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APOSTILA JUR1262/1232 - JUR1353- JUR1920 - DIREITO SOCIETÁRIO I

-CONTABILIDADE PARA DIREITO – GOVERNANÇA


CORPORATIVA/ESG/FACILITAÇÃO DO DIÁLOGO (copyright 2020 e 2022
Manoel Vargas). Para uso exclusivo dos alunos das turmas. Vedada a comercialização

Manoel Vargas

Professor de Direito Societário do Departamento de Direito da Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Bibliografia básica do Curso: Direito das Sociedades, VARGAS, Manoel,


Kindle/Amazon, 2020/2022 (livro-texto); Direito Societário, BORBA, J.E. Tavares, Atlas,
2019/2020; Direito das Companhias, LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA,
José Luiz, Forense, 2017/2022; Manual de Contabilidade Societária, GELBCKE, E. R.,
SANTOS, A., IUDÍCIBUS, S. e MARTINS, Eliseu, Atlas, 2018/2022.

Introdução:

Esta é uma obra em construção e que estará em permanente evolução, inspirada nas
minhas aulas de Direito Comercial e Direito Societário na PUC-Rio, nos últimos vinte anos,
e em diversos seminários sobre a matéria. A minha ideia é refletir uma análise objetiva sobre
o Direito das Sociedades, desde a Parte Geral do Código Civil até a Parte Especial no
subtítulo sobre o Direito da Empresa, passando ao exame da Lei nº 6.404/76, conhecida
como Lei das Sociedades Anônimas, com comentários sucintos sobre a Lei nº 6.385/76, que
trata do Mercado de Capitais e da Comissão de Valores Mobiliários, no capítulo sobre as
companhias abertas, bem como à legislação e regulamentação complementar, sempre que
necessária à compreensão dos conceitos mais gerais, presentes em cursos de graduação,
como a Lei nº 13.874/19, sobre a Liberdade Econômica, complementada pela Lei nº
14.195/21, que, dentre outras matérias, introduziu as ações ordinárias com voto plural e
outras importantes inovações. Merecem ainda destaque, no sistema brasileiro de sociedades,
leis especiais que pela sua especificidade não serão abordadas neste trabalho, como a Lei nº
14.193/21, que trata da SAF – Sociedade Anônima do Futebol, e a Lei Complementar nº
182/21, que cria o marco legal das Startups. Quando oportuno, também serão abordados
tópicos de Direito Constitucional. O trabalho será completado e aperfeiçoado ao longo do
tempo. Por ora são notas singelas que exteriorizam minha visão sobre o tema.
2

É importante notar que desde 2020, com base no Decreto 10.139, foram editadas
diretrizes sobre a revisão e consolidação dos atos normativos federais. As normas da CVM
que regulamentam o mercado de valores mobiliários serão paulatinamente convertidas para
resoluções, em substituição às atuais instruções e deliberações. Ao longo deste trabalho são
referidas diversas instruções e deliberações da CVM aprovadas ao longo de 40 anos. Convém
conferir, ao se fazer trabalho de consulta, se tais atos já foram substituídos por resoluções
com nova numeração, se ainda estão em vigor e se foram modificados ou não. Nas revisões
do texto procurarei sempre atualizá-lo, mas há grande dinâmica na revisão dos atos da CVM
e a dificuldade adicional criada pela nova nomenclatura de resoluções. Convém assim
conferir a vigência dos atos normativos referidos no texto. A CVM já editou mais de uma
centena e meia de resoluções, com diferentes datas de eficácia e vigência, modificando
profundamente o cenário normativo pretérito.

Esta apostila tem o objetivo de explicar e descrever o sistema que rege as sociedades
anônimas e o mercado de capitais no Brasil, objeto dos meus cursos sobre companhias
(JUR1262/1232), contabilidade e finanças (JUR1353) e governança
corporativa/ESG/facilitação do diálogo (JUR1920).

Sumário

• Capítulo I – Características e Natureza da Companhia ou Sociedade


Anônima – artigos 1º ao 4-A da LSA – p.8 a p. 26

• 1. Características – artigo 1º
• 2. Objeto Social e prazo de duração – artigo 2º
• 3. Denominação – artigo 3º
• 4. Companhia aberta e fechada – artigos 4º e 4-A. Sistema financeiro
nacional. Mercado de capitais. Regulação pela Comissão de Valores
Mobiliários – CVM
• 4.1 Companhia aberta e fechada
• 4.2 Sistema financeiro nacional: mercado financeiro e mercado de capitais
• 4.3 A estrutura da Lei nº 6.385/76 pode ser assim resumida:
• 4.4 Regras de Autorregulação do Novo Mercado da B3
• 4.5 Fechamento do capital
• 5. A Governança Corporativa e a Responsabilidade ESG – Environment,
Social & Governance
3

• Capítulo II – Capital Social – artigos 5º ao 10 da LSA – p. 27 e p. 28

• Capítulo III – Constituição da Companhia – artigos 80 a 99 LSA – p. 28 a p.


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• 1. Subscrição particular:

• 2. Subscrição pública:

• Capítulo IV – Livros Sociais – artigos 100 a 105 da LSA – p. 32

• Capítulo V – Ações – artigos 11 a 45 da LSA – p. 32 a p. 49

• 1. Ações – quantidade, com e sem valor nominal


• 2. Ações – espécies e classes
• 3. Ações ordinárias
• 3.1 Ações ordinárias com voto plural
• 4. Ações preferenciais
• 4.1 Ações superpreferenciais
• 5. Ações – forma – nominativas simples ou escriturais
• 6. Indivisibilidade
• 7. Negociabilidade
• 8. Negociação com as próprias ações
• 9. Propriedade
• 10. Limitações à circulação
• 11. Constituição de direitos reais e outros ônus
• 12. Certificado de depósito de ações
• 13. Resgate e amortização de ações
• 14. Reembolso de ações

• Capítulo VI – Partes Beneficiárias – artigos 46 a 51 da LSA – p. 49

• Capítulo VII – Debêntures – artigos 52 a 74 da LSA – p. 49 a p. 55

• 1. Características
• 2. Companhias abertas e companhias fechadas
4

• 3. Criação, emissão e direitos dos debenturistas


• 4. Emissões e séries
• 5. Vencimento, amortização e resgate
• 6. Juros e outros direitos dos debenturistas
• 7. Conversibilidade em ações
• 8. Espécies
• 9. Forma e registro
• 10. Assembleia de debenturistas
• 11. Cédula de debêntures
• 12. Emissão no estrangeiro
• 13. Extinção

