurídicas lcsponsabilidâde penal à pessoa jurídica (art. 31 bis 2).
não obedece - como ocoÍreu em França - <(a uma lógica de continuidâdc Mas isso não signiÍica que â RefoÍma tenha agasalhado um modelo de
evolutivâ, sedimentada com o passar do tempo>>.lr O princípio de culpabili, rcsponsabilidade pcnal direta pcla própria ação e pela própria culpabilidade
dade e o de personalidade da pena apresentam s/drr.,s constitucional e, demlis cla pessoa jurídica.r6
disso, â dogmática jurídico-penal alcançou na Espanha um notável grâu (lc
A responsabilidade penal do ente coletivo depende, em todo caso, de
dcsenvolvimento. (pre uma pessoâ física tenha cometido um delito - na qualidade dc scu repre-
São várias as características que maÍcam o sistema de responsahili scntante legal ou administrador de Íato ou de direito, ou como subordinado à
dade pcnal das pessoas jurídicas instituído pelo ordenamento jurídico-pcnrrl
cspanhol: trata-se de um modelo de responsabilidade indireta ou suhsitliiir.irr. " lrssc é o sistcm irdotâdo cm liilnça. A respeito. Pn,roo, Luiz Regis. Direito penal do
condicional, objctiva, cumulativa, limitada e especial. rar,f,ii,rrrr,. Srio t'aulo. Ed. RT. 20l l. p. 137 e ss.
'' l'rn-tllnro. scSundo o nn)Llclo pcrÍilhado na Espanha, «a responsabilidadc penal da pessoa
São condiçires lcglis necessárias à ex istência da rcsponsah i litkrtlr pcrrrrl ;rrrÍrlierr nào sc birsciâ cxclusiv nrcnlc cr]r su luaçilo sociâl como trl (denominuda respon-
tla pcssoa.jtrríclica: I) o tlclito tlcvc scr plalicark) pclos rcl)t cscl)liul ll:ti legltis r:rhilirhtle |rriDr'ia orr. r:rrr oeasiocs, rlircta). scnd() rcsponshvcl pclos delilos cometidos pelas
pr's.,oas lisrr'irs rlu( lrlllurr rro sr'rr iirrthilo c pilll hcnc,iciar lir» (MtrNoz CoNtni. ljritncisoo;
c atlrttinisllark»cs rlc lirlo orl rlc tlilcilo tl:r l)(.ssoit .,u Íí(liclr ou por lrtlrrt.lt.s rlrrr.. ( ;\k( r,\ Mcr.'crL s. ,,7, , , , l'. h lo).
r' (irl|r)crl(nrh
^rÀN. /.r (,,\r r,r^ l",r,rN^R. rlo rrlirrtrirr'tlrte "o Irtccito (\lrrl)clcc!. lrnru ra.Vxr^ír
rL l\^rn,. l.rrrz llt1,rs. "llls|orrrulrrlrrlrrri lr rr,rl rl.r Ir.sso,r lrrrrrlrr.ir lrrrrrlrrrrr.rrror l l,tlt,ht,lt, trrttiu,tl ,ltt,'r,t t',.1,t tt,'t,tr,t ,tt,t',1' trht t,tt,tttitt t ttlt,nl'ilirhtlt rht tt, ttttrt itrilirtt,'
rrrlrlrt:rçrrcs. lI llr\r,,. lIr/ l{(,,r,,. 1,,'rr. l{,rÍ \'r, l((i!,'il\ t lit tlt,,tttrl,tlrrltrh l,trtal r/r,,\r rr\ l\r'r\\r. lrr|Mr1'rrr'l ..\,\t,tn\thl lttuttt,,r,'\/lArirlr\rstl( lrr rclottttitopctiulrt
,l,t1r'tttrtltttrh,t I nt ,ltl, r,t ,1,, yn, t1'r,, ,Lr tutqtt,tt,t,' tr tt,t/ 1,,/,/,1r1, "',.,1 S.r('l,ilrl" rrrIl {irlrl,rr ltr,rl ,,f',Ú1,'l lnÍ l.r I(,1/r(ll{1.ri " rI ;rrrrr,,t. lttl,\ l'úrtl li.t't\ht tlr
LI l( Lrolll I' Ill) lt,,t'lt"l\ ,tl l't,r,'r'rl t l',rtr'ú,tttr" M.',llll /i, rx'\, rt,l'r.'.rol{r I' lr/r
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I )II{IiI I1) I'IiNAI, ('OM(} (]{íTICA DA PENA
LUIZ RECIS PRADO E ÉRIKA MENDES DE CARVALHO 505

