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CURITIBA
2021
ALICIA MARCY DE CARVALHO BELLEGARD
CURITIBA
2021
TERMO DE APROVAÇÃO
AGRADECIMENTOS
Por mil vezes, aos meus pais. Se fiz, o que fiz e irei fazer é por eles. Existe um
universo de coisas em cada um que agradeço, por serem o que são e fazerem o que
fazem. Nada seria ou teria sem eles.
A mim, pela persistência e todas as outras coisas que só eu sei. À Alicia que
desde sempre quis a graduação, que se desdobrou para conquistá-la.
À Universidade Federal do Paraná, minha casa, por vezes mais que minha
própria casa, por me mostrar e ensinar a humanidade, por resistir em tempos
sombrios, por ser parte de um sonho. Tudo que me proporcionou é inesquecível.
A todas as mulheres pelo que são. Principalmente as que me antecedem e não
puderam fazer o que faço agora. Se faço, também é por vocês. Dedico a todas aquelas
que foram impedidas de estudar, trabalhar e serem o que são durante séculos e são
tolhidas até hoje.
Ainda no rol de mulheres fortes e admiráveis, agradeço à Mariana Cesto, minha
luz acadêmica que apareceu nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo e hoje
considero amiga. À minha psicóloga, ela sabe de todos os motivos. À minha mãe.
Agradeço pela sorte de compor o GRR noturno de 2016, pela parceira e
cumplicidade pouco vistas nas duas décadas que tenho, se “sobrevivi” foi graças a
todos que o compõe (rs).
A todos meus professores, representados aqui na pessoa de Paulo Busato, o
qual faz jus ao termo “orientador” muito antes de ser oficialmente meu orientador.
Admirável como homem e profissional. Detentor do brilhantismo, sinceridade e
comentários cirúrgicos que pretendo um dia ter.
RESUMO
PALABRAS CLAVE: Filosofía del lenguaje, penal, dolo, acción significativa, persona
jurídica.
Tirar caixa alta. Apenas inicia com letra minúscula. // Cada palavra-chave inicia com letra
minúscula e são separadas por ponto (não por virgula)
SUMÁRIO Adequar o sumário levando em conta os
apontamentos inseridos a seguir.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 8
1 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA................................................ 9
1.1 COMENTÁRIOS SOBRE A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE
PENAL dA PESSOA JURÍDICA ............................................................................................ 9
1.2 AUTORRESPONSABILIDADE E HETERORRESPONSABILIDADE ........................... 13
1.3 A AÇÃO DA PESSOA JURÍDICA SOB O VIÉS SIGNIFICATIVO ................................. 17
2 DOLO – CONCEPÇÕES CLÁSSICAS ............................................................................. 20
2.1 DO CAUSAL NATURALISMO AO FINALISMO: O DOLO NATURAL .......................... 20
2.2. DOLO NORMATIVO E FUNCIONALISMO ....................................................................... 23
2.2.1. Funcionalismo teleológico .................................................................................................... 24
2.2.2 Funcionalismo sistêmico ...................................................................................................... 26
3 O DOLO DA PESSOA JURÍDICA CONFORME UMA CONCEPÇÃO SIGNIFICATIVA
DA AÇÃO ............................................................................................................................... 28
3.1 CONCEPÇÕES CLÁSSICAS DE DOLO E A RESPONSABILIDADE PENAL DA
PESSOA JURÍDICA .............................................................................................................. 28
3.2 O DOLO SEGUNDO UMA CONCEPÇÃO SIGNIFICATIVA .......................................... 30
3.3 A ATRIBUIÇÃO DO DOLO À PESSOA JURÍDICA SEGUNDO UMA CONCEPÇÃO
SIGNIFICATIVA ..................................................................................................................... 34
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 38
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 39
Verificar a paginação. 8
A folha de capa não contabiliza
como página. (item 15.6, p. 234 -
Manual de normatização)
1 Neste sentido, Paulo Busato: “são precisamente os direitos fundamentais mais básicos das pessoas
que têm sido vilipendiados constantemente pelas atividades corporativas. Qualquer breve vislumbre
das mais recentes e relevantes catástrofes criminosas ocorridas no Brasil faz denotar a presença do
envolvimento de pessoas jurídicas. Desde a instalação de esquemas permanentes de compra de
vantagens ilegais nas contratações públicas envolvendo os mais altos escalões da nação em toda sorte
de crimes contra a administração pública até a destruição de porções inteiras de cidades, rios e
ecossistemas para preservar lucros, todos os crimes mais graves perpetrados no Brasil do século XXI
têm o envolvimento explícito de pessoas jurídicas. Se o Direito Penal não está presente para isso –
vale dizer, para enfrentar os ataques mais graves aos bens jurídicos importantes para o
desenvolvimento social das pessoas – seu desenho passa longe de uma obediência ao princípio de
intervenção mínima. Ele estará, isso sim, servindo de escudo permanente à preservação das
desigualdades sociais em proveito dos poderosos e em detrimento dos oprimidos.”( BUSATO, Paulo
César. A responsabilidade criminal de pessoas jurídicas na história do direito positivo brasileiro. Revista
de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 218, abr./jun. 2018, p. 95.)
2 Destaca-se aqui os atos cometidos pelo banco HSBC em suposto conluio com narcotraficantes, os
fatos da cidade de Mariana pela empresa Samarco e os ocorridos em Brumadinho pela empresa Vale.
9
3 DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da
imputação penal subjetiva. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011ª, p. 163-202.
4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Parecer a Nilo Batista sobre a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa
jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 47-68.
5 Cumpre neste momento elucidar questão acerca do nascimento da pessoa jurídica e sua
Nos termos de Affonso Arinos de Mello Franco, “todos os autores são acordes
em constatar que na Idade Média, era habitual e frequente a aplicação de repressões
penais aos atos praticados pelas pessoas jurídicas”6. Igualmente Rothenburg
descreve que “cidades, colégios, monastérios ou corporações de ofício eram sujeitos
criminais ativos reconhecidos pela lei”7. Marinucci8 trata de esclarecer, portanto, que
se trata de equívoco encarar a responsabilidade penal da pessoa jurídica como
criação recente, visto que esta existiu durante sete séculos até o século XIX. Ademais,
Tomás y Valiente é capaz de indicar uma série de momentos em que o Direito Penal
Ibérico abarcava a responsabilidade penal de pessoas jurídicas no período que
antecedeu a queda da Bastilha9.
Acontece que, coincidentemente (ou não) tais previsões sumiram com a
Revolução Burguesa, movimento essencialmente capitalista10.