• Capítulo VIII – Bônus de Subscrição – artigos 75 a 79 da LSA – p. 55

• Capítulo IX – Acionistas – artigos 106 a 120 da LSA – p. 55 a p. 71

• 1. Obrigação de realizar o capital


• 2. Direitos essenciais
• 2.1 Arbitragem
• 2.2 Facilitação do Diálogo – técnicas e ferramentas
• 3. Direito de voto
• 4. Voto de ações gravadas ou sujeitas a ônus
• 5. Abuso de direito de voto e conflito de interesses
• 6. Acionista controlador
• 7. Acordo de acionistas
• 8. Representação de acionista domiciliado no exterior
• 9. Suspensão do exercício de direitos

• Capítulo X – Assembleia Geral – artigos 121 a 137 da LSA – p. 71 a p. 77

• 1. Organização da companhia
• 2. Assembleia geral. Disposições gerais e competência
• 3. Espécies de assembleias
• 4. Convocação
• 5. Instalação
• 6. Legitimação
• 7. Livro de presença
• 8. Mesa
• 9. Quórum de deliberações
• 10. Direito de retirada
• 11. Ata da assembleia
5

• Capítulo XI – Conselho de Administração e Diretoria – artigos 138 a 160 da


LSA – p. 77 a p. 89

• 1. Conselho de administração
• 2. Diretoria
• 3. Administradores
• 4. Requisitos e impedimentos
• 5.Investidura e garantia de gestão
• 6. Substituição e término da gestão. Renúncia e destituição
• 7. Remuneração
• 8. Deveres e responsabilidades dos administradores
• 9. Dever de diligência
• 10. Dever de lealdade
• 11. Conflito de interesses
• 12. Dever de informar
• 13. Responsabilidade dos administradores
• 14. Ação de responsabilidade dos administradores
• 15. Ação de responsabilidade da companhia
• 16. Órgãos técnicos e consultivos

• Capítulo XII – Conselho Fiscal – artigos 161 a 165-A da LSA – p. 89 a p. 91


• 1. Características gerais
• 2. Requisitos, impedimentos e remuneração
• 3. Competência, deveres, pareceres e representações

• Capítulo XIII – Modificação do Capital Social – artigos 166 a 174 da LSA –
p. 91 a p. 95

• Seção I – Aumento
• 1. Capital Autorizado
• 2. Capitalização de reservas
• 3. Subscrição de novas ações
• 4. Direito de preferência

• Seção II – Redução do Capital Social

• Capítulo XIV – Exercício Social e Demonstrações Financeiras – artigos 175


a 188 da LSA – p. 95 a p. 103

• Seção I – Exercício Social


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• Seção II – Demonstrações Financeiras


• 1. Introdução
• 2. Noções básicas
• 3. Resumo das demonstrações contábeis e outras informações
• 4. Relatório da administração
• 5. Balanço patrimonial
• 6. Demonstração do resultado do exercício
• 7. Demonstração das mutações do patrimônio líquido e de lucros e
prejuízos acumulados
• 8. Demonstrações dos fluxos de caixa
• 9. Demonstração do valor adicionado
• 10. Notas explicativas
• 11. Demonstrações financeiras comparativas
• 12. Fatos relevantes
• 13. Estrutura conceitual da contabilidade
• 14. Reconhecimento contábil de ativos, passivos, receitas e despesas
• 15. Reconhecimento de ativos
• 16. Reconhecimento de passivos
• 17. Reconhecimento de receitas
• 18. Reconhecimento de despesas

• Capítulo XV – Lucro, Reservas e Dividendos – artigos 189 a 205 da LSA –


p. 103 a p. 109

• 1. Regime de alocação do lucro líquido do exercício entre a companhia e


os acionistas: a distribuição de dividendos prioritários, preferenciais e
obrigatórios nas companhias
• 2. Reservas de lucros e de capital
• 3. Dividendos obrigatórios, prioritários, diferenciados, complementares
ou suplementares
• 4. Dividendos intermediários
• 5. Pagamento de dividendos

• Capítulo XVI – Dissolução, Liquidação e Extinção – artigos 206 a 219 da


LSA – p. 110 a p. 112

• 1. Dissolução
• 2. Liquidação
• 3. Extinção

• Capítulo XVII – Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão – artigos 220


a 234 da LSA – p. 112 a p. 116

• 1.Transformação
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• 2. Incorporação
• 3. Fusão
• 4. Cisão

• Capítulo XVIII – Sociedades de Economia Mista – artigos 235 a 242 da LSA


– p. 116 a p. 134
• 1. Introdução
• 2. Intervenção do Estado no domínio econômico
• 3. Organização da sociedade de economia mista
• 4. Responsabilidade subsidiária pelo Estado
• 5. Limites do interesse público
• 6. Colisão e ponderação de princípios constitucionais: solução de índole
essencialmente política

• Capítulo XIX – Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas –


artigos 243 a 264 da LSA – p. 134 a p. 143

• Seção I – Grupos de sociedades de fato e de direito – visão geral

• Seção II – Grupos de fato – sociedades coligadas, controladoras e


controladas

• 1. Prestação de contas ao acionista – definição de coligadas,


controladoras e controladas
• 2. Participação recíproca
• 3. Responsabilidade dos administradores e das sociedades controladoras
• 4. Demonstrações financeiras, notas explicativas, avaliação do
investimento em coligadas e controladas, demonstrações consolidadas
• 5. Subsidiária integral
• 6. Oferta pública na alienação de controle de companhia aberta – artigo
254-A e Resolução CVM 857. Oferta pública na aquisição de controle de
companhia aberta – artigos 257 a 263 e Resolução CVM 858. Autorização
para alienação de controle de companhia aberta
• 9. Autorização para aquisição do controle por companhia aberta
• 10. Incorporação de companhia controlada

• Capítulo XX – Grupos de Sociedades de Direito – artigos 265 a 277 da LSA


– p. 143 e p. 144
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• Capítulo XXI – Consórcio – artigos 278 e 279 da LSA – p. 144 e p. 145

• Capítulo XXII – Sociedades em Comandita por Ações – artigos 280 a 284


da LSA – p. 145 e p. 146

• Capítulo XXIII – Prazos de Prescrição – artigos 285 a 288 da LSA – p. 146

• Capítulo XXIV – Disposições Gerais: publicações; poderes da CVM para


reduzir quórum para o exercício de direitos nas companhias abertas;
redução de exigências de publicação nas companhias fechadas de
pequeno porte – artigos 289 a 294, A e B da LSA – p. 146 a p. 148

Regime das Sociedades Anônimas

Capítulo I – Características e Natureza da Companhia ou Sociedade Anônima


– artigos 1º ao 4-A da LSA

1. Características -- artigo 1º

As companhias ou sociedades anônimas, criadas no início do século XVII, sendo a


primeira delas identificada pela maioria pacífica da doutrina como a Companhia Holandesa
das Índias Orientais, revestem o tipo societário que segundo RIPERT (1947, p. 59)
representa a grande invenção jurídica para o desenvolvimento da humanidade. Naquela
época, caracterizada pelas descobertas de novas fronteiras, pelas expedições marítimas,
colonizações e incremento comercial, as coroas precisaram se aliar aos capitais acumulados
disponíveis, dos senhores feudais, súditos e comerciantes, para financiar todo o esforço da
grande navegação, da conquista e manutenção de territórios e de incremento comercial e das
relações de trocas. Ao conceito da personificação jurídica e da criação de um patrimônio
apartado do patrimônio dos sócios – já consolidado desde a Idade Média nas cidades italianas
– agregou-se a extensão da limitação da responsabilidade a todos os sócios e a introdução
ou extensão do conceito de títulos de crédito – transmudados em valores mobiliários --,
9

através da incorporação ou coisificação de direitos de sócio em títulos padronizados e a livre


e autônoma circulação destes valores mobiliários representativos do capital social,
denominados ações.

