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10.18065/2022v28n2.

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COMPREENSÃO IORUBÁ DE EXPERIÊNCIAS MÍSTICO-RELIGIOSAS


INTERPRETÁVEIS COMO PSICOPATOLÓGICAS

Yoruba understanding of mystical-religious experiences ostensibly interpretable as psychopathological

Entendimiento Yoruba de experiencias místico-religiosas interpretables como psicopatológicas

Ronilda Iyakemi Ribeiro


Rodrigo Ribeiro Frias
Síkírù Sàlámì (King)

Resumo: Este estudo, situado no âmbito de debates sobre Experiências religiosas X Experiências psicopatológicas: uma
questão de sentido? foi desenvolvido com o objetivo geral de contribuir com subsídios para o diálogo da Psicologia com a
Religião e teve por objetivo específico discorrer sobre o sentido atribuído pelos iorubás (África Ocidental) a experiências
místico-religiosas interpretáveis como psicopatológicas. A pesquisa associou dados advindos de fontes bibliográficas
e virtuais a outros, advindos de observação participante e entrevistas semidirigidas realizadas em Abeokutá (Nigéria).
O referencial teórico privilegia a produção de estudiosos africanos e do GP (CNPq) Racionalidades Médicas e Práticas
de Saúde, liderado por Madel Luz. Conclusões: experiências místico-religiosas que avaliadas pela lógica da medicina
ocidental contemporânea seriam consideradas psicopatológicas, quando submetidas à lógica da medicina tradicional
iorubá, de cunho vitalista, e interpretadas em conformidade com as concepções de pessoa, sociedade e universo
compartilhadas pelos iorubás, possibilitam a adoção de procedimentos médico-mágico-religiosos de comprovada
eficácia. Uma conclusão secundária, e não menos importante, é a que diz respeito à necessidade, urgente, de associação
dessas duas lógicas de atenção à saúde, iniciativa, aliás, que vem sendo adotada de modo crescente pelos iorubás em
seu território de origem.
Palavras-chave: Etnopsicologia; Experiências místico-religiosas; Iorubás; Loucura; Psicologia e Religião

Abstract: This study, situated within the context of debates on Religious Experiences X Psychopathological Experiences:
a question of meaning? was developed with the general objective of contributing information to the dialogue between
Psychology and Religion and the specific objective of discussing the meaning attributed by the Yoruba (West Africa)
to mystical-religious experiences ostensibly interpretable as psychopathological. The research associates data from
bibliographic and virtual sources with others, from participant observation and semi-structured interviews conducted
in Abeokuta (Nigeria). The theoretical framework favored the production of both African scholars and the Group
Medical Rationalities and Health Practices (GP-CNPq Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde), led by Madel Luz.
Conclusions: mystical-religious experiences that, when evaluated by the logic of contemporary Western medicine, would
be considered psychopathological, upon being submitted to the logic of traditional Yoruba medicine, of a vitalistic
nature, and interpreted in accordance to the conceptions of personhood, society and universe shared by the Yoruba, then
enable the adoption of medical-magical-religious procedures of proven efficacy. A secondary, and equally-important
conclusion, is one that concerns the urgent need to associate these two facets to health care, an initiative that has been
increasingly adopted by the Yoruba in their territory of origin.
Keywords: Ethnopsychology; Psychology and Religion; Yoruba; Mystical-religious experiences; Madness

Resumen: Este estudio, situado en el ámbito de los debates sobre Experiencias Religiosas X Experiencias Psicopatológicas:
¿una cuestión de significado? fue desarrollado con el objetivo general de contribuir con subsidios para el diálogo de
la Psicología con la Religión y tuvo como objetivo específico discutir el significado atribuido por los Yoruba (África
Occidental) a las experiencias místico-religiosas interpretadas como psicopatológicas. La investigación asoció datos de
fuentes bibliográficas y virtuales con otros, desde la observación participante y las entrevistas semidirigidas realizadas
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en Abeokutá (Nigeria). El marco teórico favorece la producción de académicos africanos y del Grupo de Pesquisa (CNPq)
Racionalidades Médicas y Prácticas de Salud (GP-CNPq Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde), liderado por
Madel Luz. Conclusiones: las experiencias místico-religiosas cuando evaluadas por la lógica de la medicina occidental
contemporánea serían consideradas psicopatológicas, pero, cuando sometidas a la lógica de la Medicina Tradicional
Yoruba, de carácter vitalista e interpretadas de acuerdo con las concepciones de persona, sociedad y universo, compartidas
por los Yoruba, permiten la adopción de procedimientos médico-mágico-religiosos de probada eficacia. Una conclusión
secundaria, y no menos importante, es la que se refiere a la urgente necesidad de asociar estas dos lógicas de atención a
la salud, una iniciativa, además, cada vez más adoptada por los Yoruba en su territorio de origen.
Palabras clave: Etnopsicología; Experiencias místico-religiosas; Yoruba; Locura; Psicología y Religión

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Introdução social, ecológica e cósmica, busca promover ou


O tema aqui abordado integra uma vasta série resgatar o equilíbrio dinâmico da própria energia
de estudos realizados por seus autores ao longo de vital. É menos desafiador traçar paralelismos e
décadas de convívio diário com iorubás, alguns convergências entre racionalidades médicas que,
residentes na Nigéria (África Ocidental) e outros embora distintas, adotem o chamado paradigma
no Brasil. De fato, mais que isso, os autores deste vitalista: concebem o corpo humano como uma
texto integram o Egbé Oduduwa, coletivo cultural- totalidade bioenergética cujas mutações acham-
religioso que, liderado pelo iorubá Síkírù Sàlámì se sujeitas a múltiplas influências subjetivas –
(King), babalorixá e doutor em Sociologia, constitui pensamentos, sentimentos e ações - e objetivas -
marco histórico da presença desse grupo étnico no relações familiares e sociais, ação de seres espirituais,
Brasil, na Eslovênia, na Galícia e na própria Nigéria. determinações astrológicas, entre outras. É menos
desafiador, por exemplo, traçar paralelismos e
Objetivos convergências entre a medicina tradicional iorubá e
Tendo definido o objetivo geral de contribuir a medicina antroposófica, desenvolvida em âmbito
com subsídios para os debates sobre Psicologia e europeu e muito bem descrita por Moraes (2015).
Religião e o objetivo específico de discorrer sobre o Por outro lado, são muitos os desafios
sentido atribuído pelos iorubás (África Ocidental) a enfrentados quando se pretende traçar paralelismos
experiências místico-religiosas interpretáveis como e convergências entre uma racionalidade médica
psicopatológicas, ou seja, de apresentar a perspectiva que adota o paradigma vitalista e outra, que tem por
iorubá de compreensão de experiências que, sob a paradigma a mecânica clássica e a noção cartesiana
ótica da medicina ocidental contemporânea, seriam de universo e corpo humano como máquinas, como
consideradas psicopatológicas, consideramos é o caso da medicina ocidental contemporânea.
recomendável adotar um referencial teórico Esta racionalidade que assume como foco central
seguro e o encontramos na produção acadêmica o diagnóstico como processo de identificação dos
de pesquisadores africanos e no constructo de “defeitos da máquina” releva a terapêutica a segundo
racionalidades médicas, fruto de mais de duas plano: “trata-se de uma medicina de máquinas para
décadas de trabalho do Grupo de Pesquisa (CNPq) (preservação de) máquinas” (Luz & Barros, 2012, p.
Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde, 235).
liderado por Madel Terezinha Luz. Este constructo Luz e Barros chamam atenção à necessidade
inclui, entre outros benefícios, o de contribuir de recorrer à pluralidade científica para validar
para desnaturalizar a noção de superioridade do outros modos de saber, utilizar pesquisa qualitativa
conhecimento científico ocidental, ao colocar outros e considerar válida a postura de não separar
sistemas médicos no patamar de análise ocupado objeto de observador. A lógica interna de outras
pela medicina ocidental contemporânea. racionalidades se apoia em uma fenomenologia que
Na obra Racionalidades médicas e práticas entende ser impossível separar observador e objeto
integrativas em saúde: estudos teóricos e empíricos, de observação e reconhece que todo objeto observado
Luz e Barros (2012) propõem que toda racionalidade sofre interferências do observador. Isto implica o fato
médica, todo sistema médico complexo está de os resultados advindos de intervenções médicas
construído sobre seis dimensões: morfologia humana serem diretamente associados à relação terapeuta-
(noção de pessoa); dinâmica vital; doutrina médica, doente.
que define saúde e doença; sistema diagnóstico; Luz e Barros (2012, p. 219) afirmam que
cosmologia (concepção de universo e tempo) e “racionalidades médicas é um operador conceitual
sistema terapêutico. que permite analisar ou comparar sistemas médicos
Ao aplicarmos essas seis dimensões à realidade complexos em perspectiva teórica, analítico-
podemos comparar melhor sistemas médicos de descritiva, ou empírica, seja como um todo, seja
origens socioculturais distintas. Neste estudo, dimensão a dimensão”.
ao discorrer sobre medicina tradicional iorubá, Não nos esqueçamos que ao realizarmos este
tomando por suposto que ela pode ser considerada estudo, próprio do campo de estudos sobre saúde
e religiosidade/espiritualidade, nos propusemos
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em relação à medicina ocidental contemporânea,