A ideia de coletividade e a responsabilização do ente coletivo por seus atos
eram predominantes no feudalismo, mas sofreram derrocada com a ascensão de
ideias renascentistas baseadas em um discurso individualista e de defesa dos
interesses burgueses. Ou seja, restava conveniente para a classe em ascensão o
com a Lei 9.605/98. São Paulo: RT, 1998, p. 23). Ou seja, a responsabilização de entres coletivos
existia antes mesma da figura da pessoa jurídica. A origem da pessoa jurídica, entretanto, remonta ao
século XIV, na Inglaterra, por meio das corporations em contexto de ascensão mercantil e
descobrimento de terras. Acerca de sua responsabilidade, “até o século XVII, mesmo as chamadas
business corporations dependiam de autorização governamental – Coroa ou Parlamento – para existir
e já existiam, então precedentes dos Tribunais ingleses, nos quais se responsabilizou penalmente
pessoas jurídicas [...] Pouco a pouco foram sendo criadas novas fórmulas de composição das
corporations, à margem das autorizações ou permissões públicas. A falta dos controles e registros fazia
com que cada vez fosse menos possível a identificação das pessoas físicas que as compunham. Era
o caso das joint stock companies [...] no século XVIII, as join stock companies já desenvolviam
atividades altamente especulativas, com amplo risco de fraude, o que fez com que o Parlamento inglês,
em 1720, aprovasse o Bubble Act, voltado à condenação de entidades não constituídas pela Coroa ou
pelo Parlamento em virtude da prática de crime”. (BUSATO, Paulo César. Responsabilidade penal de
pessoas Jurídicas e a ordem das revoluções. Revista de Estudos Criminais, nº 70, jul/set 2018, p.
49-50).
6 FRANCO, Affonso Arinos de Mello. Responsabilidade Criminal das pessoas jurídicas. Rio de
chegou ao continente europeu antes do que a revolução industrial política permitiu uma interferência
para a salvaguarda das atividades das corporações frente ao Estado que não foi possível no Direito
anglo-saxão, eis que, na Inglaterra, as várias e sucessivas revoluções políticas precederam a revolução
industrial”. (BUSATO, Paulo César. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas e a ordem das
revoluções. Revista de Estudos Criminais nº 70, jul/set 2018, p. 47).
11
brasileiro. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 218, p. 85-98, abr./jun. 2018, p. 78.
15 De início, nos termos de Paulo César Busato, “a doutrina britânica cuidou de atribuir responsabilidade
penal à pessoas jurídicas por danos, nos chamados strict liability, onde não se exige elemento subjetivo
(mens rea), pelo que haviam certos delito que, por sua natureza, não poderiam ser reconhecidos como
de autoria da pessoa jurídica”. Houve após a consolidação de discussões sobre o viés subjetivo da
imputação penal da pessoa jurídica, a qual passou a ser amplamente admitida. (BUSATO, Paulo César.
Responsabilidade penal de pessoas Jurídicas e a ordem das revoluções. Revista de Estudos
Criminais nº 70, jul/set 2018, p. 51).
16 Ibidem, p. 57-60.
12
17 Ibidem, p. 74.
18 Interessante evidenciar que Costa e Silva descreve que a responsabilidade penal da pessoa jurídica
passou a sofrer restrições, através do artigo 25 do Código de Processo Penal de 1890, o qual descrevia
que “a responsabilidade penal é exclusivamente pessoal”. Porém, relata o autor que “[...] nem sempre
assim se pensou. O direito canônico admitiu a responsabilidade penal dos entes coletivos (capítulos,
conventos, congregações, cidades, municípios). Sob o influxo do direito germânico, a pratica medieval
reconheceu que taes entes eram capazes de perpetrar crimes que podiam por causa deles sofrer
punição. Essa capacidade foi combatida por Sinibaldo dei Fieschi (depois de Innocencio IV), que,
afirmando ser a universitas uma pessoa meramente ideal ou fictícia concluiu que ella não podia praticar
acto algum” (SILVA, Antonio José da Costa. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
comentado. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2004, p. 155).
19
BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2011, p. 94.
13
disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.20
Logo, evidente que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não se trata de
uma novidade e menos ainda que está atrelada exclusivamente ao common law. Além
disso, sua supressão, inclusive no Brasil, se deu devido a um contexto de ascensão
de ideais capitalistas e o retorno de sua previsão legal atualmente é incontestável.
20 Nesse sentido, Rothenburg: “a Constituição só não disse expressamente que a pessoa jurídica é
responsável criminalmente. Porém, deixou explícito, verbalmente, que a lei poderá instituir esta
responsabilidade” (ROTHENBURG, Walter Claudius. Pessoa jurídica criminosa. Curitiba: Juruá,
1997, p. 24) No mesmo sentido, indica Fernando Galvão que, “na perspectiva de uma interpretação
literal, lógico-sistemática ou teleológica, fica evidente que a Constituição permite a responsabilidade
penal da pessoa jurídica” (GALVÃO, Fernando. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 6).
21 Destaca-se que são considerados dois modelos em heterorresponsabilidade: o modelo vicariante e
o de identificação, ambos oriundos do Direito Civil baseados no conceito de respondeat superior. Sobre
respondeat superior, Busato e Ângela dos Prazeres: “é um conceito fundamental da jurisprudência
anglo-americana, com reflexos [...] que define um tipo de relação fiduciária entre pessoas naturais e
jurídicas que surge quando uma organização – principal -, consciente de que outra – o a gente -, a qual
controla, atua em seu nome, ou age em sua representação. [...] daí deriva o princípio da respondeat
superior, consistente em um critério de atribuição de responsabilidade ao ente principal pelas
consequências legais dos atos praticados pelo agente controlado.” (BUSATO, Paulo César;
PRAZERES, Ângela. Heterorresponsabilidade e autorresponsabilidade penal de pessoas jurídicas.
Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO, Luís; BUSATO, Paulo César. Responsabilidade
penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário Brasil-Alemanha. Ed. São Paulo: Tirant lo
Blanch, p. 12).
22 GUARAGNI, Fábio André. “Interesse ou benefício” como critérios de responsabilização da pessoa
jurídica decorrentes de crimes – a exegese italiana como contributo à interpretação do art. 3o da lei
9.605/1998. In: BUSATO, Paulo César; GUARAGNI, Fábio André. Responsabilidade penal da
pessoa jurídica: fundamentos criminológicos, superação de obstáculos dogmáticos e requisitos
legais do interesse e benefício do ente coletivo para a responsabilização criminal. Curitiba: Juruá,
2013, p. 71.
14
citação longa, que exceda “É impensável haver responsabilidade coletiva sem a co-autoria da pessoa
individual, em face da relevância daquela conduta para o reconhecimento do
três linhas, não usa aspas. crime da pessoa coletiva e desse co-autor para a execução do crime. Pode-
Ver item 8.3.1.2, p. 83 do Manual se afirmar que um crime só existirá quando houver sacrifício a um bem
jurídico relevante na órbita penal.” 23
23 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica – de acordo com a Lei
9.605/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 149.