sua âutoridade -, não existindo com independência ou à margem da atuação


em virtude de desenvolvimentos sistêmicos defeituosos de investigação,
humana. gestão, produção c organização). Aventa-se a existência da chamada culpa-
Essa relação de «simbiose entre pessoa física e juídica que legi- bilidade empresarittl proativa (CEP) - fruto da inadequação das práticas e
tima o empréstimo de criminalidads>',17 fica bastante explícita no próprio da atuação corporativa para a prevenção de delitos - e de uma culpabilidade
art. 3l órr, quando acrescenta o legislador espanhol às condições listadas empresarial reatiya (CER) - Íesultado da resposta ou reação corporativa ao
que, nas mesmas hipóteses, as pessoas jurídicas tâmbém serão penalmente delito.r')
rcsponsáveis pelos delitos cometidos pelas pessoas físicas: l) no exercício
Na mesma linha se encontra a, teorio dos sisÍemas sociais autopoié-
dc atividades sociais; 2) e por conta e em proveito das pessoas juúdicas; llcos (Luhmann,Teubner), que condiciona a existência de uma culpabilidade
3) quando estiverem submetidas à autoridade dos representantes legais ou empresarial ao alcance, pelo sistema organizacional, de um determinado
administradores de fato ou de direito da pessoa jurídica; 4) quando tenham nível de complexidade interna ou <<nível interno de autorreferencialidaden
podido realizar os fatos constitutivos de delito em razão do não exercício do
ou de <<auto-organ ização>> -2o
devido controle sobre eles, observadas as circunstâncias do caso concreto.
Contudo, a fundamentação da culpabilidade das pessoas juídicas pela
Importante ressaltar que o art. 31 áis I do Código Penal espanhol doutrina cspanhola favorável à sua responsabilização penal apoia-se, majori-
consagra um sistema dualista ot de dupla vza, que distingue dois regimes tariâmenle, na tese de Tr»eue.NN que, com lastro em um conceito amplo de
sancionatários: um regime mais grave, aplicável quando o delito tiver sido culpabilidade em um sentido social, propõe o critério da culpabilidade pelo
rcalizado pelos dirigentcs da pessoa jurídica (art.3l àis l, inciso l); um rlefeito de organi1tção (Orgttnisatiottsyerschuklen ou Organisationsfehler).
regirne menos grdye, quando a conduta delitiva tiver sido perpetrâdâ por
algum de seus empregados (art.31 áls l, inciso 2). Dâí estâbeÍecer o ârt. 66 Todavia, a omissão da adoção de medidas de precaução exigíveis para
/ris l. c) do Código Penal que o lugar ocupado pela pessoa física ou pekr asscgurar uma atuação não dclituosa pressupõe, no fundo, a fundamentação
tirgão que inÍiingiu o dever de controle na estruturâ hieri'uquica ou organi- de uma culpabilídade pelo fato alheio.2I
zacional da pessoa jurídica terá influência na determinação da gravidade da Ainda que Tre»erv.mllN asseverc que a culpabilidade pelo defeito de
pcna imposta. organização não passa de culpabilidade por um fato anterior, deconente da
O legislador espanhol estabelece uma série de critérios objetivos de inÍiação de deveres de otganização específicos da pessoa jurídica, o certo
irnputrção, mas não faz qualquer menção a uma culpabilidade prriprio tlas ó que os deveres de organização, vigilância e controle são impostos por
pcssoas jurídicas.r3 normas de determinação que só podem ter como destinatárias as pessoas
lísicas.22 Tais deveres só se consubstanciam em deveres concrctos de ação
De sua vez, a doutrina espanhola tem se debruçado nos últirnos ulros quando o destinatário da norma aprcsenta capacidade de ação, ou seja, a
sohrc a construção de uma noção de culpabilidade exclusiva das pcssorrs
culpabilidade por dcfeito de organização pressupõe a realização de uma
.iurídicas. conduta típica por parte das pessoas físicas que intcgram ou representam
Assim, inspirada pela doutrina alemã, refere-se à cullnbiliúufu 1u,lu
t ttttdtrçrio du utividade emprenriul (responsabilidade intcgral da crrrprcsrr '' (ll. ZLr<;ar.Die Esp|.!^R. José Migucl, op. cü., p.07;GóMEZ-JARA DÍEz,CàÍlos. Fwldanrcntos
rttrtk,ntos tk' ltt raspolts1l)ilidad penal de las personas jkrítlicas. Monteyideo: Julio Cesar
lrurir, 2010. p. :79 e ss. PaÍa este último autor, a ÍeÍbrma penal espanhola adotou um sistema
' lh,rrx,. Luiz Rcgis. "Responsabilitlade penal da pcssoa .jur'rllica: lirnrlurrrcltos r. rrisl() (lc impulitção: helero-responsabilidade penal empÍcsaÍial ou responsabilidade por faro
intplicirçr'rcs,. lrt: l)R^rx). l,úiz Rcgist Dortr. Rcné Áricl ((irrrds.). ,/lcrTrarrraltilith«h yttl j
;rlIeio rlirccionada al auk)-responsabilidade penal empresarial ou responsabilidade por fato
rht lttt.trrt jttúlht. Dn rkli,*t tkt priucíltio tkt ittrltlttr«io ptrntl \tl)i tivtt. tit..l. 1.l.1.
* I)tlccllnrlo x dilieulLIutL: tnliln i(' (p.4132).
"enr sc lrir\lldnr r) cr)nccilo dc elrlpuhili(ll(l( ir l)cs\()r llur(lr(x. ' ( i,Nr.,/ J^(^ l)irjr. ('xrlos. «i.lmputrbilidtd de las pcrsonasjurídicas'l". Rzi,rrÍrr BraJil?lra
,t tlrrt' liea t'vidcnt.'a,r sc analisar is citettnslirrrciirs ntrrnrirrlc\ c r\ r('grir\ (l( (lctcrrrrir(ir() rlir
,h ( itttuitts ()irrrürrris. Srio P:urh). vol- 61. p- 66. nov.-dez 2006. Idem. I:undanu,níos
l)( rt;r-. \rrl'rr( rc. irrt lrrsirt. i! .,rr \()llr(lr) rk \\. rrr)rlrito lross:r sr'r :r rlt r'rr'lrrrr :r i rrI1r:rIrrIrrIrrrl' rttrth t ttr» tht n :ltorr tr tltilirL ttl puurl ú, ltt l,rr.\()tut: .itt ili«.t. cit.. p. 282-284.
' N(ssir liIl!r. (;[\( r.\ M\l tN, l.rris. /frarrlio.r rh tltt-t r.lto pnal.l-it»nt l(lctnsit. 2(X)4. p.
lx\\r);r\ lr\r(ir\ rlrr'rcrrlrzurrr (drxllrl:r\ trlrt:r\ r i rttltt ,lkil\ l rLr,nr\.
r'otrt Lklctttttttiulits x')5
lrn(\.rrl'lt't,.tllrrr DrDr ros (ir|(,r. lrrlro lrsr. Lr rr.rlr,rrr.rlrrl'(l.xl lx",'l (I. l.rs l',.rs,Ír,rr l'rrtcrr'trftfrr.,\rtrtrrt.( l.rrrrl,r,loll;rrIr lh,n rttt it yurl , nrtnry,r,ttt, ,t
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tr"'(lr(,r\lr:r\l:r', l,n"r.rrl(l(inIf,'lr(rrl,tl,trít,trl.r1,'tllt()r)',rrrr,.r \/.rllll).rli '.'rI tunr,
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lll( ( llrr. '(l(l/. t' "x
DIRF]ITO PI-,NAI, COMO CRII'ICA I)A PF,NA LUIZ REGIS PRADO E ERIKÀ MENDES DE CARVALHO 507
.506