reconhecemos que ambas estão sujeitas a contínuas a permanecer no campo da etnopsicologia e
modificações promovidas por atores sociais que da etnopsiquiatria. George Devereux (1977),
garantem a continuidade teórico-prática ao longo do responsável pelo surgimento da etnopsiquiatria e da
tempo: ambas não existiriam sem história. etnopsicanálise, articulou etnologia e psicologia por
Certamente é mais fácil traçar paralelismos haver reconhecido a (agora mais do que evidente)
e convergências entre racionalidades médicas relação da saúde individual e coletiva, em todos
orientais e racionalidades médicas ocidentais se os seus aspectos, com o contexto sociocultural de
os sistemas comparados compartilham alguns vida. Na América Latina e Caribe coube a Enrique
pressupostos, como por exemplo, o pressuposto de Pichon-Rivière (1977) a honra de ser considerado o
que o ser humano, em suas relações interpessoal, pai da Etnopsiquiatria e da Etnopsicanálise. Entre

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seus discípulos, Alfredo Moffatt (1984), dedicado figura o presidente da república, convive com a
especialmente à saúde mental, produziu a relevante estrutura tradicional de poder, caracterizada pela
obra Psicoterapia do Oprimido, evidente proposta presença de obás, reis responsáveis pela ordem e
de descolonização e decolonialidade. Na América pela disciplina.
Central, em El Salvador, o espanhol Ignácio Martin- De modo análogo a esse acha-se estruturada a
Baró (2011) criava a Psicologia da Libertação, assistência à saúde da população, pois em seu âmbito
que incluída entre as Psicologias Críticas, não convivem a medicina ocidental contemporânea, de
desprezava a construção teórica da psicologia base científica, produzida em universidades, e a
euro-estadunidense, mas alertava para a imperiosa medicina tradicional, de profundas raízes culturais,
necessidade de construção de uma psicologia latino- praticada por healers, curadores denominados
americana, psicologia de povos colonizados. onixégun, havendo especialidades médicas tanto no
A partir do momento em que a compreensão âmbito da medicina ocidental quanto no âmbito da
de desordem mental transbordou da dimensão medicina tradicional há. Enquanto jovens do mundo
biopsíquica para o contexto sociocultural, ganharam ocidental frequentam a universidade para formação
fôlego estudos e pesquisas de caráter etnopsiquiátrico e aprimoramento médico, crianças e jovens da
e etnopsicológico, muitos deles estagnados na sociedade tradicional iorubá assentam-se sobre
condição de demanda represada. esteiras, ao lado de seus pais, mães ou avós, para
Tomando por base o já mencionado operador recebem ensinamentos a eles transmitidos “de boca
conceitual proposto por Luz & Barros (2012), perfumada a ouvidos dóceis e limpos”. Há famílias
organizamos o presente texto em torno de três eixos especializadas em diagnóstico, prevenção e cura
temáticos: de distintas especialidades médicas: famílias de
pediatras, ginecologistas, ortopedistas, psiquiatras,
a. Medicina tradicional iorubá e medicina por exemplo, em cujo âmago conhecimentos
ocidental contemporânea: duas lógicas de tradicionais de diagnóstico, prevenção e cura são
atenção à saúde presentes no encontro do transmitidos transgeracionalmente.
tradicional com o moderno em África. Sendo impossível pensar e realizar uma prática
b. Alguns conceitos negro-africanos indispensáveis médica descolada da sociedade e da cultura que
para o entendimento da racionalidade médica lhe deu origem e a sustenta, o que ocorre quando
tradicional iorubá: concepção de pessoa o tradicional se encontra com o moderno? Ocorre
(morfologia humana), de sociedade (egbé) e de a coexistência de dois sistemas de saúde distintos,
universo (cosmologia), o que inclui a concepção aparentemente paralelos, mas, em verdade, passíveis
de pessoa (morfologia humana), de coletividade de complementaridade: um sistema tradicional,
(egbé) e de dinâmica vital. entranhado no cotidiano das pessoas, e um sistema
c. Doutrina médica tradicional iorubá adotada psiquiátrico, entranhado na experiência acadêmica
para alívio de sofrimento psíquico: concepção e no corpus científico. Cada um desses sistemas
de medicina; sistema diagnóstico e terapêutico; oferece perspectiva própria de leitura do que seja
psiquiatria tradicional. saúde ou doença mental e oferece possibilidades de
resgate da condição de equilíbrio mental.
À apresentação desses temas, seguem as Não é incomum testemunharmos que em
seções (4) Método, (5) Resultados, (6) Discussão, (60 sociedades tradicionais o acesso ao atendimento
Considerações Finais e (8) Referências. de saúde “moderno” é restrito devido a limitações
A devida apreciação do ciclo saúde-doença- econômicas, entre outros impedimentos de ordem
cura exige conhecimento dos específicos sistemas de prática e de caráter simbólico.
cura de distintos grupos humanos. Ao pretendermos Essas duas racionalidades médicas diferem
compreender esse ciclo e sua dinâmica, precisamos radicalmente entre si, o que não poderia ser
olhar para os fenômenos utilizando a mesma lente diferente por serem muito distintos seus princípios
utilizada pela sociedade ou comunidade que os e fundamentos, seus parâmetros e suas concepções
determina e os abriga, o que demanda extremo de pessoa e destino humano, de universo e tempo e
cuidado para evitar o etnocentrismo, que certamente de saúde, doença e cura.
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fará de tudo para se impor. Para os negro-africanos o mundo visível é


Iniciemos, pois. hierofania de um mundo invisível: nele se manifesta o
Sagrado, no fugaz se faz permanentemente presente o
1. Medicina tradicional iorubá e medicina Eterno, sempre reconhecido e vivenciado. Toda pessoa
ocidental contemporânea: duas lógicas de atenção é considerada um sistema bio-psico-sócio-espiritual em
à saúde presentes no encontro do tradicional com o permanente intercâmbio energético com indivíduos e
moderno em África grupos do sistema social, no aiyê (mundo material. a
Na Nigéria, como em muitos outros países Terra), e com seres do orun (plano existencial invisível,
africanos, o regime republicano convive com o habitado por divindades, ancestrais veneráveis e
monárquico. A estrutura de poder, em cujo ápice diversos outros seres espirituais).

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2. Alguns conceitos negro-africanos indispensáveis perturbada, favorece rupturas, desunião e intrigas.


