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Era Uma Vez

um Beijo da Meia-Noite
Resgatada da Ruína - Conto

Elisa Braden
 
 
Sinopse

O charmoso negociante de antiguidades Andrew


Farrington confia em sua secretária particular desajeitada,
mas capaz, Euphemia Sinclair, para estar ao seu lado quando
ele precisar dela. E por três anos, eles raramente passaram
mais de um dia separados. Então, Euphemia viaja para o
norte invernal da Escócia em busca de uma herança de
família que apenas uma mulher casada pode requerer. E
Andrew percebe que a única maneira de manter essa mulher
indispensável ao seu lado é segui-la, encontrá-la e casar com
ela antes que ela se case com outra pessoa. Mas primeiro,
deve convencê-la de que, às vezes, os tesouros mais
inestimáveis são os mais próximos de casa.
 
 
Nota da autora

Essa história se escreveu sozinha. Bem, talvez isso seja


um pouco demais. Eu escrevi. Mas no momento em que ouvi
o tema desta coleção, soube exatamente qual canção me
serviria de inspiração: “It Came Upon a Midnight Clear”. O
que parecia tão perfeitamente certo? Fico feliz que você
perguntou.
Minhas duas primeiras séries de romances históricos
foram Resgatada da Ruína e Meia-Noite na Escócia. Na
primeira série, havia um personagem chamado Andrew
Farrington, cujo charme nunca pude resistir, e cuja história
nunca contei completamente. Então veio a segunda série,
uma estada na Escócia da década de 1820, repleta de
encantamento das Terras Altas.
Então, e se meu charmoso inglês tivesse um motivo para
visitar a Escócia? Um motivo urgente. Uma razão
desesperada. E se sua razão se tornasse perfeitamente clara
nas regiões ao norte de Caithness, um lugar onde, em
algumas noites sem nuvens, o céu dança com magia
luminescente?
— Chegou numa clara meia-noite, aquela gloriosa canção
antiga, de anjos se curvando perto da terra para tocar suas
harpas de ouro.
Anjos se curvando perto da terra? Parece muito com a
aurora boreal (as luzes do norte). Na tradição escocesa, elas
são conhecidas como os dançarinos alegres, e em noites
claras, longe da iluminação forte da vida moderna, elas
brilham e ondulam como as vestes dos anjos.
Que esta história leve um pouquinho de sua magia para
você.
Desejando-lhe uma temporada de férias cheia de
maravilhas,
Elisa
 
1

20 de novembro de 1827
Prezada senhorita Sinclair,
Quando você solicitou uma licença sabática, talvez
devesse ter perguntado sobre sua definição de “breve”. Uma
quinzena na Escócia parece excessiva.
A referência linguística gaélica que você solicitou está
anexada. Examinei partículas de poeira menos tediosas.
Certamente, você está ansiando por Londres agora.
A propósito, onde você escondeu o vaso veneziano azul
que adquirimos em Milão? Lorde Stickley manifestou interesse,
como previsto. Muito bem, como você previu. Eu sei como você
gosta de mostrar-se profética.
Você tem uma previsão para o seu retorno à Inglaterra? A
Sra. Brooks, embora seja uma governanta competente, parece
não conseguir preparar uma xícara de chá adequada.
Com os melhores cumprimentos,
A. Farrington
P.S. Faça bom uso do manto e do regalo que comprei para
você no ano passado. Não gostaria de imaginar minha
secretária particular morrendo de frio antes de terminar seu
trabalho. Ela acha a incompletude1 irritante, sabe.

26 de novembro de 1827
Prezado Sr. Farrington,
Acho, deveras, a incompletude irritante, e é por isso que
devo ficar aqui mais um pouco. Lamentavelmente, o chá da
Sra. Brooks deve ser suficiente até eu voltar. Rezo para que
você sobreviva à iniquidade.
Meus agradecimentos pelo livro. Agilizará minha pesquisa,
o que agilizará meu retorno. Tio insiste que esse “tesouro” é
real, embora eu tenha encontrado poucas evidências além de
referências oblíquas na história da minha família. Os Sinclair
até agora resistiram às minhas propostas.
Ocasionalmente, me pego desejando o conselho de meu
empregador, apenas para lembrar que ele está a centenas de
quilômetros de distância, em Londres. Terrivelmente
inconveniente. Sem dúvida você atrairia os Sinclairs para que
abandonassem seus segredos antes que eles percebessem que
a negociação estava em andamento. Se ao menos você pudesse
se enviar pelo correio tão prontamente quanto enviou o
dicionário gaélico. Infelizmente, o assistente do tio, Sr. Gibbs,
deve ser suficiente. Ele é um substituto tão ruim quanto o chá
fraco da Sra. Brooks.
Conforme anotado no livro de contas que coloquei em sua
mesa, o vaso azul está emprestado ao Sr. Busby para sua
exibição de vidro Murano2. Se você lhe oferecer o cálice de
haste de dragão do século XVI, ele pode ser persuadido a
devolvê-lo imediatamente.
Sempre sua serva,
E. Sinclair
P.S. Posso incomodá-lo para enviar o anel da minha mãe
com sua próxima resposta? Posso em breve precisar dele.

2 de dezembro de 1827
Senhorita Sinclair,
Para que propósito você poderia precisar do anel de sua
mãe? E quando seu tio contratou um novo assistente? Presumi
que você estivesse viajando com seu primo George. Viajar
sozinha com um homem solteiro é o cúmulo da tolice.
Talvez devesse me juntar a você. Aguardando sua
resposta, e sua explicação.
Seu,
A. Farrington

8 de dezembro de 1827
Prezado Sr. Farrington,
Você não deve se preocupar por minha causa. Você se
lembra de nossa semana no Cairo, os camelos hostis, o
mercador sem polegar e o flerte da cobra com suas botas?
Aquela estada foi muito mais perigosa do que os agravos que
experimentei aqui na Escócia.
Os Sinclairs estão sendo difíceis, só isso. Tenho a
oportunidade de resolver o problema, mas pode exigir medidas
extraordinárias de minha parte. O Sr. Gibbs se ofereceu para
ajudar. Por acaso, seu status de solteiro pode ser fortuito.
Acho sua objeção a ele intrigante. Você e eu muitas vezes
viajamos sozinhos.
Sempre sua serva,
E. Sinclair

14 de dezembro de 1827
Senhorita Sinclair,
Volte para a Inglaterra imediatamente. Os fundos estão
incluídos. Este tal de Gibbs pode encontrar seu próprio
caminho para casa.
Não faça… o que quer que suas primas tenham exigido…
NÃO consinta com nada precipitado, principalmente
casamento.
Sua presença ao meu lado é essencial benéfico para mim
meu trabalho, e devo insistir que esta aventura quixotesca
termine sem demora.
Você é necessária desejada valiosa…
Sua ausência continuada é intolerável excessivamente
irritante inconveniente. Devo resgatá-la fisicamente das selvas
da Escócia? Se sim, esteja avisada: na minha chegada,
declararei nulos e sem efeito quaisquer contratos com os quais
você concordou, resultado de loucura. Pois é isso que é. Total
loucura.
Você não deve se casar. Não se case.
Venha para casa, Euphemia.

