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A influência das correntes do pensamento científico na concepção dos paradigmas

funcionalista e crítico da Administração


Autoria: Raphael Schlickmann, Pedro Antônio de Melo

Por meio deste ensaio busca-se fazer uma reflexão acerca das correntes teóricas que deram origem à
Administração enquanto ciência. Num primeiro momento, são apresentadas as correntes teóricas
que formam a base do paradigma dominante no campo administrativo. No momento seguinte,
analisam-se também duas correntes que vem ecoando no paradigma crítico da Administração: a
dialética e a complexidade. Para os dois momentos faz-se uma breve incursão teórica e em seguida
algumas considerações acerca dos reflexos no campo da Administração. Por fim, faz-se algumas
considerações a luz das discussões realizadas ao longo do texto chegando-se a conclusão que é
necessária uma ampliação nos estudos que possam dar conta das limitações evidentes do paradigma
dominante no campo da Administração. Entende-se que a análise neste campo deve ir além do
simples descritivismo, ou das relações que nada relacionam. As pesquisas devem levar em conta
que o campo administrativo é apenas mais um, que não explica tudo e sequer consegue explicar a si
próprio se não leva em consideração as relações que mantém com os outros. Estes estudos, portanto,
não devem ter o intuito de dicotomizar, mas de complementar a discussão que está posta. Ao invés
de dividir, os discursos devem conversar, interagir, trocar. E isso só será possível se houver um
reconhecimento de que não há o caminho certo, mas que há vários caminhos.

1 Introdução

Por meio deste ensaio busca-se fazer uma reflexão acerca das correntes teóricas que deram
origem à Administração enquanto ciência. Num primeiro momento, procura-se apresentar as
correntes teóricas que formam a base do paradigma dominante no campo administrativo. No
momento seguinte, analisam-se também as correntes que vem ecoando no paradigma crítico da
Administração: a dialética e a complexidade. Para os dois momentos faz-se uma breve incursão
teórica e em seguida algumas considerações acerca dos reflexos no campo da Administração.

2 O Racionalismo na Administração

As idéias dos filósofos Francis Bacon e René Descartes, que viveram no séculos XVI e
XVII, perpetuaram-se e continuam mais vivas do que nunca. Estes foram os precursores das noções
de se encontrar o método certo para encontrar as respostas aos questionamentos que se fazia acerca
das coisas.
Bacon (1979) sugeria uma via (ou método): o da interpretação da natureza por meio da ação.
Nesse sentido, fez o uso de aforismos para mostrar a “complexidade das coisas” e o quanto era
necessário um método para serem compreendidas. Descartes (1979, p. 35) como Bacon mostrava
repúdio pela “erudição livresca” e pelo “preconceito herdado da tradição” e sugeria que a ciência
até então constituída nem fosse ignorada ou desprezada, mas ajustada pelo uso da razão ou
substituída, caso necessário. Esse “ajuste” proposto por Descartes (1979, p. 37-38), se daria por
meio do estabelecimento de quatro preceitos ou do “verdadeiro método” para se chegar ao
conhecimento de todas as coisas: jamais acolher algo como verdadeiro sem conhecer evidentemente
como tal (evitar a precipitação e a prevenção); dividir cada uma das dificuldades encontradas em
tantas partes quanto necessárias e possíveis para melhor resolve-las; conduzir os pensamentos por
ordem (dos objetos mais simples/fáceis de conhecer aos mais compostos); e fazer em toda parte
enumerações tão completas e revisões tão gerais com a certeza de que nada foi omitido.
No campo da Administração prevalece essas idéias. Por mais que se tente descolar a
imagem da Administração como ciência prescritiva e normativa (não fica bem carregar essa marca),

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ainda impera neste campo este tipo de concepção. Desde o nascimento formal desta ciência no
início do século passado, com Taylor e Fayol, ainda hoje há expectativas em torno da nova “melhor
forma” de administrar, da nova “melhor ferramenta” ou do novo “melhor modelo” de gestão, entre
outras denominações. Tudo em nome de uma solução para os problemas organizacionais. É tido
como certo pela maior parte dos pesquisadores deste campo que a solução para estes problemas
existem e que cabe ao pesquisador encontrá-las por meio da pesquisa. Portanto, encontrar as
respostas aos questionamentos é uma questão de tempo. As respostas existem, resta apenas
encontrá-las. Resta apenas encontrar o caminho, o jeito, o método.
Isso fica bastante evidente, por exemplo, quando se acessa alguns dos maiores sites de
vendas de livros pela interneti e se busca pelos títulos “mais vendidos” na área de Administração.
As tão propagadas “novas abordagens” da análise do fenômeno organizacional que chegam a
criticar a abordagem clássica da Administração estão na verdade imbuídas desta. Nesse sentido,
espanta saber que não há muita evolução dessa visão de mundo – ao menos, de modo geral – no
campo da Administração. Principalmente quando se constata que esta não tem como raiz o
taylorismo, o fayolismo, o fordismo ou mesmo o webberianismo como muitos supõem. Essa visão
remonta aos séculos XVI e XVII, época em que nascem o empirismo e o racionalismo.
Do empirismo do qual Bacon faz parte e do racionalismo do qual Descartes faz parte
origina-se o criticismo kantiano que dá início à filosofia contemporânea (PADOVANI,
CASTAGNOLA, 1990). O empirismo e o racionalismo são precedentes ao criticismo kantiano,
enquanto que este dá origem a duas tendências antagônicas: ao idealismo (uma síntese do
racionalismo e do empirismo) e ao positivismo (uma oposição entre empirismo e realismo), daí o
papel central da filosofia kantiana na filosofia contemporânea (PADOVANI, CASTAGNOLA,
1990). Kant inicia seus trabalhos com uma crítica ao racionalismo de Leibniz e Wolff. Em seguida é
influenciado por empiristas como Locke e Hume, além de Rosseau (anti-racionalista e
democrático). Essas influências acabam culminando em uma desconfiança absoluta por parte de
Kant da metafísica racionalista em que antes acreditara, dando origem ao período crítico de sua
obra, denominado criticismo (PADOVANI, CASTAGNOLA, 1990).
As correntes filosóficas que sucedem o pensamento kantiano, no entanto, vão culminar na
renascença da filosofia racional, ou no modelo de racionalidade científica, como prefere Santos
(1988), que se refere a este modelo como o “paradigma dominante” atualmente.
O racionalismo com doses de prescritivismo e normativismo é uma das características do
paradigma dominante do campo da Administração. A seguir, apresentam-se outras destas
características, iniciando com o utilitarismo.