para o entendimento da racionalidade médica Sua presença provoca, no mínimo, desconfortos.
tradicional iorubá: concepção de pessoa A palavra Ori designa cabeça. A cabeça física
(morfologia humana), de sociedade (egbé) e de representa e é símbolo de Ori inú, a cabeça interior,
universo (cosmologia), o que inclui a concepção de essência do orixá Ori. A vida de pessoas Ori burukú
pessoa (morfologia humana), de coletividade (egbé) (de mau ori, desequilibrada, azarada, que sofre
e de dinâmica vital infortúnios e promove mais desgraças do que
benesses) é mais difícil do que a vida de pessoas Ori
2.1 Concepção iorubá de pessoa (morfologia rere (de bom ori, equilibrada, sortuda, que conquista
humana) e de sociedade (egbé) bênçãos e realiza mais benesses do que desgraças).
A palavra Ori (que temos optado por grafar com
Para os iorubás o indivíduo é constituído de inicial maiúscula) designa o orixá pessoal, que guia,
elementos biológicos, psíquicos, geracionais, sociais acompanha e ajuda a pessoa antes do nascimento,
e espirituais. Esta noção envolve nove componentes, durante a vida e após a morte, Ori está entre as mais
alguns intrínsecos ao indivíduo, outros extrínsecos: importantes divindades do panteão iorubá, pois
ará, ojiji, okan, emí, iwá, Ori, egbé, aiye e ilê (Frias, tudo o que possa ocorrer de bom ou de ruim a uma
2016; Frias, 2019). pessoa somente ocorrerá se for sancionado por seu
Ará é o corpo físico; ojiji, “fantasma humano” Ori, grande apreciador do exercício de virtudes, sem
ou sombra, é a representação visível da essência as quais se faz impossível conquistar fecundidade,
espiritual que acompanha o ser humano durante prosperidade e longevidade, os principais valores
toda a vida e morre com ará, embora não seja iorubás. Ipin Ori, a sina de Ori, o destino individual,
enterrado com ele; okan, o coração, fonte das ações, é chega ao mundo físico com a pessoa: todas as pessoas
considerado a sede da inteligência e do pensamento trazem, ao nascer, uma boa ou má predestinação,
intuitivo; emí é o “Eu”, ser espiritual que habita sujeita a alterações para melhor ou para pior. Ori está
ará (emí significa, também, vida, fôlego, espírito, relacionado a iwá e ao axé, a força vital, mais intensa
alma, ser e sopro), é o princípio vital, intimamente em alguns do que em outros. Estar predestinado a
relacionado à respiração, mas não redutível a ela. nascer em determinada família pode ser a sorte ou o
Por ocasião da morte se diz que emí se foi. azar de um indivíduo e/ou da família que o recebe.
Em algumas narrativas míticas o ato criativo de Entre os elementos extrínsecos da constituição
modelar os corpos e as cabeças dos seres humanos humana estão ojó (dia, data, tempo, ciclo, fase) e
é atribuído ao orixá primordial Obatalá e, em ilê (casa, lar, espaço, terra, planeta terra, mundo,
outras, a esse orixá compete modelar somente os universo). Todos os seres nascem, vivem e morrem
corpos, competindo ao orixá Ajalá a modelagem das em determinados locais e determinados momentos,
cabeças. Mas emí, o sopro vital, é insuflado em ará o que, evidentemente, interfere em sua formação, em
por Eledunmare, o Ser Supremo, também chamado suas interações e em sua representação da realidade.
Elemí, Senhor dos Espíritos. O ser modelado somente Tanto quanto a família em que se nasce, o corpo e os
se torna vivente ao receber a centelha divina que coletivos de pertença, o tempo e o espaço interferem
faz com que o Ser Supremo passe a habitar sua nas ocorrências existenciais determinadas pelo
interioridade. Todos carregamos a centelha divina e destino. Reza-se a Olojó, Senhor do Tempo, e a
por ela somos irmanados no imenso todo. Onilê, Senhora do Espaço, por ciclos e ambientes
A palavra iwá designa temperamento, favoráveis: deseja-se estar no melhor momento e
personalidade, caráter, atitude e comportamento e no melhor local, tanto quanto se deseja força para
a palavra omoluwabi, contração de omó (criança, lidar do melhor modo possível com as adversidades.
filho/a), ti (que), olu-ìwà (chefe, mestre ou senhor O tempo e o espaço favorecem ou impossibilitam
de ìwà) e bi (nascido, gerado), designa “filho(a) o encontro de pessoas e a constituição de egbés. A
de um bom iwá. Isto se diz da pessoa virtuosa, palavra egbé, que significa sociedade, comunidade,
de caráter impecável, dotada de condições grupo, associação, corporação, fraternidade, círculo
psicofisiológicas favoráveis ao desenvolvimento de de amigos e companhia (Sàlámì, 2020), é outro
potenciais humanos. Para Ribeiro e Sàlámì (2008) conceito importantíssimo para a compreensão da
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a pessoa dotada de iwapelé é reverente, serena, lógica iorubá de concepção de pessoa e de sociedade
responsável, paciente, equilibrada e harmoniosa; entre os iorubás, cujos valores privilegiam o bem
possui bom caráter, temperamento e personalidade comum e o compartilhamento. Deseja-se manter
bem equacionados; e, sendo alakosô, favorece a a solidariedade grupal e a aceitação dos costumes
união, dificulta ou impede processos de ruptura tradicionais. Egbé alude a grupos de pertença,
e pode realizar feitos relevantes. À sua volta as constituídos por indivíduos que partilham a
ocorrências são favoráveis e felizes. Por outro lado, a mesma predestinação e/ou têm laços em comum. A
pessoa dotada de iwá burukú, irreverente, inquieta, confluência de predestinações individuais compõe
irresponsável, impaciente, desequilibrada, mau uma predestinação coletiva, mais duradoura. O
caráter, de temperamento irascível e personalidade nascimento de uma criança deve-se ao encontro de

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pais, avós e bisavós, que integram seu egbé biológico, orun. Casamentos realizados quando os dois cônjuges
primeiro egbé de pertença. No decorrer da vida todos ainda estão habitando o orun, ou seja, quando um dos
integramos diversos coletivos, parte dos quais no dois ainda não migrou para Aiyê (reencarnou), são
aiyê, parte dos quais no orun. Por exemplo: policiais, testemunhados por membros do egbé ao qual ambos
tatuadores, caçadores e outros profissionais que pertencem, o que confere legitimidade à união e
trabalham com metais integram egbés profissionais garante a pressão coletiva para que a união conjugal
e devocionais, constituídos de habitantes do aiyê e perdure. Em dois grupos estudados, Jimoh ouviu
de habitantes do orun. Esse egbé tem por patrono o relatos de homens e mulheres que confirmaram essa
orixá Ogum, herói civilizatório. crença e descreveram detalhes desse tipo de união:
Ao discorrer sobre os espíritos, bons e malévolos, para poder atravessar o portal que conduz do mundo
que se movem entre os humanos, Jimoh (2015) os espiritual ao mundo físico, uma mulher já casada no
classifica em iwin, espíritos que vivem em árvores; orun precisa da permissão do líder do Egbé Okó-
orò, guardiães de vales e montanhas, e emere que, orun e de seu marido. Para obter essa permissão é
associados aos abiku, vivem em florestas. A palavra exigido que ela aceite determinadas condições: dar
abiku resulta da contração de a, bi e kú, “nascido para liberdade ao marido espiritual para visitá-la e fazer
morrer”, ou a, bi e o kú, “o parimos e ele morreu”. As amor com ela, renunciar a um possível casamento
condições de sua concepção incluem a demora para com outra pessoa e nunca gestar crianças físicas. De
a mãe engravidar e sucessivos abortos espontâneos seus encontros amorosos com o marido espiritual
ou induzidos antes de levar uma gravidez a termo. ela poderá gestar filhos espirituais.
No presente contexto é relevante discorrermos Em casos extremos ela é autorizada a casar
sobre Egbé Abiku, sociedade de espíritos que com um integrante do Egbé Aiyê, gestar e parir
adentram ventres de mulheres para permanecerem filhos, desde que continue integrando seu Egbé
no plano físico por pouco tempo e retornarem Amutorunwa (“Egbé trazido ao nascer”) e desde
precocemente ao orun. Este fenômeno diz respeito que seus filhos também venham a integrá-lo. Nestes
a dois aspectos fundamentais da etnia iorubá: casos os casamentos realizados no mundo físico
nascimento e reencarnação. A morte prematura é servem para dar continuidade a núpcias espirituais
socialmente inaceitável porque o que se tem por pré-existentes, das quais nascem filhos pertencentes
ideal é a “boa morte”: morte não violenta, ocorrida à mesma sociedade espiritual.
em idade avançada e celebrada com festa fúnebre Após seu nascimento no plano físico a mulher
para que o espírito possa ser conduzido ao egbé integrante desse egbé passa a existir na condição
orun, habitado por seus amigos espirituais e seus de ser humano comum. À noite é visitada por seu
ancestrais veneráveis. okó-orun (espírito marido) e durante o dia pode
O fenômeno abiku é objeto de interesse de vê-lo em sonhos ou em estado de transe, embora
pesquisadores de diversos grupos étnicos africanos, possa ocorrer, rarissimamente, de ele se manifestar
entre os quais os igbo (Nigéria), que têm estudado durante a vigília. Os intercursos sexuais noturnos são
fartamente esse fenômeno, por eles denominado frequentes e tão reais que ela perde sua virgindade
ogbanje (Ilechukwu, 2007 e Asakitikpi, 2008). e regularmente atinge o orgasmo. Poderá engravidar
Antes de ingressar no mundo físico todo abiku e apresentar alterações físicas como o aumento das
firma um pacto com seu egbé orun, estabelecendo mamas, náuseas e suspensão do ciclo menstrual.
o tempo de duração de sua permanência na família Também amamentará seus filhos espirituais em
que o receberá e a data de retorno ao plano espiritual. sonhos.
Entre os esforços por preservar crianças e jovens Além do prazer sexual, a esposa de um okó-
abiku no seio das famílias que os recebem recorre-se orun usufrui de outros privilégios: presentes, total
a Egbé Aragbô, divindade responsável por quebrar o assistência às suas necessidades, proteção contra
pacto de morte prematura estabelecido entre o abiku inimigos. Suas dificuldades dependem do tipo
e seu egbé orun. de contrato por ela estabelecido com seu espírito-
Considerando haver na sociedade tradicional marido: se jurou total compromisso lhe será
iorubá a crença no casamento entre humanos e absolutamente impossível ter vida conjugal humana,
okó-orun, espíritos-maridos, ou ayá-orun, espíritos- mesmo que se esforce muito para isso. Se as regras
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esposas, Jimoh (2015) investigou esse fenômeno em do contrato forem mais leves poderá ser autorizada
dois grupos iorubás do sudoeste da Nigéria – um a estabelecer relações amorosas no plano humano,
de tradicionalistas e outro de muçulmanos – para sob risco de que essa nova união seja destruída pelo
identificar semelhanças e diferenças em seus modos espírito-marido, que fomentará ódio e discórdia em
de entender essa condição humana e para conhecer sua relação conjugal até o rompimento da aliança.
os recursos utilizados por ambos para libertar Mesmo que a mulher deseje o divórcio para se
pessoas cujo sofrimento psíquico é causado pela libertar do espírito-marido, considerado o cônjuge
ameaça de perda de filhos abiku. legitimo, encontrará sérios obstáculos, entre os quais
Nesses grupos são comuns os relatos de união o de passar a ser vista por seu egbé como desleal,
conjugal de habitantes do aiyê com habitantes do traidora de uma aliança de eras.