Carta não enviada, escrita pelo Sr. Andrew Farrington


para a Srta. Euphemia Sinclair

21 de dezembro de 1827
Caithness, Terras Altas Escocesas

Euphemia Sinclair admirava bastante seu patrão. Sua


inteligência afiada e seu sorrisinho desarmante com covinhas
lhe renderam inúmeras antiguidades, clientes e, ela
suspeitava, companhias femininas.
Não ela, claro. Ele nunca apontou seus encantos
sedutores em sua direção. Em vez disso, a tratava como uma
assistente valiosa. Uma colega. Uma solteirona encalhada
com caligrafia superior.
E foi por isso que ela nunca pensou em se casar com ele,
muito menos na ponta de um punhal.
— Tem um anel, moço? — A escocesa idosa que estava
fazendo a pergunta era cega do olho direito, então seu
estrabismo era desigual. Mesmo assim, ela olhou para
Andrew Farrington com aguda expectativa. — Mais oficial
desse jeito.
— Receio que um casamento não fazia parte do meu
itinerário de viagem. — O olhar do sr. Farrington era mais frio
do que o traseiro de Euphemia, que ela supôs, estava ferido
pelo frio, dada a falta de sensibilidade.
Henny MacGillivray não se intimidou. — Não respondeu
minha pergunta. — Ela bateu em seu colete com a ponta de
sua lâmina. — Um anel?
— Não.
Ela se concentrou em Euphemia. — E você, moça?
— Eu m-mal consigo sentir meus d-dedos.
A Sra. MacGillivray zombou. — Você está um pouco
úmida. Nada a reclamar.
Ela estava encharcada. Congelada. Sua manga estava
rasgada em dois lugares. Seus óculos estavam dobrados em
três. Seu cabelo era uma massa mole e flácida pingando lama
em seu ouvido. E ela estava prestes a ser demitida como
secretária particular do Sr. Farrington ou forçada a se casar
com ele para apaziguar sua distante prima de terceiro grau.
Ao todo, tinha sido um dia difícil.
Ela puxou as bordas do casaco do Sr. Farrington mais
apertado em torno de seus ombros e lhe lançou um olhar
cauteloso. A breve briga dele com o sr. Gibbs de nariz
pontudo nem despenteou seu cabelo ruivo, notou, embora ele
tivesse perdido o chapéu nos socos no pátio. Ela teria que
compensá-lo. Quanto custava um belo chapéu de castor? Pelo
menos uma libra ou duas, provavelmente. Mais do que ele lhe
pagava em uma semana.
— Bem, não podemos ter um casamento sem aliança, —
declarou a Sra. MacGillivray.
Euphemia lembrou-se da antiga aliança de prata que
comprara em Dornoch3 antes de se aventurar ao norte para
Wick. Na época, esperava se casar com o Sr. Gibbs. — Você
não vai reconsiderar? — Ela implorou. — Talvez um pequeno
p-pagamento...
— Pelo amor de Deus, — Sr. Farrington disse
entredentes antes de agarrar um punhado de seu próprio
casaco… atualmente engolindo Euphemia… e enfiar a mão
dentro.
O pulso roçou seu seio.
Suas juntas dedilharam seu mamilo.
Ela poderia ter gritado se seu rosto estivesse menos
congelado. Em vez disso, ela piscou para seu belo
empregador, perplexa. Seus olhos eram tipicamente quentes,
uma espécie de castanho-bronzeado que dançava quando se
divertia, brilhava quando estava animado com uma nova
descoberta e sorria quando ela servia seu chá.
Agora? Eles estavam lançando fogo frio.
Ela estremeceu. — Eu… eu lamento profundamente, Sr.
Farring...
— Quieta.
— Você realmente não deveria ter vindo...
— Mas vim. Agora, silêncio.
Seus dedos a tocaram uma terceira vez, fazendo-a se
contorcer. Que diabos ele estava procurando?
Ele tirou um delicado anel de ouro e granada e o
apresentou à Sra. MacGillivray. — Isso vai servir?
— Ah, sim.
Euphemia franziu o cenho. — Esse é o anel da minha
mãe.
A velha ergueu a bugiganga contra a luz do fogo. —
Começaremos os procedimentos quando Mary voltar com o
ferreiro.
— Tudo bem, — disse ele.
Euphemia franziu a testa com mais força, tentando
endireitar os óculos. Permaneceram tortos. — Você alegou
que não conseguiu encontrá-lo.
— Eu menti.
Ela olhou ao redor da sala da frente da casa rústica,
esperando responder a qualquer uma das dezenas de
perguntas que passavam por sua mente.
Por que ele mentiu? E por que trouxe o anel com ele?
Por que estava fingindo cooperar com as exigências
absurdas da Sra. MacGillivray?
Por que estava se comportando como um marido
indignado recuperando uma noiva rebelde?
Que diabos a fez pensar que ficar entre ele e o Sr. Gibbs
tinha sido uma boa ideia?
Como devolver a sensação ao traseiro de alguém com
uma queimação cheia de lama depois de cair de uma encosta
nevada?
Havia alguém nesta remota vila de pescadores capaz de
consertar óculos que haviam sido esmagados pelo traseiro
mencionado?
Tantas perguntas. Mesmo uma resposta aliviaria sua
mente. A sala não oferecia nenhuma. Tudo o que ela viu foi
uma lareira embaçada, um baú de madeira com esculturas
fantásticas, seu patrão rangendo os dentes e Henny
MacGillivray bebendo cerveja de uma jarra lascada.
Como ela chegou a esse ponto?
— Isso é loucura, — ela sussurrou.
O Sr. Farrington bufou. — Um pouco tarde para
arrependimentos.
— Meu acordo com o Sr. Gibbs foi uma conveniência. Ele
obviamente não entendeu os termos. Não havia necessidade
de quebrar o seu...
De repente, ele agarrou seus ombros, girou-a e a forçou a
se sentar em uma cadeira ao lado da lareira. Então, se
inclinou, apoiando a mão nas costas da cadeira. — Eu viajei
1.000 quilômetros em sete dias no meio do maldito inverno
para o meio do maldito lugar nenhum porque minha
secretária particular queria uma maldita caixa.
Ela empurrou seus óculos para cima. — É mais do que
uma...
— É uma caixa, senhorita Sinclair. E você estava
disposta a se casar com um perfeito estranho para obtê-la.
Loucura não começa a descrever isso.
Seus olhos eram da cor de moedas antigas, suas
covinhas em nenhum lugar. Ela nunca tinha visto Andrew
Farrington tão furioso. Nem mesmo quando o mercador sem
polegar roubou o dinheiro deles e fugiu em seu camelo.
— Era o último desejo do tio que sua coleção Sinclair
fosse completada, — ela murmurou.
— Seu tio ainda está vivo. Provavelmente sobreviverá ao
seu assistente, principalmente se Gibbs tocar em você
novamente. Que diabo Arthur estava pensando, enviando
você para essa cruzada ridícula com um lascivo bêbado?
Para Euphemia, não importava o que ele estava
pensando. Não importava que esta missão fosse louca. Ela lhe
devia tudo.
Arthur Sinclair, embora distraído e um pouco fantasioso
sobre sua herança escocesa, ofereceu-lhe emprego quando ela
não tinha nada… nem pais, nem fundos, nem perspectivas de
casamento. Historiador que passou a vida ensinando jovens
cavalheiros em Oxford, tio Arthur convidou Euphemia para se
tornar sua assistente de pesquisa aos dezessete anos, após a
morte de seu pai. Foi uma escolha não convencional,
contratar uma mulher. Mas ele não se importou nem um
pouco. E nunca a tratou como nada além de capaz.
Antes de se aposentar, vários anos atrás, Arthur a
apresentou à Andrew Farrington, seu ex-aluno e membro da
Sociedade de Antiquários. Ele pretendia garantir seu futuro
com um novo empregador, e escolheu bem.
O Sr. Farrington era filho de um baronete. Sua prima,
mais como uma irmã, na verdade, era a rica marquesa de
Rutherford. Ele poderia ter vivido em uma confortável
indolência com a mesada de sua família até que herdasse o
título e a propriedade de seu pai. Em vez disso, tendo
desenvolvido um grande interesse pela arqueologia quando
jovem, ele entrou no comércio de antiguidades. Quando
contratou Euphemia, ele estava entre os negociantes mais
proeminentes da Inglaterra. Suas conexões aristocráticas lhe
renderam clientela inicialmente, é claro, mas seu sucesso não
foi o resultado de um nome. Era inteiramente da natureza do
homem: ambicioso, persuasivo, imparcial e incisivo.
Tudo o que ela tinha, incluindo sua posição com o Sr.
Farrington, era graças ao tio Arthur. Comparado à essa
dívida, viajar para a Escócia para recuperar uma caixa,
mesmo uma em que ela deveria se casar com um estranho
para adquirir, era uma mera inconveniência.
— Minha missão não é mais ridícula do que sua busca
pelo mármore de Aristeu4, — ela argumentou, levantando o
queixo contra sua desaprovação ardente. — Uma missão que,
preciso lembrá-lo, exigiu que eu vestisse suas calças e aquele
chapéu de franjas horrível.
— Você nunca esteve em perigo por um momento.
— O vendedor de tapetes se ofereceu para me comprar
por uma noite!
— E eu recusei a oferta dele, se você se lembra.
— Deus sabe o que poderia ter acontecido se ele
descobrisse que eu era mulher.
— Nada. Se ele tivesse pressionado o assunto, eu o teria
trespassado.
— Não seja bobo. Você não é um homem violento. — Ela
acenou com os dedos em um movimento abrangente. —
Apesar das recentes indiscrições.
Seu olhar endureceu. — Todo homem é capaz de
violência, desde que haja incentivo suficiente.
Ela estalou a língua. — Meu ponto é o seguinte: tio
Arthur acredita que o baú de cisne é a última relíquia
necessária para completar sua coleção Sinclair. Eu me ofereci
para ajudar, e ele forneceu seu novo assistente como
companheiro de viagem. Como ele poderia saber que o Sr.
Gibbs tinha uma queda por uísque escocês? — Ela agarrou a
lã do casaco dele com mais força. Céus, sua boca estava
perto.
Seus olhos brilharam. Seus lábios finos se apertaram.
Com um dedo, ele limpou um pouco de lama da orelha direita
dela. Então, ele ajustou o arame de seus óculos atrás da
mesma orelha, ajudando a endireitá-los.
Por alguma razão, os toques casuais causaram arrepios
em seu corpo. Arrepios quentes. Arrepios confusos.
Quando a porta da frente da casa se abriu, ele se afastou
dela. Uma rajada gélida fez o fogo de turfa dançar.
— Não consegui encontrar o ferreiro, — disse a velha que
entrou com um homem barbudo a tiracolo. — Então, eu
trouxe o ourives e seu filho.
O homem esguio de meia-idade franziu a testa. — Eu sou
o dono da pousada.
A velha abaixou o plaid do cabelo grisalho e o olhou. —
Você é? Então, quem é o moço lá fora cuidando dos cavalos?
— O aprendiz de ferreiro. Um do clã Ross, acho.
Do outro lado da sala, a Sra. MacGillivray gemeu. — Eu
a envio para fazer uma coisa, irmã. Uma maldita coisa.
A irmã gêmea da Sra. MacGillivray deu uma piscadela
irregular. Ao contrário de Henny, o olho direito desta irmã
brilhava intensamente enquanto o olho esquerdo era branco
e, até onde Euphemia podia dizer, completamente cego.
Ela se concentrou no Sr. Farrington. — Bem, agora, você
é um belo pedaço de boa sorte para nossa priminha, sim? —
Ela apontou um sorriso arqueado para Euphemia antes de
deslizar de volta para ele. — Mary MacBean, fabricante de
poções e curas para doenças de todo tipo.
— Eu sei quem é você, — disse ele categoricamente.
Uma carranca perplexa. — Sabe?
— Nós nos encontramos esta manhã na pousada. Você
se ofereceu para me vender linimento para meus dedos.
— Ofereci?
Silêncio.
A Sra. MacBean desviou o olhar para Euphemia. — Seu
temperamento é um pouco difícil. Não importa. Ele vai se
sentir melhor depois que vocês estiverem casados e deitados.
Os possessivos sempre ficam.
A Sra. MacBean e a Sra. MacGillivray nasceram Mary e
Henny Sinclair. Elas eram a família de Euphemia, mas agora,
ela lhes queria dizer para irem para o diabo. Elas insistiram
que o baú do cisne só poderia ser transferido para uma
mulher Sinclair casada. Daí, sua barganha desesperada e de
curta duração com o Sr. Gibbs e sua situação atual com o Sr.
Farrington.
Ele realmente pretendia se casar com ela? Certamente
não.
— Devemos começar a cerimônia agora, — ele
murmurou.
Os olhos dela se arregalaram para o rosto dele. Ele
parecia... sério. Sua mandíbula tensionava exatamente
daquela maneira quando ele via um tesouro que pretendia
adquirir.
Mary e Henny assentiram como se ele tivesse dito algo