24 Nesse sentido, explica-se: “esses efeitos jurídicos realizados pela pessoa física podem sim coincidir
com os efeitos naturalísticos descritos pelo tipo objetivo, mas tão-somente o exercício da vontade – em
sentido psicológico – é portador da possibilidade de imputação subjetiva em termos jurídico-penais. A
vontade de agir, porém, não pode ser imputada à pessoa jurídica, ou seja, a vontade do representante
ou dos membros da pessoa jurídica não pertence à pessoa jurídica. Apenas os efeitos – a situação de
fato objetiva, resultante da ação da pessoa individual – podem ser atribuídos – objetivamente – à
pessoa jurídica.” CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Direito penal de risco
e responsabilidade penal das pessoas jurídicas: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis;
DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio
da imputação penal subjetiva. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2010. p. 254.
25 GUARANI, Fábio André; LOUREIRO, Maria Fernanda. Responsabilidade penal da pessoa jurídica:
rumo à autorresponsabilidade penal, in: CHOURK, Fauzi Hassan; LOUREIRO, Maria Fernanda
(coord.)]. Aspectos contemporâneos da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Tomo II. São
Paulo: FECOMÉRCIO, 2015, p. 173-174.
26 HEINE, Gunter. La responsabilidad penal de las empresas: evolución internacional y consecuencias
nacionales, in: HURTADO POZO, José. Responsabilidad penal de las personas jurídicas, 1997, p.
23-25.
15
eixo de discussão de uma culpabilidade de pessoas jurídicas. In: GUARAGNI, Fábio André; BUSATO,
Paulo César. Compliance e Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2015, p. 33.
30 BUSATO, Paulo César; PRAZERES, Ângela. Heterorresponsabilidade e autorresponsabilidade penal
de pessoas jurídicas. Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO, Luís; BUSATO, Paulo César.
Responsabilidade penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário Brasil-Alemanha. Ed. São
Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 17.
16
que reside
Entretanto, há um equívoco reside no fato de que se exige um ato de referência, e
esse ato é a “existência de uma conduta cometida por uma pessoa física que lesione ou ponha
em perigo bem jurídico protegido”31. Ou seja, exige-se, portanto, uma conduta e, de
consequência, uma dependência de um ato da pessoa física.
Para ir ao encontro com uma verdadeira autorresponsabilidade da pessoa
jurídica, o viés que se deve considerar é aquele fundado na ação significativa32. Isto
pois “o sentido da ação de uma pessoa jurídica simplesmente não tem porque se
sobrepor ao sentido da ação da pessoa física. O que sim, parece necessário, é que
ambas façam sentido, quando de seu uso na linguagem comum”33.
Somente a leitura da autorresponsabilidade com base em concepções
significativas fornece embasamento para superar as limitações das teorias clássicas
acerca da ação da pessoa jurídica, visto que interpretada como expressão de
sentido34. Ademais, por meio de tal teoria os óbices oferecidos pela culpabilidade
restam superados, visto que é possível a identificação de uma vontade35 própria da
pessoa jurídica e a apreensão de uma pretensão subjetiva de ilicitude. Trata-se,
portanto, da existência de uma base de injusto e culpabilidade próprios da pessoa
jurídica, de maneira autônoma e independente36.
31 PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel. Modelos Tradicionales de imputación de responsabilidad penal a las
personas jurídicas, in: CUESTA ARZAMENDI, José Luis de la. Responsabilidad penal de las
personas jurídicas, Cizur Menor: Thomson-Aranzadi, 2013, p. 35.
32 Para entender a responsabilidade verdadeiramente autônoma da pessoa jurídica, importante a
superação da crença de que a pessoa jurídica não é capaz de ação. E, ainda melhor, uma
internalização de que a pessoa jurídica é capaz de ação, tema tratado no ponto 1.3.
33 BUSATO, Paulo César; PRAZERES, Ângela. Heterorresponsabilidade e autorresponsabilidade penal
de pessoas jurídicas. Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO, Luís; BUSATO, Paulo César.
Responsabilidade penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário Brasil-Alemanha. Ed. São
Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 22.
34 CARBONELL MATEU, Juan Carlos. Responsabilidad penal de las personas jurídicas: reflexiones em
torno a su dogmática y al sistema de la reforma de 2010. Cuaderno de Política Criminal, núm. 101,
2010. p. 14.
35 Sobre vontade e culpabilidade: “a vontade da pessoa jurídica não deriva de uma mera somatória,
compreendida simplesmente como vontade em direção favorável ou contrária ao ato injusto, mas sim
uma resultante, que em um problema de forças que agem sobre um corpo, pode determinar um
resultado para uma direção diferente de todas as forças que interferem sobre o objeto. [...] este
resultado implica a superação da questão da reprovação pessoal, pois esta reside na possibilidade de
orientação da conduta no sentido da produção de um resultado desvalioso, seja por imprudência, seja
por dolo, conclui-se inevitavelmente atendido o princípio da culpabilidade para a atribuição da RPPJ. A
conduta passa a ser propria da pessoa jurídica, reprovada como tal”. (BUSATO, Paulo César;
PRAZERES, Ângela. Heterorresponsabilidade e autorresponsabilidade penal de pessoas jurídicas.
Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO, Luís; BUSATO, Paulo César. Responsabilidade
penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário Brasil-Alemanha. Ed. São Paulo: Tirant lo
Blanch, 2020, p. 28-29).
36 PASSAMAR BOLDOVA, Miguel Ángel. La introducción de la responsabilidad penal de las personas
37 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal: acción significativa y
derechos constitucionales. 2 ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011, p. 197.
38 Ibidem, p. 227.
39 Acerca das regras e da linguagem, Vives Antón explica: “esta "exterioridade" das regras determina
que o significado da conduta, ou, em outras palavras, o tipo de ação, não pode ser derivado, sem mais,
da regra que o sujeito pretende seguir ou infringir, mas se baseia naquelas que são socialmente
pertinentes a fim de qualificar o seu comportamento. Ou seja: para falar de ação é necessário que os
sujeitos tenham a capacidade de formar e expressar intenções; mas, as ações que realizam não
dependem das intenções que pretendem expressar, mas do significado que é socialmente atribuído ao
que fazem. A analogia com a linguagem pode ser esclarecedora aqui: para que haja linguagem é
necessário que os sujeitos querem dizer algo; mas o significado do que dizem não depende do que
querem dizer com ela, mas do significado que, de acordo com a "gramática" da língua em que se
expressam, pode ser atribuído a suas expressões”. (VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos
del Sistema Penal. 2 ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011, p. 230).
40 Ibidem, p. 195.
18
41 BUSATO, Paulo César. Direito penal e ação significativa: uma análise da função negativa do
conceito de ação em direito penal a partir da filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005, p. 185.
42 BUSATO, Paulo César. Vontade Penal da Pessoa Jurídica – um problema prático de imputação de
responsabilidade criminal. Novos Estudos Jurídicos. Ano VI, nº 12, abril/2001. p.173.