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Ronilda Iyakemi Ribeiro, Rodrigo Ribeiro Frias & Síkírù Sàlámì, (King)

Para libertar uma mulher ou um homem que prevenção e cura. Onixégun é o médico-mago-
vive em tais condições, os onixégun e os babalaôs religioso, tradicionalista conhecedor de plantas
usarão recursos para apaziguar o espírito-cônjuge e mágicas e medicinais, que pratica òògùn.
os demais membros do egbé – realizarão eru egbé
(oferendas de pólvora), roupas, ojá omó (faixas 3.2 Sistema diagnóstico e as recomendações de
para carregar crianças nas costas), pentes, brincos, conduta preventiva e terapêutica
colares, frutas, biscoitos e bonecas bebês. As Como são realizados o diagnóstico e as
oferendas, colocadas em uma cabaça, são entregues recomendações de conduta preventiva e terapêutica?
em determinado córrego exatamente às 23 horas e Para responder a essa pergunta ingressamos em um
30 minutos, e caberá ao cônjuge habitante do aiyê cenário verdadeiramente extraordinário aos olhos de
permanecer no leito do córrego para ver se a cabaça quem ainda não teve oportunidade de conhecê-lo!
será conduzida pelas águas, sinal de aceitação da Surpreendente para a lógica formal, à qual
oferenda. Sendo aceita a oferenda, a frequência estamos habituados no ocidente, é o fato de um
de perturbações se reduzirá e as tensões serão diagnóstico não ser realizado exclusivamente
atenuadas, o que não implica em libertação total. Esse por meio de recursos do pensamento racional,
procedimento ritualístico será repetido a intervalos e mecanismos da lógica causal. Neste âmbito
regulares para atenuar novas perturbações e tensões predomina o pensamento analógico, sincronístico,
que surgirem. ativo na busca de compreensão da queixa trazida
por um cliente. Ou seja, um diagnóstico é realizado
2.2 Concepção iorubá de dinâmica vital com base na causalidade e na casualidade: a
Axé é vocábulo iorubá designativo de força, ele se chega raciocinando de modo lógico e,
energia, poder de realização. O axé permeia tudo e simultaneamente, utilizando recursos analógicos
cada ser é detentor de um axé específico: cada um propiciados pelo acaso significativo, uma vez que
dos inumeráveis elementos naturais dos mundos um dos principais recursos diagnósticos de òògùn,
mineral, vegetal e animal carrega determinada a medicina tradicional, é o jogo oracular. Tanto o
qualidade de axé. Do mesmo modo, cada pessoa, diagnóstico quanto a conduta médica a ser adotada,
cada Ori e cada orixá é também portador de um axé seja para prevenir um mal ainda não instalado, seja
que lhe é próprio. Todo e qualquer desequilíbrio é para aliviar ou eliminar sofrimentos ocasionados
considerado desequilíbrio energético, identificável por um mal já instalado, seja para atrair um bem,
em algum dos âmbitos da existência e passível de serão em grande parte indicados pela queda de
tratamento. Ser saudável inclui bem-estar físico, boa búzios ou de outros elementos divinatórios, queda
condição socioeconômica, boas amizades e boa vida essa totalmente determinada pelo acaso.
conjugal e familiar: felicidade é ser saudável, ser O sistema divinatório iorubá, incluído entre
forte, estar carregado de axé. os sistemas divinatórios africanos, é um sistema
Não há força maior do que a dessa energia, oracular geomântico, cuja consulta remete ao Corpus
que flui nos planos físico, psicológico, social e Literário de Ifá, livro sagrado dos iorubás preservado
espiritual. Toda e qualquer realização depende em grande parte na memória de tradicionalistas
do axé que, como toda energia, pode aumentar ou da palavra nessa sociedade de tradição oral. A ele
diminuir, sofrer desgaste, ser furtado e ser reposto. recorrem os babalaôs, sacerdotes de Ifá-Orunmilá,
Quanto mais axé, mais saúde, mais fertilidade, ocupantes do mais alto posto da hierarquia religiosa.
mais prosperidade e maior longevidade. É preciso A Ifá-Orunmilá, orixá da sabedoria, testemunha dos
aprender como adquirir, preservar, proteger e repor destinos de todos os seres, conhecedor do passado,
o axé. Interessante é o fato de que sua aquisição e do presente e do futuro dos seres, recorrem também
preservação exige, entre outras condições, a prática babalorixás e ialorixás, respectivamente sacerdotes
de virtudes. e sacerdotisas dos demais orixás. E a ele recorrem
também os onixégun.
3. Doutrina médica tradicional iorubá adotada Vemos em Ifá e a prática do jogo de búzios, de
para alívio de sofrimento psíquico: concepção autoria de Sàlámì (2019), que a consulta a Ifá pode ser
de medicina; sistema diagnóstico e terapêutico; realizada por meio de três sistemas: ikin, sementes
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

psiquiatria tradicional iorubá da palmeira opé-Ifá, opelé, a corrente divinatória, e


erindilogun, jogo de (dezesseis) búzios. Consultas
3.1 Concepção de medicina com ikin e opelé, sistemas sofisticados e complexos,
Òògùn é a palavra iorubá que designa que exigem prolongado tempo de aprendizagem
medicina, magia, medicamento, remédio, veneno, dos 256 odus (no mínimo 16 anos), são realizadas
fetiche, amuleto e encantamento. Refere-se à prática exclusivamente por babalaôs e ianifás, sacerdotes
terapêutica que associa, inseparavelmente, recursos e sacerdotisas do orixá Orunmilá. Consultas por
de medicina, magia e religião. Designa, pois, a meio do erindilogun, cujo tempo de aprendizagem
prática médica tradicional iorubá que permite é menor por trabalhar somente com 16 odus, são
realizar diagnósticos e indica procedimentos de realizadas por babalorixás e ialorixás, sacerdotes