racional.
O dono da pousada tirou um relógio do bolso. — Sim.
Devo voltar para a taverna em breve. Temos casa cheia esta
noite.
Euphemia esperou que o Sr. Farrington revelasse que
estava brincando. Ele tinha um delicioso senso de humor
quando não estava fora de si. Mas ele nem sequer sorriu.
Em vez disso, colocou a mão sob o cotovelo dela e a
puxou para ficar de pé. Então, segurou sua cintura e a guiou
para onde as irmãs estavam perto da mesa.
Balançando a cabeça, Euphemia lutou para recuperar a
razão. Ela a perdeu quando seu empregador apareceu do
nada, avançou pelo pátio e desferiu três golpes no rosto do Sr.
Gibbs antes que ela pudesse gritar um protesto.
A porta se abriu novamente, dando entrada a um jovem
alto com um boné manchado de fuligem e sem bigodes. O
moço Ross, presumiu.
Ela balançou a cabeça novamente e voltou ao seu
argumento. — Senhor Farrington, você não precisa fazer
isso...
— Vamos começar. — Ele se dirigiu às irmãs enquanto
apertava a cintura de Euphemia em um modo de advertência.
— Se a estalagem estiver cheia, gostaria de começar cedo a
encontrar alojamento.
— Sim, então, — disse a Sra. MacGillivray. — Nós nos
reunimos aqui nesta grande noite de inverno...
— Com licença, — interveio o garoto Ross. — Ainda não é
meio-dia.
— Ah, moço. Você está certo. Estamos aqui neste belo
dia...
O menino limpou a garganta. — Está uma nevasca lá
fora.
O dono da pousada grunhiu. — Deixe-a terminar uma
frase, moço. Não tenho o dia todo para desperdiçar, com cinco
xelins ou sem cinco xelins.
A Sra. MacGillivray deu um tapa no braço de sua irmã.
— Você pagou a ele cinco xelins?
— Ele não aceitaria menos. Mas ele concordou em trazer
seu filho. São duas testemunhas pelo preço de uma. Uma
pechincha, sim?
― O moço Ross não é meu filho, sua velha idiota, —
resmungou o dono da pousada. — Ele nem mesmo se parece
comigo.
Euphemia fez outra tentativa de inserir racionalidade na
conversa. — Sra. MacGillivray, Sra. MacBean. Acho que essa
farsa já foi longe demais, não acha?
— Shiiu, moça. Você está um pouco confusa por causa
do seu tombo. Ainda não completamos a cerimônia. — A Sra.
MacGillivray pegou um pedaço de tecido de tartan e o anel de
granada. — Agora, onde estava? Estamos reunidos aqui no
meu chalé ao meio-dia durante uma nevasca para
testemunhar o casamento de Euphemia Sinclair e Andrew
Farrington.
O pânico apertou seu peito. Ela lançou um olhar para
seu empregador. — Você não pode querer fazer isso.
— Senhor Farrington, você aceita nossa prima Euphemia
como sua esposa?
— Aceito.
Euphemia balançou a cabeça. — Não. — Ela se virou
para os outros na sala. — Não, ele não aceita. — De volta ao
bizarramente calmo Sr. Farrington. — Você não aceita. Não
pode. Você não é o Sr. Gibbs. Isso vai arruiná-lo.
Uma coisa era um obscuro assistente de pesquisa entrar
em um casamento de conveniência seguido de uma anulação
silenciosa, outra coisa era um proeminente negociante de
antiguidades e futuro baronete se casar com sua secretária
particular e depois sofrer o escândalo de um divórcio público.
No entanto, em vez de aproveitar a fuga que ela ofereceu,
ele resmungou: — Não. Não sou Gibbs. Eu sou Andrew
Farrington. E aceito você, Euphemia Isobel Sinclair, para ser
minha esposa. Permanecer casado, na alegria e na tristeza,
na doença e na saúde, pelo resto da minha vida. — Ele
abaixou a cabeça. — E, então, Deus me ajude, Euphemia, se
você não responder na mesma moeda, vou demiti-la sem uma
referência e depois voltar para a pousada e bater em Gibbs
novamente pelo puro prazer disso.
Quem era esse lunático de olhos bronze e sussurros
categóricos? Certamente não o homem alegre com quem ela
passou os últimos três anos.
Procurando em sua expressão, ela desejou retornar ao
momento antes de deixar sua casa em Londres. Ele estava
rindo dela por colocar o livro de contabilidade em sua mesa
ao invés de sua prateleira habitual. Ela explicou que não
queria que ele perdesse a noção de nada enquanto estivesse
fora. Ele deu um meio sorriso e pegou as luvas dela do
corrimão onde ela quase as esqueceu. — Não. Não
gostaríamos de perder a noção de nada.
Aquele momento de provocação ecoou milhares de outros
que eles compartilharam. O homem era excepcionalmente
fácil de gostar. Uma vez ela ouviu um grupo de senhoras
comentar que Andrew Farrington poderia “encantar um
dragão a fazer bobagens”. Verdade mesmo. Ele era
extraordinariamente divertido quando queria ser, sorrindo,
aquele sorriso com covinhas, usando sua inteligência para
deleitar ao invés de rebaixar, até mesmo fazendo truques com
seu chapéu de castor castanho.
Mas Euphemia o conhecia melhor. Ela o viu agarrar um
batedor de carteiras pelo colarinho, apenas para soltar o
ladrãozinho imundo minutos depois com uma bronca
silenciosa e moedas suficientes para encher a barriga do
menino por quinze dias. Ela o viu negociar com três
comerciantes ao mesmo tempo, jogando um contra o outro
sem que eles percebessem que havia obtido um desconto de
setenta por cento.
Ela tinha visto sua esperteza, sua dureza. Ela sabia que
sua calma era apenas a parte dele mais próxima da
superfície. Mas ela nunca tinha visto este homem. Aquele que
não sorria. Aquele que parecia capaz de estrangulá-la.
Até agora, não tinha percebido que ele existia.
Ela sentiu o casaco dele escorregando por seu ombro. Ele
a puxou de volta no lugar.
O gesto roubou seu próximo fôlego.
— Bem, moça? — Henny MacGillivray pediu. — Você
quer este homem forte para ser seu marido?
— Isso não é o que eu pretendia, — ela sussurrou para
ele. — Só queria terminar o que comecei. Podemos tentar
oferecer o pagamento novamente. Talvez uma soma maior
seja persuasiva.
Sua mandíbula refinada tremeu. — Responda à
pergunta.
— Você já arriscou escândalo suficiente ao contratar
uma mulher como sua secretária particular. Um divórcio irá
prejudicá-lo muito mais.
— Não haverá divórcio.
Ela suspirou. — Anulação, então. Por mais que queira
entregar o baú de cisne ao tio Arthur, não posso lhe pedir
isso.
— Diga os votos, — ele disse entredentes. — Ou encontre
um novo emprego.
Um calafrio a percorreu. Quando colocada em termos tão
duros, a escolha era simples. — Muito bem. — Ela engoliu em
seco. Enfrentou suas primas gêmeas. Endireitou a coluna. —
Eu, Euphemia Isobel Sinclair, aceito Andrew Edward
Farrington como meu marido.
O restante da cerimônia passou em um piscar de olhos.
O anel de sua mãe se encaixava perfeitamente. As mãos do
Sr. Farrington seguravam as dela, aquecendo seus dedos com
pequenas carícias. A certa altura, a Sra. MacBean juntou
suas mãos com o comprimento do tartan Sinclair. Seu olho
leitoso captou um raio de luz e brilhou estranhamente.
― Você está casada agora, moça, — disse a velha com
uma voz que se dividiu em duas. — Que o nó que prende
vocês, nunca seja desfeito.
A cabeça de Euphemia parecia confusa, provavelmente
por usar roupas molhadas em uma cabana com correntes de
ar no meio do inverno. O grosso casaco de lã do Sr.
Farrington ajudou. Cheirava como ele, quente como baunilha,
fresco como limões, crocante como alecrim. Infelizmente, não
foi o suficiente para impedir que seus dentes batessem.
Sua mão tremia ao assinar a carta que serviria como
prova do casamento. Sua cabeça girava enquanto ela
observava o dono da pousada e o moço Ross marcar seus X
antes de ajustar seus bonés em movimentos estranhamente
semelhantes.
Seu coração batia forte ao considerar que agora era uma
esposa.
Uma esposa.
Seus olhos voaram para o Sr. Farrington, o homem
bonito e encantador que nunca a olhou com desejo. Porque
não a desejava. Nunca desejou. No entanto, ele estava
enfiando a carta no bolso do colete como se fosse uma nota de
venda.
Seu coração bateu mais forte. O pânico a deixou nervosa.
A prima Mary aproximou-se para lhe oferecer a faixa de
tartan verde e azul usada no casamento. — Você está
aborrecida por nada, moça. A união foi feita anos atrás.
Estava predestinado.
Euphemia agarrou a lã macia e estremeceu. —
Predestinado? Não seja boba. Ele nunca quis isso.
— Não teria muita certeza disso.
— Não sou o tipo dele.
— Como pode ser? Você é uma boa moça. — O olho bom
de Mary apertou quando ela se concentrou na palidez loura-
claro e no desleixo ridículo de Euphemia. — Não há pestanas
para falar, e seu peito é um pouco pequeno. Mas espere até
ter um filho ou dois. Você vai engordar logo.
Lutando contra a vontade de resmungar que nunca
haveria bebês, e seu peito não era assunto para discussão
aberta, Euphemia colocou os óculos de volta no lugar. — Ele
prefere mulheres com cabelo preto. Do tipo bonitas e etéreas.
— Ela suspirou. — Você não entenderia.
Mary deu de ombros. — Talvez um homem em sua
juventude seja encantado por céus escuros e luz das estrelas.
E talvez quando a lua nasce pela primeira vez, ele apenas
saiba suas diferenças, não seu valor. Mas com o tempo, essas
estrelas perdem o brilho em comparação. E logo, ele se
perguntará como conseguiu, sem a lua, iluminar seu
caminho.
Euphemia franziu a testa para o fluxo de puro lixo. Sua
prima afirmava ter a “visão”, um dom passado de geração em
geração por parte de mãe. Mas confundir o dono da pousada
com o ourives e o aprendiz do ferreiro com seu filho
dificilmente inspirava confiança.
— Mary.
Uma piscada irregular e um sorriso bobo. — Sim, moça?
Ela abriu a boca para explicar que, forçar um homem a
se casar com uma mulher que era exatamente o oposto do
que ele queria acabaria mal para todos, especialmente para
ela. Mas não tinha energia para discussões fúteis. — Acho
que você está confusa.
— Estou? — A velha coçou a cabeça. — Não seria a
primeira vez.
Perto da lareira, a Sra. MacGillivray brandiu seu punhal
para o Sr. Farrington. — Vou dar para Euphemia, moço.
Ninguém mais.
Euphemia se aproximou do par. — Vou pegar o baú do
cisne, agora, Sra. MacGillivray. Com agradecimentos.
A velha embainhou seu punhal. — Sim, então. — Ela
levantou o pequeno baú de madeira e o colocou nos braços de
Euphemia. — Agora é sua, Euphemia do Clã Sinclair. Que
você possa aumentar os tesouros aqui.
Os braços de Euphemia, enfraquecidos pelo frio e pela
falta de sono, começaram a tremer. O Sr. Farrington arrancou
o baú dela, colocou-o debaixo de um braço e ela debaixo do
outro, então murmurou algo sobre a necessidade de
encontrar abrigo para a noite.
Distante, ela ouviu suas duas primas mencionarem
outro chalé perto do mar. A Sra. MacGillivray foi encarregada
de cuidar do lugar durante o inverno e se ofereceu para deixá-
los ficar lá até que a nevasca passasse. — Por uma pequena
taxa média, é claro.
Seus pensamentos retrocederam e nadaram em círculos.
O Sr. Farrington enfiou a mão dentro do casaco que ela
estava vestindo novamente para jogar uma moeda para as
irmãs. Ele pegou a chave e uma cesta de comida. Então, ele
guiou Euphemia para a neve. Os flocos aterrissaram
indiscriminadamente em seu rosto. O vento soprava através
das dobras de lã.
A carruagem que ela havia alugado para ela e o Sr. Gibbs
estava a alguns metros de distância. O Sr. Farrington
guardou a cesta e o baú dentro. Enquanto esperava para
entrar, o dono da pousada e o menino Ross chamaram sua
atenção. Eles estavam preparando seus cavalos, lado a lado,
seus movimentos espelhando um ao outro. Ambos
caminhavam com os braços levemente curvados. Ambos
tinham a mesma constituição esguia. E desse ângulo, através
da neve, ela teria jurado que estava olhando para um pai e
um filho.
Ela piscou. Olhou por cima do ombro. Lá, na porta do
chalé estava a Sra. MacBean. Que sorriu lentamente, acenou
com a cabeça e deu-lhe uma piscadela.
 