Nasceram assim as companhias ou sociedades anônimas, com a designação inspirada


nas antigas organizações religiosas – repartição do pão -- e na ausência de sócio que
atribuísse nome à sociedade, pela limitação de responsabilidade de todos os sócios. Essa a
razão para sociedade anônima, e não a inexistência de dono ou o capital representado por
títulos ao portador, como já foi possível aqui e ainda é alhures.

Após enorme impulso inicial na Europa continental e no Reino Unido, as companhias


entraram em crise em função dos primeiros escândalos envolvendo fraudes no mercado de
capitais, na França e Inglaterra, no século XVIII. Chegaram a ser proibidas e proscritas por
longo período em tais países. Voltaram com toda a força no século XIX, como o motor
jurídico da Revolução Industrial e nunca mais pararam, tendo papel proeminente na
transformação de insumos e produção de bens e serviços nas duas Grandes Guerras até o
salto tecnológico em pleno desenvolvimento nos dias de hoje. São responsáveis pela
produção de alimentos e de bens e serviços de toda natureza e complexidade, tendo
gigantesca responsabilidade em toda questão social e ambiental e na concepção de um
mundo sustentável (LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, 2017, p. 5).

As companhias aliam personificação, responsabilidade limitada de todos os sócios,


emissão de valores mobiliários padronizados e que podem circular na economia – atribuindo
circulação, liquidez e valor a esses títulos – e, face ao acesso às poupanças disponíveis na
economia, através das técnicas desenvolvidas pelo mercado de capitais, a possibilidade de
captação de recursos monetários em massa para financiamento de seus projetos e empresas.

O desenvolvimento das sociedades anônimas desde o séc. XVII até hoje permitiu que
um instrumento que teve origem no direito público – representando uma concessão ou
autorização do Estado para que os capitais privados a ele se aliassem – passasse plenamente
ao direito privado, a partir da liberdade na criação de sociedades anônimas como hoje as
conhecemos. Mas a dupla regulação de direito público e privado, nas sociedades de
economia mista – quando o Estado, como antes, alia-se aos capitais privados para levar a
efeito empreendimentos de interesse estratégico e coletivo – ou nas companhias abertas, que
mesmo sendo privadas captam recursos monetários junto à poupança popular – via mercado
de capitais – e devem se submeter à regulação pelo Estado, em proteção à dita economia
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popular e como forma de evitar fraudes e excessos que tão duramente têm castigado a
credibilidade do mercado de capitais, desde os escândalos franceses e ingleses ainda no
século XVIII até os mais recentes excessos em economias desenvolvidas como a dos EUA,
da Alemanha e até no Brasil. Como resultado disso tudo, as companhias possuem elevados
padrões de conduta, estão sujeitas a sofisticada estrutura organizacional, a demonstrações
financeiras periódicas, a distribuição compulsória de resultados e à regulação pelo poder
público, ao captarem recursos junto à poupança popular.

A regulação da LSA contempla desde a companhia aberta – que acessa o mercado de


capitais – até a companhia fechada, que não acessa a poupança popular (exceto em
distribuições com esforços restritos e outras eventuais isenções – Instrução CVM nº 476,
substituída pela Resolução CVM 160) e tem menos regulação pelo Estado, mas que pode
desenvolver-se e tornar-se aberta ou optar por ser uma companhia de desfrute da segurança
jurídica do tipo societário e dos elevados padrões éticos, organizacionais e contábeis
desenhados pela LSA, extremamente úteis em casos de joint ventures e empresas sofisticadas
de toda natureza. Pode também ser sociedade de economia mista, criada por lei, controlada
pelo poder público, mas que também acessa poupanças da economia privada.

Nas companhias a limitação de responsabilidade dos sócios – denominados


acionistas – incide sobre o preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, criando a
LSA responsabilidade solidária do alienante com o adquirente até a integralização das ações
transferidas, pelo prazo de dois anos, a contar da data de transferência das ações (art. 108).

2. Objeto social e prazo de duração – artigo 2º

O estatuto social deve definir o objeto de modo preciso e completo, embora possa ser
bastante amplo. Pode ser objeto da companhia qualquer atividade econômica – e, portanto,
de fim lucrativo – não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Geralmente esse
objeto é exercido pelo prazo de duração da companhia, em geral indeterminado, e pode ser
ampliado, diversificado ou restringido ao longo da vida da companhia.

A companhia será sempre empresária e se regerá pelas leis e usos do comércio. Logo,
a atividade social deve ser compatível com a empresarial, necessariamente. Atividades
intelectuais fim, como é o caso da advocacia, não são compatíveis com o tipo societário, pois
por definição exercem atividades não empresariais. Isso não se aplica a empreendimentos
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em que a atividade intelectual seja elemento da empresa, mas não exercida a título de
atividade fim, como é o caso dos médicos em relação a hospitais e casas de saúde e dos
engenheiros em relação a empresas de construção ou incorporação imobiliária, cuja
atividade fim compreende uma gama de atividades para as quais o elemento intelectual é
essencial, mas não o fim em si mesmo ( os hospitais e casas de saúde prestam serviços de
hotelaria, enfermagem, exames laboratoriais, de imagem, e outros; as empresas de
construção e incorporação imobiliária prestam serviços de construção de prédios e
equipamentos de grande porte, bem como a venda de unidades imobiliárias, dentre outros).

A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades. Ainda que não
prevista no objeto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto. Assim, a
companhia pode participar do capital de outras sociedades que se dediquem a objeto social
compatível com o seu, que se insira dentro do escopo do objeto da companhia.

Companhias que se dediquem exclusivamente a participar do capital de outras


sociedades são chamadas de holdings puras. Como é o caso da antiga Siderbras S.A., que
tinha por objeto participar do capital de companhias operacionais siderúrgicas, como
Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Siderúrgica de Tubarão, Usiminas S.A., Cosipa e
Açominas S.A. Ela Siderbras não desempenhava atividades operacionais.