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e sacerdotisas dos demais orixás. Outros sistemas terapêuticas desse odu são todas litúrgicas: ebós
divinatórios, com métodos menos elaborados, (oferendas), bori (ritual de “dar comida” ao Ori),
também são utilizados pelos iorubás, sendo alguns banhos e iniciação em Orixás. Também recomenda a
de caráter mágico-religioso, como as leituras das ação conjunta de recursos das medicinas tradicional
palmas das mãos, das estrelas, da água, de uma e ocidental contemporânea.
esteira sacralizada ou de uma cabaça sacralizada. Todas as recomendações de caráter preventivo
No erindilogun a caída dos búzios define ou terapêutico incluem processos de aprimoramento
um número entre um e 16, correspondendo cada de atitudes e condutas e rituais de sacralização do
um desses números a um odu, por meio do qual corpo, o que implica, necessariamente, manipulação
responde(m) um ou mais orixás. Apesar de ser do axé de elementos da natureza, de pessoas e de
um sistema divinatório que exige menor tempo de seres espirituais por meio de recursos mágico-
aprendizagem, o erindilogun possibilita identificar a médico-religiosos. A manipulação do axé desses
causa de dificuldades e problemas e orienta a como seres é realizada por meio de banhos, de ritos
proceder para restabelecer o equilíbrio. Esse jogo iniciáticos e de ebós, oferendas para afastar um
também indica como se proteger e se prevenir das mal já instalado, prevenir a ocorrência de um mal
adversidades. Ele é, pois, um recurso de diagnóstico prestes a ser instalado ou atrair e preservar um bem.
e, simultaneamente, propõe soluções para alívio de A veiculação do axé é favorecida por alimentos,
sofrimentos e aflições. sendo, por isso, considerados importantes os
Com a autorização de Ori, por intermédio dos ewós (interdições) alimentares e as “preferências
odus, orixás se comunicam e, dessa estrutura e alimentares dos orixás”, ou seja, alimentos de
dinâmica, advêm o diagnóstico e a recomendação de mesma qualidade energética do orixá, cujo axé seja
procedimentos a serem adotados para a prevenção e preciso dinamizar.
a cura. A seguir apresentamos dois exemplos. Apresentados, em linhas gerais, o modo iorubá
Quando, durante uma consulta oracular de perceber e interpretar a realidade, descrevemos
realizada por meio do erindilogun, três dos a seguir o método de investigação utilizado neste
dezesseis búzios lançados sobre a peneira estudo.
divinatória exibem sua face aberta ao cair, temos
uma resposta do Odu Ogbeyonu, por meio do qual 4. Método
fala o orixá primordial Exu. Como este odu trata O método por nós utilizado associou, aos dados
de questões relativas à saúde mental e emocional, obtidos em pesquisa bibliográfica e virtual, outros,
ou seja, de questões diretamente relacionadas a advindos de observação participante e de entrevistas
Ori (Eu Superior) e a iwá (personalidade, caráter, semidirigidas realizadas com mulheres iorubás
temperamento), entendemos que Ogbeyonu acorre de Abeokutá, capital de Ogun State, na Nigéria
em benefício do consulente para aconselhar quais (África Ocidental). Toda pesquisa de campo é uma
caminhos devem ser trilhados para poder realizar vivência de encontros humanos. Por isso entra
projetos existenciais. Esse odu alerta ao fato de que, em jogo a qualidade humana dos pesquisadores
por mais que se interfira na vida de outra pessoa e sua habilidade de interação humana, sem perda
com recursos médico-mágico-religiosos, a ela do imprescindível rigor próprio das pesquisas
compete a incumbência de modificar a si mesma científicas (Frias, 2020).
para alcançar vitória em seus empreendimentos. As Participaram desta pesquisa doze mulheres
principais recomendações terapêuticas desse odu com idade variando entre 25 e 48 anos. Dos
são ebós (oferendas), bori (ritual de “dar comida” relatos biográficos selecionamos três para estudo
ao Ori) e iniciação em Orixás. específico do tema que constitui o objeto principal
Vejamos outro exemplo. Quando, durante uma desta apresentação, utilizando como critério o
consulta oracular realizada por meio do erindilogun, fato de esses três relatos incluírem referências a
nove dos dezesseis búzios lançados sobre a peneira situações existenciais propiciadoras de sofrimento
divinatória exibem sua face aberta ao cair, temos psíquico.
uma resposta do Odu Ossá, por meio do qual fala Para compreendermos sob duas óticas distintas,
Iyami Oxorongá a respeito das relações familiares o sofrimento psíquico de Ayoká, Funmilolá e
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

do consulente e revela aspectos de sua condição Kuburat, nossas interlocutoras, sob a ótica da
emocional, além de trazer informações sobre as medicina tradicional iorubá e a ótica da psiquiatria
condições do sangue, dos hormônios e dos órgãos ocidental contemporânea, enviamos à Dra. Tatiane
internos (de musculatura lisa). Esse odu trata Vasconcelos, psiquiatra atuante na capital de São
da origem espiritual e do desenvolvimento das Paulo, os relatos biográficos dessas mulheres,
enfermidades. Em se tratando de mulheres, ele despojados de significados atribuídos pelos iorubás
alerta especialmente para as condições do sistema aos fatos e fenômenos relatados e solicitamos a
reprodutivo e hormonal; em se tratando de homens ela que colaborasse conosco levantando hipóteses
alerta especialmente para as condições dos sistemas diagnósticas para os casos descritos.
digestivo e rítmico. As principais recomendações

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Ronilda Iyakemi Ribeiro, Rodrigo Ribeiro Frias & Síkírù Sàlámì, (King)

5. Resultados os ataques mágicos contra Ayoká para que ela


5. 1 Ayoká, 52 anos, mulher iorubá de Ibadan enlouquecesse. Foi bem-sucedida.
Entrevistada por Iyakemi em Abeokutá, capital Sob pressão da perda do marido e sob o
de Ogun State, na Nigéria (África Ocidental), Ayoká, impacto da fúria de sua dirigida irmã contra ela,
mulher iorubá de Ibadan, quinta filha de uma Ayoká enlouqueceu. Aos episódios de delírios e
família de treze filhos (sete meninas e seis meninos), alucinações se somou a intensificação do uso de
compartilha a história de sua vida. álcool e fato drogas e de seu quadro de compulsão
Nascida em Ibadan, onde seu pai tinha uma casa sexual. Passava muito tempo na rua, entregue a seus
lotérica e sua mãe exercia a atividade de vendedora vícios.
ambulante de roupas, Ayoká perdeu cinco de seus
irmãos ainda na infância. Atingiram a idade adulta 5.2 Funmilolá, 48 anos, mulher iorubá de Oyó
duas irmãs e cinco irmãos. Funmilolá, mulher iorubá de Oyó, entrevistada
Sua escolaridade foi interrompida no terceiro aos 48 anos por Iyakemi, narra haver casado aos 22 e
ano do ensino fundamental dada a necessidade de engravidado já no primeiro ano de vida conjugal. A
ajudar sua família nos trabalhos domésticos. Aos gravidez não foi a termo: abortou no quinto mês de
18 anos se casou e foi residir em Lagos, capital da gestação. Superada a crise, engravidou novamente,
Nigéria, onde comercializou arroz. Lá nasceu seu mas tornou a abortar no quarto mês de gestação.
primeiro filho. Após sua separação conjugal, ocorrida Outras três tentativas redundaram em fracasso.
três anos depois do casamento, Ayoká mudou para Finalmente sua sexta gravidez foi a termo e a
a cidade de Abeokutá, onde passou a residir com a família exultou com a chegada de um menino, que
irmã mais velha, casada e sem filhos, comerciante recebeu o nome de Ayedun, nome que significa “A
de bijuterias – brincos, pulseiras e colares. Durante terra (o planeta, a humanidade) é doce. Permaneça
os quatro anos seguintes foi abrigada, juntamente nela para usufruí-la”. Mas a alegria durou pouco:
com o filho, por sua irmã e seu cunhado que, além Ayedun faleceu antes de completar dois anos de
de abrigá-la, lhe ofereceram trabalho nas atividades idade, e a este falecimento sucederam-se outros
comerciais da irmã. três nascimentos de crianças igualmente fadadas a
Aos 25 anos se casou novamente e deu à luz morrer ainda pequenas: uma menina que recebeu o
um casal de gêmeos. Agora, com marido e três filhos, nome Ayedungbe, que significa “A terra é doce para
continuaram morando com a irmã. Quando estava nela se viver”; outro menino, de nome Egbedelê,
com 27 anos sua irmã e seu cunhado decidiram que significa “Egbé (a Sociedade) chegou a esta
expandir negócios e viajaram para Gana. Para poder casa”; e mais uma menina, que recebeu o nome de
viajar sem preocupações, antes de partir a irmã lhe Ikulu-Koyi, que significa “Não tem mais lugar para
confiou todos os seus bens, inclusive a mercadoria enterrar”.
de altíssimo valor, e todos os encargos comerciais, Funmilolá, infeliz por sua condição de mãe
incumbindo Ayoká de dar andamento às vendas e de crianças abiku, desistiu de se expor a novos
zelar pelo dinheiro obtido. episódios de esperança, temor e luto. E foi então
Passados cinco anos, estando Ayoká com 32 que passou a apresentar sucessivos e prolongados
anos, a irmã e o cunhado retornaram e solicitaram a períodos de depressão, o que demandou cuidados
devolução da mercadoria que ainda não tivesse sido de uma onixégun de sua cidade.
vendida e dos valores obtidos. Não havia nada a ser
restituído porque toda a mercadoria fora vendida e 5.3 Kuburat, 32 anos, mulher iorubá de Abeokutá,
todo o dinheiro consumido em benefício próprio, na não tem sorte no amor
compra de um excelente terreno e na construção de Kuburat, mulher iorubá de Abeokutá, capital
uma bela casa, que estava quase pronta. de Ogun State, entrevistada aos 32 anos por Iyakemi,
Nessa ocasião Ayoká já conquistara um apesar de saudável, bela e elegante, não atrai
local na feira para comércio próprio e a situação pretendentes. Todo o seu empenho de muitos anos
original foi invertida: a irmã pediu para ser incluída redundou em fracasso e sua solidão a afetou física
nas atividades comerciais, mas seu pedido foi e psicologicamente. Em procura de atendimento
recusado porque Ayoká não quis dividir lucros com para seu desequilíbrio psíquico ouviu de um
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

