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(ORELHA)
1
Shirley Pires
Caieiras/SP - 2008
2
Estado de São Paulo – Cidade de Caieiras – 2008
O caso com a casa — um caso que todos têm para contar
Não ficção – entrevistas.
Fotos: Álbuns de Família
Revisão:
Capa:
Diagramação:
3
Agradeço
a todas as pessoas retratadas aqui
por compartilharem conosco sua história.
4
5
6
O primeiro passo
7
onde eu possa construir um lar para meus pais. Vamos ver,
por enquanto só dei o primeiro passo.
8
Vitor Alves Pedroso, 35 anos
Auxiliar de Escritório
As aparências enganam
9
crianças fizeram uma festa, correram e cantaram na casa
vazia.
Seis meses depois, a primeira enchente: móveis e
roupas estragados. Só então entendemos o porquê das
vantagens no preço, além da pintura nova que certamente
servira para encobrir as marcas de lama nas paredes. Mas
não me importei, os vizinhos me ajudaram na limpeza e
logo comprei outro colchão...
Agora faz tempo que não dá enchente, apesar de
qualquer chuvinha as pessoas dizerem: “vai encher tudo”.
Vai encher nada! Se encher, esvazia, e tudo bem.
Sempre gostei da minha casa, foi a melhor coisa
que tive depois dos meus filhos. Meu velho se foi e tenho
meu canto.
10
Anazir de Souza Pinto, 79 anos
Dona de casa
12
Depois veio a outra obra que também teve seu
encanto, mas nenhum igual ao outro.
15
A casa é pequena, aconchegante, todos os detalhes
têm um significado para nós: o piso de madeira, as
arandelas da entrada da sala, um lustre deslumbrante do
começo do século que ganhamos de um amigo. Ele tinha
demolido um casarão e viu nossa paixão pela peça, então
nos presenteou.
Um dia desses, fazendo caminhada pelo
condomínio, que tem casas imensas e lindíssimas, me
perguntei: “qual dessas casas eu trocaria pela minha?”
Olhei uma, outra e outra. Passei a pensar nisso.
Na primeira possibilidade real de troca – uma casa
lindíssima, bem maior que a nossa, cujo proprietário
aceitaria a que nos pertence como parte no pagamento –,
falei com a Sonia. Ela, que é muito meiga, disse: “parece
que nossa casa vai chorar ao ouvir isso”.
Chegamos à conclusão de que nem a melhor casa
do condomínio tem os detalhes que a nossa tem, e mais
vale a qualidade que a quantidade.
16
Casa do Luiz, Sonia e João Vitor
Felipe e Lídia
17
Nasceu o Felipe, então precisaríamos de mais
espaço. Vendemos o apartamento para comprar uma casa.
Passados dois dos três meses para a entrega do
apartamento, nada de encontrar a casa. Começava o
estresse. Nosso plano B era morar na casa do meu sogro,
lá até faríamos nosso lar, mas o espaço era deles.
Fomos até um bairro, que conhecíamos de
passagem, era no caminho para a assembleia da Igreja, um
encontro para estudo bíblico, na cidade vizinha. Eu
gostava do lugar, em ocasiões anteriores havia dito para
minha esposa: “puxa, Su, como seria bom morar aqui”. E
ela concordava.
Procuramos uma imobiliária naquela região e
poucos dias depois a corretora me ligou dizendo que havia
encontrado uma casa para nós. Era véspera da assembleia,
então, marcamos a visita para a manhã seguinte, pois
aquele seria mesmo nosso caminho. Mas, ansiosos, não
esperamos nada, fomos à noite para ver a casa por fora. E
gostamos.
No dia seguinte, iniciamos as tratativas e aí fomos
conhecer o bairro. Entre outras coisas, reparamos em uma
linda área em reflorestamento. Sempre que passamos por
lá, digo para meu filho que aquelas árvores têm a idade
dele e que só cresceram mais do que ele porque não saem
do lugar. Ele já está até na escola e agora tem uma
irmãzinha, a Lídia. Nós temos dois pirralhos.
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Lídia e Felipe
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Sete mudanças em três meses
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Madalena na sala de sua casa frente a foto dos dois filhos
21
Suco de laranja
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Auge da produção da única laranjeira do quintal
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Nada aos filhos
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A casa que amo como se fosse minha
A um quarteirão
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O conjunto residencial a um quarteirão da antiga casa
Vida nova
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Choramos muito, mas não desistimos da compra.