3 O Utilitarismo na Administração

“A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o
prazer”: é com essa afirmação que Bentham (1979, p. 3) inicia suas colocações acerca do princípio
da utilidade. Utilidade designa aquela propriedade existente em qualquer coisa em virtude da qual o
objeto promova o prazer (benefício, vantagem, bem ou felicidade) ou impeça a dor (dano, mal ou
infelicidade) de determinado indivíduo ou de uma comunidade em geral (BENTHAM, 1979).
Assim, uma determinada ação estará em consonância com o princípio da utilidade quando a
tendência em aumentar a felicidade de um indivíduo ou de uma comunidade for maior que sua
tendência a reduzi-la (BENTHAM, 1979).
Corroborando com as idéias de Bentham (1979), Jhon Stuart Mill, crê ser a utilidade, a
responsável por toda a ação humana, ou seja, para o crítico do positivismo inglês, as ações dos
homens são como que guiados por um utilitarismo moral (PADOVANI, CASTAGNOLA, 1990).
Essa moral, Mill busca explicar empiristicamente por meio da experiência (PADOVANI,

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CASTAGNOLA, 1990). Partilhando das mesmas idéias empiristas e utilitaristas de Mill, o também
positivista inglês Herbert Spencer, destaca-se pela aplicação do princípio da evolução – lei
fundamental dos fenômenos empíricos - o indivíduo ou se adapta ao ambiente tornando-se mais
forte ou sucumbe e morre. Este princípio surge de uma tentativa de aplicar os princípios e os
métodos das ciências naturais ao conhecimento dos problemas econômico-sociais que dominaram o
século XIX (PADOVANI, CASTAGNOLA, 1990).
Alguma semelhança destas idéias com o campo da Administração não é mera coincidência. Jeremy
Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903) viveram num
contexto histórico que foi culminar justamente com o início da ciência da Administração. Em outras
palavras, a ciência da Administração vai surgir impregnada dos valores discutidos por estes autores
entre o século XVIII e início do século XX. A palavra de ordem era utilidade. As pessoas deveriam
agir de forma a maximizar o seu próprio prazer. Para a ciência nascente caiu como uma luva. As
pessoas encontrariam a felicidade por meio da compra de produtos que facilitassem sua vida: os
produtos fabricados pelas indústrias nascentes. Os donos das fábricas teriam como retorno o lucro,
que lhes oportunizaria dinheiro para a compra de produtos que lhes satisfizessem.
Mais ênfase é dada também à divisão do trabalho, agora com o auxílio da maquinaria – que
vem para produzir mais o que seria melhor tanto para o dono da indústria (mais produtos = mais
lucro) quanto para o trabalhador da indústria (mais oferta = preços mais baratos).
Assim, a Administração se insere bem neste contexto. Passa-se a discutir como aumentar
cada vez mais a produção e aumentar cada vez mais o lucro, como ser mais produtivo, como ser
mais eficiente. Afinal, eram estas as melhores formas de aumentar o prazer da sociedade. No
entanto, percebeu-se que algo não estava indo bem: divisão do trabalho, maquinaria, linha de
montagem, super-especialização: nada disso era o bastante para aumentar a eficiência e maximizar
o lucro dos donos das fábricas. Passam a fervilhar os experimentos e outros estudos que
possibilitassem responder a questão de como aumentar a eficiência, o lucro e consequentemente o
prazer de toda a sociedade. Estes estudos passaram a fazer parte do campo da ciência da
Administração.
Nesse contexto, vale destacar a influência do positivismo e do empirismo na realização das
pesquisas no campo da Administração.