ninguém. A irmã, enraivecida, recorreu à magia babalaô a resposta para a pergunta que se tornara
para interromper o fluxo do axé na vida de Ayoká, central em sua vida: “Por que não consigo um
o que lhe acarretou grandes perdas, entre as quais o pretendente, um namorado, um homem que queira
congelamento da construção da casa quando faltava ser meu companheiro?”. A consulta a Ifá-Orunmilá,
apenas cobri-la e, passados dez anos, a casa ainda divindade iorubá da sabedoria, trouxe a resposta:
permanecia sem telhado. embora não estivesse ciente disso, Kuburat é uma
Quando Ayoká estava com 39 anos seu segundo mulher casada e homem algum ousará provocar a
marido faleceu. A irmã não desistira dos ataques ira de seu marido. Casada? Sim! Casada com um okó
mágicos e, não tendo encontrado apoio familiar orun, espírito-marido, habitante do orun, o mundo
para o atendimento de suas queixas, intensificou espiritual.

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Embora a informação trazida pelo oráculo de retomado suas atividades profissionais, em algum
Ifá lhe proporcione um certo alívio, pois saber que tempo Ayoká concluiu a construção de sua casa.
suas tentativas fracassadas não se devem a uma Embora livre de delírios e alucinações, de fato
incompetência pessoal já eleva sua autoestima, Ayoká não estava completamente curada, pois não se
saber-se casada com um habitante do orun implica libertara da drogadição, nem da compulsão sexual.
lembrar-se de que uma união dessa natureza jamais Bebia demais e abusava da maconha. Ocorreu que
teria ocorrido se ambos não pertencessem ao em uma das vezes em que, bêbada, ficou caída na
mesmo egbé, mesma sociedade espiritual. Implica rua, foi recolhida por um homem que lhe ofereceu
se lembrar também que casamentos como o seu cuidados e não economizou dinheiro para livrá-
são testemunhados por outros membros do mesmo la dos vícios. Casaram quando ela estava com 49
egbé, fato que impossibilita um possível divórcio. anos e ele a levou novamente ao oráculo de Ifá
Decorre disso a necessidade de Kuburat reconhecer para atendimento. O babalaô recomendou iniciação
o inquestionável fato de que, sendo casada no orun, em Erinlé, orixá feminino, guerreira e patrona da
deverá permanecer solteira no aiyé , a dimensão medicina. Após a iniciação, livre dos vícios, resgatou
física da existência. condições para cuidar de si e da família.
O que lhe resta? Tudo o que lhe resta é aceitar a
própria sorte e ser consolada pelo fato de já ser casada 6.2 Ótica da psiquiatria ocidental contemporânea:
e de poder ser mãe de espíritos-filhos, nascidos dos um caso com hipótese diagnóstica de Transtorno
encontros amorosos noturnos com seu espírito- Bipolar tipo I + Dependência química
marido. Mas aceitar essa condição não é nada fácil “O relato biográfico de Ayoká nos apresenta
e Kuburat passa a ter episódios prolongados de uma mulher que, com menos de 40 anos, ao viver
depressão. eventos estressores, apresentou mudança brusca de
comportamento: passou de alguém que cuidava dos
6. Discussão filhos e negócios, para alguém com manifestação
O já mencionado operador conceitual de episódios de “delírios e alucinações” e
“racionalidades médicas”, que possibilita comparar e comportamento de risco: abuso de drogas, compulsão
analisar sistemas médicos complexos sob perspectiva sexual e marginalização. 
teórica analítico-descritiva ou empírica, seja como Fatos ocorridos quando Ayoká estava com 43
um todo, seja dimensão a dimensão, se mostrou útil anos, nos fazem acreditar que o quadro se repete
para a compreensão de dinamismos observáveis e o episódio maníaco se torna frequente, ou seja,
quando um sistema médico tradicional se encontra podemos supor que as alterações de humor tornaram
com um sistema médico moderno. Vejamos, caso a seu convívio insuportável para o segundo marido.
caso, as leituras tradicional e moderna dos quadros Com o passar do tempo, mesmo sem novos
de descompensação e sofrimento psíquicos das episódios de delírios e alucinações, Ayoká não
mulheres entrevistadas. se libertara da drogadição nem da compulsão
sexual. E aqui percebemos ter havido instalação
6.1 Ayoká, uma história de deslealdade, vingança de dependência química, acompanhada de
por meio de ação mágica e perdão. Ótica da comprometimento do autocuidado.
psiquiatria tradicional iorubá Esse conjunto de eventos/sinais conduzem
Aos 43 anos, mesmo no estado de insanidade à hipótese de manifestação de Transtorno Bipolar,
mental em que se encontrava, dependente de álcool bastante comum entre pacientes envolvidos com
e drogas, Ayoká casou novamente e teve seu quarto drogas e situações de risco porque a impulsividade
filho. Não é preciso dizer que o terceiro marido não aumenta o estímulo para uso das drogas e para as
suportou a situação por muito tempo e abandonou práticas sexuais “promíscuas”. É comum aparecer
o lar. Os filhos, desesperados, recorriam à tia em sintomas depressivos concomitantes, ou posteriores
busca de ajuda, mas não eram atendidos. Vendo a ao episódio maníaco, assim como é possível que o
mãe louca, eles solicitaram a ajuda de um onixégun, paciente retorne a fases “estáveis”, sendo comum a
mago-médico tradicionalista, cujos recursos foram alternância de seu humor, que poderá até mesmo ser
associados à intervenção de um babalaô, sacerdote observado como aparentemente “normal”. 
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

de Ifá-Orunmilá, que a própria Ayoká procurara em A hipótese de que Ayoká apresenta um quadro
um de seus momentos de lucidez, ao constatar que de Transtorno bipolar (distúrbio de humor em que
não dispunha de forças pessoais para se libertar dos se verifica a ocorrência de pelo menos um episódio
vícios que adquirira. Aconselhada a pedir perdão à maníaco, que pode ter sido precedido ou sucedido
irmã como recurso de cura, fez isso, mas não obteve de episódios hipomaníacos ou depressivos) encontra
perdão. Reuniu todos os filhos para retornarem à apoio no DSM – V, que define os seguintes critérios
presença da ofendida e, juntos, implorarem pelo para a identificação de episódios maníacos: (1) um
perdão, condição indispensável para obtenção da período distinto de humor anormal e persistentemente
cura. Finalmente, sensibilizada a irmã a perdoou. O elevado, expansivo ou irritável e aumento anormal
perdão trouxe a cura e o reequilíbrio mental e, tendo e persistente da atividade dirigida a objetivos ou