Ele dizia que o difícil seria pagar no primeiro ano até a
situação se estabilizar; se conseguíssemos, o restante seria
mais fácil. E, se não desse para pagar no primeiro ano,
devolveríamos a casa ao dono.
Na hora marcada para nosso compromisso, eu
disse:
— Vamos lavar o rosto e vamos à imobiliária
fechar o negócio.
“Vocês estavam tão alegres, agora parecem
tristes, o que houve?” Disfarçamos. Quando o vendedor
me entregou as chaves, fiz a pose para a foto sorrindo. Era
dia 19 de dezembro de 2001. Desde então tudo deu muito
certo para nós. O fato de meu marido ter saído da empresa
só fez melhorar a nossa situação financeira.
Trabalhamos, as coisas se multiplicaram, quitamos
a casa antes do prazo previsto, compramos um carro e
fomos viajar para nossa terra natal. Estamos comprando
outro imóvel, não para morar porque gosto demais da
minha casa, mas para alugar.
Nossa casa foi e é uma benção, tudo o que fizemos,
do dia que a compramos para cá, deu certo. Foi uma
transformação em nossas vidas, como se tivessem nos
virado de cabeça para cima.
29
Marli Germano Marques, 39 anos
Comerciante
30
No intervalo entre querer e comprar, levei minha
mãe para ver a casa, depois meu marido e as crianças, e
todos gostaram.
Tudo deu tão certo, era mesmo a hora de eu
comprar, porque minha mãe ficou muito doente e teve que
deixar a casa dela por causa da escada. Minha casa serviu
a ela, infelizmente por pouco tempo, pois logo faleceu.
A casa tinha dois cômodos; na divisão do terreno, a
cozinha ficou na metade do vizinho, então eu cozinhava
embaixo do beiral da laje, do lado de fora, sob uma
cobertura improvisada; depois, levava as panelas para
dentro para as refeições. Tinha tudo por fazer, mas era tão
gostoso...
Construímos, reformamos, arrumamos... ficou
muito boa. Meu marido e meus filhos não gostam que eu
fale em vendê-la. Até a nenê, minha netinha, quando vai a
outras casas, logo pede a casa dela.
Minha casa é tudo de bom, porém sinto que não
vou morar muito tempo nela, pois vou ter outra.
31
Elisabete Dimitropoulus, 42 anos
Corretora de imóveis
33
Fiz um excelente negócio com proprietários de
uma escola, o valor expressivo certamente pagou o que
valia o imóvel; mas senti muito, muito mesmo em deixar
tudo aquilo.
Nestes dez anos, evitei passar naquela rua.
Recentemente, passei e senti pena de ver tudo modificado,
sem cuidado, um toldo enorme e feio na frente da sala, um
ferro por cima da jardineira; fiquei triste em ver como
acabaram com tudo aquilo que fiz.
35
Kely poucos dias após a compra da casa
36
O corretor lida com sentimentos, não apenas com
coisas palpáveis, e muitos não percebem isso. Às vezes,
para o corretor, a venda de um imóvel é mais uma entre
tantas, para o cliente é um momento especial que o
acompanhará a vida toda. A qualquer tempo, basta tocar
no assunto e as emoções voltam como no dia em que
ocorreu a negociação.
Cabe ao corretor gerenciar a negociação para que
tudo ocorra bem e não haja divergências entre o(a)
vendedor(a) e o(a) comprador(a). Uma contrariedade neste
momento pode gerar uma ferida na alma da pessoa, e
então a imagem do corretor ficará marcada negativamente
na sua lembrança para sempre. Em casos assim é melhor
não fazer o negócio.
Há pessoas que choram quando compram um
imóvel. Lágrimas são resultados de sentimentos
profundos. Só a pessoa sabe o preço que pagou pelo
imóvel, quanto esforço, quanta coisa envolvida, o quanto
teve que aguentar do chefe... O corretor sabe o valor, mas
não o preço.