4 A influência do empirismo e do positivismo na Administração

Sendo considerado o fundador do positivismo geral, consequentemente do positivismo


francês, Augusto Comte pretende dar um escopo prático a ciência, substituindo esta pela
experiência. Hipólito Taine, seu conterrâneo, sustenta o fenomenismo o sensimo como os elementos
fundamentais do conhecimento (PADOVANI, CASTAGNOLA, 1990).
Demo (1985a, p. 102) levanta uma hipótese que busca contrapor a vertente indutiva
empirista (citada anteriormente) do positivismo: “o problema empírico, em última instância e em
essência, é um problema teórico”. Para tanto, defende que o teórico e o empírico devem ser as duas
vertentes básica de qualquer pesquisa científica. Para defender esta idéia “critica o empirismo
radical”, baseado no indutivismo, ao mesmo tempo em que critica o dedutivismo.
Esse autor faz referência no início do texto aos neopositivistas que como ele também
criticaram a falta de justificação da base empírica de pesquisa. O Círculo de Viena, por exemplo,
admite que os conhecimentos científicos são de duas ordens: as proposições lógicas e matemáticas
que não são ligadas à experiência e as proposições empíricas, baseadas nos fatos, que devem,
portanto serem submetidas aos critérios de verificação para serem consideradas verdades
(DORTIER, 2000). Dentre os integrantes do Círculo de Viena, destaca-se Schlick (1980) para quem
um enunciado só tem um sentido se for verificável. Popper (1980, p. 15), de outro modo, crê no

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critério da falseabilidade, admitindo um sistema como empírico somente se for suscetível de ser
testado pela experiência, ou seja, “deve ser possível refutar pela experiência um sistema negativo”.
Parte significativa da chamada “Teoria Geral da Administração” provém de estudos
empíricos e positivistas, baseados em experiências e observações realizadas no chão de fábrica das
indústrias e no ambiente interno das organizações. Exemplos bem característicos são os chamados
estudos dos tempos e movimentos de Taylor e as experiências de Hawthorne de Elton Mayo, que
até hoje ecoam nos estudos organizacionais. Mais uma vez, vale destacar que estes estudos parecem
buscar sempre “a melhor maneira de fazer as coisas”, em outras palavras, procuram entender como
alcançar os objetivos das organizações. O funcionalismo se propõe a munir-se de todas as armas
para ir ao encontro desse fim. O próximo item se propõe a discutir o paradigma dominante nos
estudos organizacionais.

5 A Administração Imersa no Funcionalismo

De acordo com Evans-Pritchard (1972) Herbert Spencer e Emile Durkheim foram os dois
autores que mais especificamente chamaram a atenção dos antropólogos sociais para a análise
funcional, sendo que este exerceu uma influência mais ampla e direta.
Buscando determinar “as regras do método sociológico” Durkheim (1978, p. 92-93) busca
conceituar o que é “fato social” e chega à seguinte definição: “toda a maneira de fazer, fixada ou
não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coação exterior”; ou ainda “que é geral no
conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das
suas manifestações individuais”. Em outras palavras, os fatos sociais não podem interpreta-se em
função da psicologia individual porque se encontram no exterior e separados das mentes individuais
(EVANS-PRITCHARD, 1972).
A partir da definição de “fato social”, Durkheim (1978) parte para uma análise do que seja
“função” e utiliza a divisão do trabalho para explicá-la. Assim, explica, por exemplo, a questão da
divisão do trabalho sexual, tendo a mulher e o homem funções diferentes por conta de questões
exteriores que os diferenciam fisicamente. Essa explicação remete à definição de “fato social”. Ou
seja, a mulher e o homem exercem funções que não são inerentes a sua vontade, mas são colocadas
pelo meio em que vivem ou citando Malinowski (1970, p. 140) pelo “processo cultural”.
“O processo cultural, encarado em qualquer de suas manifestações, sempre abrange seres
humanos que mantêm relações definidas uns com os outros, ou seja, são organizados, manuseiam
artefatos e comunicam-se entre si pela palavra ou outro tipo de simbolismo” (MALINOWSKI,
1970, p. 141). Complementa o autor que qualquer costume, isto é, maneira de comportamento
padronizado, ou qualquer idéia, pode ser colocada dentro de um ou mais sistemas de atividade
humana. Por exemplo, “um grande grupo de instituições pode ser incluído numa ampla classe, que
poderíamos rotular de ocupacional ou profissional (...) cada um com seu estatuto tradicional, isto é,
a definição de como e por que estão qualificados para cooperar; cada um com alguma forma de
liderança (...); cada um com suas normas de comportamento e cada um manejando a aparelhagem
específica necessária” (MALINOWSKI, 1970, p. 155-156).
Assim, a função desses profissionais é em realidade a contribuição que estes oferecem à
vida social total como o funcionamento do sistema social total (estrutura social), tomando como
base as idéias de Radcliffe-Brown (1973). Este autor diferencia o organismo de uma sociedade
(comparações feitas por Durkheim e Malinowski) na medida em que esta altera seu tipo estrutural,
ou pode ser absorvida como parte integral de uma sociedade mais vasta. Nesse sentido, Evans-
Pitchard (1972) é mais enfático ao negar a semelhança entre os sistemas sociais e os sistemas
naturais.