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da energia, com duração mínima de uma semana e 6.4 Ótica da psiquiatria ocidental contemporânea:
presente na maior parte do dia, quase todos os dias um caso com hipótese diagnóstica de Transtorno
(ou qualquer duração, se a hospitalização se fizer Depressivo
necessária); (2) durante o período de perturbação “Fatores estressores repetitivos, de conteúdo
do humor e aumento da energia ou atividade, emocional intenso - sucessivos abortos e perda de
três (ou mais) dos seguintes sintomas se fazem crianças nascidas vivas provocaram nessa mulher
presentes em grau significativo e representam uma prolongados períodos de depressão, que foram
mudança notável do comportamento habitual: se agravando com o tempo, fazendo com que ela
autoestima inflada ou grandiosidade; redução da chegasse a ficar uma semana inteira sem sair da
necessidade de sono (exemplo: sente-se descansado cama e sem disposição para se alimentar.
com apenas três horas de sono); loquacidade maior Normalmente é possível identificar sinais de
que o habitual ou pressão para continuar falando; transtorno depressivo por meio da descrição do caso
fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os e por avaliação do contexto: alteração do humor -
pensamentos estão acelerados; distrabilidade (a apresenta humor hipotímico; perda de vontade e
atenção é desviada muito facilmente por estímulos prazer de viver, hiporexia, desânimo e desesperança
externos insignificantes ou irrelevantes); aumento que podemos inferir como advindos das inúmeras
da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, frustações e lutos. 
no trabalho ou escola, seja sexualmente) ou agitação Funmilolá apresenta a maioria dos critérios
psicomotora (atividade sem propósito não dirigida diagnósticos para depressão: humor deprimido na
a objetivos); envolvimento excessivo em atividades maior parte do dia, quase todos os dias; acentuada
com elevado potencial para consequências dolorosas redução do interesse ou prazer em todas ou quase
(envolvimento, por exemplo, em surtos desenfreados todas as atividades na maior parte do dia, quase todos
de compras, indiscrições sexuais ou investimentos os dias; fadiga ou perda de energia quase todos os
financeiros insensatos); a perturbação do humor é dias; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva
suficientemente grave, a ponto de causar prejuízo ou inapropriada quase todos os dias. O episódio de
acentuado no funcionamento social ou profissional depressão não é atribuível aos efeitos fisiológicos de
ou de necessitar de hospitalização a fim de prevenir uma substância ou a outra condição médica. Não há
dano a si mesmo ou a outras pessoas, havendo, ainda, relato de episódio maníaco nem hipomaníaco.” (Dra.
a possibilidade de haver características psicóticas, Tatiane Vasconcelos)
o episódio não é atribuível a efeitos fisiológicos de
alguma substância (exemplo: abuso de droga ou de 6.5 Kuburat, uma história de falta de sorte no amor.
medicamento ou de outro tratamento) nem a outra Ótica da psiquiatria tradicional iorubá
condição médica.” (Dra. Tatiane Vasconcelos) Ao realizar a consulta oracular utilizando a
corrente opelé, o Babalaô a informa de que sua vinda
6.3 Funmilolá, uma história da maternidade de para o aiyê não teria sido autorizada pelo líder de
crianças abiku. Ótica da psiquiatria tradicional seu egbé de pertença nem teria sido autorizada por
iorubá seu marido espiritual se ela não tivesse aceitado a
Quando Funmilolá, após sucessivas tentativas condição de receber visitas noturnas de seu esposo,
de ser mãe, desistiu de se expor a novos episódios de fazer amor com ele e lhe ser fiel e leal, não tendo,
esperança, temor e luto, sua vida perdeu sentido e pois, liberdade para contrair núpcias com um
ela passou a viver períodos de depressão. Buscando habitante do aiyê nem para gestar e parir filhos
alívio para seus sofrimentos junto a uma onixégun de biológicos.
sua cidade, ela recebeu apoio emocional e cuidados O que poderíamos denominar script trágico da
médico-mágico-religiosos, que incluíram alguns existência de uma mulher que vive em uma sociedade
procedimentos litúrgicos, entre os quais a realização na qual a maternidade é absolutamente fundamental
de boris a intervalos regulares de 6 meses e iniciação para a afirmação social e para a satisfação de desejos
em Ifá e em Iyami por recomendação de um Babalaô. e aspirações pessoais.
Tendo recebido também a recomendação de dedicar O Babalaô recomendou a Kuburat a realização
sua vida profissional ao cuidado de crianças, regular de banhos litúrgicos, a adoção de uma
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

Funmilolá criou em seu bairro um pequeno núcleo rotina de atividades profissionais e a adesão a um
de crianças pequenas, às quais oferecia atividades grupo social ou religioso capaz de lhe oferecer
e com as quais realizava passeios nas imediações. oportunidades de convívio e de diálogos.
Passados alguns meses seu humor apresentou
melhoras e retornando à presença do Babalaô em 6.6 Ótica da psiquiatria ocidental contemporânea:
busca de nova orientação, recebeu o conselho de um caso de diagnóstico difícil de ser realizado
ser iniciada em Ifá. Por meio desses procedimentos “Caso complexo. Entre os três relatos este
religiosos e mágicos Funmilolá encontrou novo é o mais difícil de diagnosticar se não houver
sentido para a sua existência. conhecimento da cultura iorubá: pode ser que a
infertilidade para este povo se mostre uma “maldição,

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vergonha, condenação” e isto, por si só, levaria esta meio do jogo oracular, enfatizou a necessidade de
mulher à crença de que sua vida não vale a pena. Se concessão do perdão. A drogadição e a compulsão
este for o caso, as questões da identidade pessoal, sexual demandaram procedimentos ritualísticos
familiar, social e espiritual desta paciente têm complementares.
grande peso em sua forma de encarar o problema Funmilolá, mãe de crianças abiku, infeliz por
e suas consequências. Todos nós que estamos fora essa condição existencial e pelo fracasso de seus
dessa comunidade, nunca entenderemos. esforços para ser mãe, somente encontrou alívio
O que aparentemente poderia ser considerado para seu sofrimento psíquico depois de longos
um quadro de depressão, pode estar resultando períodos de depressão, durante os quais esteve sob
de crenças, emoções, temores, há muitos anos cuidados de uma onixégun e pôde elaborar o luto
implantados e cultivados no psiquismo dessa por tantas perdas. Bastante útil foi a recomendação
mulher. Seria muito difícil para ela entender o de Ifá no processo de ressignificação do sentido de
evento “infertilidade” sob outros olhos, de modo a sua existência.
remover de si o peso provavelmente atribuído por Kuburat, mulher sem sorte no amor, casada com
sua comunidade a ela e à sua situação. um espírito-marido, experimenta intenso sofrimento
Como fazer esta mulher olhar para a psíquico produzido por sua total impossibilidade de
infertilidade como uma “aleatoriedade” de construir uma família no plano físico: à solidão se
escolhas (afetivas, genéticas etc.)? O ponto central associa o que ela experimenta como crítica social à
parece ser a impossibilidade de se tornar mãe e o sua condição de mulher estéril nessa sociedade, que
“relacionamento amoroso” esteja em segundo plano inclui entre seus principais valores a fertilidade e a
nesse contexto. De toda maneira, seria proveitoso transgeracionalidade. Ao ser identificado que sua
um acompanhamento psicológico para entender o esterilidade e sua impossibilidade de assumir papeis
que, de fato, a impede de encontrar alguém bom o conjugais e parentais são causadas por sua condição
suficiente, já que ela, sendo mulher bonita, parece de mulher comprometida com um espírito-marido,
não ter motivos para não ter namorado. Enfim, a quem deve lealdade, ela passa a ser respeitada
este caso é muito menos claro para meus olhos. pelos demais e isso alivia parte de seu sofrimento.
Aconselho acompanhamento psicoterápico antes de Neste caso, também, a recomendação de Ifá a ajuda
tudo.” (Dra. Tatiane Vasconcelos) a ressignificar o sentido da própria existência.

6.7 Tomando emprestada a ótica tradicional iorubá Considerações Finais


para compreensão do sofrimento psíquico de Retomando o constructo do Grupo de Pesquisa
Ayoká, Funmilolá e Kuburat (CNPq) Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde,
Os três relatos biográficos aqui transcritos, liderado por Madel Terezinha Luz, que propõe colocar
embora distintos entre si, compartilham alguns outros sistemas médicos no patamar de análise
elementos comuns: em todos eles ocorre uma espécie ocupado pela medicina ocidental contemporânea
de quebra das expectativas e um ruir de esperanças; e assim contribuir para desnaturalizar a noção de
em muitos deles podemos identificar alguma superioridade do conhecimento científico ocidental,
responsabilidade pessoal pelo drama vivido, seja recorremos inicialmente a Chukwuemeka (2009),
uma transgressão de regras sociais, seja o desrespeito pesquisador igbo, que no artigo intitulado Traditional
a valores fundamentais que regem a relação entre Psychiatric Healing in Igbo land, Southeastern
as pessoas e destas com seres da natureza e com Nigeria, contribui de modo significativo para a
seres espirituais, tais como lealdade, fidelidade, compreensão da perspectiva negro-africana de
honestidade; seja o rompimento de pactos, alguns psiquiatria tradicional. Ao considerar que o sistema
dos quais podem haver sido estabelecidos antes tradicional africano de atenção à saúde subsiste
do nascimento físico; sejam falhas no respeito e na apoiado por pessoas que não apenas confiam nele,
veneração devidos a antepassados; seja o desrespeito mas, mais que isso, o consideram mais efetivo e
ou o não cumprimento de preceitos anteriormente eficaz do que o sistema da medicina ocidental,
assumidos e posteriormente ignorados. afirma que muitas das pessoas que publicamente
Ayoká, enlouquecida por ação mágica de
E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

se dizem céticas recorrem secretamente ao sistema


sua irmã, termina por encontrar cura no perdão da tradicional em busca de bem-estar físico e espiritual.
ofensa e em rituais iniciáticos. Sua irmã, ofendida, Durante uma pesquisa etnográfica realizada ao
recorrera à feitiçaria para se vingar do fato de longo de três meses, esse pesquisador entrevistou
haver sido enganada e furtada. Além do confronto psiquiatras tradicionalistas, observou, de modo
estabelecido entre os Oris de ambas, o que talvez participante, seus atendimentos e concluiu que
já tivesse sido suficiente para desgraçar a vida os procedimentos psiquiátricos tradicionais são
daquela que agiu com deslealdade, desonestidade reconhecidamente eficazes e que as restrições aos
e ingratidão ao romper o pacto estabelecido, houve procedimentos tradicionais são devidas em parte ao
também ação mágica produzida por feiticeiros. medo de feitiçaria e de charlatanismo e, em parte, à
Vemos que a recomendação de Ifá, obtida por ausência de regulação jurídica.