Fiz um negócio para uma senhora que era uma
pessoa muito simples; ela ficou felicíssima e dias depois
me trouxe um bolo de fubá. Achei lindo aquilo. Foi um
gesto de gratidão. Intermediei uma venda para uma jovem,
ajudei-a a vender uma perua Kombi antiga para interar o
dinheiro da entrada, negociei com o vendedor as parcelas
e, conseguimos fazer o negócio. Passado algum tempo,
encontrei a mãe dela na rua; ela me abraçou e me
apresentou à pessoa que a acompanhava dizendo que eu
era para ela como um filho. Emocionei-me.
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Há corretor que não se dá conta de que faz parte de
um momento mágico no qual as pessoas vão levar na
alma. E a alma é eterna.
38
Parece milagre
41
Dona Assunta e Sr. Gentil
42
Não aceitaria o dinheiro
43
A reforma durou algum tempo e tive que abrir mão
de muitas coisas, como trocar de carro, os passeios,
viagens... Mas valeu muito a pena, faria tudo de novo.
Se alguém me oferecesse um dinheiro:
— Este dinheiro é para você mudar o que quiser na
sua casa.
Eu não aceitaria porque não teria nada para mudar.
É por dentro e por fora tudo como eu queria.
Acho interessante como superamos os obstáculos
para conseguir algo que está além do que se pode.
44
Aprendi a me dedicar mais às pessoas que às
coisas
46
O trânsito e o rodoanel
47
Diego Lopes Gomez, 21 anos
Auxiliar de Escritório
48
Minhas orações atendidas
49
João Vicente Barbosa, 68 anos
Motorista aposentado
50
A casa é a estabilidade da gente
51
A esposa, Lourdes, José e a filhinha Jamilly.
52
Meu céu
53
Geraldo Viana da Silva, 55 anos
Auxiliar Químico aposentado
54
Desapegado
56
A casa invertida
58
A casa do sítio
59
O sítio no dia da entrega ao novo proprietário
60
A vida é um conto que se conta*
61
difícil, trabalhei muito na enxada, por dias, abri mata com
machado, com foice, furei poço...
Pouco tempo depois, viemos para esta cidade e
moramos de aluguel. Cansada de viver mudando de casa,
depois de pedir a Deus um caminho, comprei um terreno.
Era só mato. Chamei um rapaz para me ajudar e eu
ia com a foice e ele com o machado. Fiz um quartinho e
trouxe minha família. Era tudo longe, não tinha condução,
eu andava muito – mas eu era nova, tinha sessenta e
poucos anos. Furei um poço que, com três metros, deu
água muito boa, e todos usavam. Vinha gente de longe, de
carro, de caminhãozinho, buscar água. Daí meu filho pôs
uma bomba.
Aos poucos, construí o restante da casa. E ficou
muito boa. Só acho pequena no dia do meu aniversário,
Dia das Mães, Natal... quando vêm os netos, os bisnetos e
tataranetos, todos de uma vez. Não cabe todo mundo,
então, fica um pouco no quintal, depois saem uns e entram
outros. É uma alegria para mim, ver minha casa cheia.
62
Bela e egoísta*
64
Arquiteto
50 m²
67
Kátia Katsuragi, 36 anos
Comerciante
68
O efeito e a causa
69
Jaime Trevisan Gomes, 50 anos
Comerciante
70
Um sonho e nove casas
72
Dona de casa
73
Ingrid e os irmãos Yuri e Richard (foto de três anos atrás).
74
Ingrid Silva de Jesus, 10 anos
Estudante
75
As casas são simples, às duas dos fundos até
desmanchamos, mas é muito bom morar aqui. Tive loja
aqui do lado por mais de 30 anos, conheço todo mundo e
todos me conhecem.
Meu xodó
78
Minha segunda casa, meu xodó.
Doria Lopes Pereira, 61 anos
Dona de casa
Predestinado
79
No cartório, a vendedora comentou que em uma
ocasião tinha tentado vendê-lo e desistido porque estava
de mudança para o exterior, e caso não se adaptasse no
outro país voltaria e executaria o projeto da casa,
engavetado há anos. Casou-se lá, e o marido, um
estrangeiro que falava mal o português, mas entendia
perfeitamente, me contou que descartaram a possibilidade
de morar no Brasil.
O alemão comentou que nossa negociação foi tão
rápida porque coincidira com a estada deles por aqui, já
que raramente vinham passear. Eu, sem dizer uma palavra,
pensei o contrário: a negociação foi muito demorada,
levou pelo menos cinco anos. Aquele terreno estava
reservado, destinado para mim, talvez por eu tê-lo
desejado muito ou sei lá por quê.
