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ABUSO A MENORES DE IDADE E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Mateus Lima de Moura1

RESUMO

Com o intuito de discutir o problema da dignidade da pessoa humana em


vítimas de abusos sexuais contra menores e pessoas vulneráveis. Tendo em
conta a relevância do tema que em muitas realidades tratado com tabu e que
responsabiliza as vítimas pelos atos sofridos o que dificulta o registro de
ocorrências e as consequentes solução das mesmas. Com essa
responsabilização na vítima da violência sofrida, visualizar a relação consigo e
com Deus que fundamenta sua dignidade como pessoa inacessível.
Palavras-chave: abuso; violência sexual; dignidade da pessoa humana.

1 Introdução

Observando o cenário da sociedade hodierna, a questão da violência


sexual contra menores de idade e pessoas vulneráveis vem tomando tímido
espaço nas discussões da sociedade e da igreja, mesmo assim necessita de
muito ainda ser discutido.

Observemos que as estatísticas sobre a violação de menores


vulneráveis revelam a grande necessidade de se abordar de forma pontual o
tema nas comunidades e nas famílias e mais ainda sair da abstração dos
números para subjetividade da pessoa humana que não é um algoritmo em
uma planilha.

Examinemos a possibilidade de as vítimas de abusos como pessoas


humanas dotadas de dignidade na perspectiva do Evangelho encontrar sua
liberdade das feridas que chagam suas vidas.

1
Postulante na Congregação dos Missionários da Sagrada Família, natural de Patu no Rio Grande
do Norte, bacharelando em filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco em Recife-PE.
2 Desenvolvimento

No Brasil, a temática sobre abusos sexuais de pessoas vulneráveis,


ainda hoje é pouco discutida, em muitas realidades é tida como tabu por
diversas motivações. Contudo, em todo país a ocorrência dos casos é muito
frequente, segundo dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos (MMFDH) em 18 de maio de 2020 no curso de 2019
foram registrados 86,8 mil violações de direitos de crianças ou adolescentes 2,
desses registros 17 mil são de violência sexual. 3 Os números estatísticos
revelam a urgente necessidade de ampla discussão para encontrar maneiras
eficazes para proteção das crianças e adolescentes.

A violência sexual de vulneráveis não tem muita percepção por ser


cometido por alguém próximo, em quem a criança confia. De acordo com
dados da UNICEF, os principais abusadores são pessoas do sexo masculino,
sobretudo pais, padrinhos, avós, irmãos, tios e o ambiente em que o abuso
mais ocorre é o doméstico. O “ambiente familiar” fortalece o silêncio das
vítimas e também que não haja denuncia, pois o mesmo que agride é aquele
a quem a criança ama. Dessa forma, o abuso sexual em família não é
facilmente denunciado. Acredita-se que no Brasil menos de 10% dos casos
chegam às delegacias (RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004).4

As estatísticas do ministério nos revelam algo muito mais preocupante,


a dignidade da pessoa humana, pois não podemos nos contentar em falar de
simples cifras, mas sim de pessoas humanas que sofrem, que precisam de
ajuda. Em uma sociedade que valoriza o que é efêmero, utilitário e o
egocentrismo, no qual a ganância por poder monetário e político estão
voltados para satisfazer o prazer pessoal de seus detentores, as pessoas são

2
O MMFDH informa que esse número configura um aumento de 14% nos casos registrados de
violações aos direitos das crianças e adolescentes se confrontado com os dados de 2018.
3
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) em 18 de maio de 2020.
4
RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004 apud FERNANDES, 2020.
“descartáveis”, pois a vida humana equipara-se a um objeto, uma peça em um
jogo, o que sucede na degradação da vida e da pessoa.

Na perspectiva da teológica, o respeito a pessoa é embasado por


muitos argumentos, dentre eles

O homem é criado à imagem de Deus; o Filho de Deus em sua


encarnação tornou-se verdadeiramente homem e honrou nossa
condição humana; a humanidade (e cada homem) foi redimida
pela paixão, morte e ressurreição de Cristo, que abre assim o
caminho para a “divinização”: a nossa vocação envolve uma
dimensão transcendente, a vida em comunhão com Deus.
(PERETTI, 2020)

Ao considerar a pessoa humana como criação divina, a vida como


sagrada e somos desejados e queridos por Ele ao ponto de Deus na pessoa
do Filho, Jesus Cristo, se esvaziou a si mesmo fazendo-se semelhante aos
homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo
obediente até à morte, e morte de cruz (Fp 2, 7-8). O abuso sexual gera na
vítima uma ferida exorbitante na sua autoimagem, na relação com Deus e
com as demais pessoas, principalmente, se a for uma criança.

Essa percepção da pessoa criada a imagem e semelhança a Deus,


no entanto é fortemente violada de várias maneiras. Ao considerar o abuso
contra as crianças e adolescentes nas formas de abuso sexual, de poder, de
influência, entre outros, estampam algumas das mais nefastas formas de
ruptura dessa semelhança divina, sobretudo, devido em sua maioria são
praticados por pessoas de familiaridade das vítimas. Nas situações que os
abusadores são pertencentes ou próximos do círculo familiar, os abusos
sexuais se iniciam quando a criança ainda é muito pequena.