2

Andrew Farrington esperava uma choupana fria. O que


encontrou foi uma convidativa casa de pedra de três cômodos
com a lareira já acesa. A casa ficava a trinta metros dos
penhascos do mar, suas janelas brilhando alegremente, a
fumaça da chaminé rodopiando em meio à neve.
A mulher em seus braços se contorceu. — Eu n-não
perdi minha capacidade de andar, sabe.
Ele a ergueu mais alto contra seu peito e caminhou até a
porta pintada de vermelho antes de colocar seus pés no chão.
— Fique, — ele murmurou, tirando a chave do bolso.
Enquanto abria a porta, ele a sentiu olhando-o através de
seus óculos tortos. — E pare de me olhar assim.
— Assim como?
Ele a conduziu para dentro. O chalé não era grande, mas
era quente, e quente era o que ela precisava. — Como se eu
pertencesse a Bedlam5.
— Bem, você acabou de se casar com sua secretária.
O interior do chalé era limpo e surpreendentemente bem
mobiliado. Tapetes macios cobriam o piso de tábuas da sala
principal. Um sofá e duas cadeiras estofadas verdes ladeavam
a lareira de pedra. Na parede mais longa, uma mesa com
quatro cadeiras estava embaixo de um par de janelas de vidro
quadrado. No centro havia uma cesta de pão, uma chaleira,
uma lanterna e uma garrafa de uísque.
Uma busca rápida pelo resto do chalé revelou uma
cozinha simples e um quarto de dormir com uma única
janela, lavatório e uma cama de madeira grande o suficiente
para dois. A cama estava feita com lã azul-escura, o chão
coberto com outro tapete. Claramente, o chalé havia sido
preparado para a chegada deles. Ou, pelo menos, a chegada
de Euphemia… com Gibbs.
A raiva surgiu com o pensamento. Ele se confortou
lembrando que Euphemia não se casou com o canalha de
nariz pontudo. Ela se casou com ele. Graças a Deus ele
chegou a tempo.
De volta à sala principal, ela estava encolhida perto da
lareira. O casaco dele engolia seu corpo compacto por inteiro.
Seus óculos estavam tortos em seu pequeno nariz. Seu cabelo
louro-branco havia perdido os grampos e agora caía sobre
uma orelha. Ainda estava molhado, escurecendo a cor para
ouro acinzentado. Por causa de sua coloração, suas
sobrancelhas e cílios virtualmente desapareciam contra uma
tez leitosa manchada de frio.
Em suma, ela estava uma bagunça. Era de se esperar,
ele supôs. Ela tinha levado um grande tombo.
Quando ele chegou cedo na pousada naquela manhã, ele
só lhe queria falar, persuadi-la de volta à sanidade. Depois de
questionar o dono da pousada, rapidamente descobriu que
ela e Gibbs estavam lá há vários dias. Verdade, eles ficaram
em quartos separados. Mas a implicação estava lá no
encolher de ombros do dono da pousada, eles estavam
programados para partir naquele dia, provavelmente para se
casar.
Isso teria sido o suficiente para incendiar seu
temperamento, mas então alguém abriu a porta principal da
pousada, e ele ouviu uma discussão no pátio: um homem
arrastando seus “esses” e uma mulher dizendo que ele não
gostaria de onde plantaria sua bota em seguida se ele não a
soltasse imediatamente. Euphemia, é claro. Uma vez ela usou
a mesma ameaça em um sujeito italiano agressivo que eles
encontraram do lado de fora de um caffé em Bergamo. Claro,
ele fingiu deixá-la cuidar do assunto, voltando para o caffé
sozinho mais tarde naquele dia para dar seu próprio aviso
mais incisivamente.
Mas mesmo sem essa memória, ele a reconheceria em
qualquer lugar. E ao ouvir sua voz normalmente doce e calma
rompendo com a tensão, ele perdeu a cabeça. Ele mal se
lembrava dos momentos depois. Neve. Uma carruagem à
espera. Um homem com olhos turvos e um nariz comprido e
bicudo. Sangue. Um pouco de dor em seus dedos. Sua
própria voz estranhamente rosnada enquanto conduzia o
homem para trás e para trás continuamente. Em seguida, de
joelhos.
Ela puxou seu braço. Colocou-se entre eles.
A fúria trovejou em seus ouvidos. — Você pretende se
casar com esse bastardo maluco? — Ele gritou. — Que diabos
você está pensando?
De olhos arregalados e cautelosa, ela baixou a voz como
se estivesse falando com um lunático em fúria. — Não há
necessidade de gritar. — Ela explicou as exigências de suas
primas e seu esquema para entrar em um casamento
temporário com Gibbs. — Desde então reconsiderei, mas por
que meus planos deveriam preocupá-lo tanto, eu não posso...
— Ela parou, bufando várias vezes, seus óculos embaçando.
— Senhor Farrington. — Huff, huff, huff. — O-o que você está
fazendo aqui?
— Impedindo que você faça algo totalmente estúpido.
— Senhor. Gibbs perdeu os sentidos depois de muito
uísque...
— E, no entanto, você planejava se casar com o canalha.
— Ele parece ter a ideia errada. Fui bem clara que isso
não seria um casamento real. Mas então, ele tentou me beijar
e...
Vermelho tinha tingido sua visão. A necessidade de
esmurrar Gibbs havia ressurgido. Andrew se concentrou no
homem cambaleante em pé e cobrindo o nariz. Euphemia de
alguma forma se enfiou entre eles novamente assim que
Gibbs deu um golpe selvagem em Andrew. Antes que Andrew
pudesse reagir, Gibbs girou em um círculo completo, agarrou
o braço de Euphemia e a arrastou com seu impulso. Ela tinha
voado. Tropeçando. Ela rolou por um pequeno barranco para
a rasa área queimada que seguia ao longo da pousada.
Naturalmente, Andrew explodiu, atingindo Gibbs mais
duas vezes, deixando-o inconsciente antes de resgatar uma
Euphemia encharcada e enlameada. Depois de verificar que
estava ilesa, ele a levou para a carruagem, aproveitando seu
choque para interrogá-la sobre suas primas. Então, ele a
colocou e seus pertences na carruagem, viajou para a cabana
de Henny MacGillivray e dispensou a ameaça de uma vez por
todas.
Pois, era uma ameaça.
Ela estava prestes a deixá-lo.
Tudo o que Andrew temia enquanto cavalgava
desordenadamente de Londres ao norte da Escócia através de
tempestades, lama e um frio infernalmente hostil tinha
acontecido. Depois de anos de lealdade inabalável, ela
planejava se casar com outra pessoa. E nem mesmo por
qualquer motivo legítimo, mas para obter uma maldita caixa.
Não era para ser suportado.
Ele precisava dela.
Euphemia Sinclair ancorava todos os aspectos de sua
existência, desde o agendamento de provas com seu alfaiate
até a organização de suas coleções e a preparação de seu
delicioso chá. Mas seu valor ia muito além de assuntos
mundanos. Ele confiava no julgamento dela para equilibrar o
dele. Ela foi completamente educada em história e geografia,
graças ao seu tio, que o ajudava em suas excursões ao
exterior. Em muitas ocasiões, o foco obstinado dela, enquanto
a cegava para os perigos, havia preservado contratos,
localizando achados incomuns e garantido acomodações
confortáveis em lugares inóspitos.
Além disso, ele apreciava sua companhia. Sua mente
rápida e a sagacidade irônica nunca deixaram de encantá-lo.
Sua natureza tolerante e disposição calma o acalmavam como
nada mais poderia. Enquanto ele tinha que ser vigilante e
protegê-la de contratempos de sua própria autoria, ele
certamente não poderia pedir uma companheira de viagem
mais ideal. Ou companhia doméstica. Ou companhia de
qualquer outro tipo. Em três anos, eles raramente passavam
mais de um dia separados.
Então, ela veio para a Escócia. Por seis malditas
semanas.
E, Deus, ele sentiu falta dela como um soldado sentiria
falta de sua mão de espada.
Agora, seu coração saltou enquanto a observava afundar
no sofá. Sua pequena secretária arrumada, desajeitada e
inteligente.
Não. Não sua secretária. Sua esposa.
Ele engoliu em seco, lutando para ignorar a pressão
quente e expansiva em seu peito. — Vou buscar o resto de
nossos pertences, — disse ele, indo em direção à porta. — Há
cobertores no quarto de dormir. Você deveria tirar seu
vestido.
Olhos assustados voaram até os dele. O vermelho
invadiu as bochechas pálidas. — Perdão.
Em vez de responder, ele voltou para fora para pegar o
baú dela, sua valise, a cesta de comida que a velha lhe dera e
o baú do cisne. Finalmente, ele instruiu o condutor a voltar
para buscá-los na manhã seguinte. A nevasca não dava sinais
de abrandar.
Quando voltou a entrar no chalé, Euphemia estava
ocupada na cozinha.
Ele franziu a testa, colocando a cesta de comida na
mesa. — O que você está fazendo?
Ela o olhou por cima do ombro. — Fazendo chá.
— Você deve remover sua roupa molhada. Seu baú está
ao lado da cama.
Ela pendurou a chaleira acima do fogo acesso e foi até o
aparador para procurar nas latas.
— Euphemia.
Ela parou.
Ele esfregou a nuca. — Olha, sei que isso é um pouco
repentino.
Um pequeno bufo. — Hum. Um pouco, sim.
— E talvez eu tenha sido arrogante em minhas
exigências durante a cerimônia.
Desta vez, ela riu em cheio. — Talvez?
— Qual era a alternativa? Você estaria arruinada se não
tivéssemos nos casado.
— Você poderia ter me permitido casar com o Sr. Gibbs.
Suas entranhas endureceram ante o pensamento. —
Absolutamente não.
— Ou, eu poderia ter permanecido solteira e ignorado as
fofocas, como venho fazendo há três anos. — Ela localizou a
lata que estava procurando e começou a organizar duas
xícaras de chá ao lado de um bule em uma bandeja de
madeira.
— Viajar sozinha com Gibbs convida mais do que
fofocas. As damas são pressionadas a se casar por ofensas
muito menos flagrantes. — Ele se moveu para o lado dela,
cruzando os braços e recostando-se no aparador enquanto a
observava preparar o chá. Ela cheirava a água de rosas e
suavidade. Como sempre, sua proximidade o confortou. — O
que estava pensando?
— Talvez eu tivesse uma tarefa para completar. O Sr.
Gibbs parecia bastante inofensivo.
Ele beliscou a ponte de seu nariz e murmurou: —
Inofensivo. Bom Deus.
— E viajei muito sozinha com um homem anteriormente.
— Isso é diferente. Eu sou seu empregador.
Ela colocou a tampa na lata de chá e se esticou para
colocá-la na prateleira. Ele a arrancou de sua mão e a colocou
no lugar. Longe de agradecer, ela cutucou seus óculos e
mostrou sua irritação. — Uma distinção que a maioria não
reconhece, lhe asseguro. Isso ficou bem claro para mim em
várias ocasiões.
— Por quem?
Ela havia enrolado as mangas do casaco dele acima de
seus pulsos delicados, e agora fez um show ao arrumá-los. —
Homens, em grande parte.
Sua pele começou a formigar. Seus punhos começaram a
cerrar. — Quais?
— Não é importante.
Era. Ele não poderia puni-los se não tivesse seus nomes.
Mas as primeiras coisas primeiro. — O que disseram para
você?
Ela levantou o queixo para uma inclinação desafiadora.
— Várias coisas. Principalmente que eu estaria melhor ao...
emprego deles. — Um sorriso irônico curvou-se. — Mais
apreciada como mulher.
Seu estômago revirou. Ele passou a mão na boca. —
Esses homens se ofereceram para fazer de você sua amante,
então.
— Hum. Supõe-se que eles queriam dizer isso como um
elogio.
— Por que não me contou?
— Porque não importava. Ainda não importa. — A
chaleira começou a apitar e ela se virou para pegá-la.
Polegadas antes que ela queimasse a mão, ele agarrou seu
pulso e lhe ofereceu uma toalha. Ela assentiu em
agradecimento. — O que os outros pensam de mim nunca
importou mais do que minha posição com você. — Ela encheu
o bule e colocou a chaleira em um suporte. — Eles pensaram
que estavam sendo caridosos, oferecendo-me casa e carinho
em vez de labuta intelectual.
A fúria o agarrou com força. Ele apertou cada músculo,
desejando que abrandasse. — Então, eles assumiram que
você seria uma boa amante, mas não minha. O que lhes daria
tal noção?
A princípio, não achou que ela fosse responder. Ela o
olhou com aqueles olhos suaves e verde-acinzentados que ele
frequentemente comparava ao jade. Uma ruga se formou
entre as sobrancelhas pálidas. Seu lábio inferior tremeu, em
seguida, firmou-se. — Uma suposição segura, — ela
sussurrou firmemente. — Todo mundo sabe que não sou seu
tipo.
Por um momento, ele não conseguiu falar. Ela poderia
muito bem tê-lo chutado nas partes inferiores com suas
lendárias meias botas.
Ela levou a bandeja de chá para a sala da frente.
Ele a seguiu, ainda tentando engolir a dor
desconcertante em seu peito. Os homens que fizeram
propostas em “várias ocasiões” seriam tratados mais tarde.
Mas agora, ele precisava cuidar dela. Alimentá-la. Abraçá-la.
O desejo era uma dor. E a dor estava crescendo.
— Antes do chá, vamos deixar você quente e seca, —
disse ele.
Ela assentiu e foi para o quarto. Ele a seguiu. Ela jogou o
casaco dele na cama e tirou o casaco antes de encará-lo com
uma carranca exasperada. — Acredito que posso me virar
daqui, Sr. Farrington.
— Chame-me de Andrew. Dadas as circunstâncias, a
formalidade é absurda.
Corando, ela ajustou os óculos e arqueou uma
sobrancelha. — Muito bem. Você pode esperar na outra sala,
Andrew.
— Você não vai precisar de ajuda com seu vestido e tal?
— Não.
Ele examinou o vestido que ela usava por baixo da
peliça, um vestido de sarja verde com mangas compridas. O
corpete de gola alta preso nas costas. Seu olhar demorou um
pouco mais. Enquanto ela muitas vezes se escondia sob
roupas simples e modestas, ela tinha uma estrutura
compacta e esbelta com uma cintura pequena e seios suaves
adequados para uma mulher pequena.
Seu vestido estava encharcado dos ombros à bainha. Ele
apostaria que as camadas abaixo estavam molhadas também.
Linho molhado agarrado a seios pequenos e doces. Ela teria
que tirar tudo: anáguas, camisa, meias. Tudo. De repente,
sua pele parecia um pouco apertada. Um pouco quente. —
Sem dúvida você terá problemas para alcançar todos os
fechos. E talvez o seu... espartilho. — Ele engoliu perante a
garganta seca. — Você tem certeza de que não gostaria que
eu...
— Sim, — veio a resposta azeda. — Não preciso que meu
patrão me ajude a me despir.
— Esposo. Sou seu marido, não seu patrão.
— Por enquanto.
Ele franziu a testa. — Para sempre.
— Não seja bobo. Não podemos continuar casados.
Obviamente, o frio estava afetando o julgamento dela. E
o calor estava afetando o dele. — Vamos discutir isso quando
você estiver mais confortável. — Ele saiu do cômodo, gritando
por cima do ombro: — Minha oferta está de pé...
— Vou ficar bem. Beba seu chá. — A porta se fechou
com um clique.
Precisando desesperadamente se refrescar, ele saiu para
pegar água do poço. Eles precisariam para se lavar e, talvez
mais chá. Vento e neve sopraram através de sua camisa. Ele
amaldiçoou quando percebeu que tinha esquecido de
recuperar seu casaco de Euphemia. Ainda assim, o frio
funcionou como ele pretendia, aliviando seu desconforto o
suficiente para voltar para dentro.
Sentindo-se inquieto, ele vasculhou a cesta da Sra.
MacBean. Dentro havia tigelas de carne cozida, batatas
amanteigadas, bolos de aveia e queijo escocês. Para
completar, havia também um grande frasco de vinho e duas
tortas de maçã temperadas. Ele deu uma mordida no queijo.
Fresco, picante. Delicioso. Eles não passariam fome; isso era
certo.
— Sua prima tem talento para a culinária, ao que parece,
— ele gritou pela porta do quarto.
— Você quer dizer Mary? — Veio a resposta abafada. — A
única comida que ela faz são suas tinturas e unguentos.
Tenho certeza de que a comida veio da pousada.
Ele foi até a cozinha para colocar mais água para ferver.
Seu olhar se fixou na lata de chá. Ele piscou. Era de seu
fornecedor favorito, Twinings on the Strand, em Londres.
Voltando à sala da frente, ele levantou a tampa do bule e deu
uma cheirada. Sua mistura favorita flutuou para cima em
uma onda de vapor.
— Euphemia, — ele gritou. — O chá na cozinha. Você o
trouxe com você da Inglaterra?
A porta do quarto se abriu. — Não. Estava aqui quando
chegamos. Uma coincidência estranha, mas bem-vinda.
Estranho, de fato. Ele cobriu o pote e se virou.
Cada pensamento voou de sua cabeça. A dureza
recuperou partes dele que antes havia abandonado. O ardor
voltou rapidamente.
Ela usava apenas uma camisola e um roupão branco.
Bastante modesto em circunstâncias normais, ele supôs. Mas
seu cabelo estava solto, seus mamilos duros e seus óculos
haviam desaparecido. Ela os estava segurando, tentando
dobrar o arame enquanto mordiscava o lábio inferior carnudo.
Ele engoliu em seco. Lambeu os próprios lábios. — Você
gostaria de um cobertor?
Ela olhou para cima, semicerrando os olhos vagamente
em sua direção. — Hum, não. Obrigada. Está bem quente
aqui agora com as duas lareiras acesas.
— Quente. Sim.
— Por acaso, você embalou seu kit de ferramentas? —
Ela perguntou. — Eu não consigo ver para segurar com
firmeza o suficiente.
Seu cabelo estava úmido, mas seco em ondas de ouro ao
luar. Sua pele brilhava levemente rosada contra a musselina
branca. Sua delicada clavícula flertava com a renda de seu
roupão. Mais abaixo, seios pequenos ostentando picos
orgulhosos e duros esperavam sob duas camadas.
Só duas. Quase nada, na verdade. Ele poderia desnudá-
la dentro de um suspiro.
— Um alicate, talvez, — ela continuou. — Você sempre
os mantém à mão. — Um sorriso irônico curvou sua boca
tentadora. Os olhos de jade se ergueram para brilhar com
diversão. — Como você costuma dizer, um caçador de
tesouros está perdido sem seus bens essenciais.
O sangue latejava sob sua pele. Em seus ouvidos. Em
seu pau.
— Andrew?
— Alicates. Vou olhar lá fora. — Ele recuou em direção à
porta.
— Mas sua valise está...
— Não vai demorar. — Ele a abriu, deleitando-se com a
rajada gelada.
— Você não quer seu...
Ele fechou a porta atrás de si, esperando que quando
voltasse, sua sanidade retornasse com ele.
 
