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Armas, câmeras e estupro: documentos inéditos indicam

padrão de Brennand
tab.uol.com.br/noticias/redacao/2023/08/04/o-modus-operandi-de-thiago-brennand.htm

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Thiago Brennand mal sabia, mas, quando fugiu do Brasil em setembro de 2022,
despediu-se de um estilo de vida singular. Uma rotina intensa que, segundo acusações,
incluía jogos de sedução, jantares em restaurantes badalados, intimidação via armas de
fogo e chantagens com violência sexual.
Réu em ao menos nove processos, incluindo casos de estupro e agressão, o herdeiro de
uma das famílias mais ricas de Pernambuco passou sete meses em um hotel de luxo
nos Emirados Árabes até ser preso em 4 de abril, quando foi trazido de volta ao Brasil.

Detido desde então no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, zona oeste da
capital paulista, ele aguarda os julgamentos — as audiências de três deles já
começaram. Até agora, Brennand não foi condenado em nenhum dos processos.

O TAB teve acesso a 11 processos envolvendo Thiago Brennand. O material tem 6.872
páginas e reúne boletins de ocorrência, interrogatórios, prints de mensagens, um parecer
psicológico de perícia criminal e relatos de testemunhas e informantes, além de
funcionários e ex-funcionários de Brennand.

O Ministério Público e a assistência de acusação, que representa diversas mulheres,


identificaram situações recorrentes nos depoimentos. A partir do cruzamento de
informações dos autos, o TAB detalha, pela primeira vez, o modus operandi atribuído ao
réu.

Procurada pela reportagem, a defesa de Brennand nega toda as acusações e diz que seu
cliente é alvo de "uma série de processos, na tentativa de sufocar a defesa pelo excesso
de casos, audiências e pedidos de prisão". Para a defesa, "as acusações não se
sustentam, são frágeis e muitas sem nenhuma prova".

A mansão em Porto Feliz


Thiago Antônio Brennand Tavares da Silva Fernandes, 43, contou, em um interrogatório
realizado em junho, que passava "99%" do tempo em uma mansão a cerca de 100 km de
São Paulo.

A casa de 620 m² fica dentro do condomínio Fasano Boa Vista, em Porto Feliz (SP),
cidade com cerca de 56 mil habitantes. O complexo foi projetado pelo arquiteto
paulistano Isay Weinfeld e conta com apartamentos "deluxe" e charmosas casas de
campo. Uma delas é de Thiago Brennand.

Segundo depoimentos incluídos nos processos, o empresário costumava ficar acordado


até as 4 da manhã em suas temporadas. Todos os funcionários e eventuais "convidadas"
tinham de estar de prontidão até que ele pegasse no sono. Inclusive seu filho, hoje com
18 anos.

Ainda segundo relatos, ao acordar, às 14h, Brennand esperava que todos estivessem à
sua disposição. Tomava café e se preparava para ir à academia Bodytech do Shopping
Iguatemi, zona oeste de São Paulo —a mesma onde foi flagrado agredindo a modelo
Alliny Helena Gomes, 37, em agosto de 2022.

Dirigia em alta velocidade seus carros de luxo (uma Ferrari vermelha, um McLaren, uma
Hilux ou dois Land Rover), acompanhado pelo filho e seguranças particulares (policiais
ou ex-policiais). A Ferrari, uma F8 Spider ano 2021, é avaliada em R$ 4,8 milhões.
Pernambucano, Thiago Brennand passava boa parte do
tempo na casa de campo de Porto Feliz (SP)
Imagem: Reprodução/Facebook

O 'ritual' de sedução
Atenção: este trecho contém descrições de violência sexual que podem ser consideradas
perturbadoras

Brennand costumava cortejar e agendar encontros com belas modelos, misses e


influenciadoras. Suas ações seguiam um certo método.

Elas eram levadas a restaurantes, como o francês Bagatelle e o japonês Nakka, e


convidadas para um andar que Brennand ocupava no Staybridge Suítes, hotel no Itaim
Bibi, zona sul da capital paulista, ou para a mansão de Porto Feliz.