Quando há os casos de abuso sexual contra crianças ou


adolescentes no contexto familiar, existem casos que o responsável legal das
crianças não acredita na vítima, ficando do lado do abusador e culpando a
criança. Isso pode se dar por várias maneiras em um ambiente familiar,
imaginemos uma situação que pode haver violência física, psíquica e verbal
com uma criança e seu responsável legal (mãe), ao invés de tomar uma
postura defensiva da vítima, defende o abusador. O que leva uma mãe em
uma situação como essa a não acreditar e não defender a vítima? Pode ser
que essa mãe também sobra esses abusos, por questão da dependência
socioeconômica ou psicológica. Num caso desse a criança/adolescente o
sofrimento do abuso/agressão cometido pelo abusador é agravado pelo não
acolhimento e sentimento de culpa. Em famílias em situação de
vulnerabilidade social, uma mãe que teve filho muito jovem e que para sair da
casa dos pais casou-se muito cedo é propensa a violência doméstica, o
conformismo e o silencio. Ao analisar esse caso genérico identificamos a
degradação da vida enraizada em uma família.

Segundo a psicóloga Sandra Santos a OMS

Define a pedofilia como um transtorno mental que leva ao


desejo sexual por crianças. Já o abusador é uma pessoa
que pode abusar de crianças e adolescentes, mas nem
sempre sofre de patologia5.

O pedófilo sofre do distúrbio de crer poder ter um relacionamento


amoroso com uma criança, enquanto um pensamento, se configura apenas
como um distúrbio que deve ser ajudado com acolhida e terapia antes que
tenha a possibilidade de efetuar algum ato com crianças ou adolescentes. Já
o abusador é a pessoa que encontra uma oportunidade para sua satisfação
sexual se aproveitando de outrem, independente de sexo ou idade, ele
encontra “a oportunidade” e comete o ato abusivo, isso se configura como
crime.

Na busca egoísta de satisfação do prazer sexual, um abusador


encontra no outro apenas seu objeto de desejo. Ao praticar qualquer que seja
o ato de natureza libidinosa ele causa sequelas que só a vítima pode definir,
uma das primeiras e mais profundas é sua concepção como pessoa portadora

5
SANTOS, Leila. As vítimas são as mesmas, mas existem diferenças entre pedófilo e abusador.
Disponível na internet.
de dignidade. Em alguns casos a vítima encontra na escola, comunidade
eclesial, no acompanhamento espiritual a coragem de partilhar suas feridas e
a possibilidade em Cristo de se resgatar.

Na reconstrução da concepção de pessoa em uma vítima à luz da


pessoa de Jesus ela encontra a possibilidade de resgatar sua dignidade, pois
Jesus não faz acepção de pessoas, em sua postura diante das mulheres e
crianças é notável que Ele possibilita a pessoa desencadear sua dignidade
manchada por várias formas de abusos e discriminações. Fundamentada no
Evangelho a pessoa humana não é categorizada como um instrumento
qualquer, mas como filho de Deus, que todos somos irmãos e que precisamos
da misericórdia de Deus e ser sinal dela aos irmãos.

3 Considerações Finais

Diante do exposto, a violação dos direitos das crianças e adolescentes


é uma realidade muito presente em nosso país, como revelam as estatísticas
do governo, essa situação é agravada pelo fato de muitos dos casos não
serem denunciados devido muitas dessas violações serem cometidas dentro
do núcleo familiar.

Vimos que as diversas formas de abusos, em especial, abuso sexual


contra vulneráveis são males que degradam gravemente a percepção do ser
humano como filho muito amado por Deus, que foi criado a imagem e
semelhança desse Deus. O pedófilo é uma pessoa que sofre de uma
patologia que deve se reconhecer necessitado de ajuda e que um abusador
“num impulso” se aproveita de outra pessoa para satisfazer seu prazer, não
importando gênero ou faixa etária da vítima.

Analisamos ainda, que mesmo com uma mancha substancial na


concepção como pessoa, à luz de Jesus uma pessoa vítima de abuso pode
encontrar liberdade de suas feridas e reencontrar sua dignidade como pessoa
humana.

Referências

MINISTERIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS.


Ministério divulga dados de violência sexual contra crianças e
adolescentes. 2020. Disponível em
<https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/ministerio-
divulga-dados-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes>, acesso
em 14/11/2020.
RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004 apud FERNANDES, Solange. Abuso
Sexual: Base conceitual e definições (legais). 2020. Disponível em:
<https://learn-us-east-1-prod-fleet01xythos.s3.amazonaws.com/5e160a1dce79
f/6585835?response-cache-control=private%2C%20max-age
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SANTOS, Leila. As vítimas são as mesmas, mas existem diferenças entre
pedófilo e abusador. Disponível em <
https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2010-08-22/vitimas-sao-
mesmas-mas-existem-diferencas-entre-pedofilo-e-abusador#:~:text=
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%20da,nem%20sempre%20sofre%20de%20patologia.%22> acesso em
15/11/2020.

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