Companhias que participem do capital de outras, mas que também desempenhem


atividades operacionais, são chamadas de holdings mistas ou operacionais. Como é o caso
da Petrobras e da Vale S.A., que desempenham atividade própria, na exploração do petróleo
e do minério de ferro, respectivamente, mas que detêm o controle de uma série de outras
sociedades, especializadas em logística, transporte ferroviário e marítimo, distribuição,
formando dois dos maiores grupos econômicos brasileiros.

Companhias que se dediquem exclusivamente a um projeto ou atividade bem


específica e definida são chamadas de sociedades de propósito especial – as SPE – com
inspiração no direito anglo-saxão, onde são chamadas de special purpose companies ou
vehicles – as SPC ou SPV. Podem ter prazo de duração definido ou indeterminado,
dependendo da natureza do empreendimento para o qual foram criadas. Em geral, também
vigoram a prazo indeterminado, como as demais sociedades. Já há o desenvolvimento das
SPAC, instrumento de captação de recursos no mercado para investimento em private equity.
Funciona também como alternativa à oferta inicial de abertura de capital (IPO). As SPACs
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já são muito desenvolvidas nos mercados norte-americanos e começam a despertar interesse


no Brasil.

O prazo de duração, sempre fixado no estatuto social – documento de regência


interna das companhias – pode ser indeterminado, como acontece em geral, ou a prazo
determinado, se a sociedade tiver sido criada para o exercício de atividade limitada no tempo,
o que raramente ocorre.

3. Denominação – artigo 3º

O tipo societário é designado por denominação de fantasia, em oposição à razão


social que designava as antigas sociedades de pessoas de responsabilidade ilimitada, que
utilizavam o nome do sócio principal, como regra, e faziam menção aos demais sócios ao
final do nome com a expressão “e companhia”. Com o advento da responsabilidade limitada
dos sócios, praticamente deixaram de existir no Brasil as clássicas sociedades de
responsabilidade ilimitada, ressalvados casos em que a lei imponha tal obrigação, como
ocorre nas sociedades de advogados.

A denominação de fantasia deve conter as expressões “companhia” ou “sociedade


anônima”, por extenso ou abreviadamente (CIA. ou S.A.), mas vedada a utilização de
“companhia” ao final do nome, para não causar confusão com as antigas sociedades de
responsabilidade ilimitada. As expressões devem ser usadas uma ou outra, sem
cumulatividade, pois designam o mesmo tipo societário, conquanto tenham raízes distintas.
A expressão “companhia”, utilizada desde a primeira sociedade anônima no século XVII –
Companhia Holandesa das Índias Orientais -, é associada às antigas ordens religiosas, como
a Companhia de Jesus, que eram formadas para serem titulares do patrimônio da Igreja e
tinham essa designação como referência ao compartilhamento do alimento ou simplesmente
do pão. As sociedades anônimas foram assim designadas em França não porque não tinham
sócios, mas porque os sócios não davam nome à sociedade, como nos casos das sociedades
de pessoas de responsabilidade ilimitada, em que isso ocorria. Logo a sociedade é anônima
porque a responsabilidade dos sócios é limitada às ações adquiridas e a sociedade é
designada por expressão de fantasia.

Não é vedado o uso na denominação do nome de fundador, acionista ou pessoa que


tenha relação com a sociedade, mas em tal caso o uso do nome integrará a designação de
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fantasia e não será utilizado como razão social. Exemplo disso é Metalúrgica Gerdau S.A. ou
Dedini Participações S.A., que utilizam nomes de famílias para realçar a denominação da
sociedade.

Desde a alteração do artigo 1.160 do CC pela Lei nº 14.195/21 passou a ser


facultativa a referência designativa do objeto social na denominação da sociedade. Logo, o
conteúdo essencial do objeto pode ou não constar da denominação. Hoje é possível Brasken
S.A. ou Vale S.A., não se exigindo algo como a inclusão de ‘petroquímica’ no nome da
Brasken e de ‘minérios’ no nome da Vale, que passaram a ser facultativas. Mesmo antes da
atualização do artigo 1.160 do CC as situações anteriores ao CC estavam preservadas pelo
direito adquirido (artigo 5º, inciso XXXVI da CF).

O § 2º do art. 3º da LSA, em linha com o art. 5º, inciso XXIX da CF, assegura a
exclusividade da denominação e o direito de requerer administrativa ou judicialmente a
modificação de denominação idêntica ou semelhante registrada posteriormente na junta
comercial. Como regra prevalece o registro mais antigo da companhia na junta comercial
(i.e. do ato societário que aprovou o estatuto social onde consta a denominação da
companhia). Tradicionalmente, o Judiciário interpreta como nome conflitante aquele que
possa causar confusão entre a identidade de uma companhia e outra. Para tanto, considera-
se o ramo de atividade e o espaço geográfico de atuação das companhias envolvidas. Embora
o registro na junta comercial seja estadual, o âmbito de proteção cobre todo o território
nacional, pois a proteção é prevista por lei federal e pela Constituição da República.

4. Companhia Aberta e fechada – artigos 4º e 4º-A. Sistema financeiro


nacional. Mercado de capitais. Regulação pela Comissão de Valores
Mobiliários – CVM

4.1 Companhia aberta e fechada

O tipo societário companhia pode tanto referir-se a sociedades que buscam


capitalização no mercado de capitais – chamadas de companhias abertas – ou a sociedades
que buscam outros meios de capitalização e que não acessam o mercado de capitais, salvo
exceções previstas na regulamentação da CVM – chamadas de companhias fechadas. Estas
adotam o tipo companhia fundamentalmente em razão da segurança jurídica que ele
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proporciona e seu acesso ao mercado de capitais está restrito à emissão pública com esforços
restritos de valores mobiliários representativos de dívida, como previsto na Resolução CVM
160, ou outras situações de isenção.

A sociedade anônima é dotada de estrutura de organização e de elaboração de


demonstrações financeiras mais sofisticadas e complexas do que as limitadas, além de não
se sujeitar a direito imotivado de retirada de sócios, como sucede nas limitadas a prazo
indeterminado.

Por isso, a LSA diz de forma singela “que a companhia é aberta ou fechada conforme
os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado
de valores mobiliários” (art. 4º).

A LSA aplica-se tanto a companhias abertas como a fechadas. Onde há, na lei,
dispositivos apenas aplicáveis a uma ou outra modalidade, aberta ou fechada, a LSA faz a
distinção expressa no texto.

As companhias abertas, por acessarem o mercado de capitais e a poupança popular,


submetem-se à regulação pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, autarquia federal e
agência reguladora do mercado de capitais brasileiro. Tanto a companhia como cada emissão
pública que realizar submetem-se ao regime de registro prévio na CVM, observadas as
isenções previstas na regulamentação da CVM (§§ 1º e 2º do art. 4º). Vide Instruções CVM
nº 315, nº 400, nº 476 e nº 480, bem como Resoluções CVM 59 e 80.