a pessoa jurídica. Apenas as pessoas físicas podem ser censuradas pela não Logo, a rcsponsabilidade das pessoas físicas envolvidas é de natureza
adoção das medidas de precaução exigidas para assegurar que as atividâdes subjetivat a responsabilidade da pessoa jurídica, contudo, é objetiva.
da empresa transcorram de modo adequado. Além de condicional, indireta e objetiva, a responsabilidade penal das
O legislador espanhol perdeu a oportunidade de fortalecer as propostas pessoas juídicas consagrada pelo Código Penal espanhol é cumulativa, ou
doutrinárias que buscam construir uma culpabilidade da pessoa juídica,23 seja, não exclui a das pessoas físicas autoras! coautoras ou partícipes dos
tpcsar das críticas que podem scr endereçadas a tais concepções pelo fato de mesmos fatos. Noutro dizer, adota-se o princípio da não-exclusividade da
continuarem a depender da conduta das próprias pessoas físicas. responsabilidade penal da pessoa jurídica e evita-se, assim, a impunidade
das pessoas físicas que integram estruturas hierárquicas organizadas e
O certo é que, quando o arl.31 bis se refere à ausência do exercício do complexas.
«devido controle>> sobre a atuação de pessoas físicas, menciona as pessoas
l'ísicas que, como representantes legais ou administradores de fato ou de Trata-se, ainda, de um sistema de responsabilidade pen al limitada, visto
direito da pessoajurídica, tenham omitido a cautela devida no controle das que o catálogo de possíveis pessoas jurídicas puníveis não abarca o Estado,
condutas realizadas por pessoas físicas a elas submetidas. Fica claro, primei- as Administrações Prlblicas territoriais e institucionâis. os organismos regu-
ramente, que a organização defeituosa é fmto da falta do devido controle ladores, as agências e entidades públicas empresaÍiais, os partidos políticos
por parte dâ pessoa física (que figura, in casu, como representante ou admi- e sindicatos, âs organizações internacionais de Drreito Público, nem aquelas
nistrador da pessoa jurídica) responsável pelo exercício de uma relação de que exerçam potestades púbhcas de soberaniâ, administração ou quando
âutoridade/controle de pessoas físicas a ela subordinâdas. Também que essa configurem sociedades mercantis estatais que executem políticas públicas
responsabilidade é transferida à pessoa jurídica. ou prestem serviços de interesse econômico geral. Nessas hipóteses, podem
os órgãos jurisdicionais, em apreciando in casu tma forma jurídica criada
Cumpre observar, porém, que enquanto a responsabilidade da pessoir por seus promotores, fundadores, administradores ou representantes com o
Íísica responsável pelo exercício de uma relação de autoridade/controle sc propósito de elidir uma eventual responsabilidade penal, declarar a subsis-
flndamenta na existência de um delito omissivo (doloso ou culposo) ou dc tôncia desta última (ar1. 31.5, CP).
um delito de ação (culposo), a responsabilidade da pessoa jurídica se funda-
menta nos critérios objetivos do contexto social em que ocorre a atuação dir Cabe destacar, ainda, que o sistema espanhol perfilha o pincípio cla
pessoa tísica subordinada e na atuação por conto e em proveito da pess<>ir tspecialídade, o que representa <<um reforço do princípio da legalidade».'?4
.jurídica. O Código Penal prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas
taro somente para alguns delitos expressamente indicados (vinculados preci-
l)llrmente à tutela de bens jurídicos de caráter supraindividual), tais como:
o trírÍico ilegal de órgãos humanos (art.156 bis)i trata de seres humanos (art.
l Analisando o Anteprojeto de 2008, CnoclÁ\ MoNTALvo admite que «não otêrecc nclhunr I 77 óis); prostituição e comrpção de mênores (art.l89 àls); descobrimento e
critér-io para fundamentar a culpabilidade da empresa no caso da rcsponsabilidadc (lc saus levclação de segredos (ârt. 197); estelionato (art.251 áls), insolvências puní-
diÍetivos», respondendo a pessoa jürídica <<iflclusive por um compo amento dçslcal tlr vcis (art. 261 áls); danos inf'ormáticos (aÍ.264); delitos contra a propriedade
administrador que, obrando por conta dâ pessoajuídicâ, realiza algum dos tip('\ p(.Iiti\ rlrx.
pcrnritem a responsabilidade dà empÍesa» (Crocr-ÁN Mo\"I^r-\o, José Antonio.
irlclcctuâ|, o mercado e os consumidores (art.2U8); lavagem de dinheiro
(le iltíibución de responsabilidad en el seno de la persona jurídica en el altícrrlo 3l hisr['l
"(fitt'rios (rrll. 302): delitos contra a Fâzenda Pública e a Seguridade Social (aft. 310
tcxlo proycctado». Cuadernos penales José María Lídón. El Antepro!-ecto (h' t,t(\lilitlt iott /,ir ); tlclilos corrtra os direitos dos cidadãos estrangeiros (art. 318 bls); delitos
rk'l Críligo Pendl de 2008. Algwtos a.tpecto,r. Bilbao: Universidad de Dcusto. n. í). lí}{lt). rrlbirrrísticos (an. 319); delitos contÍa os recursos naturais e o meio ambiente
p. 296). Nessc sentiLio, âcrescentr GóMLZ BrNÍrriz quc «não cxistem hip{')lcscs (k. rcslnnt (;rlls. .127 c 32ll ); tlclitos rclativos ir energia nuclear e às radiações ionizantes
slhiliclatlc penal diret das pessoas .ju, ídicts. o Antcpr()icl() não eslabclccc, prrtirrr. rtrrlrrrrtt
cr'itúr'io cspccííico dc impL(ilção tkr lirto it pcssoir jttr'ítlierr conxr lirto plriplirr. lirr srrtr'rr'.
(irrt. .\rll); tlclitos |clalivos às suhslâncias que podem causar estragos (aÍ.
p()is. (r Anlcproicl() srjFuc urn (pcculiirr) sisl(rrrir (k rtsporrsrrhilirlurle lrr'rral rlirs pL'rrolr l.ll{)i (lclitos c()nlnr ir siuitlc ptihlica (irll. 3(í) úis); lirlsiÍicação dc cartões e de
jrr|irlierrs 1xIrs lxti)\ ([ (nrlrcr]r. orr scjrr. rlt rc\lnllr\r'l'ilr(Lr(l( vicririrr" ((ii,Nr,,, lir.Ntr,,, L!n' llrc(lrrs (irrl. l()() /rlr); (r)r'Ílll)çiio (ilrl. 427): tliiíico tlc inlltrôncias (art. 430);
MrrrrrrL l. -l.rr l'slx )nsirl)ili(h(l lxrrrl r[' lrrs 1r'tr,rttrt. lttttrlri'rrs I lirs rrrrlirlrrr (l( l rrtr( u[] l.r(,
( n cl (1. .)01)l{ (l(, llclrxrrr ri l { r'rlr1,,' l\'ritl. ( ttnlrnr 1',tntltr 1,,t,, llrttnr
ll,\ttttt'tt,\ttt,',hn,,'lilt, r,trt,h'l t,\l .:'tl\ttttl th.'ílíl§.1/rlr,,r,,\,/yr,r,r llrllrrrr
liltrt.^ntcl)rryr.l() I l,l\r{,. I ur/ ltIfr,, ,,/, ,,/.l! l,l.'
I Irrrr Ir rrrI;rr I rIr' l)r'rr\1, r. !r 1,..rlIIl. lt rllll
-508 DIREITO PENAL COMO CRÍTICA DA PENA LT]IZ REGIS PRADO E ÉNITE UPNOES OP CARVALHO 509