43 Nesse sentido, explica Martínez-Buján Pérez: “que la concepción ontológica de la acción, como algo
que hay en el mundo, ha pasado a entenderse de una forma diferente: no como algo que los hombres
hacen, sino como el significado de lo que hacen; no como un sustrato, sino como un sentido.”
MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. La “concepción significativa de la acción” de T. S. Vives y sus
correspondencias sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito. Anuario da
Facultade de Dereito da Universidade da Coruña, n. 5, p. 1075-1104, 2001, p. 1.078.
44 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal: acción significativa y
do movimento ou de sua ausência, que deixaram de ser ações para converter-se em meros suportes
físicos – possivelmente prescindíveis – de um significado social”. Logo, “o relevante não é nem o
movimento, nem sua ausência, mas precisamente esse código comunicativo”. (CARBONELL MATEU,
Juan Carlos. Aproximación a la dogmática de la responsabilidad penal de las personas jurídicas. In:
CARBONELL MATEU, J.C. GONZÁLEZ CUSSAC, J.L. BERENGUER,Orts. Constitución, Derechos
19
citação longa, que exceda “ampla a percepção da causalidade, incluindo do mundo todo e a história
psicológica do sujeito. Nesse sentido, a ação humana é explicada como um
três linhas, não usa aspas. evento natural: a totalidade dos fatores causais dita a ação. É assim que os
Ver item 8.3.1.2, p. 83 do Manual deterministas concebem a ação. [...] A chave para uma abordagem humanista
não é a explicação da ação como produto de forças causais, mas a
compreensão de como os seres humanos agem quando certamente
atuam.”46.
Acerca do sentido, este não se projeta de dentro para fora, da mente para a
sociedade, mas sim, de fora para dentro, de forma que a finalidade subjetiva resulta
insuficiente para delimitar o significado que atribuímos às ações. Logo, em um
contexto significativo, prescinde-se da análise da finalidade subjetiva e dos processos
internos de deliberação do sujeito, essa análise se dá por meio de uma reflexão sobre
normas sociais. O que há, segundo a teoria de significativa, são ações como
interpretações que podem se dar ao comportamento humano conformes distintas
regras sociais47, que deixa de ser configurada como vontade subjetiva destinada a um
fim. Passa a assumir protagonismo, portanto, o entorno da conduta analisado a partir
da linguagem.
Tal abordagem faz com que a pessoa jurídica seja capaz de ação, de forma
que o intérprete prescinde da análise da conduta de um substrato psicológico que guia
a vontade destinada a um fim. Isto pois não se faz uma análise sobre a intenção
daquele que perpetua o ato, mas sim uma abordagem a partir da “maneira com a qual
nós, enquanto observadores, entendemos se o movimento ou nenhum movimento
constituem ação”48.
Ademais, Carbonell Mateu expõe uma lógica clara a fim de exprimir que tem
sentido tudo aquilo que pode ser fonte de significado ao mesmo tempo em que
interessa ao Direito somente aquilo que lhe convém, o que se é selecionado para
importar em termos técnicos, jurídicos e penais. Logo, em fidelidade a tal lógica “quem
Fundamentales y Sistema Penal. Semblanzas y estúdios com el motivo del setenta aniversario
del Profesor Tomás Salvador Vives Antón. Tomo I. Valencia: Tirant lo Blanch, 2009, p. 316).
46 Redação original: “amplía la percepción de la causalidade incluyend el mundo circundante y la historia
psicológica del sujeito. La acción humana se explica, pues, como um evento natural: la totalidade de
los factores causales dicta la acción. Esta es la forma em que los deterministas conciben la acción. [...]
La clave para uma aproximación humanista no es la explicación de la acción como produto de las
fuerzas causales, sino la comprensión de como los seres humanos actúan cuando efetivamente lo
hacen”. FLETCHER, George P. Conceptos básicos de derecho penal. Valencia: Tirant Lo Blanch,
1997, p. 90.
47 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal: acción significativa y
2 DOLO – CONCEPÇÕES CLÁSSICAS Cada seção primária deve ser iniciada em página
distinta. Ver item 15.7.2, d, p. 236 do Manual
torno a su dogmática y al sistema de la reforma de 2010. Cuaderno de Política Criminal, núm. 101,
2010, p. 13.
21
51 Complementa a ideia expressa, Paulo Busato: “não foi por acaso que se desenvolveu imediatamente
após a era dos descobrimentos a chamada Revolução Industrial. Apesar de evidentes diferenças entre
os modelos jurídicos continental e insular europeus, houve um claro traço comum: o objetivo de
proteção de um padrão social que se interessava basicamente pela evolução de um tipo especifico de
ciencia: a ciencia natural. É que esse modelo de ciência era fonte de produção e, como tal, integrava-
se perfeitamente no modelo de acumulação de capital. Os inventos e a ciencia voltaram-se nitidamente
para o incremento dos meios de produção. Cada vez mais se viu uma ciencia voltada aos interesses
do homem. Principalmente os interesses de cunho econômico.”(BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal:
Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 213)
52 LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal. 4 ed. Trad. De Luiz Jiménez de Asúa, Madrid:
53 Sobre o tema, Mezger: “Todo hecho punible presenta um aspeco objetivo y outro subjetivo. El hombre
tiene uma doble natureza material y psíquica. También su conducta, en la convivencia humana,
presenta siempre, por consiguiente, un aspecto extemo, perceptible físicamente, y otro interno y
psíquico. No con toda exactitud, pero en forma comprensible y corriente, se denominan,
respectivamente, aspecto "objetivo" y "subjetivo" del hecho punible. En tal sentido, todo hecho punible
contiene necesariamente relaciones objetivas y subjetivas.” (MEZGER, Edmund. Derecho Penal.
Parte General. Editorial Bibliografica Argentina. Buenos Aires: 1958, p. 78).
54 A tipicidade para os causalistas não figura como categoria independente, mas sim um “adjetivo
agregado” às demais categorias como “ação típica”, “antijuridicidade típica” ou “culpabilidade típica”.
(MEZGER, Edmund. Derecho Penal. Parte General. Editorial Bibliografica Argentina. Buenos Aires:
1958, p. 80).
55 Ibidem, p. 226-228.
56 BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 227.
57 O autor Hans Welzel fundamenta sua teoria da ação em Aristóteles ao afirmar que “la teoria de la
acción finalista, de ninguna manera, es algo completamente nuevo; hace mucho conocida em sus
rasgos fudnamentales, fue descubierta ya por Aristóteles” (WELZEL, Hans. Derecho penal – parte
23
Conforme Welzel, “a ação tipicamente adequada não pode ser entendida de forma
alguma sem a tendência subjetiva da vontade que determina a ocorrência externa”58.