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A partir das principais escolas funcionalistas Séguin e Chanlat (1987) identificam quatro
formas diferentes de conceber as organizações: uma concepção sistêmica e sincrônica; uma
concepção teleológica da organização; uma concepção “a-histórica” da organização; e uma
concepção integradora e não conflitual da organização.
Essas concepções ficam mais evidentes na obra de Selznick (in ETZIONI, 1967, p. 30-31)
segundo o qual a organização “é o arranjo e a obtenção de pessoal para facilitar a realização de
algum objetivo de comum acordo, por meio da distribuição de funções e responsabilidade” ou ainda
“é um sistema de atividades ou forças conscientemente coordenadas, entre duas ou mais pessoas”.
Para este autor as preocupações da ciência da administração são tipicamente funcionalistas.
De fato, como já mencionado anteriormente os estudos do campo da Administração
pretendem em grande parte resolver os problemas organizacionais. Resolver estes problemas
significa avançar rumo ao alcance dos objetivos da organização. Para tanto, faz-se necessário
definir o que deverão fazer aqueles que trabalham nas organizações para o alcance dos objetivos.
Como deve agir o gerente? Como devem se portar os funcionários? Como deve ser a relação entre o
gerente e seus subordinados? Como? Como? Como?...A busca pelas respostas a estes sucessivos
“como” são o pressuposto da visão funcionalista na Administração. Responder a estas questões
significa encontrar novamente a estabilidade tão perseguida neste campo. Os conflitos são tratados
como instabilidades que devem ser estudadas a fim de colocar as organizações nos trilhos
novamente. Garantir a estabilidade é garantir que os conflitos sejam resolvidos.
Esta idéia de busca pela estabilidade fica ainda mais evidente quando se analisa a teoria
geral dos sistemas, principalmente quando se leva em consideração que o sistemismo na
Administração vem para dar uma nova roupagem ao funcionalismo. Nesse sentido busca-se no item
seguinte tratar da abordagem sistêmica e sua influência na ciência administrativa.

6 A influência do Sistemismo na Administração

Para Demo (1985b) há uma proximidade entre o sistemismo, o funcionalismo e o


estruturalismo. Esta idéia de proximidade entre o funcionalismo e o sistemismo fica mais evidente
com a leitura de Parsons (1967, p. 44) quando descreve o conceito de organização e destaca que o
que distingue a organização de outros tipos de sistemas sociais é “a prioridade da atenção para a
consecução de uma meta específica”, em outras palavras: “a consecução de uma meta é definida
como uma relação entre um sistema (neste caso, um sistema social) e as partes relevantes da
situação externa em que ele atua ou funciona”.
Ao explicar a estrutura das organizações inserida num sistema social, Parsons (1967) afirma
que a existência das organizações é legitimada como sistema pelos valores organizacionais, ou seja,
os valores organizacionais “legitimam os principais padrões funcionais do funcionamento
necessários à implementação dos valores, neste caso a meta do sistema”.
Ao fazer uma breve análise dos modelos de sistemas sociais, Buckley (1971) avança mais na
discussão sistêmica dentro das ciências sociais, pois ao mesmo tempo em que apresenta as
principais idéias de cada um dos modelos desenvolvidos e seus autores, tece críticas a cada um dos
modelos. Critica firmemente a tentativa de utilização dos modelos mecânico e orgânico para tentar
explicar o sociocultural. Sobre os autores que tentam aproximar do sistema sociocultural o modelo
mecânico, sua principal crítica é sobre a idéia de equilíbrio do sistema.
Com relação aos autores que tratam de explicar os sistemas socioculturais a partir dos
modelos orgânicos, a principal crítica gira em torno do conceito de homeostase: “trata-se de um
conceito demasiado estreito, porque é a mudança, mais do que a estabilidade, que precisamos
explicar” (DEUTSCH apud BUCKLEY, 1971, p. 34).