80
O terreno quase plano
82
Rosangela Maria da Silva França, 48 anos
Costureira
83
Algodão entre cristais
84
Sandra Cristina Prado, 42 anos
Advogada
85
Uma casa inesquecível
86
Sr. Orestes e dona Yolanda
87
Como se fosse minha
88
porque convivo com a possibilidade de o proprietário
pedir que eu a deixe.
Já tentei financiamentos bancários, empréstimos...,
mas devido às mudanças de emprego do meu marido,
ainda não foi possível. Mensalmente, quando vou à
imobiliária pagar o aluguel, reitero que assim que possível
farei uma proposta de compra ao proprietário, que, por
enquanto, não manifestou intenção em vendê-la.
Tenho tanta fé que vou conseguir, que nunca mais
pensei em pesquisar preço ou ver outras casas. Cuido dela
com carinho como se já fosse minha.
90
difícil. Certamente pensaria: “o tempo passou e não
aproveitei nada”.
94
Agora se tornou grande demais porque somos só eu e meu
marido.
Agradeço muito a Deus por tudo: por meus três
filhos terem tido oportunidade de estudar e terem
conseguido suas casas, sem a luta que eu e o pai deles
enfrentamos; pela casa que Ele nos deu, porque, em vista
do lugar de onde eu vim, esta casa é um palácio. E até por
gratidão digo a Ele: não estou jogando fora o que o senhor
me deu, só quero que traga uma pessoa que cuide dela
como eu gostaria de cuidar e quero para mim uma casa
pequena da qual eu possa cuidar direito.
Sei que, se aparecer uma troca assim, tenho que
esvaziar minha mente como em uma meditação e fazer o
negócio logo, porque se pensar muito, perco a coragem.
95
Bonita por si só
96
Vista dos fundos da casa
97
Go home
98
Onizuka, em visita a uma das casas que projetou
99
A nossa casa
100
Moramos até agora no quintal da casa de minha
mãe, numa casa que construímos quando nos casamos.
Estamos bem instalados, por isso não temos pressa de nos
mudar. Só compramos essa porque queríamos “a nossa”
casa.
102
Iza Cruz, 64 anos
Advogada
103
O sonho da minha mãe...
104
Carlos Alberto Saraiva Pinto, 39 anos
Mecânico de refrigeração
105
... Um presente...
107
Sandra Regina Saraiva Pinto, 37 anos
Vendedora
.. A energia boa...
108
possibilidade da criança ter problema de saúde devido à
minha idade.
Pois posso dizer que ganhei dois presentes: a casa e
o Mateus Henrique, um meninão, saudável, lindo, lindo.
109
Jucilene Simões S Silva, 41 anos
Dona-de-casa
110
para o meu marido ficou um pouquinho mais longe, no
entanto, ele nem se importa com isso.
Quando encontrei minha primeira casa, também
tudo deu muito certo. A casa acabava de ser construída,
era térrea, linda, do jeito que eu queria. Eu estava grávida
da minha filha, ela e o menino nasceram e foram criados
lá, com todo o conforto, com saúde e muita harmonia.
Aquela casa tem uma energia muito boa. Desejo de
coração que a Jucilene e o Benê sejam muito felizes lá,
como eu fui.
111
Sueli Maneze Pezzelin, 56 anos
Secretária
113
Minha casa me guarda como um abraço*
115
Ou com as mãos. Minha casa tem silêncios
Que às vezes ouço. Em meu corpo
Tem silêncios maiores ainda.
Que às vezes ouço. E faço poemas.
Faço poemas dos silêncios que ouço.
Em reverência.
Ao que me sustenta quando em desamparo.
116
Bem cuidadas e cheias de espaços onde novas coisas se
deitam.
Costumo encontrar tesouros escondidos
nas dobras das colchas.
E nas louças sujas na pia. Tenho muitas janelas.
Que é por onde o sol e a chuva me visitam.
O vento aqui também é muito forte.
Às vezes derruba tudo e eu gosto.
Mas aqui também cabem pessoas.
Tem sempre lugar pra pessoas em mim.