Nas companhias abertas é muito importante estar atento aos ofícios circulares
periodicamente emitidos pela CVM para fins de orientação. Tradicionalmente, no início de
cada ano, a CVM expede um ofício circular da superintendência de empresas (SEP) que
consolida as principais normas regulamentares aplicáveis às companhias abertas, inclusive
sobre a realização de assembleias gerais.

O § 3º do art. 4º confere à CVM poderes para classificar as companhias abertas em


categorias, a partir dos valores mobiliários por elas negociados no mercado. Através da
Instrução CVM nº 480, substituída pela Resolução CVM 80, a CVM aprovou o formulário
de referência, documento que toda companhia aberta deve manter atualizado no sistema
eletrônico da CVM, e classificou as companhias abertas em duas categorias: A e B, sendo
que as informações que devem prestar as companhias classificadas na categoria A, no
formulário de referência, devem ser mais completas, como regulado no citado ato normativo.
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Na categoria A inscrevem-se as companhias que negociam ações ou títulos conversíveis em


ações. Na categoria B inserem-se as companhias que não negociam ações ou títulos
conversíveis em ações, mas apenas demais valores mobiliários, geralmente representativos
de dívida e de renda fixa.

A Instrução CVM nº 480 representa marco no mercado de capitais brasileiro ao


aprovar o conceito do formulário de referência que faz com que as companhias abertas
mantenham permanentemente informações à disposição do mercado, aumentando o nível de
transparência e facilitando novas emissões públicas. Tal Instrução, assim como a Instrução
CVM nº 481, aplicável a companhias abertas com ações negociadas no mercado de valores
mobiliários, foram substituídas pelas Resoluções CVM 80 e 81.

As companhias fechadas que fizerem emissões de dívida com esforços restritos, nos
termos da Resolução CVM nº 160, também se submetem à regulamentação ali prevista.
Conforme previsto na Resolução CVM nº 61, passa a ser devida taxa de fiscalização nas
ofertas públicas dispensadas do registro, antes isentas.

As companhias abertas com ações negociadas no mercado somente podem fechar o


capital e cancelar o registro na CVM mediante oferta pública para adquirir a totalidade das
ações em circulação no mercado, a preço justo (§ 4º do art. 4º).

Antes, porém, de prosseguir no exame dos §§ 4º a 6º do art. 4º e do art. 4º- A da LSA,


que tratam do fechamento de capital, cabe fazer exame sumário do significado do mercado
de valores mobiliários ou de capitais e do conteúdo da Lei nº 6.385/76, que criou a CVM e
veio a regular tal mercado. Tal exame é necessário à compreensão do significado da
companhia aberta e sua vocação para negociar valores mobiliários de sua emissão no
mercado de capitais.

4.2 Sistema financeiro nacional: mercado financeiro e mercado de capitais.

O Sistema financeiro nacional, cujas diretrizes são fixadas pelo Conselho Monetário
Nacional, é dividido em dois grandes segmentos (além do universo dos seguros que foge ao
escopo desta análise). Um que tem como agência reguladora o Banco Central do Brasil, com
autoridade para regular e disciplinar o mercado financeiro, dividido em mercado monetário
(moeda, títulos públicos e de responsabilidade de instituições financeiras, exceto debêntures,
considerados quase-moeda), mercado de crédito (crédito em geral na economia,
16

intermediação financeira) e mercado de câmbio (relações de troca com moedas estrangeiras).


O outro tem como agência reguladora a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, com
autoridade para regular e disciplinar o mercado de valores mobiliários ou de capitais,
dividido em mercado primário (emissão originária de títulos) e mercado secundário (revenda
e circulação dos valores mobiliários na economia).

O foco do nosso exame é o mercado de capitais, disciplinado pela CVM, ambiente


primordial de atuação das companhias abertas, que podem emitir ações, debêntures e outros
valores mobiliários para negociação em tal mercado.

No mercado primário há a emissão originária de valores mobiliários e a capitalização


das companhias e demais emissores. Este processo sempre ocorre com a intermediação de
instituições financeiras no chamado ‘mercado de balcão’ (intermediação de instituições
financeiras, inclusive corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários).

No mercado secundário há a revenda e circulação dos valores mobiliários na


economia. Pode ocorrer no recinto da bolsa de valores (chamado ‘mercado de bolsa’, que
geralmente envolve a negociação das ações das companhias abertas de maior liquidez) ou
no ‘mercado de balcão’ (negociação de debêntures ou outros títulos de dívida e de ações de
companhias abertas de menor liquidez). O mercado secundário permite a negociação,
liquidez e formação de preço dos valores mobiliários, sempre a partir das informações
tornadas públicas pelos emissores.

Pelo fato de as companhias abertas acessarem a poupança popular, houve


necessidade de regulação e proteção pelo Estado do mercado de capitais. Isso se iniciou nos
EUA com o famoso ‘crash’ de 1929 da bolsa de Nova York, a maior crise do capitalismo
conhecida até então. Foi criada a agência reguladora norte-americana, a Securities Exchange
Commission e exigido o registro perante a agência das companhias abertas e das emissões
de valores mobiliários, para proteger o mercado e os investidores contra atos fraudulentos,
de interferência artificial no processo de formação de preços, de uso abusivo de informações
privilegiadas não divulgadas ao mercado e de exercício irregular de atividades profissionais
no mercado, por quem não está habilitado. Fatos esses que formaram os excessos que
levaram à quebradeira de 1929 em Nova York e se alastraram pelo mundo todo, com reflexos
significativos na economia mundial, resultando na 2ª Guerra Mundial. Na esteira dos EUA
as demais economias mundiais criaram suas agências reguladoras e disciplinaram o seu
mercado de capitais.
17

Isso aconteceu no Brasil, primeiro com a regulação pelo Banco Central do Brasil, na
década de 60 e depois com a criação da Comissão de Valores Mobiliários na década de 70,
separando a regulação do mercado financeiro e do mercado de capitais (ou de valores
mobiliários, são sinônimos).

4.3 A estrutura da Lei 6.385/76 (LCVM) pode ser assim resumida:

Art. 1º: atividades disciplinadas e fiscalizadas: emissão, distribuição, negociação e


intermediação de valores mobiliários no mercado; negociação e intermediação no mercado
de derivativos; organização, funcionamento e operações das bolsas de valores e das bolsas
de mercadorias e futuros; administração de carteiras e custódia de valores mobiliários;
auditoria das companhias abertas; serviços de consultor e analista de valores mobiliários.