Acerca do dolo, o autor o define como “o fator que cria o objetivo da ação, é um
elemento essencial do conceito de injusto”59.
Ou seja, o causal-naturalismo e o finalismo possuem divergências conceituais
e estruturais no que diz respeito ao dolo. Entretanto, apesar de terem ocorrido críticas,
modificações e adaptações no que concerne à teoria do delito, ambas as teses
acabam marcadas por concepções ontológicas e resistentes às contribuições da
política-criminal, visto que rechaçada à época, quedando em um isolamento
dogmático nocivo.
O tipo penal finalista, impermeável a aspectos político-criminais, tornou-se
inconciliável com a evolução das ciências sociais, sendo superado, portanto, na
década de 70 pelas teses funcionalistas60, que serão a seguir tratadas.
general. Buenos Aires, Roque Depalma Editor, 1956, p. 8). Entendendo-se, neste sentido, como algo
que nasce de dentro para fora do sujeito destinado a um fim, de modo que “o movimento dos membros
instrumentais em ações desse tipo está em quem as executa, e se o princípio delas está nele, também
está em sua mão realizá-las ou não.” (PRADO, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do
Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Revista dos Tribunais, 2002, p. 19).
58 Redação original: “la acción típicamente adecuada no puede ser compreendida di ninguna manera
sin la tendencia subjetiva de voluntad que determina el acontecer exterior”. WELZEL, Hans. Derecho
penal – parte general. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 69.
59 Redação original: “el factor que crea lo objetivo de la acción, es un elemento esencial del concepto
de lo injusto”. Sobre o tema, Welzel: “la acción es antijurídica solamente como obra de un determinado
autor, que, por su contenido de voluntad, imprime su sello al hecho. Qué meta ha fijado finalistamente
el autor al hecho objetivo; desde qué punto de vista ha obrado; qué deberes le incumbieron; todo ello
determina decisivamente lo injusto del hecho, juntamente con la eventual lesión de bienes jurídicos.”
(WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 70).
60 BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 154.
61 Ibidem, p. 236-238.
62 Sobre o tema, Paulo Busato: “o sistema de imputação já não seria mais considerado um fim em si
mesmo, voltado para uma coerência interna, mas sim um meio de realização de uma proposição geral
externa. Os elementos componentes do conceito de crime deixam de ser autossuficientes e passam a
ser funcionalizados [...] a verdade absoluta, a ideia de uma realidade unívoca, própria das teorias
ancoradas em pressupostos ontológicos, é substituída pelo reconhecimento da plurivocidade da
realidade, da coexistência de distintas formas de interpretação. Isso conduz, naturalmente, ao envio
dos problemas jurídico-penais para uma solução no campo axiológico. Desde logo, é possível perceber
que não se admite mais, do jurista, uma postura anódina, um pretenso “distanciamento científico”.
(BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 238).
24
63 Sobre o tema: “o funcionalismo não implica, como acontece com a contraposição causalismo-
finalismo, uma nova proposta estrutural de teoria do delito [...] o funcionalismo afeta isto sim, o conteúdo
das categorias do delito.” (BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p.
224).
64 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Fundamentos. La estrutura de la teoria del delito.
2ed. Tradução de Diego-Manuel Luzón, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: 1997, p. 223.
65 ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad. Luís Greco. Rio de
67 Bens jurídicos para Roxin: “circunstancias dadas o finalidades que son útiles para el individuo y su
libre desarrollo em el marco de um sistema social global estructurado sobre la base de esa concepción
de los fines o para el funcionamiento del proprio sistema”. (ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte
General. Fundamentos. La estrutura de la teoria del delito. 2ed. Tradução de Diego-Manuel Luzón,
Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: 1997, p. 56)
68 Redação original: “algo empiricamente preexistente (ya sea la causalidade, la conducta voluntaria o
la finalidad) y que estaria por igual em la base de todas las manifestaciones de conducta punible, sino
sólo por la identidade del aspecto valorativo”. Ibidem, p. 218.
69 Ibidem, p. 252.
70 Acerca da tipicidade: “tipicidade penal não se contenta com a simples adequação do fato à previsão
típica, essa é uma das funções, o tipo cumpre uma função delimitadora negativa de intervenção jurídico-
penal, cumpre função dogmática de descrever os elementos cujo desconhecimento exclui o dolo.”
BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 240.
71
BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015, p. 240.
72 ROXIN, Claus. Zur Abgrenzung von bedingtem Vorsatz und bewußter Fahrlässigkeit.
Juristische Schulung (JuS), München, 1964, p. 59. Apud CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. DOLO Y
LENGUAJE: Hacia uma nueva gramática del dolo desde la Filosofía del Lenguaje. Tese (doutorado em
Direito) Universidad Pablo de Olavide. Sevilla, p. 390. 2016.
26
73 Nos termos de Claus Roxin: “el dolo es esencial para el tipo, porque sin él no se puede precisar en
la forma que exige el Estado de Derecho la descripción legal del delito: pero es igualmente relevante
para la culpabilidad, porque debe delimitar la forma más grave de la culpabilidad de la más leve (la
imprudencia) y por eso debe configurarse su contenido de acuerdo con los principios valorativos de
estas categorías.” (ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Fundamentos. La estrutura de la
teoria del delito. 2ed. Tradução de Diego-Manuel Luzón, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: 1997, p. 427).
74 Apesar das bases fundadas em Luhmann, a concepção de Jakobs também se aproxima do
pensamento de Hegel, no que tange ser “a pena a negação da negação do Direito”. (BUSATO, Paulo
Cesar. Direito Penal: Parte Geral. Atlas Editora, 2015. p. 242)
75 Sobre o tema, Jakobs: “la contribuicón que el Derecho penal presta al mantenimiento de la
configuración social y estatal reside em garantir las normas. La garantia consiste em que las
expectativas imprescindibles para el funcionamiento de la vida social, em la forma dada y em la exigida
legalmente, no se den por perdidas em caso de que resultem defraudadas” (JAKOBS, Gunther.
Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y teoria de la imputación. Trad. Joaquin Cuello
Contreras. Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons Ediciones Juridicas,1995, p.
48).
76 Nesse sentido, Jakobs: “La respuesta depende mas bein de la danosidad social de la conducta lesiva,
com la que no se corresponde necesariamente la disvaloración del comportamento lesivo para los
bienes”. (JAKOBS, Gunther. Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y teoria de la
imputación. Trad. Joaquin Cuello Contreras. Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Marcial Pons
Ediciones Juridicas AS. Madrid: 1995, p. 47). Ainda, Busato afirma que para essa teoria “já não importa
se o sistema jurídico produz ou não resultado justo, mas sim que funcione, preservando sua identidade
e reduzindo a complexidade das relações sociais” (BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral.
Atlas Editora, 2015, p. 242).