117
Viviane Mosé,
psicóloga, doutora em filosofia e poeta
119
Elaine Neves Susaki, 27 anos
Cabeleireira
120
Cheiro bom
122
Ana Maria Moutinho de Abreu, 62 anos
Empresária
123
124
Joel Felipe Rodrigues, 56 anos
Engenheiro civil
125
a entrada... a casa...
126
Ayrton Rossi, 50 anos
Contador
127
(os compradores), fico alegre também, afinal a vida é
maravilhosa, vejam só:
Sempre fui empregada doméstica, querida e
respeitada por todos os meus patrões. Tenho uma casa na
minha terra, pronta, com móveis e tudo, para me receber,
casa que comprei para quando me aposentasse. Criei bem
meu único filho, orgulho-me dele. Vivi uma grande
paixão; quem nos conheceu diz que foi um amor tão
bonito que não é todo mundo que tem essa sorte.
O terreno era um vínculo que eu mantinha com
meu passado, que agora acabou.
128
Idália de Souza Pereira, 62 anos
Empregada doméstica
130
Marilene dos Santos Victor, 49 anos
Manicure
132
Julita Lopes César Novaes, 58 anos
Comerciante
A casa compartilhada
135
136
Alceu Rabelo, 82 anos
Industrial aposentado
Útil e agradável
Portas abertas
139
No dia em que vendê-la vou fazer uma festa
140
Ari Jesus Camargo, 62 anos
Aposentado
Relógio externo
142
José Luiz André, 49 anos
Industrial
Éramos cinco
143
alguém que divida as despesas comigo. Não tão já, só
quando eu for mais velha.
144
Andressa Motterani de Lima, 17 anos
Estudante
Digital e feminista
146
José Antonio Zuffo, 71 anos,
Professor de eletrônica da USP.
Depois da reforma
148
Marco Aurélio da Silva, 46 anos
Empresário
151
Horácio Nelson retratado por L Guzzardi
Assistiu à demolição
153
O quebra-quebra aos poucos chegou à mãe da
família que, no último barraco, cuidava dos pertences dos
filhos ausentes, presos por tráfico de drogas. E ainda
tentava orientar os presentes na arrumação dos objetos de
cada um.
O dia da demolição
154
Carmem de Oliveira, 64 anos
Dona de casa
A mudança
Ah! A mudança!
É uma odisséia que se inicia ao fim de outra que
teve as etapas vencidas palmo a palmo: encontrar o
imóvel, negociar preço, ver documentos, pagar... aí vem a
mudança.
Objetos sumindo: “Onde está o abridor de
garrafas?” “Onde se meteu o galão de água?” “O meu
reino por minha agenda!”
Ficar esperando o caminhão. A cidade inteira
passa, nada do caminhão aparecer.
Volta e meia o alvoroço: “É ele, é ele.” Mas é um
caminhão que traz concreto para a obra do outro lado da
rua.
Até que surge o esperado, desnecessariamente alto;
de dentro saem homens suados e perdidos:
— Acho que é aqui.
Ele berra:
— É aqui mesmo!
Os homens, com as cordas e panos para proteger os
móveis, entram para ver as coisas: é tudo um amontoado
de caixas, sacos, quadros, plantas e os cachorros latindo
sem parar inconformados por estarem presos.
155
Lembra as mudanças da casa paterna, o pai tinha
gatos, cachorros, passarinhos, dia de mudança era uma
batalha campal.
Ele não tinha passarinhos, mas tinha quadros —
dentre eles raridades —do seu ídolo da juventude.
— Seria bom o senhor lavar as mãos antes de pegar
nesses quadros.
O homem olha surpreendido as próprias mãos e
julga-as limpas. Mesmo assim, por delicadeza, esfrega as
palmas contra as calças – e aí as mãos devem ter ficado
mais sujas. Ele resolve defender por conta própria sua
preciosidade:
— Esse deixa que eu levo.
É a reprodução de uma foto tirada por ele mesmo
num show de 1974.
Perto do caminhão sente pena dos outros quadros
tão queridos que ficaram inermes, diante daquela tropa
desajeitada.
O telefone toca. A filha que não pôde faltar ao
plantão recomenda a ele que não deixe ninguém chegar
perto dos seus gatos, certamente assustados com a
desordem.
Nem o Grande Lorde que toma conta da coroa de
Sua Majestade ficaria tão compenetrado quanto ele,
depositário da casinha de transporte com a bichana e seus
quatro filhotes.