corrupção de funcioniírios públicos estrangeiros e internacionais (art. 445); e cujo exercício tenha sido cometido, favorecido ou encoberto o delito; inabi-
terrorismo (aÍÍ. 57O e 576 bis). litação para obter subvenções e ajudas públicas, para contrat.r com o setor
Por último, no tocante às sanções penais apticáveis às pessoas juúdicas, público e para usufruir de benefícios e incentivos fiscais ou da Seguridade
opta-se por um caúlogo específlco de medidas já acolhidas por outros orde- Social; intervenção judicial para salvaguardar os direitos dos trabalhadores
namentos juídicos e indicadas pela legislação comunitária. ou dos credores; e dissolução da pessoajurídica. No que diz respeito à multa,
o art. 53-5 determina que seu pagamento possa ser parcelado por um período
Nesse contexto, adota-se a multa como pena comum para todos os casos
de até cinco anos, desde que a quantia fixada coloque provavelmente em
de responsabilidade penal das pessoasjurídicas e, para hipóteses mais graves,
perigo sua sobrevivência ou a conservação dos postos de trabâlho existentes,
admite-se também a aplicação de outras medidas mais severas, observado o
ou quando for do inte(esse geral. Se a pessoajurídica condenada nào pagar a
disposto no art. 66 árs. Esse dispositivo institui regras específicas orientadas à
multa imposta no prazo estipulado, o Tribunal poderá determinar sua inter-
determinaçãojudicial das sanções impostas à pessoajuídica, com o objetivo
venção até o pagamento integral.26
de prevenir a continuidade de sua atividade delitiva ou de seus efeitos. para
tanto, obseruam-se os desdobramentos econômicos e sociais (especialmente Não há, no Código Penal espanhol, a previsão de substitutivos penais
trabalhistas) da atividade delitiva empresarial, o posto ocupado pela pessoa - como, por exemplo, o srrsis - que permitam a não execução - total ou
física que infringiu o dever de controle na estrutura da pessoa juídica; a parcial - da pena aplicada à pessoajurídica e tampouco houve a previsão de
reincidência da pessoa jurídica; e, ainda, se a pessoa juídica é utilizada sanções substituüvas.
preponderantemente como um instrumento para a prática de ilícitos penais.
Cabe registrar também a ausência de uma âdaptação do Direito Proces-
É oportuno ressaltar que o art. 3l bis 4 do Código penal espanhol sual Penal espanhol à introdução da responsabilidade penal das pessoasjurí-
estabelece algümas circunstAncias atenuantes d.a responsabilidade penal da dicas, o que certamente acaÍÍetaÍá, dificuldades práticas na implementação
pessoa juídica que figuram como autênticas hipóteses de comportamentos concreta e imediata dessa espécie de responsabilidade no âmbito do sistema
pó s -delitiv o s p o s it iv o s. lradicional.2T
Todavia, tais comportamentos posteriores à configuração da conduta
delitiva do ente morâl devem ser realizados pelos representantes legais da III. AVALIAÇÃO PONTUAL DA REFORMA
pessoajurídica. Os efeitos positivos dessa atuação, porém, repeÍcutem sobrc
PaÍe da doutrina espanhola critica veementemente a postura do legis-
a magnitude da sanção penal imposta a esta última, dado que as razões polÊ
lador de 2010, absolutamente indiferente à vigência de princípios penais
tico-criminais que inspiram a previsão legal dessas circunstâncias indicarn
lirndamentais, como o da responsabilidade penal subjetiva (art. 5.", CP espa-
uma menor necessidade preventiva da pena.25
rrhol28), o de culpabilidade e o de personalidade da pena - proclamados pelo
Desse modo, o art. 31 áis 4 determina a atenuação da responsabiiidado 'l.r'ihunal Constitucional espânhol e à própria definição de delito constante
-
penal da pessoa juídica pela confissão da infração às autoridades, antes rkr arr. l0 do Código Penal.'?e
de conhecer que o processo judicial se dirige contra ela; pela colaboraçilo
na investigagão do fato, apresentando provas novas e decisivas a qualqucr '" Pall| maiores detâlhes, vide ZucALDÍa EsprNAR, José Miguel, ap. ciÍ., p.12.
momento do processo; pela reparação ou diminuição do dano causado pekr ' ('rilica-sc a ausôncia de qualqueí menção à necessidade de realização de uma rcforma
( lir chiunâdn L,], .1í, E juidamiertu) Crímíndl que estabeleçâ o srdlls processaal das pessoas
delito e pelo estabelecimento, anterior ao começo do juízo oral, de me«lirhrr
eficazes para prevenir e descobrir, no futuro, delitos que possam ser prilli. ;tttítlicas, a lim dc csclnrecer «sc, com parece razoável, terão direito à presunção de inocência,
ir ii() (lccllftlr c()nlÍa si rncsmas c. cm geral, a todas as demais garantias do devido processo»,
cados através ou sob a égide da pessoajurídica.
lxris "scnr cssa rclirnnn paÍillcla rcsultu sumâmente duvidoso que o modelo de Anteprojeto
prrssl eurnprir scus prctcndidos ohiclivos" (Sr.v^ SÁN(uriz, Jesús-María. «El contexto del
Entre as sanções aplicáveis à pcssoa.iurídica, podem ser mcncionudls (lc llclolrnfl tlcl ('ócligo Pcnll tlc 20011". ('tkkh'nns p?ttoles .losé Maia Lidón.
as seguirtes (art. 33.7, CP): mullo: suspcnsiio tlc atividades: lbchantcnlo tlc l.l At,lq'ú,\\\'tt, fu nn il tritht ltl (riligo l\trul fu 20011. Algunos aspectos. Bi:I.bao'.
^rt('prl)ycclo
Íiliais o cstahclccinrentos; proihiçrtr tltr rcrrliztrr.tx) llturo as atividutlcs cru I Jrrvc[sitlul rlc I)crNt(), tr 6. ]00(). p. 27).
' -Nrlo lur lt('ln sclr rlohr orr irr r r r rrr I ti r r' I I r
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('l', MllN(,,/(irNtÍ., lií[(,ii(oi(l^Irt^Arln,Mr.trcri,r.o7r.rí.,ll.(r.l!,
IrcIr l(i"
.5t0 DtREtro PENAL coMo crRÍTICA D^ PENA LUIZ REGIS PRADO Ii I]lilKA MEr\"DES DE LIARVALHO 511