27
A pena não tem a função de prevenir delitos, mas sim garantir a vigência da
norma. O sujeito nesse contexto surge como portador de um papel a ser exercido em
um contexto social, visto como meio e não fim77, como objeto de imposição de uma
réplica frente ao questionamento da norma78.
Tal visão acaba por influenciar, portanto, a definição de dolo. De modo que se
entende o dolo como uma decisão do sujeito contra a vigência da norma79, por meio
da qual se viola a estabilidade dessa norma.
Ademais, ponto importante acerca da leitura de Jakobs80 sobre o dolo diz
respeito à prescindibilidade de uma análise sob o elemento volitivo. Isto pois,
conforme o autor, considerando que o que deve ser objeto de preocupação do Direito
penal diz respeito ao conhecimento do sujeito sobre a ação e seus resultados, não
importariam as suas manifestações subjetivas no momento da prática delitiva. Tal
raciocínio logicamente decorre do fundamento principal do funcionalismo sistêmico,
qual seja o objetivo de garantir a vigência e estabilidade da norma.
Sendo assim, consequentemente as nuances subjetivas do agente não são
consideradas, visto que o que interessa é a confiança dos sujeitos na norma e qual
será a resposta penal para aqueles que a transgridem81.
Superada a questão do dolo nas referidas teses, passa-se a tratar, portanto,
acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica sob a égide de da ação
significativa. Porém, anteriormente ao que diz respeito à leitura do dolo com base em
referida teoria, é necessário um recorte sobre seu conceito a partir dos modelos
clássicos.
77 Sobre o sujeito no funcionalismo: “ele não é entendido como sujeito autônomo, moralmente
responsável por seus próprios atos, senão apenas como um sub-sistema psico-físico, convertido em
centro de atribuição de responsabilidade somente com base em uma “capacidade” que lhe é atribuída
conforme critérios puramente normativos e funcionais. O sujeito acaba transformando, pois, em
portador de uma resposta penal simbólica, de uma função preventiva e integradora que se realiza “a
sua custa” segundo a expressão de Jakobs” (BARATTA, Alessandro. Integración-Prevención: Una
“Nueva” Fundamentación de la Pena Dentro de la Teoría Sistémica. Neopanopticum, 2005, p. 3).
78 GUNTHER, Jakobs. Parte General: Fundamentos y teoria de la imputación. Trad. Joaquin Cuello
Contreras. Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Marcial Pons Ediciones Juridicas AS. Madrid: 1995,
p. 13-14.
79 Ibidem, p. 311.
80 Ibidem, p. 316.
81 Neste sentido, Niklas Luhmann acredita que um sistema estará mais organizado quanto maior for a
suposição de que, uma vez transgredida a norma, será imposta a consequência jurídica. (LUHMANN,
Niklas. Sociologia do Direito II. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, p. 20.)
28
82 Em tese, afirma-se que são responsáveis pela suposta impossibilidade de imputação penal à pessoa
jurídica, a incapacidade de ação do ente coletivo e a impossibilidade de reprovação com base na
culpabilidade, neste sentido Dannecker define a pessoa jurídica como ausente de “capacidade de ação,
a capacidade de culpabilidade e a capacidade de aplicação dos fins da pena” (DANNECKER, Gerhard.
Reflexiones sobre la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Trad. Ana Cristina
Rodríguez Yagüe. Revista Penal. Madrid: La Ley, n. 7, 2001, p. 44).
83 Redação original: “todo hecho punible es conducta humana.[...] El hecho punible es acción en el
sentido amplio del término. Esto significa, como ya hemos dicho, que el hecho punible, el crimen es
siempre conducta humana”. MEZGER, Edmund. Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires:
Editorial Bibliografica Argentina, 1958, p. 80.
84 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2. ed. rev. e amp. Curitiba: ICPC; Lumen
85Ibidem, p. 433-435.
86 Nesse sentido, Muñoz Conde: “Se llama acción todo comportamiento dependiente de la voluntad
humana. Sólo el acto voluntario puede ser penalmente relevante y la voluntad implica siempre una
finalidad. […] El contenido de la voluntad es siempre […] un fin. De ahí que la acción humana regida
por la voluntad sea siempre una acción final”. (MUÑOZ CONDE, Francisco; GARCÍA ARÁN, Mercedes.
Derecho penal: parte general. 3. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998, p. 238).
87 BUSATO, Paulo César; MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del Mar. Modernas
tendências sobre o dolo em direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 39.
88 Acerca do dolo para o funcionalismo sistêmico e teleológico, confira os pontos 2.2, 2.2.1 e 2.2.2.
89
Sobre o dolo, Jakobs: “la relación subjetiva del autor con las consecuencias principales se llama
intención. La relación positiva com el aspecto de los impulsos reside em que el autor obra en función
de las consecuencias principales y em este sentido quiere estas consecuencias.en cada caso particular
30
ha de comprobarse si las acciones y reacciones psíquicas del autor han alcanzado el terreno de la
consciência [...] además, la interpretación de todos os elementos típicos depende del sentido de la
regulación, incluso cuando la interpretación es posible, designándose un arsenal de processos en el
mundo de la experiencia. [...] Dada esta situación, no es evidente lo que ha de ser objeto del dolo de
realización la base experimental de um circunstancia típica, su significación social o uma forma
intermedia. [...] sobre todo, han de comprobarse las afirmaciones de que a todo conocimiento de hechos
debe anadirse un conocimiento de la significación y que sólo um conocimiento de la significación
sustenta al dolo.” 321 (JAKOBS, Gunther. Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y teoria de
la imputación. Trad. Joaquin Cuello Contreras. Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial
Pons Ediciones Juridicas,1995, p. 321-347). Sobre dolo, Roxin: “para caracterizar unitariamente las
tres formas de dolo se emplea casi siempre la descripción del dolo como "saber y querer (conocimiento
y volun-tad)" de todas las circunstancias del tipo legal intelectual ("saber") y el volitivo ("querer") están
en cada caso diferentemente configurados en sus relaciones entre sí. En el caso de la intención, en el
lado del saber basta con la suposición de una posibilidad, aunque sólo sea escasa, de provocar el
resultado”. ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Fundamentos. La estrutura de la teoria
del delito. 2ed. Tradução de Diego-Manuel Luzón, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madrid: 1997, p. 414-415.
31
“teorias clássicas do delito”. Mas sim, oferecer uma nova leitura sobre os conceitos da
teoria do delito, seus significados e modos de interpretação90.
Ultrapassadas tais elucidações, passa-se a discorrer acerca do modelo
significativo.
Primeiramente, por meio de tal modelo, há uma contrariedade ao dolo como
processo psicológico91, visto que na ação significativa os elementos subjetivos da
ação não podem ser equiparados a processos físicos, pois tratam de processos
inapreensíveis na mente de outra pessoa, de modo que sua apreensão deverá ocorrer
por meio de elementos externos fundados na linguagem. Entende-se também a ação
de maneira diversa92, de forma que os elementos subjetivos devem ser entendidos
como elementos da ação, componentes de um sentido exteriorizado93.