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Buscando refinar sua crítica Buckley (1971) parte para uma análise mais pontual das idéias
de Parsons e contrapõe as idéias de Homans, que segundo o autor tem uma visão “mais próxima do
espírito da moderna teoria dos sistemas”, embora ressalte que sua origem tradicional remonte ao
equilíbrio. Assim, as principais diferenças entre as idéias parsonianas (P) e as idéias de Homans (H)
são resumidamente as seguintes: (P) estruturas dominantes como pontos fixos, de referência X (H)
não existe estruturas como pontos fixos, privilegiados, de referência; (P) as aberrações/tensões são
tratadas como disfuncionais ao sistema X (H) as aberrações/tensões são partes integrantes do
sistema; (P) “a lei da estática social” é aplicada somente se as forças ou pressões tendentes à
mudança forem externas ao sistema X (H) “um sistema social é uma configuração de forças
dinâmicas: às vezes, a configuração está equilibrada e mantém-se um estado constante, às vezes,
está desequilibrada e ocorrem mudanças contínuas”; (P) o sistema “procura” o equilíbrio X (H) o
sistema não “procura” o equilíbrio; (P) os mecanismos de controle são unilaterais X (H) o sistema é
o controle social, não “impõe” um controle; (P) as fontes de mudanças são sempre externas em
relação ao sistema X (H) mudanças de valor de um ou mais dos elementos provoca mudanças em
outros; (P) modelo construído segundo uma mistura do modelo biológico de estrutura e função e do
modelo mecânico de equilíbrio X (H) rejeição ao modelo biológico de estrutura-função.
Como mostram Rosenzweig e Kast (1980) o enfoque sistêmico está arraigado na ciência da
administração. Estes autores elencam uma série de conceitos extraídos dos autores sistêmicos e que
vão ser aplicados dentro da ciência da administração.
Vale destacar que a influência do sistemismo nas teorias da Administração foram no sentido
de reforçar ainda mais a sua essência funcionalista. Se o equilíbrio deve ser buscado a todo custo,
cada um dentro da organização deve desempenhar bem o seu papel a fim de evitar instabilidades. A
idéia de controle fica ainda mais evidente, pois o ambiente externo às organizações é agora trazido
para o centro da discussão. Ou seja, se existem variáveis externas à organização e que lhe afetam de
alguma forma (tiram-na do caminho da estabilidade) então estas devem ser conhecidas para serem
controladas.
É interessante notar como a Administração enquanto ciência se apresenta mais funcionalista
do que nunca quando aplica os conceitos sistêmicos a sua área de atuação. Notadamente no ensino
da Administração a teoria geral dos sistemas permite traduzir – até graficamente – o funcionamento
da organização, suas interações, seus processos, etc.
De outro lado, o que muitas vezes deixa a desejar é o que está por trás dos gráficos, ou
ainda, o que não se consegue enxergar por meio deles. Por exemplo: que as interações entre o
ambiente externo e o ambiente interno ocorrem, é evidente. O que talvez não fique tão evidente é
quem são efetivamente os atores que interagem, qual o peso de cada um nessas interações, que tipo
de interações ocorrem entre a organização e esses atores...
Assim, constata-se o quão parece difícil este exercício de ir além dos modelos, ou melhor,
da aplicação de modelos. Difícil, nem tanto pela aplicação de métodos para se chegar a respostas,
mas difícil de visualizar interesse em ir adiante.
Ou seja, a teoria geral dos sistemas é sem dúvidas uma contribuição significativa
principalmente ao apresentar de forma mais explícita conceitos como o de sistema aberto, de
interação, inter-relação e complementaridade entre os sub-sistemas e destes com o ambiente externo
às organizações.
Com a abordagem sistêmica, o campo dos estudos da administração pôde constatar que as
organizações são parte de um sistema maior que é a sociedade, entretanto, mesmo com esta
constatação ainda parece dar-se mais importância nas escolas de Administração ao subsistema
organização individualmente e não à sociedade da qual aquela faz parte. De outro modo, parece se
dar mais importância ao impacto do ambiente externo nas organizações do que das organizações no
ambiente externo. Embora se tome como verdade que “o todo é maior do que a soma das partes”, o

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todo ainda é ignorado. Porque o todo não é a organização. A organização é apenas uma parte do
todo.
Nesse sentido, uma discussão que se faz cada vez mais presente no campo da Administração
é justamente a busca por outros caminhos que permitam explicar com mais clareza e abrangência os
fenômenos organizacionais. O paradigma crítico da Administração se propõe a fazer esse aporte.
Nos itens seguintes se faz uma discussão de duas correntes de pensamento que vem sendo utilizadas
pelo paradigma crítico, principalmente a partir do final do século passado, para tornar mais
enriquecedores, profundos e abrangentes os estudos organizacionais.

7 A influência da Dialética na concepção do paradigma crítico

Antes de partir para a influência da dialética no paradigma crítico, vale destacar as origens
desta corrente. Enquanto método, vale destacar que ela não surge com Hegel (1770-1831), na
medida em que este é influenciado pela dialética de Heraclito (“nós somos e não somos”), pelo
neoplatonismo de Plotino (“a fonte de todo o ser é o uno”), pela filosofia neoplatônica adaptada ao
dogma cristão de Dionísio e principalmente pelo misticismo especulativo do século XIV de Eckhart
(“Deus não era Deus” antes da criação) (FOULQUIÉ, 1978, p. 42-47).
Daí afirmar que não foi Hegel quem inventou a tríade “tese-antítese-síntese” ou “afirmação-
negação-negação da negação”, embora tenha sido ele quem a explorou em maior profundidade e
tenha denominado esse processo de dialético ou fusão dos contrários (FOULQUIÉ, 1978).
Marx e seus discípulos trabalham a dialética por meio do desenvolvimento de dois termos: o
materialismo histórico e o materialismo dialético. Demo (1985c) define o materialismo histórico
como a teoria da transição histórica e o materialismo dialético como o instrumental de captação.
Levando em consideração as diversas concepções da dialética, Gurvitch (1987) destaca
alguns pontos que unem todas elas: 1) a dialética visa simultaneamente aos conjuntos e a seus
elementos constitutivos, às totalidades e a suas partes e o movimento entre uns e outros; 2) o
método dialético é sempre negação; 3) a dialética é o abalo de toda estabilização aparente na
realidade social: destrói toda fórmula cristalizada e combate o ceticismo e o pragmatismo; 4) a
dialética manifesta e enfatiza tensões, oposições, conflitos, lutas, contrários e contraditórios. De
outro lado, o mesmo autor levanta três aspectos que para ele estão em relação dialética e não foram
suficientemente esclarecidos pelos dialéticos: 1) o movimento real; 2) o método e 3) a relação
dialética entre o objeto construído por uma ciência, o método empregado e o real.
De forma análoga a Gurvitch (1987), Demo (1985c) busca elencar os pressupostos teóricos
da dialética e de suas versões contraditórias quais sejam: a historicidade (mobilização constante da
história); o processo (realidade que se define como um constante vir-a-ser); a mutação social; a
transcendência (superação da realidade social); o conflito social e a relatividade do social (a
realidade social não é absoluta).
Lefebvre (1983) busca explicar a dialética ou “lógica concreta” contrapondo-a a lógica
formal. A lógica formal é a lógica da abstração, ou seja, é apenas um elemento da lógica do
conteúdo, da lógica concreta, da dialética. “A lógica concreta coroa e remata a história do
conhecimento, ou seja, a própria teoria do conhecimento como a história da prática social; (...) a
razão, a lógica, a história, tornam-se simultaneamente concretas e verdadeiras, ao se tornarem
dialéticas” (LEFEBVRE, 1983, p. 88-89). Este autor enumera ainda as leis da lógica concreta
(dialética): lei da interação universal; lei do movimento universal; lei da unidade dos contraditórios;
transformação da quantidade em qualidade e lei do desenvolvimento em espiral (superação).
Chanlat e Séguin (1987), Benson (1983) e Lapassade (1977) trazem uma análise da
influência da dialética na construção do paradigma crítico na teoria das organizações e das
instituições. Os primeiros ressaltam dentre outras questões alguns fatores que contribuíram para o