Nesse sentido, demonstra-se um «preocupante menosprczo pcla Icgali- Ora, se há de fato dualidade de sujeitos ativos (pessoa física e jurídica)
dade ordinária vigente e pelos princípios estabelecidos pclo Tribunal Cons- e assumindo que a pena deve ser pessoal, a propoÍcionalidadc da multa deve
titucional»,r0 como se nada disso tivessc importância. Consequentemente, a ser aferida com base nas circunstâncias da própria pcssoajurídica, e nào cum
rcsponsabilidadc pcnal da pcssoa jurídica introduzida pela Reforma espa- lastro na gravidadc da conduta rcalizada pcla pessoa física.
rrhola dc 2010 terminâ por prcscindir do delito como pressuposto à impo-
Demais disso, o art. 130.2 do Código Penal prevê que a tÍansformação,
sição de uma sanção que ligura, na verdade, como uma reação punitiva que
fusão, absorção ou cisão de uma pessoajurídica não extingue sua responsa-
irrclepentle da constatação de dolo ou de culpa.
bilidadc penal, que será trasladada à entidade ou às entidades nas quais se
A responsabilidade das pessoas jurídicas é uma responsabilidade por translbrme, se funda ou pelas quais seja absorvida e se estenderá à entidade
transferência, posto que a vontade continua a residir exclusivamente na ou entidades que surjam da cisão. Como acefiadamente se observa, «a tÍâns-
y.rcssoa física, que é quem realmente delinque. ferência de responsabilidade de uma pessoaJuÍídica para outraj uridicamente
Esse sistema de imputação objetiva viclla todo o sólido arcabouço "distinta" implica o reconhecimento de que o princípio de personalidade
garantista consàgrado na Constituição e no Código Penal espanhóis. Por essa das penas, irrenunciável para as pessoas físicas, não é aplicável às pessoas
fazão, merece ser rechaçado como toda e qualquer forma de responsabilidadc .jurídicas».33
penal objetiva. O modelo de responsabilidade penal por atribuição apresenta graves
Essa responsabilidade, portânto, infringe frontalmente o princípio dc
(listorções e provoca uma nefasta divisão dentro do sistema de lesponsa-
culpabilidade. Trata-se de uma «objeção insuperável>>,rr que não conseguc hilidade penal: por um iado, a responsabilidade penal individual, de índole
ser rebatida sequer pelos del'ensores da retbrma. E essa infração do princípio subjetiva e fortemente ancorada em princípios constitucionais de garrntir;
estrutural básico de culpabilidade conduz também à violação do plincípio rlc outro lado, a responsabilidade penal coletiva, de natureza objetiva e con§-
de personalidade da pena (art. 25.1, Constituição espanhola), uma vez que trrrida à nrlrgem dos rlitrme. conrtitucionlis.
a pessoa jurídica responde por rm faÍo alheio. A responsabilidade pelo Íllo Como sàlientado, essas exceções aos princípios fundamentais do Direito
alheio praticado pela pessoa física que atua em nome ou por conta da pessoir
- l)cral e o abandono das categorias dogmáticas, de cunho garanlistâ (ditas
.jurídica e ern seu benefício - foi, inclusive, reconhecida pelo Conselho Gcrtrl .. t radicionais»), sob o pretexto de melhor lidar com o fenômeno da delin-

do Poder Judiciário. em seu Informe de 26 de fevereiro de 2009. rlrrôncia no âmbito de corporações e empÍesas! não podem ser bem vistas.
Logo, tem-se um claro exemplo de imputação oàfztil«: imputa-sc rr Isso porque se abre uma perigosa porta à supressão ou flexibilização de
conduta do indivíduo à pessoa jurídica, com base em critérios de or(lcnr plincípios e garantias tundamentais arduamente conquistados, e inaugura,se
normativa.r2 rrrr sistema de imputação movido basicamente por instáveis e muites vezes
Essa simbiose entre pessoâ Íísica e jurídica é evidente quantkr rlrr rlro dcmonstl'adas exigências político-cl iminais.
previsão legal da individualização da pena de multa. C) art. 3l ói.r 2, irt.fittr'. A necessiclade de o1'erecer uma resposta .iurídica à moderna criminali-
do Código Penal espanhol determinâ que se tbr aplicada à pcssoir lísicrr c ir rlrrtlc crnpresarial c mercantil não encontra, porém, solução adequada com a
pcssoa.jurídica a pena de multa como consequência dos rnesrnos lltos, os rrloçrio clo rrodclo da responsabilidade penal por atribuição.
-juízcs ou tribunais modularão as rcspectivas quântils de rnrxkr r;uc rr sorrrr O plincipal obstáculo apontado pelos críticos do sistema pcnal calcado
rcsultante não seja desproporcional em relação à glavicladc rlaquclcs.
rr:r irrrputrrçrio individunl e subjetivâ a diÍiculdade de individualização das
lrr'ssolrs lísiclrs tlrrc pralicarn o delito não conseguc scr superado. Isso
"'IlrrrrrarryMort«r.to.(ionzirIr."l.ilr!'slxnrsrl)ili(lir(l pcnul rlelrrs|trsorrrslrrrrrlrr'rrs\ 1,,. lr,,rrlrrc o rrrorlclo clc irllibuiçlio sc lundarncnta na rcsponsabilidade da pessoa
pIincipirrs brisicos tlcl sislcnrir". Ir ls, \ct(.rrl»o l0l0 Irsicrr (orr ilirs Pt'ssorrs lisiçlrs) rluc lcirlizl (rrr) a conduta clelitiva passível de
' lt,r,rrtrtr,, Mot rrttto,(iortzrrln.tl' ttt.t.lÍ) (i'rlrir.7r r,\r rLrlrrltrrt. Irsll\lr1,rrll.,1,
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r'il,1). I1.rIrr(rrrirIirrrrir(|lrr'r|):rrtrrri ,.rrrrrrr ,'lr(.r ( (,rslrlrr( !r,r:rl. rr lrcssorr lrrrrrlrt:r rcslrorrrl
|or srrrr l)rrlrri;r ir(iu, ( |()r \fl:r llrr1rtr,r, trllr,rl,rlr,l,r,l, rr'.1,, rt.rrrr[, l)rrk rl)r ,,,1,
lrtrrrrrrlrrlrrrL rLrs lrr'rrr\( (1,, rlt,,,l,rlr(1,,,1, t'll ''t.r r('Irr'.,t!'lnl( t[1,,lrl,,,l( i,Ulr( r'r
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I
5t2 DIRETTO PENÀI, COMO CRÍTICA DA PENA LUIZ RECIS PRADO E ÉRIKA MENDES DE CARVALIIO
-5t3