Art. 2º, caput e § 1º: conceito de valores mobiliários: ações (representam capital das
companhias), debêntures (representam dívida das companhias), bônus de subscrição
(representam opção de compra de ações das companhias); recibos de subscrição, cupons,
direitos ou certificados de depósito de ações, cédulas de debêntures ou que representem
bônus de subscrição; cotas de fundos de investimento (regulados pelas Instruções CVM 555
e 578 e pela LLE); notas comerciais; contratos futuros, de opções e outros derivativos;
quando ofertados publicamente quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que
gerem direito de participação e partilha de rendimentos. Não se incluem no conceito de
valores mobiliários os títulos públicos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e
os títulos de emissão das instituições financeiras, exceto debêntures (tais títulos são
negociados no mercado monetário e estão sob a fiscalização do Banco Central do Brasil).

Art. 2º, §§ 3º e 4º e Art. 3º ao 10: competências do Conselho Monetário Nacional e


da CVM, em coordenação com o Banco Central.

Art. 11 ao 14: poder sancionador e de polícia da CVM. Com base em tais poderes a
CVM pode conduzir processos administrativos sancionadores, impondo penalidades que vão
de advertência e multa à suspensão, à cassação, à inabilitação e à proibição temporária,
podendo envolver pessoas ou operações. O processo sancionador está regulado pela
Resolução CVM 45.

Art. 15 ao 18: regulam o sistema de distribuição de valores mobiliários,


compreendendo instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto
18

distribuir emissão de valores mobiliários, como agentes da companhia emissora ou por conta
própria, subscrevendo ou comprando a emissão para colocação no mercado; as sociedades
que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado para
revenda por conta própria; as sociedades e agentes autônomos que exerçam atividades de
mediação na negociação de valores mobiliários, em bolsa de valores ou no mercado de
balcão; as bolsas de valores; as entidades do mercado de balcão organizado; as corretoras de
mercadorias, os operadores especiais e as bolsas de mercadorias e futuros; e as entidades de
compensação e liquidação de operações com valores mobiliários (Resolução CVM 135).

A higidez do sistema depende do bom funcionamento das instituições financeiras e


demais entidades que atuam na distribuição, intermediação, compra e revenda de valores
mobiliários; nos recintos de negociação, como bolsas e mercado de balcão; e nas câmaras de
compensação e liquidação das operações.

Art. 19 ao 21-A: tratam da negociação no mercado, em bolsa e no mercado de balcão.


Nenhuma emissão pública pode ser feita sem prévio registro na CVM, salvo isenções
previstas na regulamentação da CVM. Caracterizam emissão pública o esforço de venda ao
público em geral, mediante anúncios públicos, estabelecimentos abertos ao público ou com
utilização de serviços públicos de comunicação, como rádio, TV, jornais, ou redes públicas
de comunicação, como internet Resolução CVM nº 160).

Art. 22: trata das companhias abertas, em complemento à LSA.

Art. 23 ao 25: regulam a administração de carteiras e a custódia de valores


mobiliários.

Art. 26 e 27: tratam dos auditores independentes e dos consultores e analistas de


valores mobiliários. As normas contábeis brasileiras obedecem ao padrão internacional
definido pelo IASB e são internalizadas pelos pronunciamentos do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis e aprovadas por deliberações e resoluções da CVM (Resolução
CVM 23).

Art. 27-C ao 27-F: tratam dos crimes contra o mercado de capitais: operações
simuladas ou fraudulentas para alterar artificialmente a formação de preços; uso de
informação relevante não divulgada ao mercado; exercício irregular de atividade no
mercado. O princípio básico do mercado é de que a informação disponível a todos deve
formar os preços dos valores mobiliários e que as operações devem ter fins lícitos e contar
19

com a participação de agentes de mercado devidamente autorizados. Daí a natureza dos


crimes contra o mercado. A Resolução CVM n° 62 substituiu a Instrução CVM n° 8, que
veda a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários,
manipulação de preços, realização de operações fraudulentas e práticas não equitativas.

Como se vê, as companhias abertas atuam em segmento bem regulado denominado


mercado de capitais, sob a fiscalização da agência reguladora – CVM - , onde as funções dos
diversos agentes, companhias, instituições financeiras, bolsas de valores e mercadorias,
corretores, instituições de liquidação e custódia de títulos e demais agentes estão
disciplinadas e reguladas, de forma a dar segurança ao bom funcionamento do mercado,
indispensável à economia, e à proteção dos investidores e da poupança popular.

4.4 Regras de Autorregulação do Novo Mercado da B3

Inspirada pelo Neuer Markt, criado pela Bolsa de Frankfurt em 1997 para abrigar
empresas de tecnologia, e que foi reestruturado e expandido em 2003, pelo Prime Standard,
a B3, em 2000, criou o chamado Novo Mercado, para abrigar empresas com potencial de
crescimento e regras mais rígidas de governança. Atualmente, a B3 possui os seguintes
segmentos de companhias, regidos por regras de autorregulação disponíveis no site da B3,
que contemplam o ingresso e a saída de cada segmento e as eventuais sanções decorrentes
do não cumprimento das normas ali previstas:

a) Tradicional, com as regras de proteção previstas na LSA;

b) Nível 1, com o acréscimo, em relação à LSA, de salvaguardas adicionais aos


acionistas minoritários, consistindo primordialmente em: free float de no mínimo
vinte e cinco por cento das ações que representam o capital social, com os ajustes
ali previstos; presunção de controle se o voto de acionista ou grupo de acionistas,
ainda que minoritário, houver prevalecido nas três últimas assembleias gerais da
companhia; mandatos máximos de dois anos para os membros do conselho de
administração; não acumulação dos cargos de presidente do conselho de
administração e da diretoria ;

c) Nível 2, com o acréscimo, em relação à LSA e ao Nível 1, das seguintes


salvaguardas principais: cláusula compromissória, prevendo que qualquer
questão societária ou envolvendo a legislação dos mercados financeiro e de
20

capitais entre a companhia, acionistas, administradores e membros do conselho


fiscal deve ser resolvida via arbitragem perante a Câmara de Arbitragem do
Mercado, mantida pela B3; ao menos vinte por cento dos membros do conselho
de administração devem ser independentes; as ações preferenciais devem conferir
voto em certas questões relevantes (transformação, incorporação, fusão e cisão;
contratos com partes relacionadas; avaliação de bens destinados ao capital social;
escolha de avaliadores para determinação do valor econômico da companhia;
alteração ou revogação de disposições estatutárias relativas ao Nível 2); oferta
pública em caso de alienação de controle em favor de todas as ações da
companhia, em condições ao menos idênticas às usufruídas pelo acionista
controlador;

d) B+, segmento destinado a pequenas e médias empresas, com características


similares ao Novo Mercado (pleno);

e) B+ Nível 2, segmento destinado a pequenas e médias empresas, com


características similares ao Nível 2;

f) Governança de Estatais, cujo regimento do programa de destaque tem os


seguintes objetivos principais: transparência das políticas públicas; controles
internos e compliance; auditoria interna e comitê de auditoria estatutário; normas
sobre composição do conselho de administração, diretoria e conselho fiscal no
interesse da companhia e sem interferência política; controle de transações com
partes relacionadas; avaliação desempenho membros conselho de administração,
diretoria e comitês internos; mandatos máximos de dois anos para os membros
do conselho de administração; não acumulação dos cargos de presidente do
conselho de administração e da diretoria; ao menos trinta por cento dos membros
do conselho de administração devem ser independentes; e

g) Novo Mercado (pleno), idem Nível 2, com acréscimo de que todas as ações
devem ser ordinárias votantes (cada ação um voto).