A geladeira, com a qual sua mulher recomendara
máximo cuidado, ficou imprensada na porta. Não sai nem
entra.
— Esse vaso de planta não é nosso, é do vizinho!
Deixa isso aí!
156
— Ei! Ceará, ajuda aqui!
Quando a confusão chega ao ponto mais alto,
aparece um sujeito querendo vender serviços de telefonia.
— Onde está o dono da casa?
O dono ali está, óbvio. E que casa? – ele se
surpreende com a sua verdade: está sem casa.
Até que a filha menor desvia-o de sua sensação
reflexiva de nômade, exibindo com orgulho:
— Olha, pai, achei sua agenda!
157
Índice por títulos
O primeiro passo -7
As aparências enganam-9
Quando se mergulha pela segunda vez, o rio não é mais
o mesmo* - 11
O bem-estar da nossa família dentro de casa é tudo-13
Na minha casa tudo tem sentido-15
Felipe e Lídia-17
Sete mudanças em três meses-19
Suco de laranja – 21
Nada aos filhos – 23
A um quarteirão-25
Vida nova- 27
Minha casa azul- 29
A casa certa no lugar errado- 31
Agradeço a Santo Expedido a graça alcançada- 33
O valor e o preço pago pelo imóvel- 35
Parece milagre-37
Nota 1000 – 39
Não aceitaria o dinheiro-41
Aprendi ame dedicar mais às pessoas que às coisas- 43
O trânsito e o rodoanel- 45
Minhas orações atendidas- 47
A casa é a estabilidade da gente-49
Meu céu- 51
158
Desapegado – 53
A casa invertida-55
A casa do sítio- 57
A vida é um conto que se conta-59
Bela e egoísta- 61
50 m² - 63
Voo maior-65
O efeito e a causa- 67
Um sonho e nove casas-69
A grande casa pequena-71
O trabalho nem parecia pesado- 73
Meu xodó- 75
Predestinado-77
A troca parecia impossível – 79
Algodão entre os cristais – 81
Uma casa inesquecível – 83
Como se fosse minha- 85
Dever cumprido – 87
Uma benção – 89
Acolhedora- 91
Bonita por si só – 93
Go home – 95
A nossa casa- 97
Mais importante e nos embelezar por dentro-99
O sonho da minha mãe... – 101
...Um presente... - 103
...A energia boa...- 105
Guardado para nós... 107
...O apartamento guardado – 109
Minha casa me guarda como um abraço-111
A família é nossa base- 115
Cheiro bom – 117
A casa influencia a coletividade – 119
159
Tem até tucano-121
Saudade de casa que nunca existiu- 123
A edificação não é tudo – 125
Cuidada pela vizinhança- 127
A casa compartilhada- 129
Você faz suas escolhas e suas escolhas fazem você– 131
Útil e agradável -133
Portas abertas- 135
Relógio externo- 137
Éramos cinco- 139
Digital e feminista – 141
Depois da reforma- 143
O diplomata inglês de 1799 e eu – 145
Assistiu à demolição – 149
A mudança -151
160
Notas:
Página:
8* Quando se mergulha pela segunda vez, o rio não é mais
o mesmo, suas águas não são nunca as mesmas e nós não
somos nunca os mesmos. (Heráclito de Éfeso- filósofo grego)
43* Viviane Mosé - foto publicada na revista Cláudia nº
549 – O poema faz parte do livro Pensamento Chão de
2001.
58* A vida é um conto que se conta (frase bíblica)
63* Texto publicado na revista Morar de 01/06/07
* A foto extraída do site: brinquedos.faroeste.nom.br.
109* Porcelana de Copenhaga dura da primeira metade do
século XVII - do livro “Antiguidades e restauração” —
Planeta D´Agostini
126* Você faz suas escolhas e suas escolhas fazem você.
Willian Shakespeare
143*Foto extraída da revista Casa Cláudia nº 549
146* Condottiero: um senhor feudal que controlava uma
milícia, sobre a qual tinha comando ilimitado.
161
147* vivenda senhorial: casa que tem um senhorio, uma
casa alugada.
162
Shirley Aparecida Pires, 47 anos, paulista, corretora de
imóveis:
“A conquista da casa é Quase tão marcante, quanto o
nascimento de um filho”
(2ª ORELHA)
163