Considerando que a concepção significativa considera a ação como significado,
o dolo corresponde ao compromisso com esse significado, um compromisso em
executar uma figura delitiva, de modo que se examinam as regras sociais e jurídicas
que definem a ação como típica94. De maneira geral, Carlos Martínez-Buján Pérez
interpreta a questão da seguinte forma:
90 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal: acción significativa y derechos
constitucionales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011, p. 29.
91 Ibidem, p. 233.
92 Martínez-Buján Pérez: “que la concepción ontológica de la acción, como algo que hay en el mundo,
ha pasado a entenderse de una forma diferente: no como algo que los hombres hacen, sino como el
significado de lo que hacen; no como un sustrato, sino como un sentido.” MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ,
Carlos. La “concepción significativa de la acción” de T. S. Vives y sus correspondencias sistemáticas
con las concepciones teleológico-funcionales del delito. Anuario da Facultade de Dereito da
Universidade da Coruña, n. 5, p. 1075-1104, 2001, p. 1.078.
93 Nesse sentido: “hay que recalcar de nuevo, pues, que lo que usualmente viene conociéndose por la
doctrina dominante como tipo subjetivo, integrado por el dolo y la imprudencia, no pasa en el sistema
de VIVES a formar parte del juicio de reproche como una forma de "culpabilidad", sino que, como lógica
consecuencia de su concepción de la norma como directiva de conducta, pasa a incardinarse en la
antijuridicidad. (MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. La “concepción significativa de la acción” de T. S.
Vives y sus correspondencias sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito.
Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña, n. 5, p. 1075-1104, 2001, p. 1089-
1092).
94 Ibidem, p. 1094.
95 Redação original: “Pues bien, con base en tales premisas VIVES llega a la conclusión de que, a
diferencia de lo que ocurre con el deseo e incluso con el propósito, no se puede atribuir una intención
a un sujeto si no media el compromiso de llevar a cabo la acción correspondiente. En otras palabras,
32
para determinar si una acción ha sido intencional habrá que atender no a inyerificables procesos
mentales que residen en el fondo del alma, a deseos y propósitos, sino al dato de si en la acción
realizada se pone o no de manifiesto un compromiso de actuar por parte del autor”. MARTÍNEZ-BUJÁN
PÉREZ, Carlos. La “concepción significativa de la acción” de T. S. Vives y sus correspondencias
sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito. Anuario da Facultade de Dereito
da Universidade da Coruña, n. 5, p. 1075-1104, 2001, p. 1.093.
96 BUSATO, Paulo César; MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del Mar. Modernas
tendências sobre o dolo em direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 116-117.
97 Ibidem, p. 105.
98 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal: acción significativa y
Portanto, o dolo não é fato, mas sim atribuição100. Neste sentido, a intenção
subjetiva não define ou faz parte da ação, mas corresponde a uma atribuição101 que
se faz em face do compromisso do agente em realizar a ação. Entretanto, tampouco
se trata de uma atribuição que pretende corresponder com a subjetividade do sujeito,
com aquilo que estava em sua mente no momento da prática delituosa, mas sim com
base no que apreensível.
Ressalta-se, entretanto, que o dolo não pode ser visto simplesmente como
mera imputação, de modo que Hassemer indica que a análise do dolo deve ocorrer
por meio de critérios externos e objetivos, desde que preenchidos os requisitos de
observabilidade, plenitude e relevância dispositiva, com atenção aos fatores que
circundam o atuar do agente e sua decisão102 em favor da realização do ato punível.
Logo, a leitura do dolo se dará em torno de critérios objetivos e racionais, visto
que a escolha por uma perspectiva unicamente ontológica se mostrou insuficiente e
que uma análise puramente normativa considera o dolo como mera atribuição. De
modo que, nos termos de Hassemer, “o autor de um delito doloso lesiona não somente
o bem jurídico senão também a norma que obriga a observar esse bem jurídico”103.
Acerca do disposto, Martínez-Buján Pérez discorre:
injusto', mas entende também que o dolo é uma instância interna não observável, com o que, sua
atribuição se reduz à investigação de elementos externos que possam servir de indicadores e justificar
sua atribuição.” (BUSATO, Paulo César; MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del
Mar. Modernas tendências sobre o dolo em direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
112).
103 HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de la
imputación en derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde; Maria del Mar Díaz Pita. Valencia:
Tirant lo Blanch, 1999, 119-155.
104 BUSATO, Paulo César; MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del Mar. Modernas
tendências sobre o dolo em direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 41-47
34
105 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: de acordo com a Lei
9.605/98. São Paulo: RT, 1998, p. 96.
106 Interessante ressaltar trecho de Rothenburg: “Como o Direito se tem ocupado da pessoa jurídica
questão do dolo sob um viés significativo, teoria acolhida pelo presente trabalho, já foi
debatida em tópico anterior, dá-se o próximo (e último) passo para o tema da
responsabilidade de entes morais em contexto brasileiro.
Se trata a partir de então como seria a aplicabilidade do dolo em face de crimes
cometidos por uma pessoa jurídica.
Acerca da atribuição do dolo a uma pessoa jurídica, conforme Busato, o dolo
se atribui a “uma conduta, conforme expresse o sentido de compromisso para com a
produção de um resultado. (...) A realização de um crime cujas circunstâncias são
capazes de revelar consciência e vontade podem ser reconhecidas como dolosas.
Nesse sentido, a realização de um crime por uma pessoa jurídica pode perfeitamente
ser expressão de sua própria vontade109”. Este mesmo autor entende que a vontade
da pessoa jurídica pode vir a diferir das vontades individuais das pessoas físicas que
a “compõem”110, de forma que a vontade da pessoa jurídica é autônoma e
corresponde a uma “justaposição” de vontades individuais111.
Essa ideia112 parte do pressuposto de que o sujeito de direito que descumpre
a norma pode ser objeto de atribuição de sentido113. Com base em Ludwig
109 BUSATO, Paulo César. Razões Criminológicas, político-criminais e dogmáticas para a adoção da
responsabilidade penal de pessoas jurídicas na reforma do Código Penal brasileiro. In: _____;
GUARAGNI, Fábio André. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: fundamentos criminológicos,
superação de obstáculos dogmáticos e requisitos legais do interesse e benefício do ente coletivo para
a responsabilização criminal. Curitiba: Juruá, 2012, p. 17-92.
110 Indica-se, a fim de ilustrar a existência de uma vontade da pessoa jurídica independente e até
mesmo diversa de seus representantes, a leitura de exemplo redigido por Paulo César Busato Ângela
dos Prazeres. (Em BUSATO, Paulo César; PRAZERES, Ângela. Heterorresponsabilidade e
autorresponsabilidade penal de pessoas jurídicas. Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO,
Luís; BUSATO, Paulo César. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário
Brasil-Alemanha. Ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 27-28).