Na casa, ladeada por frondosas árvores, era cumprido um "ritual" — termo mencionado
em um dos trechos dos processos que o acusam. Primeiro, ele fazia um "tour" pela
propriedade. Depois, instalava aos poucos um clima de intimidação.

Brennand fazia questão de mostrar às mulheres o quanto é rico, exibindo suas obras de
arte. Gabava-se também de suas coleções, incluindo a de 67 armas registradas (entre
elas 32 fuzis, 31 pistolas, duas espingardas e duas metralhadoras). Uma Glock 9
milímetros, citada diversas vezes nos processos, custa cerca de R$ 15 mil.

"Tudo era superlativo. Ele dizia ser o melhor lutador, o melhor baterista, o maior
colecionador de armas, de cavalos, de vinhos...", relata nos autos uma das denunciantes.

Thiago usava arma de fogo todo o tempo, como se fosse[m] óculos. Ele deixava junto ao
corpo, ao lado, na cama, nos objetos, sempre. declarou outra denunciante

Até ao spa do hotel ele ia armado, com uma pistola enrolada em uma toalha, notou uma
terceira denunciante.
Também fazia questão de mostrar que é forte e atlético —um lutador de jiu-jítsu de
1,91m de altura que acumula quimonos, gosta de jogar golfe e montar a cavalo—,
inteligente e culto. Embora não tenha concluído curso superior, assina no e-mail "Ph.D." e
se diz "mestre e doutor pela Universidade de Oxford".

Mostrava-se galanteador e gentil. Após expor quadros e armas, agia para levar as
mulheres para o quarto.

'Thiago usava arma de fogo todo o tempo, como se


fosse[m] óculos', diz uma das vítimas
Imagem: Reprodução/Redes sociais

Tatuagens, câmeras e estupro


Após a primeira noite de sexo, Brennand decidia se queria ficar mais tempo com a
convidada, apontam relatos reunidos pela assistência de acusação da Promotoria de
Justiça de Porto Feliz.

As "reprovadas" eram dispensadas e rotineiramente tratadas como "vagabunda" e "puta"


em trocas de mensagens. As "aprovadas" eram mantidas por perto, impedidas de deixar
a residência, o que a promotoria definiu como cárcere privado.

Ele chegou a "pedir" para mais de uma namorada tatuar no corpo suas iniciais "TFV"
(Thiago Fernandes Vieira), logo que imprime em objetos e cavalos. Isso ocorreu com
uma ex-modelo pernambucana, nas costelas, em 2021, em São Paulo, e com uma
estudante suíça, na pelve, em 2016, no Recife.

"Sua ex-namorada da Suíça fugiu enquanto ele estava na academia uma tarde em São
Paulo", relatou nos autos uma denunciante norte-americana. Ela não era deixada sozinha
"para impedir que essa possibilidade ocorresse novamente".

Ela conseguiu viajar aos EUA a pretexto do casamento de sua irmã. "Precisei marcar
[passagens aéreas de] ida e volta, pois tive que fazer na frente do Brennand mostrando a
data de retorno." Ela não voltou.
Imagem: Reprodução/Facebook

Brennand mudava de comportamento quando era contrariado. Sobretudo dentro de


casa. O "lorde", "extremamente romântico", virava bicho e esbravejava. Dizia ter diversas
câmeras escondidas, inclusive na suíte, e que imagens íntimas eram gravadas —de três
ângulos diferentes, segundo outra denunciante.

Sob chantagem, elas então eram forçadas a fazer sexo, especialmente anal. Brennand
também ficava furioso e agressivo se lhe pedissem para usar preservativo. Dizia que isso
era para gente suja.

Tampouco aceitava lubrificante. Uma das denunciantes relatou que lhe pediu gel, mas ele
a ignorou. "Filmo todos os atos sexuais, gravo e fica de 'record', porque gosto de ver
depois, porque é uma troca entre duas almas", ele teria dito a uma das depoentes.
Mulheres que o acusam de estupro citam que foram obrigadas a fazer sexo anal como
castigo. Brennand refutou as acusações em interrogatório em junho, afirmando serem
"absurdamente mentirosas", incluindo a predileção por sexo anal.