Todos os segmentos têm regras próprias de autorregulação, destacando-se a


exigência do Novo Mercado pleno de que todas as ações da companhia sejam ordinárias
votantes (cada ação um voto).
21

Tanto no Nível 2 como no Novo Mercado, eventuais litígios entre a companhia,


acionistas, administradores ou membros do conselho fiscal, sobre questões societárias e
pertinentes aos mercados financeiro e de mercado de capitais, inclusive entre companhia,
controladores e minoritários, devem ser resolvidos por arbitragem na Câmara do Mercado,
organizada pela B3.

No Nível 2, as ações preferenciais devem gozar de direito de voto em matérias


relevantes, como apontado acima. As preferenciais participam da oferta pública de alienação
de controle, junto com as ordinárias, e têm assegurado tratamento ao menos igual ao auferido
pelas ações de controle.

Há ainda o porfólio de índices de sustentabilidade da B3, que será mencionado no


parágrafo abaixo sobre governança corporativa e responsabilidade ESG.

4.5 Fechamento do capital

Feito o exame sobre a estrutura do mercado de capitais e do Novo Mercado da B3,


cumpre retornar ao fechamento de capital da companhia com ações negociadas no mercado.
O fechamento de capital visa a retirar as ações de circulação pela recompra pela própria
companhia ou por seu controlador direto ou indireto, mediante oferta pública, a preço justo,
dirigida à aquisição da totalidade das ações em circulação no mercado (art. 4º, § 4º LSA). Se
tiver êxito o fechamento a companhia passa a ser fechada e a não mais ter ações negociadas
no mercado (as ações passam a ser negociadas privadamente, como ocorre também com
quotas de sociedades limitadas, a título de exemplo).

A oferta pública de fechamento está regulada pela Resolução CVM 85, que requer a
aprovação de mais de 2/3 das ações em circulação no mercado para o fechamento. Isso
significa que mais de 2/3 das ações em circulação devem aceitar a oferta de compra das
ações e o fechamento do capital. A oferta é realizada em leilão geralmente feito na bolsa de
valores, com intermediação de corretoras de valores. As ações em circulação são todas as
ações da companhia, menos as do acionista controlador, dos administradores e as mantidas
em tesouraria (de propriedade da própria companhia).

O preço justo é determinado por avaliação, geralmente feita por banco de


investimento, que deve considerar todos os critérios de avaliação previstos no art. 4º, § 4º.
Geralmente, prevalece nas companhias abertas o critério mais sofisticado, o fluxo de caixa
22

descontado (projeção do fluxo de caixa por período de cinco a dez anos, descontado à taxa
de juros de mercado), que consiste na avaliação econômica da companhia. Essa avaliação
determina o preço justo por ação dentro de um intervalo mínimo e máximo. A oferta que
deve ser registrada na CVM deve observar a avaliação e fixar preço não inferior ao valor
mínimo da avaliação (que pode inclusive ser superior ao máximo, a critério da companhia
ofertante ou seu controlador).

Se os titulares de ações em circulação entenderem que a avaliação é insuficiente


podem pedir nova avaliação, conforme art. 4º-A, desde que representem ao menos dez por
cento das ações em circulação. Então, se aprovado o pedido em assembleia especial das
ações em circulação, nova avaliação deve ser realizada e observado o preço mínimo da nova
avaliação (se superior ao da primeira) para fins de fixação do preço da oferta, cabendo à
companhia ou ao controlador aumentar o preço da oferta, se for o caso, ou manter a oferta
(se o preço já é maior que o preço mínimo) ou desistir da oferta (se o preço ofertado é menor
do que o mínimo e não há interesse em aumentá-lo).

Se houver debêntures em circulação o fechamento de capital só pode ser feito


mediante recompra das debêntures ou consentimento dos debenturistas. De toda forma, o
fechamento do capital e cancelamento do registro da companhia só ocorre mediante
aceitação do preço ofertado por mais de 2/3 das ações em circulação.

Se após o fechamento restarem ações em mãos de minoritários que representem


menos que cinco por cento do total de ações da companhia, esta poderá fazer o resgate de
tais ações ao mesmo preço unitário que prevaleceu na oferta de fechamento (art. 4º, § 5º).
Vale notar que o resgate deverá ser feito pela companhia cujo capital foi fechado e não pelos
controladores. Para fazer o resgate a companhia deverá possuir suficientes reservas de lucros
ou de capital. Se não as possuir, um caminho será a formação de reserva de capital mediante
subscrição pelos controladores de aumento de capital com ágio.

Há a situação de o controle da companhia aberta ter sido adquirido mediante oferta


pública de aquisição de controle (artigos 257 a 263 da LSA), tendo remanescido em
circulação no mercado ações representativas de menos de cinco por cento do total de ações
da companhia. Em tal cenário, a CVM já autorizou a oferta pública de fechamento, pelo
mesmo preço que prevaleceu na oferta pública de aquisição de controle (considerado preço
justo, devidamente corrigido), sem o requisito da aprovação de ao menos 2/3 das ações em
circulação, pois o preço praticado já fora referendado na oferta anterior.
23

A CVM pode também determinar que seja feita compulsoriamente oferta pública de
fechamento de capital se o acionista controlador adquirir no mercado uma quantidade de
ações que retire a liquidez das ações remanescentes – chamado ‘fechamento branco de
capital’ (art. 4º, § 6º). O critério fixado na Resolução CVM 85 é o aumento de participação
do acionista controlador ou pessoas ligadas mediante a aquisição de mais de um terço da
espécie ou classe das ações em circulação. Há discussão na doutrina sobre se o bem protegido
pela norma é a liquidez das ações ou o tratamento equitativo dos minoritários. Parece
razoável que seja o tratamento equitativo, até porque na década de 90, quando ocorreu a
revogação temporária do artigo 254 da LSA (restabelecido com diferente redação pelo artigo
254-A, na reforma de 2001, e que trata da OPA obrigatória na alienação de controle), houve
uma série de abusos na aquisição de controle de companhias abertas brasileiras e no
tratamento desigual dos minoritários. A proteção em apreço visa a assegurar tratamento
equitativo aos minoritários e preferencialistas, mesmo se as ações já tiverem a liquidez
prejudicada.