111 Busato, Paulo César. Vontade penal da pessoa jurídica: um problema prático de imputação de
obrigações e adquirir, com isso, responsabilidades patrimoniais ou inclusive de qualquer outra índole
[...] se a ação é significado, as pessoas jurídicas têm capacidade de ação; podem ser sujeitos de
delitos.” (CARBONELL MATEU, Juan Carlos. Aproximación a la dogmática de la responsabilidade
penal das personas jurídicas, in: CARBONELL MATEU, J.C. GONZÁLEZ CUSSAC, J.L.
BERENGUER, E. Orts. Constitución, Derechos Fundamentales y Sistema Penal. Semblanzas y
estúdios con el motivo del setenta aniversario del Professor Tomás Salvador Vives Antón. Tomo
I, Valencia: Tirant lo Blanch, 2009, p. 317-318). Nossa
113 Sobre expressão de sentido: “se tem sentido tudo o que, de acordo com a nessa linguagem social
e comunicativa comum, possa ser fonte de significado, ou seja, se uma ação ou omissão, em sentido
jurídico, é a expressão comunicativa de um fazer ou não fazer, traduzida em um verbo típico que
expressa intenções, segundo a linguagem comum, parece ser possível afirmar que uma pessoa jurídica
efetivamente atue. Afinal, há evidente sentido comum nas expressões: a empresa anunciou
contratações, a companhia contaminou o rio; pretendendo evitar uma denúncia criminal, a empresa Z
recolheu os impostos que se lhe apontava como devidos. Todas são, induvidosamente, expressões de
sentido denotativas de fins da pessoa jurídica especificamente e não necessariamente das pessoas
36
Wittgenstein114, o significado que aqui se refere não vem a ser determinado pelo objeto
ou pela pessoa que o exprime, mas simplesmente pelo seu uso na linguagem. Visto
sob tal viés portanto, independe que o agente ativo seja pessoa física ou jurídica.
No mesmo sentido, Paulo Busato defende que, “se faz sentido linguístico
comum afirmar um fazer de pessoas jurídicas, é porque estas ações são algo que se
encontra no fundo do desenvolvimento da própria linguagem com sentido e é o que
se lhe permite reconhecer enquanto tal”115. Em verdade o que ocorre é exatamente a
total possibilidade de apreensão das condutas da pessoa jurídica pela linguagem
comum e especializada.
O que se percebe até o momento, portanto, diz respeito ao fato de: que a
pessoa jurídica é capaz de ação (ponto 1.3), que expressa uma vontade autônoma de
seus representantes (ponto 1.2), que são identificáveis e praticáveis condutas dolosas
por pessoas jurídicas (ponto 3.2). Logo, se infere que a teoria proposta por Vives S.
Antón esgota todos os possíveis óbices relativos à uma responsabilização penal
dolosa da pessoa jurídica. Por fim, e a fim de dizimar possíveis restantes objeções
em face de sua existência em contexto brasileiro, parte-se para uma exemplificação.
Remete-se à tipificação contida no artigo 337-A do Código Penal116. Seus
incisos I e II citam omissões relativas a “folha de pagamento da empresa” e à
contabilidade de empresa. As menções a pessoa jurídicas não se esgotam nos incisos
do artigo. Em parágrafo §3º117 se desvela o agente das omissões, ao qual se descreve
penal de pessoas jurídicas. Especial referência ao fato de conexão” In: GRECO, Luís; BUSATO, Paulo
César. Responsabilidade penal de pessoas jurídicas: anais do III seminário Brasil-Alemanha. Ed.
São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020, p. 23.
116 “Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação
previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a
este equiparado que lhe prestem serviços;
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias
descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e
demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias” (BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, 31 dez. 1940).
117 “§ 3o Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$
1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou
37
como “se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não
ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena
de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.”. Se o empregador não é
pessoa jurídica, reduz-se a pena. Se pessoa jurídica, não incide a redução de pena.
Independentemente da dosimetria da pena, admite o legislador que a pessoa jurídica
pode praticar o ilícito.
Detalhe oculto, porém, fundamental: todas as omissões descritas são dolosas.
Sob uma análise significativa, o tipo referido acima identificaria a autoria como
proveniente do responsável tributário, sendo que este poderia corresponder a uma
pessoa jurídica (conforme §3º). O compromisso caracterizador do dolo seria
identificado a partir do momento em que não se fez ou percebe-se que não irá se fazer
o recolhimento do valor devido, preenchendo a conduta típica do artigo 337.
Neste sentido, considerando ser possível a imputação à pessoa jurídica, não
seria razoável pretender responsabilizar o contador empregado da empresa, seus
sócios ou o colegiado que debateu acerca da supressão ou redução da contribuição
social previdenciária. Essa afirmação se reforça em um contexto de votações
secretas, por meio das quais um dos votantes desconhece a opinião do outro, de
modo que o produto do debate vem a expressar uma “opinião” exclusiva da pessoa
jurídica, que pode não vir a corresponder com a vontade de cada um daqueles que
compõem o colegiado ou que daqueles que são empregados que cumprem ordens.
O que se nota, portanto, é uma expressão de vontade e atuação plenamente
imputáveis à própria pessoa jurídica.
Resgata-se aqui os pontos iniciais deste artigo, os quais se referiam a autores
que negam a admissão responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento
jurídico. Ultrapassado tal resgate, dispensa-se comentários além dos já extensos
proferidos nas páginas anteriores.
Portanto, infere-se que com uma análise realizada com base na ação
significativa e na filosofia da linguagem, é possível a atribuição do dolo à pessoa
jurídica, considerando que, para tal modelo teórico a pessoa jurídica pratica ação e a
ela pode-se imputar o dolo de forma autônoma.
aplicar apenas a de multa.” (BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
Diário Oficial da União, 31 dez. 1940).
38
REFERÊNCIAS
Espaçamento simples no texto de
referência
BARATTA, Alessandro. Integración-Prevención: Una “Nueva” Fundamentación
de la Pena Dentro de la Teoría Sistémica. Neopanopticum, 27 nov. 2005
________; MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos; DÍAZ PITA, María del Mar. Modernas
tendências sobre o dolo em direito penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal. 4 ed. Trad. De Luiz Jiménez de Asúa,
Madrid: Editorial Reus, 1999.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: parte geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1985.
________. Direito penal do ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009.
________. Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco. 2. ed. rev. Rio de Janeiro;
São Paulo; Recife: Renovar, 2008.
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: parte geral. 2. ed. rev. e amp. Curitiba: ICPC;
Lumen Juris, 2007.
SILVA, Antonio José da Costa. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
comentado. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2004.
WELZEL, Hans. Derecho penal – parte general. Buenos Aires, Roque Depalma
Editor, 1956.