3

Euphemia observou seu novo marido lendo a mesma


página pela quarta vez e se perguntou se o pobre homem
realmente adoecera. Havia alguma doença que causava febre
e repetição anormal?
Mais cedo, ele consertou seus óculos. Depois de encaixá-
los suavemente em seu rosto e orelhas várias vezes, ele
parecia dolorido. Então, ele saiu novamente para pegar mais
água. Ela suspeitou que ele estava usando o banheiro, mas
ele negou ter uma queixa digestiva.
Um pouco mais tarde, ao cair da noite de inverno, eles
jantaram juntos. Ele parecia mais relaxado, rindo com ela
sobre a estupidez da Sra. MacBean.
— Mas ela é realmente louca? — Euphemia meditou,
dando uma mordida na carne tenra guisada seguida de um
gole de vinho. — Não tenho tanta certeza. O dono da pousada
e o menino Ross compartilham uma semelhança.
— Hum. Quando a conheci, ela continuou me chamando
de Andrew Brodie. Ofereceu-se para me vender linimento para
meus dedos como se eu fosse um velho artrítico.
Ela olhou para suas mãos machucadas e avermelhadas e
estalou a língua. — Para ser justo, você os danificou no rosto
do Sr. Gibbs.
Sua boca se apertou. Os olhos castanho-bronzeados
passaram por ela e se demoraram. — Isso foi depois. Eu a
conheci dentro da pousada antes de ver você e Gibbs.
— Antes? Então, como ela sabia?
Ele deu de ombros, seu olhar caindo para sua garganta e
brilhando com tanta intensidade que ela pensou que talvez
tivesse derramado comida ou vinho em seu roupão. Quando
ela roçou o corpete para ter certeza, ele fechou os olhos,
bebeu o vinho e ficou de pé. Então, correu para fora
novamente, dizendo algo sobre mais água.
Ela achou o comportamento dele desconcertante. Ele só
agiu assim em um punhado de outras ocasiões… uma vez
enquanto estavam em Bergamo, uma vez na França, e uma
vez enquanto estavam visitando sua querida prima Charlotte
em Northumberland.
A inquietação peculiar combinada com sinais de
sofrimento físico… dor, na verdade, a deixou doente desde a
primeira vez que observou. Ela presumiu que ele estava
doente e o tratou como um ganso com um novo filhote... ou
uma esposa com um marido teimoso. Estranhamente, ele
reagiu com angústia ainda maior, finalmente lhe implorando
para deixá-lo em paz e desaparecendo durante a noite. Ele
tinha melhorado muito quando ela se juntou a ele na manhã
seguinte para o café da manhã no caffé.
Depois disso, sempre que ele agia de forma semelhante,
ela segurava a língua e deixava o comportamento estranho
passar. Claramente, ele não queria sobrecarregá-la com sua
aflição. Mas ver os sintomas novamente a fez morder o lábio
com preocupação.
Ele virou uma página do dicionário gaélico
“sombriamente seco” e voltou a lê-lo novamente. Virava e
voltava novamente. Virava e voltava.
— Andrew, — ela murmurou. — Essa é sua sétima
leitura. A conjugação de verbos gaélicos não pode ser tão
absorvente.
Ele olhou para cima e fechou o livro. — Depende do
verbo. Beber. — Ele a saudou com seu copo de uísque. —
Provar. — Ele tomou um gole. — Beijar. — Sua língua passou
pelo lábio inferior. — Copular.
Ela bufou. — Por favor, qual é o termo gaélico escocês
para “copular”?
— Tudo o que sei é que tem muitas vogais e soa um
pouco como um pigarro.
Sorrindo para sua tolice, ela terminou de amarrar a
costura que estava consertando na manga rasgada de sua
peliça. — Pronto! — Ela pendurou a peliça na grelha de
secagem entre as meias e o vestido. — Agora, posso me
concentrar em explorar o baú do cisne.
Andrew riu. — Finalmente. O suspense estava me
matando.
Ela plantou as mãos nos quadris e arqueou uma
sobrancelha. — Você poderia ter começado sem mim.
Ele se levantou e colocou a caixa de madeira escura na
mesa entre as cadeiras estofadas. — Valorizo muito meu
pescoço. — Ele sorriu, suas covinhas aparecendo. — Milady
não está muito feliz em ser distraída de sua tarefa atual ou
usurpada em sua próxima, acho.
Ela riu. — Milorde é sábio nos costumes das mulheres.
O momento se estendeu enquanto ela admirava suas
feições bonitas, os dentes uniformes, a boca firme, o queixo
fino, mas quadrado, os olhos enrugados sob as sobrancelhas
retas, cor de areia. E, claro, as covinhas. Isso fazia seu
coração pular toda vez.
— Bem, — ela disse sem fôlego. — Devemos?
Ele assentiu e deu um passo para trás, gesticulando
para que ela abrisse o baú.
Ela afrouxou a alça de couro e levantou a tampa
articulada. Um cheiro de mofo, de poeira e ervas velhas
subiu. Dentro, uma manta verde de tartan desbotado estava
sobre uma bandeja de joias variadas. — Quantos anos você
acha que o baú tem? — Ela murmurou.
O braço dele roçou o ombro dela. Seu calor a rodeou por
trás. Aromas de baunilha, limão e alecrim fizeram cócegas em
seus sentidos. — Início do século XVI, eu diria. Carvalho.
Construção em painel. Marcenaria em encaixe. — Ele passou
por ela para traçar as linhas dos pescoços dos dois cisnes. —
Caro para o período. As esculturas são esplêndidas.
A respiração dela ficou presa quando uma dor se
estabeleceu baixo em sua barriga. Com a boca seca, ela
tentou se concentrar em algo diferente que sua proximidade.
A sensação de sua força em suas costas. O calor de sua
respiração brincando com seu cabelo.
— Suas primas disseram para que serve o baú?
Ela limpou a garganta. — Casamentos. É... é feito para
guardar artefatos. Registros de uniões Sinclair, histórias na
linhagem feminina, principalmente.
Ele levantou a manta e a segurou contra a luz. —
Conhecendo as mulheres Sinclair como conheço, aposto que
suas histórias são bastante extraordinárias.
— Mmm. Vamos dar uma olhada.
Sob a bandeja de joias, eles encontraram várias caixas
menores contendo itens que iam de pentes de cabelo de
mulher à adaga sgian-dubh6 de homem. Dentro de uma bolsa
de linho, encontraram até um nó de cabelo e um punhado de
dentes.
Mas no fundo do baú estava o verdadeiro tesouro.
Euphemia engasgou quando viu. Escuro como as coisas
antigas, o couro estava gasto e brilhante nas bordas. — Oh,
Andrew, — ela gritou, seu coração pulando. — É um livro!
Ele riu enquanto separava um emaranhado de correntes
e broches. — Eu amo uma mulher cujo coração é conquistado
tão facilmente.
Ela estalou a língua e cautelosamente levantou o volume
grande e pesado de seu berço. — Você não está errado. Olhe!
Ele até tem o mesmo design do baú. — De fato, a capa
apresentava um intrincado medalhão de ouro com dois cisnes
entrelaçados.
Nas duas horas seguintes, eles dividiram suas tarefas de
acordo com um longo hábito: ele examinava os artefatos
enquanto ela decifrava o texto. A maioria das histórias mais
antigas foi escrita em gaélico, uma língua com a qual ela
tinha apenas habilidade rudimentar. Andrew lhe entregou o
dicionário gaélico sem que ela tivesse que pedir.
— Obrigada, — ela murmurou, piscando para ele. —
Devo fazer mais chá, ou...
— Apenas leia. Vou tomar um gole de uísque e separar
os dentes do tesouro.
Leitura, era mais fácil falar do que fazer. Ela passou uma
hora decifrando as primeiras sete histórias, outra hora
desembaraçando linhas do tempo. A certa altura, Andrew lhe
trouxe um cobertor para o colo e uma taça de vinho. Ela lhe
sorriu, grata por ele a conhecer bem o suficiente para não
oferecer uísque.
Ele a provocou uma vez por ser uma escocesa que não
ligava para as coisas, e ela o lembrou que tinha nascido de
mãe inglesa e sido criada inteiramente em Wiltshire. — O
uísque queima, — ela explicou maliciosamente. — O vinho
seduz.
Ele pareceu atordoado por um momento; então, começou
a rir. — É vinho, senhorita Sinclair. Vinho é. — Isso fora em
Bergamo. Desde então, ele não lhe ofereceu nada mais forte
do que um rico Marsala7.
Agora, ele voltou de lavar a louça na cozinha para
perguntar: — Alguma coisa interessante até agora?
Ela se mexeu para pegar o dicionário na extremidade
oposta do sofá. — É tudo um pouco... — Ela balançou os
dedos. — Incompreensível.
Ele lhe entregou o dicionário antes de afundar na cadeira
em frente a ela. — Como assim?
— Os relatos mais antigos estão repletos de folclore
místico. Fadas. Sereias. — Ela balançou a cabeça. — Não
consigo separar os fatos do absurdo.
— Você tem certeza de suas traduções?
Ela mordiscou o lábio e assentiu. — A linguagem está
certa. Talvez esteja perdendo contexto.
— Alguns contos são mais simbólicos do que literais,
principalmente os mais antigos. Por que você não me lê o que
você tem até agora, e vamos ver se podemos entender isso?
Ela começou com o relato mais antigo, uma história
sobre um pescador perdido no mar que resgatou uma mulher
nua que se afogava em uma tempestade. Segundo a lenda, a
tempestade acalmou-se por uma breve hora, durante a qual
os céus se iluminaram com o misterioso fogo verde dos
“dançarinos alegres”, permitindo ao pescador avistar a mulher
flutuando perto de uma pequena ilha. A bela alegou não ter
memória de sua casa ou clã, mas de alguma forma, ela foi
capaz de guiá-lo de volta à costa de sua terra natal. O
pescador se apaixonou loucamente e eles se casaram pouco
depois. Ela lhe deu muitos filhos, mas um por um, todos os
filhos morreram em seu décimo oitavo ano. Em uma
tempestade de dor, o pescador saltou dos penhascos perto de
Girnigoe8 e morreu. Após sua morte, os gritos de lamento de
sua esposa podiam ser ouvidos por toda a terra. Ela o seguiu
e, rasgando o vestido de seu corpo, mergulhou nua nas
ondas, transformando-se em foca assim que sua pele tocou a
água. Os dançarinos alegres fizeram os céus brilharem verdes
mais uma vez, e ela carregou o marido para sua terra natal,
para nunca mais ser vista.
— Bem? — Euphemia perguntou quando ela terminou de
contar. — O que você acha?
Ele franziu a testa. — Ainda estou tentando imaginar.
Nua, você diz. Completamente?
Ela estalou a língua. — Seja sério. Os céus verdes dos
dançarinos alegres são a aurora boreal, é claro. E ela é
obviamente uma sereia. Mas as mulheres sereia não existem.
Então, o que isso significa em um sentido prático?
— Mulheres bonitas e nuas serão a morte de todos os
homens?
— Andrew.
Ele sorriu. — Sério. Certo. — Ele se inclinou para frente
com os cotovelos nos joelhos e puxou o lábio inferior. — Ele é
pescador. Encontrou uma mulher quase afogada que não se
lembrava de quem era ou não queria dizer. Alguém de um clã
rival, talvez.
— Mmm. Um bom motivo para ficar quieta. Pode explicar
como ela sabia onde era a casa dele.
— Ela volta para as terras Sinclair com ele, torna-se sua
esposa, dá à luz aos seus filhos. Mas os filhos morrem assim
que atingem a idade adulta. Nenhuma menção às filhas. Pode
ser uma doença transmitida pelo sangue. Pode ser que foram
mortos em batalha. Ou pode ser simplesmente má sorte. —
Ele encolheu os ombros. — Independentemente disso, ele se
perde em tristeza, se lança para a morte e, de alguma forma,
as verdadeiras origens dela são reveladas. Ela é exilada das
terras Sinclair, ou opta por sair, mas leva o corpo de seu
marido com ela. Fim.
Profundamente insatisfeita com sua interpretação, ela
bufou: — Isso é absurdamente trágico. Por que manter um
relato de uma história tão melancólica?
— A vida é muitas vezes trágica, receio.
— Bem, prefiro não me debruçar sobre essas coisas.
Ele acenou com a cabeça em direção ao livro. — Existe
uma história que termina mais feliz?
Ela cuidadosamente folheou o papel velho e tinta
desbotada. — Aqui está um. Não exatamente um relato
factual de Plínio, o Velho, mas certamente mais feliz que o
último conto. É sobre cisnes.
Embora ainda mais caprichosa do que o conto da sereia,
a história do cisne atraiu o carinho raramente reconhecido de
Euphemia pelo melodrama romântico. Ela se aproximou de
Andrew, baixando a voz para dar uma apresentação mais
fascinante. — Era uma noite escura e invernal, o filho do
chefe do clã Sinclair vagava sozinho pela charneca nevada,
tocando seu alaúde sob a lua cheia.
— Sozinho com seu alaúde em uma noite fria? Pobre
rapaz idiota.
Ela franziu a testa e empurrou seus óculos para cima. —
Andrew.
Ele retrucou. — Alguns homens se revigoram quando
estão em seus copos. E algumas... bem, alguns enfraquecem.
Mas é uma pena. Como um sábio disse uma vez, a vida é
trágica.
Ela revirou os olhos. — Silêncio, seu demônio atrevido.