Sabe-se que no âmbito das grandes corporações mercantis ou industriais IV. CONCI-USÕES PRINCIPAIS
existe toda uma rede de pessoas físicas que decidem, executam as decisões
coletivas e/ou que podem intervir a qualquer momento para impedir a reali-
Na atualidade, assiste-se - como forma de reação às características
próprias de uma sociedade de risco - a uma lamentável e perigosa flexibili-
zação de um resultado de lesão a bens jurídicos, por exemplo.
zação dos pressupostos necessários para a persecução penal.r?
O legislador espanhol buscou contomiu essa diÍiculdade alirmando
que a presença de circunstâncias capazes de afetar a culpabilidade ou de A instituição da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Código
Penal espanhol pela Lei Orgânica 5 de 22 dejunho de 2010 - que entrou em
agravar a responsabilidade das pessoas que materialmente tcnhâm realizado
os fatos ou tornado possível sua ocorrência pela ausência do dcvido controle,
vigor em 23 de dezembro de 2010 -
surge como instrumento meramente
preventivo e simbólico, calcado em razões de política criminal.3s
bem como a morte dessâs pessoas ou sua subtração da ação da justiça não
excluirão nem modificarão a responsabilidade penal das pessoas jurídicas É de ser observado, porém, que a exemplo da lei ambiental brasileira
(art.31 bis 2 c 3, CP). (Lei 9.605/1998), constata-se a não construção de um vcrdadeiro subsistema
penal devidamente estruturado para tal modelo de responsabilidade penal,
Entrctanto, essa previsão legal não pemite afirmar a presença de um
modelo direto ou autônomo de responsabilidade penal, independente da
responsabilidade da pessoa lísica. Exatamcnte porque de modo algum sc
prescinde da constatação de uma conduta típica e ilícitâ, perpetrada pelo ser
humano, e atribuída objetivamente - à pcssoa jurídica.ra 1? No Brasil, são inúmeros os estudos que apontam os equívocos e as desastrosas
Não houve, assim, uma adaptação prévia do sistema penal espanhol consequências da instituição da responsabilidadc penal das pessoas jurídicas em matéria
«configurado exclusivamente para a responsabilidade penal das pessoas ambiental. Como exemplo, vide Lulsr, Luiz. «Notas sobre a responsabilidâde peíal das
pessoâs jurídicas,'. In: Pnaoo, Lüiz Regis; Dorat, René Ariel (Coords.). Respo sabilidade
físicas>> - à recepção da responsabilidade penal das pessoas juídicas. o que penal do pexoa jurídica. Iint defesa do princípio da ímpumçAo pernl subjetita. 2.' erJ.
colabora para o surgimento de <<graves distorções>>.15 São Paulo: Ed. RT,2010, p.2'1-42i PRADo, Luiz Regis. «Responsabilidade penâl da pessoa
juídica: fundamentos e implicações». In: PRADo, Luiz Regis; DoTTl, René Ariel (CooÍds.).
Além do mais, não ocoÍreu a correspondente reforma processual penal, Respí)nttubilidade penal da pessoa jurídica. Eíl defesa do princípio da imputação penal
indispensávcl para indicar o procedimento a ser seguido para a responsabili- subjetira.2.^ ed. São Paulo: Ed. RT,2010, p. 125-156; Dorn, René Ariei. <.A incapacidade
zação penal das pessoas jurídicas.36 criminâl da pessoajuídica (uma peíspectiva do Direito brasileiro)". In: PRADo, Luiz Regisi
Dorn, René Ariel (C«lrds.). Responsabilitlade penal da pessoa jurídica. En defesa do
Tais constatações doutrinárias evidenciam os desafios a serem superados princípio dd imputação penal subjeÍiva. 2.' ed. Sâo Paulo: Ed. RT, 2010, p. 157,194; S^LE§.
pela legislação e pela jurisprudência espanholas nas próximas décadas. Sheilâ Jorgc Selim de. «Anotações sobre o pÍtncípio societas delinq ere non potest no I)iÍeiÍo
Penal modcrno: um retrocesso pÍaticado em nome da política criminal?". In: PRADo, Luiz
Regis: f)orfl. René Ariel (Coords.). Respor.raáilidade penal da pet;soa jurídica. Ent defesa
ílo princípb da ímputttção penal subjetiva.2." ed. São Paulo: Ild. RT, 2010. p.209-2251
SANros, Juarez Cirino dos. «Responsâbilidade penal da pessoa jurídica». In: Puoo, Luiz
Regis; Dollr, René Ariel (Coords.). Reryonsabilidade penal íla pessoajurídica. Em defesa do
! Assim, "o art. 3l áis 1 não só regula uma responsabilidade vicírir drs pessoas .ir.rú(l icx \ princípio da inputação p?nal s bjetíva.2.'ed. São Paulo: Ed. RT,2010, p.265-282; LopEs,
que pode suscitar problemas de constitucionalidade, por fazê lâs respondcr por Íilos dc ()ulÍos, .Jair Leonaldo. .Responsabilidade penâl incompatível com a natureza da pessoa jurídica». In:
como, ademais, a regula de loÍma incompleta, pois nem sequeÍ exigc. corno ú obrigatr'rrio
nesse sistemâ. que o reprcsentanle tenha atuado no â,nbilo ou cxcrcíci() du suas lirnçrlcs,, E»r lt'l?.vt h pritx ípio .lo intryÍaç.lo pe al ,t lietiva. 2.' ed. São Paulo: Ed. RT, 2010, p.
Em resumo, «a noÍma pÍoposlâ prevê uma responsahilidadc pcnal da pcssoa lurítliea pt lr 147'J52t Pr,k^N(irir-r, José Hcnrique. «A Constituição e a responsabilidade penal das pessoas
nrero tak) dc o dclilo ter sido conrctido pclo dirclivo ()u adminislrirthrr crrr hcrrt'lício tlr |t'svrrr .jurílicas". ln: (irr,rrrr r. Ândr'c. (Orj.). (nrrri ilud? ,rodenú e r?fomns penais. Estudos enr
juÍídica. Rcsponsrhilidadc ohjetivu, gris. rh ltssrra jur'írliea" ((i()Nr,/ llr.Nrr ,,. .los(i Mrrrr( 1. ht),tk tttN(rt ttt) l'r.)l: /.r,i. /.r,iri. l>orlo Alcgrc: l-ivraria do Advog.do,20Ol, p. l3 29.
tt,. t it.. p.2tlt)). '' lr ;lr'cr'isurrre lltc do l)(Írt(t (l( vistir p()lít i( ()-crirrinnl argumcnta o setoÍ fâvoróvel à
" (inrx)itecrli(liIr)c lc(()r.ilirlir l{or,r.l(ir r/ Molrr ll{r,(ll)r,/rlo,r,/,. ril,1),lo irrlr(xlrr(no (ln r r.sg rrrstrbr lir l:rk lx.rll (Lt l)css()r lrrrítlicrr no orclcntrrcnto .iurídico-penal
"' ( hlrrllrr rr illcn(ill) l)irir a\\r' illrlx!ll:llrlr' Ir( (!I\rriL ll(( l{orrrlrir r,, M r &llr rr',(;i'r!/:rli!. t slrrrrrlrol -:t irrltrtrssit,r rLr rr.slxrrrsrrhilirlrult t lirrrirrlrl rlus l).ss{rits .irtrí(licits crx nucc\siiÍix
t't' tit..lt lll'./t,,\tt,l\li\r'rN\r.hrs|Mr;,rrr'1.,17,,r, I' l\.sI\\s\Nr1r,,. lr\r\ MxÍ:r.,?, Prrrrt ['rrttrtrrtlr ttttrrhrrlirlr\,1 \irr:r(i lrrlx r'r)nlrl rcrnllrl)(írre rr trirttirtirlitlarle cconirrDica
,ir.! -)iI. llu r\ rr to.(i'trr,. lrltolor' .l .r rr",lr,rn.rlrlrrl.ul |rr'rr:rlri lrrrl'r'r*,rr;rrlrrt,lr,,rr or1':rrrz;rrlu. lrr.rrr urrrro Irrr,r rlnr !,rlr\lI\,x, ,',^ r.'r"ln,Í"'\v'\ llrtr. riÍ.r.,n,||\ ,1, tlrrí[!§ pelir
tr,rrl.rrIl,rrrr,rril(i'rlr1,,lltt,rl , r r r r tr l,\ írr,.Ir,.r \/
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I
LUIZ RECIS PRAI)O I"EITIKA MENDES DE CARVALHO 515
514 DTREITO PENAL COMO CRÍTICA DA PENA