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Ronilda Iyakemi Ribeiro, Rodrigo Ribeiro Frias & Síkírù Sàlámì, (King)

Baseado nos resultados de sua investigação contribuindo para o adoecimento não ajuda muito
Chukwuemeka recomenda que, nas áreas em que porque eles sempre estão presentes em qualquer
estejam comprovadas a similaridade e a efetividade manifestação de loucura, reduzindo a capacidade
de práticas tradicionais e ortodoxas, elas sejam de comunicação no plano das relações humanas
integradas e que, nas áreas em que tal similaridade e aumentando a frequência e intensidade da
e tal efetividade não estejam comprovadas, sejam comunicação com habitantes do mundo espiritual,
realizados esforços para torná-las complementares. alguns dos quais são malévolos e não admitem ser
Por exemplo, sob a perspectiva da psiquiatria apaziguados, embora haja entre eles benevolentes e
ocidental uma pessoa que murmura frases sem conciliáveis.
sentido é vista como mentalmente insana, e sob a Nos processos de atendimento tradicional os
perspectiva tradicional africana, que reconhece procedimentos de diagnóstico e cura envolvem toda
uma causa espiritual para esse procedimento, ela a família da pessoa afetada e se recorre a poderes
é considerada mentalmente sadia. Todo e qualquer dos âmbitos material e suprassensível, o que inclui,
tratamento psiquiátrico tradicional demanda necessariamente, consultas oraculares e consultas
a associação de recursos naturais a recursos a espíritos. Como a ação dos onixégun os colocam
espirituais, dado o entendimento de que uma pessoa na mira dos espíritos causadores de sofrimentos, é
tida por mentalmente insana talvez esteja receptiva preciso que eles adotem procedimentos de defesa
a personalidades e forças maléficas. pessoal, que incluem a recitação de encantamentos
Segundo a perspectiva tradicional africana há (ofós), alguns dos quais servem para solicitar a
distintas causas para distintos distúrbios mentais. permissão deles antes de intervir em benefício do
Uma causa frequente é a punição da divindade cliente.
pessoal (Ori) imposta a uma pessoa cujas ações Os diversos procedimentos tradicionalistas de
são socialmente inaceitáveis, quer tenham sido cura envolvem as dimensões biológica, psicológica
praticadas em passado recente ou remoto. Podem e espiritual. Incluem o uso de plantas medicinais,
ocorrer, também, em casos nos quais a pessoa rituais com recitação de encantamentos, invocação
acometida foi a “escolhida” para viver em si a de forças espirituais, libações e sacrifícios, músicas e
doença de seu egbé: “dívidas morais” contraídas por danças. O conhecimento do potencial terapêutico das
sua família, seu clã ou sua linhagem são cobradas plantas e de outros recursos somente é possível por
dela. Também decorre sofrimento psíquico e meio de associação dos terapeutas tradicionalistas
consequências mentais nefastas de rituais realizados com espíritos conhecedores e detentores de poderes
sem motivo que os justifiquem ou realizados de místicos.
modo incorreto ou, ainda, realizados por mãos Em anos recentes não é incomum a associação
“sujas” (não apenas por falta de limpeza física). de procedimentos das medicinas tradicional e
Uma pessoa que confronte ou atente contra ocidental, recaindo a ênfase ora nas especialidades
outra, de Ori mais potente que o seu, fica sujeita à dos herbalistas, ora nas especialidades dos onixégun,
reação do Ori confrontado, que poderá lhe causar ora nas especialidades da medicina ocidental.
todo tipo de infelicidade, inclusive distúrbios Atiramos no que vimos, e acertamos no que
mentais ou até mesmo a morte. não havíamos visto: além de atingirmos os objetivos
São punidas com doença mental pessoas que propostos, pudemos garimpar novos elementos
cometem – secretamente – atrocidades e outros atos propiciadores do aprofundamento de questões
ilícitos contra outras pessoas, por meio de bruxaria relativas ao diálogo de práticas de saúde tradicionais
ou feitiçaria, para lhes ocasionar algum tipo de com práticas já consagradas pela medicina ortodoxa
infortúnio – envenenamento, loucura, cegueira, e, assim, produzimos novos subsídios para o debate
tuberculose, abortos espontâneos, mortes violentas. sobre práticas integrativas e complementares
Neste caso a vítima recupera o juízo somente após vigentes no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.
reconhecer e tornar públicos tais atos. Uma conclusão secundária, e não menos importante,
A insanidade mental de uma pessoa pode ser é a que diz respeito à necessidade, urgente, de
devida também ao fato de ela estar sob domínio de associação dessas duas lógicas de atenção à saúde,
seu cônjuge espiritual – espírito-marido ou espírito- iniciativa, aliás, que vem sendo adotada de modo
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esposa, que lhe causa loucuras ocasionais, com crescente pelos iorubás em seu território de origem.
solilóquios, comportamento irracional, dificuldade Outros subsídios úteis para os diálogos
de se manter calmo, risos e gestos estranhos. atualmente entabulados em diversos âmbitos da
Como a loucura pode ser de incidência educação e da saúde surgem ao abordarmos a
permanente (incurável) ou de incidência temática relativa ao compromisso estabelecido pela
temporária (tratável), para identificar se o estado pessoa com a própria doença: a pessoa adoecida se
de irracionalidade ou de insanidade mental de uma considera responsável, pelo menos em parte, por
pessoa é permanente ou temporário, se faz necessário sua condição de sofrimento? Ou atribui a agentes
conhecer a gravidade da ofensa que deu origem externos – reais ou fictícios – essa responsabilidade?
ao distúrbio. Saber que há espíritos obsessores Luz e Barros consideram haver, no âmbito da

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Compreensão Iorubá de Experiências Místico-Religiosas Interpretáveis como Psicopatológicas

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consciência e autorresponsabilidade dos indivíduos pessoa e religiosidade brasileira: diálogo possí-
relativamente à própria condição de saúde, fato que vel. In: Conselho Regional de Psicologia de São
lhes furta a oportunidade de autoconhecimento Paulo. Psicologia, laicidade e as relações com a
e de desenvolvimento do próprio poder de religião e a espiritualidade. Vol. 2: Na fronteira
autotransformação oportunizado pela ocorrência da psicologia com os saberes tradicionais: prá-
de algum distúrbio da saúde. Consideram que as ticas e técnicas. São Paulo: CRP-SP, p. 175-180.
medicinas vitalistas, cujas premissas incluem o
entendimento socialmente compartilhado de que as Ilechukwu, S. T. C. (2007). Ogbanje/ àbíkú and cul-
doenças físicas e mentais indicam um desequilíbrio tural conceptualizations of psychopathology
da energia vital (axé, no caso iorubá) e que o in Nigeria. Mental Health, Religion & Culture,
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texto, compartilhamos com o egbé de Mabel Terezinha Luz, M. T., & Barros, F. B. (2012). Racionalidades mé-
Luz o desejo e o propósito de empreendermos, dicas e práticas integrativas em saúde: estudos
juntos, esforços que propiciem, como ela mesma diz, teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: Instituto
o alvorecer de um novo paradigma em saúde que, de Medicina Social, UERJ/ABRASCO. Coleção
nascido da pluralidade de saberes, seja competente Clássicos para Integralidade em Saúde. 
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Ronilda Iyakemi Ribeiro – Universidade de São Paulo e


Universidade Paulista (ORCID 0000-0001-6614-8786).
Email: iyakemi@usp.br

Rodrigo Ribeiro Frias – Universidade de São Paulo

Síkírù Sàlámì (King) – Centro Cultural Oduduwa

Recebido em 21.10.2020
Primeira Decisão Editorial em 30.07.2021
Aceito em 20.09.2021 E s t u d o s Te ó r i c o s o u H i s t ó r i c o s

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