Estou tentando contar uma história.
Ele fez um gesto com um floreio sinuoso. — Continue,
milady.
— O jovem vagueia pelas charnecas todas as noites,
tocando canções de saudade de seu verdadeiro amor. Ela é a
filha do moleiro. Pobre, suponho, embora a tradução possa
estar mais próxima de “humilde”. De qualquer forma, ela é
considerada uma noiva inaceitável para nosso triste príncipe,
e outra é escolhida. Infelizmente, sua nova noiva é uma moça
Campbell. — Euphemia fez uma pausa. — Você entende o
significado, sim?
O olhar de Andrew estava fixo nela. Apesar de sua
postura casual, ele parecia estranhamente faminto.
Estranhamente intenso. — Clã odiado. Longa rivalidade. A
união provavelmente foi negociada para resolver uma disputa.
— Bem assim. — Ela voltou ao texto, ignorando o
estranho calor em seu peito. — Na noite anterior ao seu
casamento, a noite mais longa do ano, o príncipe vagueia pelo
que acredita ser a última vez. Ele decide descansar ao lado de
um lago e toca seu alaúde tão docemente que um cisne
flutuando próximo se aproxima para ouvir.
Ela se inclinou para frente, notando que ele parecia
ainda mais fascinado quando ela o fez. No entanto, seu olhar
continuou caindo abaixo do queixo dela, por alguma razão.
Ela olhou para baixo. Bem coberto, ainda sem pingos ou
manchas. Enigmático.
Com um encolher de ombros mental, ela continuou sua
história. — Ela pede ao príncipe para tocar outra música e ele
toca. — Ela franziu a testa. — É preciso assumir que pedidos
musicais de animais selvagens eram uma ocorrência
rotineira.
Sua risada foi baixa e rouca. — Nada para se alarmar.
Apenas a vida selvagem local parando para fofocas e
biscoitos.
Ela riu, irradiando sua diversão. — Você pode imaginar?
— Sua mão pousou em sua barriga. — Ah, biscoitos parecem
adoráveis agora.
Seu sorriso desapareceu, seu olhar baixando novamente.
Ele passou a mão pela boca e esfregou a nuca. — O que
acontece depois?
— O príncipe concorda. Ele toca música após música até
tarde da noite. A certa altura, ela pede para se encontrarem lá
novamente na noite seguinte. Mas ele a informa que vai se
casar e, depois disso, seria enviado para a batalha.
— Um tocador de alaúde apaixonado no campo de
batalha? Isso não augura bem.
— Você não deve deixar o instrumento dele enganá-lo.
Ele se torna um guerreiro temível. Lendário, na verdade. Devo
dizer-lhe por quê?
— Acho que você deve.
— Por acaso, os Campbells quebram a trégua pouco
antes do casamento. Assim, a noiva pretendida do príncipe
nunca chega. Nosso príncipe procura a filha do moleiro,
apenas para descobrir que ela já se casou com outro. Mais
uma vez em desespero, por onde ele vagueia? Para o lago, é
claro. O cisne está lá. Eles conversam por um tempo, e ele
canta para ela durante toda a noite. Ele lamenta que deve
partir para a batalha no dia seguinte. Ela está tão encantada
com ele que se oferece para lançar um feitiço: quando a noite
estiver mais escura, ela o trará para casa de onde quer que
ele esteja vagando, desde que ele esteja disposto a lutar
contra os deuses para estar ao seu lado.
— Batalhar com deuses? Uma exigência exorbitante em
um relacionamento tão curto. — Ele esfregou o queixo
pensativamente. — Este cisne. Ela estava completamente
nua?
— Pelo amor de Deus, Andrew.
— Muito bem. Quais deuses estamos contemplando? Os
Sinclairs são da raça Viking, sim? Odin, Thor, Valhalla e
assim por diante? Esse grupo vai fazer picadinho do alaúde
do nosso belo príncipe, receio.
Ela balançou a cabeça. — Isso se refere aos “dançarinos
alegres” novamente. A aurora.
— Não tão alegres, entendo.
— Nem dançarinos, na verdade. Na fir-chlis são os
“homens ágeis”. Na tradição escocesa, eles são espíritos
guerreiros que brigam nos céus, resultando em luzes verdes,
vermelhas e roxas. O resíduo da batalha, por assim dizer.
— Ela quer que seu príncipe se junte a eles, hein? Cisne
sanguinária.
Euphemia examinou o texto novamente, lutando com
alguns dos tempos verbais e formas arcaicas. — Acho que é
melhor entendido como... seu feitiço mais poderoso,
relutantemente lançado por uma causa desesperada. Ela está
profundamente apaixonada.
— O alaúde dele deve ser impressionante.
— O poder da batalha mística o impulsionará a qualquer
distância, embora ele deva lutar para se libertar e poder
retornar à terra, assim estar com ela. E isso ele faz.
Repetidamente, ele quer voltar para casa, derrotando
probabilidades impossíveis e ganhando força incomparável
como resultado. Quando seu pai morre, o príncipe é feito
chefe. No entanto, ele se recusa a tomar uma esposa, pois se
apaixonou pelo cisne e não pode suportar se separar dela.
— Mmm. Os cisnes se acasalam para sempre.
Seus olhos voam para os dele.
Os lábios dele se curvam. — Ou, assim me disseram.
Rapidamente, ela voltou ao texto, desejando que seu
coração parasse de bater cada vez que uma de suas covinhas
aparecesse. Ela respirou fundo e continuou: — Pelo que
entendi, ele visita o lago um dia para descobrir que a ave
desapareceu. Em seu lugar está uma linda jovem com cabelos
brancos e a voz do cisne. Ela implora que ele perdoe sua
mentira e revela que ela é Máire Campbell, uma vez sua noiva
pretendida. Infelizmente, os Sinclairs continuam em guerra
com os Campbells, mas ela o convence a fazer as pazes. Ele
faz isso tempo suficiente para contrair o casamento. Eles são
casados, e ela lhe dá duas filhas. Gêmeas. — Ela parou, pega
nas últimas dez linhas do texto.
— O que foi?
— Ele... ele morre.
— Isso foi abrupto. Batalha?
— Não. As últimas dez linhas descrevem como ele foi
traído por uma facção rebelde de seu próprio clã. Eles não se
importavam com a paz dele com os Campbells,
evidentemente. — Ela vira uma página. E outra. E outra. —
Quando estava traduzindo, eu não percebi... isso não pode ser
tudo. O que acontece com Máire? As gêmeas? Onde está o
final?
— Perguntei isso, eu mesmo. — Vagamente, ela o ouviu
se levantar, sentiu-o circular atrás dela para ler por cima do
ombro. — Às vezes, esses livros antigos sofrem com páginas
soltas, — ele murmurou. — Deixe-me procurar no baú.
Momentos depois, ele deslizou duas metades de uma
página rasgada em seu livro aberto. — Oh! — Ela olhou para
cima, encontrando sua mandíbula perto o suficiente para
beijar. Ele cheirava adorável, como sabonete de barbear de
limão. — Obrigada.
Com um sorriso lento, ele se endireitou. — Não deixe a
história inacabada.
Ela piscou e começou a trabalhar. Enquanto ele se movia
ao seu redor, ela lutava contra as distrações: sua respiração,
seu cheiro. O formigamento suave de seu olhar tocando sua
pele de vez em quando. Normalmente, ela não se incomodava
com essas coisas. Mas esta noite estava longe de ser comum.
Lá fora, a neve havia parado e o vento se acalmado. Na
lareira, o fogo estalou. Chiou.
Quando ela finalmente olhou para cima, ele estava
parado na janela de costas para ela. — Acho que consegui, —
disse ela suavemente.
Ele virou. — Então o que aconteceu? Máire e suas filhas
foram expulsas?
Ela balançou a cabeça. — Os homens que mataram seu
marido foram encontrados mortos na próxima lua cheia.
Máire permaneceu nas terras Sinclair pelo resto de sua vida.
Suas filhas cresceram e se casaram. De acordo com este
conto, elas são a fonte de “magia” na linha feminina. Puro
lixo, é claro, mas é uma boa matéria prima para nossas
parentes mais excêntricas.
— Suas primas, por exemplo.
— Sim. — Ela olhou mais de perto para a passagem
final. — A história termina assim: Máire lamentou o marido
até seus últimos dias. Após sua morte, diz a lenda, toda vez
que os dançarinos alegres aparecem, também aparece um par
de cisnes em um pequeno lago em Caithness.
Ele veio para ficar atrás dela novamente. — Um par?
Implicando que eles estão reunidos.
Sua garganta se apertou. A luz rodou. Ela limpou por
baixo dos óculos e fungou. — Ele luta para voltar para ela. E
ela espera por ele. De novo, e de novo, para sempre.
Sua mão apareceu, oferecendo um lenço. Quando ela
pegou o quadrado de linho, seus dedos chamaram sua
atenção. Eles foram agredidos pior do que ela pensava.
Depressões profundas, inchaço e hematomas se
desenvolveram ao longo do dia. Com o coração apertado, ela
agarrou seu pulso e trouxe sua mão para mais perto. —
Andrew, — ela repreendeu suavemente. — Olhe para você.
Isso dói?
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos em
cada lado dos ombros dela. Um leve fluxo de respiração
quente fez cócegas em seu pescoço. — Não, — ele disse com a
voz rouca. — Comparado a algumas dores, não é nada.
Ela o acariciou com os polegares, admirando a força de
suas mãos. As proporções elegantes. O calor reconfortante. —
Você não deveria ter batido nele.
— Gibbs? Nenhuma escolha. Ele agarrou você.
— Foi precipitado.
— Foi necessário.
— Não gosto de você sendo ferido.
— Eu sinto o mesmo.
— Você não deve fazer essas coisas por mim novamente.
— Que coisas?
— Machucar a si mesmo. — Sua garganta se apertou
novamente enquanto considerava o verdadeiro dano feito
neste dia. — Casar comigo. O escândalo será terrível.
— Absurdo. Assim que anunciarmos nossas núpcias,
essa pequena desventura será esquecida.
Ela balançou a cabeça. — Anunciar? Não seja tolo.
Devemos anular o casamento o mais rápido e silenciosamente
possível.
Ele retirou a mão. O calor atrás dela desapareceu. —
Euphemia.
Ela devia resolver isso. Não permitiria que ele sofresse
por sua causa. — Talvez possamos negar que o casamento
tenha ocorrido. — Aquecendo-se com a ideia, ela se moveu
para o olhar, mas ele se afastou novamente para olhar pela
janela. — A única prova é a carta que assinamos. Certamente,
cinco xelins poderiam comprar o silêncio do dono da pousada
com a mesma facilidade com que comprou seu tempo.
Sem resposta. Ele ficou rígido, uma mão apoiada no
invólucro, a outra apoiada em seu quadril.
— É a solução perfeita, — ela continuou. — Vamos
simplesmente descartar a carta e fingir que esse dia inteiro
nunca aconteceu. Tudo será como era antes.
O silêncio caiu, pontuado apenas pelo fogo crepitante.
— Andrew?
Sem dizer uma palavra, ele se afastou da janela, abriu a
porta e saiu com um estrondo.
Ela se encolheu. Sua cabeça cambaleou.
Cuidadosamente, ela se levantou para colocar o livro dentro
do baú. Ele classificou todos os pequenos itens, ela notou. As
joias estavam ordenadamente categorizadas na bandeja, os
vários linhos dobrados em pilhas, os artefatos organizados de
acordo com a data e o tipo.
Ele tinha feito isso por ela.
A respiração saiu em uma rajada dolorosa.
Ele veio para a Escócia por ela.
Bateu no Sr. Gibbs por ela.
Ele se casou com ela para que ela pudesse ter o tesouro
que procurava.
E ela tinha acabado de lhe dizer que desejava esquecer o
que aconteceu.
Mal-estar gelado a atingiu por dentro. Um torno
implacável apertou seu peito. Como ela deve ter parecido
ingrata. Como ele deve se arrepender de tê-la contratado.
Ajudado. Protegido, como tinha feito uma e outra vez nos
últimos três anos. Ele pensou que ela não tinha notado todas
as provocações que ele ignorou de colegas do sexo masculino
sobre a contratação de uma secretária. Ele pensou que ela
não se lembrava de todas as vezes que ele a impediu de
tropeçar cegamente em uma estrada movimentada com uma
mão gentil e firme. Todas as vezes que pegou um vaso ou
urna de valor inestimável, ela acidentalmente derrubou,
colocando-o de volta na prateleira como se ele estivesse
simplesmente folheando a mercadoria. Todas às vezes, em
outras palavras, que ele a resgatou sem causar-lhe um
momento de angústia.
Céus, ele era um homem gentil. E cuidava tão bem dela.
Ela não podia deixar a conversa inacabada. Deveria fazê-lo
entender quão grata estava. O quanto queria retomar seu
acordo anterior em que ele não precisasse fingir um apego
romântico por ela, e ela estava livre para amá-lo, mesmo que
esse amor devesse ser disfarçado.
Ela não podia deixar isso passar. Não podia deixá-lo ir.
Não sem luta.
Frenética agora, ela correu para calçar suas meias botas
úmidas. Então, pegou o casaco dele na grelha de secagem,
enrolou o cobertor em volta do corpo como uma manta, e
correu para a escuridão gelada.
 