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distanciamento do paradigma crítico no campo organizacional, além de trazerem algumas
contribuições da dialética para a composição do núcleo do paradigma crítico e que acabam por se
tornar críticas ao paradigma funcionalista. Benson (1983) de forma análoga, porém mais detalhada,
destaca algumas categorias de análise das organizações à luz da dialética contrapondo-as aos
estudos organizacionais funcionalistas. Lapassade (1977) usa a dialética no sentido de movimento
sempre inacabado dos grupos. Para tanto, explica o processo de transformação dos grupos em
organizações (por meio do juramento), estas em instituições (por meio do terror) e destas em
burocracias.
Quando se atenta para o distanciamento que há do paradigma crítico em relação ao campo
organizacional torna-se claro que isto ocorre porque não é “vantajoso” ser crítico. Na própria
academia que deveria ser o “lugar” de o pensamento crítico se desenvolver, há uma relutância nesse
sentido: até que ponto ser crítico é útil ou traz resultados? Por exemplo: o que vale mais:
desenvolver um trabalho apresentando um novo modelo de gestão de pessoas (ainda que provisório)
ou um trabalho que busca desafiar os modelos vigentes? A segunda alternativa certamente só seria
escolhida se trouxesse consigo um novo modelo. Caso contrário o desenvolvimento do modelo de
gestão de pessoas seria escolhido, ainda que trouxesse como consequências: desemprego,
exploração da mão-de-obra, etc. Até porque essas conseqüências são extra-organizacionais e, via de
regra, “isso não importa para a organização”. Até porque desemprego, mão-de-obra... não seriam
problemas dos economistas? O que importa, portanto, é que o modelo seja aplicável, que possa ser
eficiente e eficaz para a empresa naquele momento.
No campo administrativo a regra é aceitar as coisas como são. Não há necessidade de
questionar. É necessário, agir, resolver, criar alguma maneira de colocar as coisas no seu devido
lugar. Não interessa saber os motivos dos problemas, interessa resolvê-los. Há uma crença de que só
o que importa é o futuro e que é em sua direção que se deve olhar.
Assim, a dialética ao considerar a história como parte fundamental do processo de análise de
quaisquer fenômenos, traz uma contribuição significativa para as pesquisas no campo
administrativo. A história não deve servir apenas para ilustrar casos de sucesso, mas deve servir
para entender porque a organização é o que é. Em que contexto ela surgiu, quem é o responsável
pela sua fundação, como esta e outras pessoas que trabalham na organização encaram a vida, que
valores carregam consigo. Há uma infinidade de respostas que pode advir desses e de outros
questionamentos e que podem servir para clarear os estudos nesta área.
Para essa corrente, os conflitos são naturais, bem como as diferenças e os opostos. Se as
organizações são compostas de pessoas e estas têm vivências e valores distintos é natural que haja
divergências. Logo, as instabilidades é que prevalecem nas organizações e jamais existirá UM
método que as compreenda. Não existem normas ou fórmulas, pois para cada organização há um
contexto e, portanto existirão sempre “n” métodos para compreender cada um deles. Sempre que for
apresentado um modelo de gestão, haverá sempre um outro para negá-lo, pois as organizações são
diferentes, bem como seus conflitos.
Fica claro, portanto, que embora haja uma predominância do paradigma funcionalista nos
estudos organizacionais não significa que este consiga explicar com a abrangência ou a
profundidade devida os fenômenos inerentes ao campo administrativo. O que o paradigma
funcionalista consegue explicar é apenas a ponta do iceberg destes fenômenos. O paradigma crítico
busca imergir para entender o que está na base, nas profundezas, para clarear aquilo que para o
funcionalismo é bom que continue imerso.
Vale destacar, que a dialética é apenas um dos subterfúgios de que se vale o paradigma
crítico para explicar o que se passa nas e entre as organizações. O pensamento complexo é uma
outra forma de análise das organizações utilizado pelo paradigma crítico do campo da
Administração.