fundamentam a responsabilidade penal. Trata-se, por sem dúvida, de um


diverso do tradicional - feito para as pessoas físicas, mas que com este último
grande desafio.
deve ser coexistente.re
Por uma parte, argumenta-se que o Direito Penal deve assumir a dian-
Nessa perspectiva, a flexibilização das estruturas e dos princípios
inerentes ao Estado de Direito defendida por um Direito Penal simbólico
teira na resolução dos conflitos emergentes em searâ empresarial. Afastar
orientado pela ideia de prevenção termina por mostrar-se ineÍicaz e contra-
o surgimento de novos riscos ou evitar o incremento daqueles existentes
producente em razão de sua apoucada legitimidade constitucional. caberia, prioritariamente, aos instrumentos juídico-penais.
O Direito Penal assumiria um inequívoco caráter simbólico, dado que
O pr€tendido distanciamento das categorias tradicionais de imputação
jurídico-penal e o abandono do princípio de culpabilidade em nome de sua intervenção funcionaria como meio supostamente indispensável para o
oferecimento de uma impressão de segurança e proteção.
exigências político-criminais de celeridade e eficácia figuram como fatores
propulsores da crescente crise enfrentada pelo Direito Penal modemo. A funcionalização do Direito Penal com vistas ao resguardo das
condições necessárias para o desenvolvimento humano em uma sociedade
A adâptação das categorias do delito às demandas de uma sociedade de
de riscos, para além de não comprovada, rcvela-se, na verdade, altamente
riscos, acompanhada por uma preocupação acentuada com os fins utilitários
nociva.
das consequências penais, termina por acÍuretar umâ gradativa erosão das
estruturas de um Direito Penal garantista.e Com efeito, a defesa de um Direito Pcnal de matiz exclusivamente
preventivo pode acarretâr uma acentuada confusão entre as funções da polí-
As estratégias orientadas à prevenção dos novos riscos pretendem uma
proteção efetiva dos bensjurídicos lesados ou ameaçados de lesão. A eficácia
tica criminal e aquelas que caracterizam o próprio Direito Penal.
da tutela penal, porém, dependeria diretamente da mitigação dos princípios Nessa perspectiva, é frequente que se mesclem as funções político-
penais clássicos e da reestruturação das categorias tradicionais. ambientâis, por exemplo, com a própria missão do Direito Penal, que não
radica na proteção de funções, mas de bens juídicos.al
Nesse âmbito, as propostas legislativas favoráveis à responsabilidadc
penal das pessoâs jurídicas surgem como forma de incrementar a proteção O debate acerca da necessária expansão da intervenção jurídico-penal
de bens jurídicos - notadamente transindividuais - e com a pretensão dc a novos âmbitos de tutela não pode conferir ao Direito Penal o caráter de
enfrentar de modo contundente as dificuldades de imputação exaustivamentc prima ratio legis.
diagnosticadas. É conveniente esclarecer que a defesa da autonomia de novos bens
É oportuno, no entânto, questionar se o sacrifício do modelo penll jurídicos, de caráter individual (como, por exemplo, a integridade moral) ou
gârantista deve realmente ser exigido a fim de que o Direito Penal possa coletivo (como, por exemplo, o meio ambiente) não implica, forçosamente,
oferecer respostas suficientes às demandas de proteção da socie$adc tlo a relativização do papel subsidiário do Direito Penal.
século XXI. Essa postura - que se alicerça no princípio da intervenção mínima - não
Ante o perigo inerente às atividades típicas de um mundo globalizarkr lcm pautado a orientação legislativa que propugna, ao contrário, por uma
e o desconhecimento da potencialidade lesiva das recentes tecnologiits' o rnaximização da intervenção punitiva como forma de controle das infrações
Direito Penal é desafiado a responder de modo eficaz às ofensas c âmcilçil§ perpetradas em detrimcnto de determinados bens jurídicos. A opção do
aos bens juídicos envolvidos e a ofereccr soluções adequadas e.iustâs (lo lcgisladu' espanhol pela responsabilização penâl das pessoas jurídicas com
ponto de vistâ dogmático e político-criminal -, que não compft)nlclilltl stlll carÍter geral insere-se nesse contexto.
identidade, infrinjam seus princípios reitores ou deformcm ils catcgr)riirs (llle
ll.csta pcrt;uirir sc â rcsposta penal é, de fato, a mais adequada, razoável
r' ploporeirxral para llzcr licntc al s[posta debilidade dos outros ramos do
rrrrlcnittrrcrrto.itrr'ítlico.
r" ('1.l'rrrxr. l,lrizlicgis. l'r'rrnl cslnrrrltol (l.ci ()rSilni(n 5/-lol0). llcslrtrtrl
"Novrt(iirli11r
hilidâ(lc l)('nrrl rl() cnlc crllclivo ltttlnc\\r\r'\ rrllt'rrrl\', í i,1r,, ir,\ ,lr,//i\ Sn()lllrrll' lrrl lt'1.
20ll. vi)l 14. t) .11:. .lt'n\tttli\tn'
r" N(.\\. \.otrlo. Mrrr zr llrtttl,r. lllrrrrrt ll lhrh,' l\ntl ru ht *tn,htl ,l,l r,,'*,' " :i,'l!r. n rrnta||.r. !rI l1,rr,'. lrrrrlleyr: lhttt 1trtt,ln,' 1r'nttl 'l'trl Srur