4

Nuvens haviam rasgado seu cobertor, abrindo o céu e


trazendo uma claridade amarga. O ar que Andrew respirava
parecia cristalino. Nítido. A escuridão parecia absoluta.
Não era, claro. A lua nublava logo abaixo do horizonte.
Estrelas cobriam o negro como pó de diamante. A neve era
um mar de azul refletivo. Ele não tinha andado muito, então a
luz das janelas oferecia um brilho fraco e dourado. Parando
um pouco além do estábulo, ele apoiou um ombro contra a
madeira desgastada.
Ela não queria isso. Não o queria.
Ele deveria saber. Por mais de dois anos, ele esperou,
fazendo propostas sutis aqui e ali. Às vezes, ele imaginava que
ela sentia o mesmo. Mas então, ela mudava a discussão de
volta para o trabalho ou chá ou algum tópico neutro,
aparentemente alheia. Ele não pressionou, hesitante em
arriscar perder o que tinham por uma chance de algo mais.
Ele sempre temeu perdê-la. Mas talvez fosse inevitável.
Na quietude, o clique e o gemido da porta se abrindo o
alcançaram facilmente. O barulho de meias botas na neve. A
respiração delicada de sua pessoa favorita. Crac, crac, crac.
Huff, huff, huff.
Ele quase sorriu. — Está muito frio para você estar aqui
fora, Euphemia, — disse ele. Deus, seu peito doía. Ele o
esfregou distraidamente. — Volte para dentro, agora.
— Trouxe seu casaco. — Pequenos passos de trituração.
Hesitação. — Andrew. Eu... preciso que você saiba de uma
coisa.
Ele esperou.
— Estou agradecida por você ter vindo me buscar. Muito
agradecida. — As respirações ofegantes ficaram irregulares.
Uma voz doce se contorceu. — Estava perdida sem você aqui.
Nem podia admitir isso para mim mesma. Mas senti sua falta
terrivelmente.
Ele fechou os olhos, reunindo forças para encará-la.
Finalmente, a encarou. Ela era uma silhueta prateada, aqui
no escuro. Seu cabelo brilhava branco-azulado. Seus lábios
macios eram uma curva trêmula. Ele podia apenas ver o
brilho de seus óculos, a umidade em suas bochechas.
Sofrendo, ele limpou uma lágrima com o polegar. — Também
senti sua falta. — Tanto que tinha arrancado seu coração.
Mais lágrimas caíram.
Ele suspirou e segurou sua mandíbula. — Não chore,
querida.
— Não posso evitar. Eu não vou perdê-lo. Recuso-me
categoricamente.
— Perder-me? O que você está falando?
— Você está com raiva porque me acha ingrata. Mas a
verdade é bem o oposto. — Ela apertou o pulso dele. Acariciou
a palma da mão. Respirações irregulares bufavam contra sua
pele. — Os últimos três anos foram os mais felizes da minha
vida.
Ele queria atraí-la, beijá-la sem fôlego. A dor consumiu
seu corpo, apertando cada vez mais até que cada pulsação
doía. Para se distanciar da tentação, ele se afastou. Ele
arrancou o casaco de seus dedos e o vestiu. — No entanto,
você não deseja ser minha esposa.
Ela fungou. Pausou. Limpou o queixo com o pulso. —
Isso não é verdade.
— Foi o que disse.
— Não, eu… eu não quero que você se sinta preso.
— Foi minha maldita ideia. Um homem não arma uma
armadilha de casamento para si mesmo.
Ela deu um grunhido exasperado. — Para quem ele
arma, então?
Ele deixou seu silêncio responder por ele.
— Não. Se você quisesse se casar comigo, teve amplas
oportunidades de transmitir tais afeições.
— Muitas das quais usei, embora você tenha ignorado
cada uma. O jantar em Milão. A dança em Paris. O passeio de
praia em Northumberland. Pelo amor de Deus, carreguei o
anel de sua mãe no bolso desde Londres.
— Aqueles eram... você não quis dizer... — Ela ergueu o
queixo teimoso. — Não sou seu tipo, Andrew. Não se pode
reescrever a história simplesmente porque não gosta do final.
— Isso é outra coisa. O que lhe deu a ideia de que você
“não é meu tipo”?
— É evidentemente óbvio.
— Não para mim.
Ela soltou um suspiro trêmulo. — Você gosta de belezas
de cabelos negros. Tipos graciosos e etéreos. Eu tenho cabelo
loiro e um hábito infeliz de bater nas coisas.
— Seu cabelo é esplêndido.
— Talvez. Acontece que gosto da cor. Mas sua
preferência é pelo preto.
— De onde vem isso?
— Todo mundo sabe. Todos falam sobre isso. Charlotte,
por exemplo. Quando a visitamos no verão passado, ela
trabalhou diabolicamente duro em um casamento entre você
e uma beleza requintada de cabelo preto.
Charlotte era sua prima, suas mães eram irmãs. Mas os
Farringtons a acolheram quando ela era uma menina e ele era
um bebê, então eles cresceram juntos, próximos como irmãos.
Ele adorava sua alta, desengonçada e ruiva “irmã” desde o
início, e ela o adorava em troca. Como Euphemia, ela era um
pouco desajeitada, seus longos membros às vezes derrubando
o chapéu de sua cabeça. Desde tenra idade, ele aprendeu a
acomodar seus percalços, ensinando-se a antecipar
trajetórias e pegar as coisas no meio da queda. Mas, por mais
que gostasse de sua prima, ele não tinha apreciado seus
esquemas casamenteiros, e calmamente disse isso a ela
depois de perceber o que ela tinha em mente.
— Charlotte é como uma irmã para mim, como você
sabe, — disse ele. — Mas até as irmãs cometem erros de
cálculo. Passei algumas horas na festa da casa do vizinho
dela, a maioria envolvendo xadrez de jardim, tortas de
pêssego e meu sobrinho me extorquindo descaradamente.
Passei o resto de nossa quinzena em Northumberland na
companhia de uma mulher diferente. Você se lembra de quem
era?
Um segundo se passou. — Eu.
— Certo.
— Mas isso é só porque sou sua secretária.
— Quantos cavalheiros você acha que levam suas
secretárias para uma visita de família em Northumberland?
Mais silêncio. — Nenhum?
— Certo. Quantos cavalheiros você acha que compram
um manto e regalo para suas secretárias deixarem tolamente
para trás em Londres?
— Apenas um, — ela sussurrou.
— Certo.
— Isso não pode ser verdade. Você não pode estar…
— Apaixonado por você? — Sua risada foi atada com
desespero. — Bom Deus, mulher. Eu te amo desde Bergamo.
Ela engasgou. Cambaleado para trás. Sacudiu a cabeça.
— Cuidado. Nós não gostaríamos de uma repetição de
sua queda no pátio.
— É por isso que você me levou a todos os lugares com
você? Até para aquele mercado terrível em Tânger?
Ele sorriu secamente. — Eu sempre disse, um caçador
de tesouros está perdido sem seus bens preciosos.
Ela se aproximou. Croc, croc, croc. Huff, huff, huff. —
Você me considera... preciosa?
— Como meu próprio coração.
Um meio grito estranho saiu dela. Mais lágrimas
pegaram a luz, que de alguma forma estava ficando mais
brilhante. Mais verde. Seus olhos se fecharam. Seus dedos
cobriram seus lábios. — Andrew, — ela disse sufocada.
— Eu lhe darei a carta, — ele murmurou, seu coração
torcido. Quebrado. — Você pode fazer com isso o que quiser.
Queime. Guarde. Envie para o pároco.
— Querido céus, — ela sussurrou.
— Eu vou ajudá-lo a obter um novo cargo, se esse for o
seu desejo. Mas meu desejo é continuar sendo seu marido. No
meu coração, você foi minha esposa por um bom tempo, mais
de um dia.
Ela ofegou, sua respiração ficando clara, seu pequeno
nariz rosado de lágrimas e frio. Em uma corrida de água de
rosas, ela se apertou contra ele, deslizou os braços dentro de
seu casaco para agarrar sua cintura e enterrou o rosto em
sua gravata.
O choque o balançou nos calcanhares. Lentamente, ele a
envolveu apertado. Mais apertado. Eles ficaram assim,
abraçados, por longos minutos. Os únicos sons eram suas
respirações e o trovão distante das ondas atingindo altos
penhascos.
— Andrew, — ela murmurou, sua voz abafada por linho e
lã. — Olhe para o céu.
Ele piscou. Olhou para cima. As estrelas tinham
praticamente desaparecido. Em seu lugar havia luz. O verde
brilhante acenou como uma bandeira. Fitas violetas
ondulavam nas bordas. As luzes ondulavam. Dançavam. A
luminescência pintou o céu negro e a neve branca de verde,
vermelho e roxo.
Mãos frias, pequenas e trêmulas seguraram sua
mandíbula. Arrastou-o para baixo. Euphemia… sua
Euphemia… sussurrou contra seus lábios: — Nossa carta
será compartilhada com o reitor para que ninguém questione
o casamento.
Seu coração saltou, batendo mais rápido quando ela
roçou sua boca na dele.
— Então, ele irá para o baú de cisne para que nossas
filhas possam um dia saber até onde seu pai estava disposto
a ir por causa de sua mãe. — Outro toque. Um movimento de
seus polegares e um sorriso radiante. — Você deve ter certeza.
Você tem?
Ele a agarrou com mais força, apertando seus quadris
contra suas coxas. Sua cabeça girou. Pensamentos
emaranhados. Ela o queria? Pretendia continuar o
casamento? Ela era dele? Bem e verdadeiramente dele?
Apesar do início súbito e agudo de loucura luxuriosa, ele
conseguiu assentir.
— Não vou tolerar infidelidade, — ela avisou. — Não
haverá amantes angelicais de cabelos pretos quando você se
cansar da minha palidez.
— Euphemia. Não há possibilidade de...
— E nossos filhos provavelmente serão loiros. — Outro
beijo insatisfatoriamente breve. — Não pode ser evitado.
— Pelo amor de Deus… aqui. Permita-me. — Ele
embalou o rosto precioso de sua esposa e a posicionou para
sua boca. A luz verde dançou em seus olhos. Amor e desejo
formaram uma nuvem quente e expansiva dentro dele.
Pressionou para fora e para cima. Isso fez seus ossos doerem.
Ele mergulhou em sua boca, sem conter nada. Ele tomou
seus lábios e deu-lhe a língua. Ele provou mel e vinho, maçã e
especiarias. Euphemia. Ela era a coisa mais deliciosa que ele
já teve.
E havia mais. Muito mais.
Pequenos seios doces esfregaram contra seu peito.
Doces, quadris estreitos se contorceram dentro de seu aperto.
Grunhidos doces e dedos delicados e desesperados cravaram
nele, aumentando sua luxúria. Ofegante e pronto para
explodir, ele se afastou para sussurrar: — Devemos... entrar.
Ela assentiu freneticamente e tentou escalá-lo como um
macaco subindo em uma árvore. Os dedos dela cravaram em
sua nuca enquanto ele a levantava mais alto contra seu
corpo. Suas pernas de alguma forma circularam seus quadris
enquanto ele cambaleava em direção ao chalé. No meio do
caminho, ela começou a beijar sua garganta e se agarrar.
Mordiscando. Exigente.
Ele gemeu. Tropeçou. Seu membro doía como uma ferida
maldita. Suas mãos cavaram em suas coxas onde eles
flanquearam sua cintura. Ele pretendia abrir a porta. Em vez
disso, não pôde resistir a segurá-la contra ele e esfregar seu
pênis contra ela.
A cabeça dela caiu para trás. A mulher suave, quente e
perfumada de rosas embalou sua dureza tão docemente,
mesmo através de camadas de linho e lã, que ele quase gozou.
Essa taxa de intensidade era alarmante. Eles nunca
chegariam à cama.
Mas isso não o impediu.
Ele de alguma forma conseguiu abrir a porta, cambalear
para dentro sem deixá-la cair e apoiá-la contra a parede mais
próxima. Mais esfregação. Ela gemeu, arqueando as costas de
forma a lembrá-lo de que ainda não tinha visto seus seios.
Bom Deus. Ele devia ver seus seios. Vinha sonhando
com eles há anos.
Sua boca macia devorou a dele repetidamente. Ela não
iria soltá-lo tempo suficiente para ele despi-la. Ou recuperar o
fôlego.
Quem precisava de ar? Certamente não ele. Mas estava
faminto por seus mamilos. Aqueles que queria o suficiente
para fazer uma pausa. Para pensar, mesmo que apenas um
pouco. Ele a moveu alguns metros para a direita para que ele
pudesse apoiar seu traseiro na mesa.
— Amor, — ele ofegou, arrancando seu casaco e seu
cobertor. — Deixe-me tirar seu vestido.
— Não há tempo, — ela insistiu, acariciando sua
garganta e rasgando seus botões. — Basta erguer.
— Não estou fazendo isso. Eu quero ver o seu...
Ela apertou sua boca contra a dele, brincando com sua
língua e arrancando sua camisa da calça.
Ele grunhiu. Gemeu. Quase se dobrou ao meio enquanto
seu pênis se preparava para enchê-la. — Doces e
misericordiosos anjos, — ele murmurou. — Quero você nua.
Agora.
Ela gemeu como uma mulher com dor. — Esta febre. É
louca. Eu o quero tanto.
— Sim, sim. Primeiro, o vestido. Para cima, vamos. — Ele
a ergueu alto com um braço ao redor de sua cintura.
Ela engasgou quando ele levantou suas bainhas pelas
coxas e deslizou a mão sob seu traseiro nu. Então, ela gritou
quando ele a colocou na madeira.
— Andrew! Isso está frio.
— Desculpe, amor. — Ele fez um trabalho rápido em sua
camisola e vestido puxando ambos sobre sua cabeça,
deixando-a nua em um instante. Apenas suas meias e meias
botas permaneceram. Cada outra parte dela estava nua.
Um gemido longo e baixo escapou da garganta dele. Ele
se concentrou em seu rosto primeiro. Aqueles olhos redondos
e aveludados de jade estavam encobertos e escuros de
luxúria. As bochechas leitosas ficaram rosadas
delicadamente. Os lábios carnudos estavam inchados de seus
beijos. Uma doce língua rosa brilhou para deslizar a curva
inferior.
Seus olhos se aventuraram mais abaixo, e ele foi quase
arruinado. Ah, eles eram pequenos, mas perfeitos. Delicados
mamilos rosados como conchas do mar estavam
flagrantemente eretos em cima de montes firmes e nevados,
tão doces quanto xícaras de chá.
Mais abaixo ainda, uma mecha de cachos louro-brancos
fazia pouco para esconder pétalas brilhantes coradas de rosa
profundo e encharcadas de desejo. O cheiro de água de rosas
dela fez sua cabeça girar.
Vagamente, ele considerou a possibilidade de que sua
primeira vez juntos não duraria mais do que levaria para fazer
chá. Ele teria que compensá-la.
Seu pênis esperou dois anos. Queria estar dentro.
— Agora, você, — ela exigiu.
Ligeiramente, compreendeu o que ela queria dizer,
arrancando o colete, a gravata e a camisa. Ela perdeu a
paciência diante da gravata e começou a desabotoar a calça
dele.
Freneticamente, eles trabalharam para libertá-lo de suas
roupas, alcançando apenas um sucesso parcial. No final, seus
mamilos foram os culpados. Eles o tentaram a mamar.
Provar. A mordiscar e desenhar profundamente. Ela se
contorceu, puxou seu cabelo e quase o sufocou com a gravata
que de alguma forma permaneceu em torno de seu pescoço
nu.
— Andrew Farrington, — ela gritou em uma voz alta e
fina quando ele deslizou dois dedos em sua vagina ensopada e
virginal. — Um pequeno aviso teria sido... isto é... oh, que
coisa.
— Mais fundo? — Ele perguntou depois de renunciar ao
seu mamilo esquerdo inchado. — Você é apertada.
Ela assentiu freneticamente e arqueou as costas.
Ele mergulhou mais fundo. Sugou com mais força.
Circulou seu botão inchado com o polegar e deu-lhe mais. Ao
máximo, agora. Pequenas ondulações doces ameaçavam.
Pulsavam. Ela estava pronta.
Ele removeu seus dedos, deu um toque carinhoso em
sua protuberância carente, então posicionou seu pênis em
sua entrada. Manteve seu olhar. Deitou-a e apoiou-se em
cima dela com as pernas em volta da cintura dele, os braços
em volta do pescoço e os lábios sussurrando seu nome. O
amor por ela… sua preciosa e necessária Euphemia… o
encheu até que sua pele se esticou.
Ela ainda usava seus óculos. Ele ainda usava suas
botas.
Ele sorriu maliciosamente.
Ela também. Ela traçou um dedo sobre seus lábios. Seus
olhos brilhavam tão brilhantes quanto os dançarinos alegres.
Sua expressão se suavizou em ternura. — Eu o amei por mais
tempo, sabe, — ela sussurrou. — Antes de Bergamo. Antes de
Londres, até. Eu o amei desde o início.
Seu coração parou. Bateu. Doeu com a plenitude dentro
dele.
Ele a penetrou em um golpe. Ela estremeceu um pouco.
Mas logo, ela pegou seu ritmo, longo e lento. Profundo e firme.
Enquanto ele dirigia cada vez mais fundo, mais rápido e mais
rápido, ela segurou seu rosto e beijou sua boca e o manteve
em cativeiro.
A mulher quente e molhada o apertou com força.
— Eu lutaria contra deuses por você, — ele grunhiu,
estabelecendo um ritmo acelerado. — Eu lutaria todos os
malditos dias para voltar ao seu lado.
Um sorriso. Um gemido de prazer. Uma lágrima feliz. —
Eu a seguiria pelos penhascos de Girnigoe e a levaria para
casa comigo para que nunca nos separássemos.
Ele a tomou mais fundo, dirigindo forte o suficiente para
bater repetidamente a mesa na parede. Nenhum deles se
importou. Prazer envolvente, tenso, preso e agarrado. Seu
corpo lustroso endureceu e apertou, exigindo que ele a
enchesse enquanto ela gritava no auge de seu prazer.
A maravilha dela… o amor de Euphemia, o coração de
Euphemia, para sempre dele… o arremessou em direção ao
ápice. Ele enterrou o rosto em seu incomparável cabelo louro-
branco. E se viu lançado ao céu, preso à terra e despedaçado
em poeira estelar, de uma só vez.