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8 A influência do pensamento complexo na análise das organizações

Descamps (1991) traz uma série de contribuições de autores contemporâneos que abordam o
paradigma da complexidade destacando Michel Serres, Edgar Morin, Ilya Prigogine e Isabelle
Stengers.
Destaca com relação ao primeiro autor suas colocações sobre as relações entre as ciências,
do pluralismo da ciência como um todo. Ao citar Morin, Descamps (1991, p. 104) destaca sua idéia
de emancipação de todos os totalitarismos, de a ciência contemporânea em seu próprio
funcionamento trabalhar com o acaso, com a incerteza, com o indeterminismo, com o impulsivo e
com o estético, “pensar a ordem pelo ruído”. Finaliza seu texto trazendo as contribuições de
Prigogine e Stengers sobre suas análises de situações de não-equilíbrio, de estados de ruptura para
explicar o surgimento de ordens provenientes de desordens.
Prigogine e Stengers (1997) em A Nova Aliança, no capítulo conclusivo da obra fazem uma
breve descrição da história da ciência apresentando a metamorfose por qual ela passa ao longo do
tempo até chegar ao final da segunda metade do século XX. Nessa descrição caracterizam os
paradigmas dominantes em cada época criticando aspectos como “a eternidade incorruptível” da
ciência; a independência do sistema com relação ao seu funcionamento e ao mundo exterior e o
caráter passivo e submisso (manipulável) da natureza que é descrita pelas ciências e a limitação
determinista dos conceitos ajustados a propósito dos sistemas.
Ao finalizar essa descrição histórica, esses autores relacionam algumas consequências
oriundas da metamorfose da ciência, ou seja, os novos caminhos abertos a partir de um olhar crítico
dessa transformação. São elas: a multiplicidade do tempo (o tempo como “uma história de tensões
sociais e culturais”); o duplo papel do pesquisador/cientista (ator e espectador: a ciência feita por e
para os homens); as ciências das coisas e do homem identificam-se (“eu sou o tumulto, um
turbilhão na natureza turbulenta”); o caráter aberto da ciência (interseção das disciplinas); a ciência
interrogada; “as novas alianças entre as histórias dos homens, de suas sociedades, de seus saberes, e
a aventura exploradora da natureza” (PRIGOGINE, STENGERS, 1997, p. 211, 216, 226).
Sobre as contribuições trazidas por Morin (1982) destaca-se a explicação da complexidade
como diálogo entre ordem (relativa e relacional) e desordem (incerta). Nesse sentido, o autor propõe
a idéia do tetragrama, ou seja, a associação da ordem e desordem com dois outros termos: interação
e organização. O tetragrama se dá quando há um diálogo entre estes quatro termos, de modo que
cada um deles chame o outro, precise do outro, seja inseparável do outro, complemente o outro e
seja antagonista com o outro.
Morin (1982, p. 220) menciona ainda a questão da transdisciplinaridade da ciência sob o
paradigma complexo, a partir da qual “cria-se a possibilidade de comunicação entre as ciências”.
Complementando essa idéia de transdisciplinaridade, de teoria complexa, o autor ressalva que esta
não deve servir como método em termos de fórmulas programáticas, mas em termos de ir contra a
racionalização, contra o idealismo. Por fim cabe mencionar que o próprio autor concebe a
complexidade como algo que “não é simples”, que “traduz-se sempre, para um observador, em
incerteza” (MORIN, 1982, p. 223). Essa incerteza, segundo este autor, decorre do fato de que o
novo tende a aparecer como desvio ou erro antes de aparecer como tendência, sismogênese,
morfogênese. Esse desvio é um problema funcional para a organização que é impedida de atingir
seus objetivos por conta desse desvio, pois este rompe um modelo de ordem, de equilíbrio, ideais
perseguidos pela Administração (MORIN, 1986).
De forma mais específica, Serva (1992) traz algumas contribuições do paradigma da
complexidade para a análise das organizações trazendo contribuições de Morgan, Chanlat e Séguin
Bernard, Perrow, Illich, trabalhos sobre organizações públicas brasileiras (co-existência conflitual

9
de filosofias de ação empresariais e públicas), Spink, e finaliza chamando a atenção para a
existência das organizações alternativas (pouco analisadas).
Quando se traz para o centro da análise o paradigma da complexidade é imprescindível que
nos remetamos a Souza Santos (1988). Embora não mencione o termo complexidade ao falar do
paradigma emergente dá a todo o momento pistas de que se refere ao pensamento complexo. Isto
fica claro, por exemplo, quando o autor caracteriza o paradigma emergente como uma metodologia
plural, que distingue pacificamente o sujeito e o objeto e permite um diálogo comum entre o senso
comum e o conhecimento científico.
Portanto, novas possibilidades são abertas a partir desse paradigma: no lugar de tomar o
lugar, convive. No lugar de conviver, toma lugar. No lugar de aceitar, critica. No lugar de criticar,
aceita. No lugar de opor-se, alia-se. No lugar de aliar-se, opõe-se. E nessa dialética infinita traz uma
nova concepção de ciência: transdisciplinar, dialógica.
Para aquele que cai de pára-quedas na discussão este paradigma passa uma impressão de que
pelas características que lhe são peculiares não chega a lugar algum, ou pior não tem meios,
caminhos, ou por que não dizer métodos de obter respostas. Mas o método existe, embora ele
próprio seja complexo. Traz respostas, mas elas também são complexas. E porque é complexo, é
também contraditório, complementa, ora converge, ora diverge. Enfim, como o mundo é complexo,
natural que entendê-lo também o seja.
Até para o mais racional dos racionais isso parece ser razoavelmente racional, menos para o
paradigma dominante! Conclui-se que o funcionalismo está dentro de uma complexidade, mesmo
sem querer. Aceita que o mundo é complexo, mas não aceita pertencer a ele. Quer abarcá-lo, mas é
abarcado por ele. Quer tê-lo nas mãos, mas para o funcionalismo o mundo passa a ser como água
que escorre entre os dedos.