Mrilxl ( rvrrn\ .rlx)!.Ir ll) l'.rtri' I rl l( l. .rl)lo I' l/ ill


T,IRF,ITO PENAL COMO CRITICÂ DA PENA
I LUIZ RECIS PRADO E ERIKA MENDES DE CARVALHO
516 511

Mais do que isso, é preciso questionar diretamente se o fim perseguido destinado a coibir ou a reprimir determinados comportamentos é mais
- in casu, a contenção da criminalidade no âmbito empresarial - justí- apaÍente do que real. A busca por uma ampliação intervenção penal em
fica o abandono das escrupulosas regras de imputação penal subjetiva e ccrtos âmbitos não deve comprometer os próprios fins da pena,as posto que
individual. a uúlização simbólica das consequências penais desviÍua ou afeta a longo
prazo sua eficácia e gera - paradoxalmente - certa desconfiança no próprio
Em todo câso, como bem se ressalta, <<não é tarefa do Direito Penal
arcabouço normativo.
compensar as debilidades funcionais de outros ramos jurídicos».4'?
A importância e a gravidade da pena criminal como lrima ratio exigem
O recurso a uma disciplina essencialmcnte punitiva - acompanhada pela
que esta última seja cominada e aplicada tão somente para os ataques graves
flexibilização dos critérios tradicionais de atribuição de responsabilidade
aos bens jurídicos mais significativos, a fim de evitar que sua utilização
penal - termina por dificultar a estruturação de um Direito Administrativo
desmedida possa privá-la de significado e elicácia quando for efetivamente
sancionador eficientear ou mesmo o desenvolvimento de outras formas de
necessária. Uma funcionalização excessiva das consequências penais é,
controle social que podem ser mais adequadas.
portanto, altamente disfuncional e negativa para a totalidade do conjunto do
Ademais, uma política criminal de viés exclusivamente preventivo e sistema normativo.
intervencionista dificilmente logra coadunar-se com os princípios penais
Apesar de a responsabilidade penal dâ pessoa jurídica ser hoje uma
reitores de um Estado de Direito verdadeiramente democrático.aa
realidade no Direito Penal espanhol , seu caÍíteÍ objelivo mostra-se incompa-
Entretanto, o ponto nodal da tendência criticada radica na pretendida tível com os princípios constitucionais de culpabilidade e de personalidade
transformação das categorias dogmáticas, com a reinterpretação de seu sign i- das penas.
ficado ou adaptação de seu conteúdo usual às novas exigências de imputaçãtl
de riscos ou danos gerados em um contexto empresarial.
O argumento de que o Direito Penal «clássico>> se mostraria insuficientc
para prevenir ou arrostar de forma eficaz as novas formas de criminalidadc.
figurando como um meio inidôneo para a proteção dos bensjurídicos envol-
vidos é, no mínimo, falacioso. A tutela de bensjuídicos fundamentais - indi-
viduais ou metaindividuais -jamais poderá ser realizada com o sacrifício dls
garantias que lcgitimam a intervenção penal.
A responsabilização penal das pessoas juídicas cumpre uma funçito
meramente simbólica em sentido negativo. Sua eficácia como instrulncnto

a'z MENDoZA BuERco, Blanca, op. cit, p. I [6.


rr Nesse scnlido, poÍ exemplo, opina-se que «dcvem resultâí suficicntcs as possihilitlrrk's
de aplicâção prévia do Direito admiúistrativo assentadas no art- 130 da l-ci .10/1992, rk -'}ír
de novembÍo, do Regime Jurídico das Administraçoes Públicas e do Proccdintcttlo A(lnrirri\
tmúvo Comum, sem necessidade de acudir à âbolição no carnpo do Dircilo Pcnâl (lo Princll)itt
socieÍas delinquere non paresÍ, com maiorou menoÍ alcance..." (Dlr Trn.rrx) t I Ilrrl'l( ), ( )clnvlr r
«;Responsabilidad penal paÍa los entes s(--iàlcsl". Antnrio tu D?kLho l\'tutl \'( iutt,t\
Penales, t. LXll,2009. p. 141).
rr Sem dúvidl ulguma "impressiona o lato tlc quc a vonlutlc polílico legislirlr!n .trrttrttrrl ' lrr urrir r(nllr (lrülc nvllilçii() (l() (lc 2(X)ll dc modilicâção do C«ligo PenâI,
tudo pode c lirz-aqtri c athurcs parir itle:tnçitt'scLr rírictivrt. <gtrarttlr sitttl)l( slrr( rrl( rttrnnrr Í,{lr!x) r'r 'lilrrx, \ llllrr r, r'o clui ^nlcpr'oick) qtrc clso irgre ôxito I pÍclcnsão a t;ue se deslina.
princípi()s c(Ítstituci(nrris c (alcg(n'iirs (lo,lrrrili(r\ irr('11rrl('s rr rcsprrrrsubilrtlrrrk ltttrrrl rh . fxxllr s( iir:rlillr:ll] tt t ittt t: h lintyn'r u,rr /rzr'r lt ", pois scria ,,cn8url()s() (lizcr' quc o
r

l)css()alísianceiIir.l(.rí|'li(r)s(i!\islcllrr llrtl(I.orrnrtflr(rlirl ,(l( ('lrrlnrrllirrxrrl.firrirrrlr\lr, rorrtr'rrlr;r rrrr \r\l('rrr (k rr'slrrrrs:rlrrlrrlrrk lxrrul r|rs pr'ssrrrrs irtrílicus. () tlttc r',rntcn^/08 srirr
r'irr'tlrranrr'rrtr'torrrlrrisl rlr\(lli\r!'. lrrrz l{r'1,l\ ,,N0rr'{irlrllrltrrrrl r'rlrirrrlr,rl (l(l()rf]lrrrt,r ,rll,rrrrrrrr rr'1,rirs s,rlrrl rcslrrrrsrrlrrlrrl;rir'lx rr;rl prrr:r rr pr'.,sorrs itttúlicrrs. l{tgtus itttotttili:ivcis
5/.1o1(l) l{r\lnnr\rl,rlrrLrr[ ltr'rr;rl ri' r'rlr Irli lr\o ltrrlttrsr0r's rrrr( r;rr\.. ( i,,r, /,r\ l',',,,,r\ ,('||rit\(.\r),(. rrir\rlil(i'||rttll|t\.tr'|ll,llt\it\ixrl)tl1 rl()lxrlitl (r,r'lr]r rrÍr\ ll||tr r,,(){l:rvio,
Sir,'l':rrrlo lrl l(1..r(lll. r'r'l llp ll.'t

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