"Não, zero, zero... Eu não sou afeito... eu não sou afeito [a atos sexuais violentos]. Eu
costumo dizer que 'sex shop' é enfermaria sexual e '50 Tons de Cinza' é UTI."

Brennand, entretanto, escreveu em uma mensagem que foi anexada aos autos do
Ministério Público: "Comi essa mulher com 10 vezes mais pegada do que normalmente
faço. O que eram tapas, viraram sandalhadas [sic]. O que eram tapinhas na cara viraram
umas 20. E o c*, que eu tinha feito ela gostar de dar todo dia, comi sem dó e nem
piedade".

Após o sexo, o empresário mandava mulheres dormirem em um quarto de hóspedes do


hotel-fazenda de Porto Feliz, "o quarto das meninas", expressão usada por uma delas.

Parecer psicológico de perícia criminal cita


comportamento 'predador'
Imagem: Reprodução/Facebook

Perfil 'predador'
Ele gostava de dormir sozinho e era constantemente paparicado —só tomava água
gelada, capricho que lhe fazia berrar por baldes de gelo na mansão. Testemunhas
disseram que ele gostava de massagens nos pés, fumar charutos e ter seus testículos
depilados pela governanta, a quem ele se referia como "macaquinha".

Uma das denunciantes relatou que ele também a mandava se sentar ao lado dele no
banheiro e esperar "enquanto fazia cocô".

Brennand vivia como rei em Porto Feliz, onde já foi acusado de agredir um caseiro e um
garçom. "Alguém que se vê acima das leis e da ordem", nas palavras da promotoria.

Mulheres que recusavam investidas sexuais eram tratadas como garotas de programa
ou "frígidas", segundo relatos registrados nos processos.
"[Brennand é] um indivíduo que admira exageradamente a sua própria imagem, nutrindo
uma paixão excessiva por si mesmo, superestimando suas próprias habilidades,
acreditando ser superior aos outros"
Parecer psicológico de perícia criminal anexado aos autos, embasado na análise de
processos judiciais, inquéritos policiais, boletins de ocorrência, relatos e reportagens

"Tal narcisismo, forjado pela arrogância, a falta de limites e respeito e alimentado pela
condição financeira privilegiada, levou-o a desenvolver um comportamento antissocial,
sem empatia e de desprezo a qualquer outra pessoa, em especial às mulheres", diz o
perfil criminal do réu anexado aos autos.

"Suas aproximações e breves relacionamentos com o sexo oposto são superficiais,


puramente sexuais, sádicas, sendo que ele não se constrange em nenhum momento em
explicitar que as despreza e que as considera objetos unicamente destinados a saciar
sua lascívia."

Diferentemente de outros agressores sexuais, Brennand não tinha "fase da lua de mel",
aponta o relatório. Era brevemente gentil no início e, ao primeiro sinal de discordância,
logo enveredava para a prática de "humilhações de toda a sorte".

Ele travava mulheres como "putas", inclusive as namoradas. "Uma vez, eu falei: 'Toda
mulher que você fica você depois chama de puta'", relatou uma das denunciantes. "E ele
disse: 'Porque todas são. Todas são putas'."

Procurada pela reportagempara comentar as acusações, a defesa de Brennand diz que,


ao apontar um padrão, a acusação tenta "fugir de ter que tratar de cada caso (com suas
peculiaridades e controvérsias) para tratar tudo como se fosse mais do mesmo". De
acordo com o advogado Roberto Podval, à frente do caso, não há provas para condenar o
réu por estupro.

"O que se vê atualmente é a influência da mídia no desenvolvimento dos procedimentos


criminais", diz um texto da defesa. "Ocorre, no entanto, que em se tratando de um Estado
Democrático de Direito, pressupõe-se que os indivíduos estão resguardados por
garantias e direitos fundamentais, ainda quando se tratar de um suposto criminoso
caracterizado como um monstro. Fato é que independentemente de quem o seja, nos
termos da Constituição, todos tem direito a um julgamento penal justo e imparcial."

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