9 Considerações Finais

No início do século passado Frederick Taylor, o “pai da Administração”, lançava aquelas


que são consideradas as bases da ciência da Administração. Para Taylor, o objetivo principal da
Administração estava relacionado à maior prosperidade para o patrão e para o empregado. Em
outras palavras, tudo deveria ser feito para atingir este objetivo. A partir daí são delineadas as
maneiras de se atingir este objetivo. Elabora-se o estudo dos tempos e movimentos que significa
decompor analiticamente o trabalho para garantir a maior racionalização (tempo padrão e
movimento padrão) e simplificação do trabalho do operário no chão de fábrica. Assim, com a
redução do esforço, o rendimento é aumentado e consequentemente a remuneração do operário e do
seu patrão.
É possível constatar que aquele que é considerado o pontapé inicial da ciência da
Administração, nada mais é que a reprodução dos ideais racionalistas, positivistas e utilitaristas dos
séculos XVI, XVII e XVIII. O que são os princípios da Administração Científica de Taylor que não
uma busca constante pelo prazer máximo e pela dor mínima (menor esforço e maior rendimento)
como propagava Bentham? O que é a decomposição analítica do trabalho que não uma aplicação
dos princípios cartesianos?
O taylorismo marca oficialmente o início da ciência da Administração, e é de certa forma
natural que pelo contexto político, econômico e social em que surge, os ideais positivistas e
utilitaristas permeiem os estudos deste campo. O que chama a atenção, no entanto, é que de lá pra
cá as pesquisas desta área parecem ter se preocupado em tornar ainda mais sofisticados os métodos
positivistas. O funcionalismo é a maior constatação disso. É este o paradigma dominante no campo.
O racionalismo, o instrumentalismo, o pragmatismo, o normativismo, a estabilidade, a zona
de conforto, a manutenção do status quo, a garantia de controle, a dominação, a garantia de poder

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são algumas das características que servem de escopo para o paradigma funcionalista manter-se
como dominante no campo administrativo até os dias atuais. Quaisquer tentativas de rompimento
com essa forma de análise é considerada marginal neste campo, ou colocada em segundo plano.
Assim, há uma relutância em se abrir a análise para outros caminhos e uma verdadeira
ignorância por parte dos pesquisadores deste campo de outras possibilidades que não se limitem a
replicar ou aperfeiçoar os métodos funcionalistas.
Entende-se que a análise neste campo deve ir além do simples descritivismo, ou das relações
que nada relacionam. As pesquisas devem levar em conta que o campo administrativo é apenas
mais um, que não explica tudo e sequer consegue explicar a si próprio se não leva em consideração
as relações que mantém com os outros. A Administração enquanto ciência deve se propor a ir além
do muro que a separa das outras ciências. Deve flertar com outros conhecimentos. Deve deixar-se
interpenetrar por outras idéias que não sejam a de seu campo. Deve-se questionar para só assim
conseguir questionar os outros. Deve se deixar questionar por outros campos: quem está de fora
muitas vezes vê nuances imperceptíveis a quem vive no campo.
O campo administrativo deve se abrir à crítica e a auto-crítica. Deve sair do pedestal do
“tudo posso controlar”: se considera o mundo complexo, como quer controlá-lo? Deve estar ciente
de que pode contribuir com uma parte e não com o todo. Precisa ampliar sua noção de todo: o todo
não é a organização, esta é que faz parte do todo. A sociedade não deve ser vista em termos de
inputs e outputs, ela é e não é só isso.
O trabalho nas organizações não deve ser visto como o único meio de fornecer o bem-estar à
sociedade, ou a felicidade das pessoas. Estas simplesmente representam um dos lugares de se
conseguir isso, num determinado tempo que ainda é o hoje, mas que em outros tempos foram outros
e que num outro momento pode ser um outro distinto ou não.
Nesse sentido, importa também o processo histórico no campo administrativo. A análise de
uma organização não pode ser feita fora de um contexto histórico. Os fenômenos organizacionais
não ocorrem desprendidos de seu passado. O passado está interligado ao presente e ignorar isso é
desprezar uma análise mais acurada de qualquer fenômeno que se pretende investigar.
Diante dessas considerações faz-se necessário uma ampliação dos estudos que possam dar
conta das limitações evidentes do paradigma dominante no campo da Administração. Estes estudos,
porém, não devem ter o intuito de dicotomizar, mas de complementar a discussão que está posta.
Ao invés de dividir, os discursos devem conversar, interagir, trocar. E isso só será possível se
houver um reconhecimento de que não há o caminho certo, mas que há vários caminhos.

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