O sol nasceu tarde de uma manhã de inverno nas Terras


Altas. Euphemia não se importou. Ela se esticou
preguiçosamente ao lado de seu marido e se aconchegou mais
profundamente em sua cama.
— Eu gostaria de passar o Natal com Charlotte e sua
família, — disse ela, apoiando o braço no peito dele e o queixo
no braço. — Talvez possamos visitar Northumberland no
caminho de casa. — Ela traçou um dedo sobre seus lábios
adoráveis. — Você acha que eles vão aprovar?
— Do Natal? Sim, eu acho que sim. O jovem Jameson
gosta de pudim.
Ela revirou os olhos. — Homem tolo. Minha pergunta era
se eles vão me aprovar. Afinal, eles são o Marquês e a
Marquesa de Rutherford. Um dia, você será Sir Andrew
Farrington. — Ela suspirou. — Quem sou eu? Uma assistente
de pesquisa. Uma secretária particular. Escriturária
glorificada, realmente. Você seria mais facilmente perdoado
por se casar com sua governanta.
Ele a beijou e deu um tapinha em seu traseiro nu. —
Absurdo. A Sra. Brooks faz um chá horrível.
Ela bufou com uma risada.
— Você é a mulher que eu amo, — ele murmurou. —
Uma noiva Sinclair brilhante e engenhosa com o sangue das
lendas correndo em suas veias. — Ele a beijou novamente. —
Você é meu tesouro mais necessário.
Seu coração deu giros, derretendo pelo homem que ela
adorava.
— Além disso, — ele continuou, — se os títulos
importam, você será Lady Farrington um dia. Até lá, você é a
Sra. Farrington. E, quando estivermos a sós, você será a
Feiticeira Nua Euphemia, Conjuradora dos Dançarinos
Alegres e Cativadora dos Maridos. Bem, um marido. Eu.
— Hum. Eu me esforçarei para ser digna de um título tão
exaltado.
Várias horas após, depois de ganhar repetidamente seus
louros, ela estava colocando os últimos grampos em seu
cabelo quando ouviu o barulho abafado de uma carruagem do
lado de fora.
Andrew fez uma pausa antes do próximo deslize de sua
navalha. — Droga. Disse ao cocheiro que voltasse antes do
meio-dia. Confesso que esperava que ele fosse um pouco
menos pontual.
— Termine de se barbear, — disse ela. — Vou falar com
ele.
Do lado de fora, o mundo era um reino de tirar o fôlego
de azul nítido e branco cintilante. Ela embrulhou seu xale
mais apertado e soprou em suas mãos. O tempo claro era
adorável, mas estava frio.
A três metros de distância, o cocheiro desmontou e tirou
o chapéu. — Senhorita.
Ela sorriu. — Senhora, na verdade. Ainda não estamos
prontos para partir. Você gostaria de um chá?
Ele estava acenando em agradecimento quando a porta
da carruagem se abriu. Saiu a Sra. MacBean, parecendo
exausta. — Um pouco apertado para tirar uma soneca, isto
aqui.
— Mary! — Euphemia abraçou a velha e a conduziu até o
chalé. — Eu não esperava vê-la aqui esta manhã.
— Isso é exatamente o que os irmãos Brodie costumavam
dizer depois de uma longa noite e três garrafas de uísque.
Euphemia a arrastou para dentro e se ocupou em servir
o chá. O cocheiro bebeu o seu rapidamente e voltou para fora
para cuidar dos cavalos. A Sra. MacBean andava de um lado
para o outro, parando para passar a ponta do dedo sobre os
entalhes do peito do cisne.
— O que a traz aqui? — Euphemia perguntou,
entregando-lhe uma xícara.
Mary sentou-se em uma das cadeiras perto do fogo. —
Esqueci de lhe dar seu presente de casamento ontem.
Andrew entrou no salão. Ele usava seu casaco marrom
mais escuro e um colete de bronze. Ele parecia tão arrojado e
tão feliz que Euphemia quis pular em cima dele e lhe exigir
que a beijasse.
— Você quer dizer que meu chá favorito não foi nosso
presente de casamento? — Ele disse.
A Sra. MacBean sorriu por cima da borda de sua xícara.
— É um bom chá. Pedi a um amigo que o enviasse de
Londres. Ele também é inglês. Sinta-se à vontade para mantê-
lo, rapaz.
Andrew pegou a xícara fresca que Euphemia ofereceu e
deu a ela um sorriso lento e devastador. — Acho que serviu ao
propósito.
O coração de Euphemia deu um pulo. Ela queria derreter
no sofá.
― Oh, moça, você conseguiu uma bela captura. Lembra-
me o irmão Brodie mais novo. Tinha covinhas em todas as
bochechas. — Ela tomou um gole e balançou a cabeça. —
Essas covinhas iriam piscar para você quando ele estivesse se
sentindo arrogante. Homem irresistível.
Andrew sentou-se ao lado de Euphemia e acenou com a
cabeça em direção ao baú do cisne. — Você tem nossa eterna
gratidão por isso, Sra. MacBean. Nenhum outro presente é
necessário.
— Ah, mas você vai gostar deste. — Ela colocou o chá na
mesa e enfiou a mão em uma bolsa de couro amarrada na
cintura. Depois de extrair uma pena branca, um pedaço de
xadrez vermelho e um cogumelo murcho, ela finalmente
retirou um medalhão circular do tamanho de uma moeda
grande. Tinha um par de correntes presas. Quando ela
balançou o medalhão diante deles, ele se separou em duas
metades.
Euphemia inclinou-se para olhar a meia-lua dourada. —
Oh. — Com dedos trêmulos, ela levantou a delicada filigrana
para mais perto. — Um cisne, — ela sussurrou.
— Sim, — disse a Sra. MacBean. — Duas metades de um
coração inteiro, entende? — Ela deslizou as duas metades
juntas e as encaixou no lugar. Seus pescoços arqueados
entrelaçados, seus corpos sobrepostos. Atrás do par de aves
havia uma lua prateada polida. E quando o medalhão estava
inteiro, uma bandeira de cobre envelhecido tornou-se visível
no céu. O cobre era verde.
A garganta de Euphemia se apertou. — Oh, céus, Mary,
— ela engasgou. A luz rodou. As lágrimas caíram. Andrew lhe
ofereceu seu lenço, e ela o aceitou de bom grado, enxugando
sob os óculos. — Como você …? Onde você …? Isto é …
— Sim, o moço Ross tem um grande talento. — A velha
deu de ombros. — É de se esperar, suponho. O pai dele é
ourives. — Ela franziu a testa. — Embora, o que um ourives
está fazendo administrando uma pousada está além do meu
alcance.
Andrew pegou a peça requintada na mão para examiná-
la mais de perto. — Extraordinário, — ele sussurrou. — Estou
sem palavras, Sra. MacBean. Obrigado. — Ele fez uma pausa,
seu olhar deslizando para Euphemia e brilhando com ternura.
— Obrigado por tudo. Não sei como vamos retribui-la.
A Sra. MacBean deu-lhes uma piscadela. — Mande chá
de vez em quando. Isso vai servir.
Euphemia fungou e sorriu largamente. — Certamente
iremos.
— Ah, e notícias dos gêmeos assim que nascerem.
Os olhos de Euphemia se arregalaram. Ela compartilhou
um olhar assustado com Andrew. — Gêmeos?
— Sim. Os gêmeos Sinclair não aparecem todos os dias,
sabe. Não duvide que seja para os melhores. — A velha sorriu
acima de sua xícara de chá. — Este mundo só pode suportar
um tanto de magia.
Notas

[←1]
Qualidade de incompleto, do que não está acabado, completo, perfeito.
[←2]
Murano é conhecida pela longa tradição de fabricação de vidro.
[←3]
Dornoch é uma cidade, estância balnear, paróquia e antigo burgo real no
condado de Sutherland, nas Terras Altas da Escócia.
[←4]
O Antínoo Aristeu é uma estátua de mármore, com 1,96 metros de altura,
representando Antínoo como Aristeu, o deus grego dos jardins, a quem se
deviam cuidar das abelhas
[←5]
Hospitais psiquiátricos são hospitais especializados no tratamento de
doenças mentais e/ou de "transtornos mentais"
[←6]
É uma pequena faca de um único gume usada como parte do vestido
tradicional das Terras Altas escocesas junto com o kilt.
[←7]
Marsala é um tipo de vinho fortificado produzido nos arredores da cidade que
lhe dá nome, na Sicília, na Itália. A exemplo de outros vinhos regionais, tem
denominação de origem controlada, que recebeu em 1969.
[←8]
Castelo Girnigoe, pertencente aos Sinclairs.

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