No fechamento de capital de companhia listada em segmento especial da B3, deverão


ser observadas, ainda, as respectivas regras de autorregulação.

5. A Governança Corporativa e a Responsabilidade ESG – Environment,


Social & Governance

Como já abordado neste trabalho, a livre criação das sociedades anônimas foi
impulsionada pelas necessidades do empreendedorismo a partir da Revolução Industrial, no
século XIX. No final deste período começaram a ser formados os grandes grupos
econômicos, com a superposição de sociedades sob controle comum, fenômeno que se
acentuou com os esforços das duas Grandes Guerras.

No final do século XIX, como resposta ao poder e concentração econômica nos EUA,
em especial no setor de ferrovias, foi editado pelo Congresso norte-americano o Shearman
Act, em 1890, visando a inibir e controlar restrições indevidas ao comércio e a concentração
econômica monopolística. As leis antitruste se multiplicaram mundo afora desde então.

Após a Primeira Guerra Mundial, no limiar da República de Weimar, na Alemanha,


ao final de 1918, o industrial e político WALTHER RATHENAU, que se tornou ministro
das Relações Exteriores e foi assassinado em 1922 (pelo movimento de extrema direita que
24

já se desenvolvia na Alemanha), publicou obra na qual sustentou que o surgimento da grande


empresa teria transformado as companhias em instituições à semelhança do Estado. Pela
primeira vez foi proposta a representação de empregados nos órgãos superiores de gestão
das companhias alemãs (Boards). A reforma foi introduzida na legislação local à sua época
e depois reintroduzida, após a Segunda Guerra, na Alemanha Ocidental. Daí nasceu a teoria
institucionalista das companhias.

O capitalismo, porém, se desenvolveu no ambiente do liberalismo econômico


clássico até o crash da bolsa de Nova York, em 1929, que acabou levando o mundo à Grande
Depressão e, afinal, à Segunda Guerra Mundial (e à regulação do mercado de capitais pelo
Securities Act de 1933 e o Exchange Act de 1934, e legislações similares mundo afora).

Sob a influência de RATHENAU, em 1932, ADOLF BERLE e GARDINER


MEANS, que já haviam iniciado seus estudos antes do crash de 1929, publicaram o trabalho
The Modern Corporation and Private Property, citado desde então como fonte principal da
definição de controle nas companhias – controle majoritário, minoritário e gerencial – e da
dissociação entre propriedade (acionistas) e poder de gestão (administradores, que exercem
o controle gerencial nas companhias de capital pulverizado). Além disso, defenderam a
teoria do stakeholder corporate governance (i.e., a governança corporativa voltada aos que
têm relevância para a companhia: acionistas, empregados, comunidade, consumidores,
governo, financiadores) contrastando a ideia de que o único propósito da companhia seria
criar valor para seus acionistas.

Enquanto a concepção do ‘valor para o acionista’, ou shareholder model, fosse


dominante nos EUA dos anos 1920s, o sistema evoluiu para a governança corporativa
voltada ao stakeholder durante o New Deal, programa econômico do presidente Franklin D.
Roosevelt para retirar o país da Grande Depressão. Houve uma mudança cultural em como
as grandes companhias norte-americanas definiram sucesso, trataram seus empregados e
influenciaram a queda de desigualdade no período das Grandes Guerras, sob o stakeholder
model.

Aí está a origem da chamada governança corporativa, que significa cuidado especial


com todos os stakeholders, inclusive acionistas minoritários, empregados e comunidade.

Como as questões da humanidade muitas vezes são circulares, a onda liberal


conservadora voltou com força, principalmente com os estudos da chamada escola de
Chicago, inclusive a obra de MILTON FRIEDMAN, onde se destaca Capitalism and
25

Freedom, publicada em 1962. Ali, o autor defende que a única responsabilidade social da
companhia seria gerar lucros para seus acionistas.

Essa doutrina prevaleceu com força em grandes economias e no mundo afora até que
começou a nascer a consciência ambiental a partir do final do século XX, com a realização
da ECO 92, no Rio de Janeiro, e o Acordo de Paris, em 2015. E ela foi associada à
consciência social, já que a desigualdade no mundo voltou a subir, após um período de
declínio com as duas Grandes Guerras (PIKETTY, 2014).

No plano das relações entre acionistas e administradores de companhias, o conceito


de corporate governance foi revigorado nos EUA nos anos 1980’s com a escalada de hostile
takeovers e as medidas defensivas das administrações das companhias, chamadas de poison
pills, que muitas vezes confrontaram os interesses das companhias, dos acionistas e dos
administradores.

Houve também duas graves crises do capitalismo a partir dos EUA, com a quebra da
gigante Enron, em 2002, e a crise das hipotecas e a quebra do Lehman Brothers, em 2008.

Mais recentemente houve os eventos de inclusão de mulheres, minorias e segmentos


sociais afetados pelo racismo sistêmico. Uma nova visão de que a diversidade e a inclusão
agregam qualidade de vida, criatividade e valor aos negócios.

E desde o final de 2019 a pandemia que se alastrou pelo mundo e já matou alguns
milhões de pessoas. Maior crise de saúde pública desde a gripe espanhola de 1918/9.

O mundo não suporta mais o crescimento das emissões na atmosfera que geram
aumento descontrolado das temperaturas. O controle ambiental é essencial para a
preservação da humanidade. Também não suporta o racismo, a exclusão de mulheres e
minorias. Esta é a agenda majoritária, nos países democráticos.

Desse somatório de necessidades não atendidas surgiu a agenda ESG (environment,


social & governance), que representa aprimoramento do antigo modelo stakeholder
governance, para associar ao cuidado com os minoritários, empregados, consumidores e
comunidade a inclusão social e a preservação do meio ambiente. Tudo reunido em única
agenda, pois são interligados e interrelacionados. Um depende do outro.

Assim, estão sendo criadas métricas pelos gestores e fundos de investimento para
avaliar as companhias comparativamente e direcionar recursos para aquelas que atendem aos
26

requisitos ESG. Da mesma forma, segmentos especiais são criados pelas bolsas de valores e
requisição de informações pedidas pelos órgãos reguladores. As companhias, por sua vez,
criam estruturas de compliance e sustentabilidade, de forma a responder às crescentes
exigências de atuação responsável e conforme as melhores práticas éticas.

A função social da empresa já está prevista no nosso ordenamento jurídico (CF,


artigo 170; LSA, artigos 116, 117 e 154). A tendência é a exigência e fiscalização da agenda
ESG, alterando e adequando o comportamento das companhias e dos gestores públicos,
visando o objetivo comum. A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa são
fundamentos basilares da ordem econômica, tendo por fim assegurar existência digna a
todos, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: soberania
nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do
consumidor, defesa do meio ambiente, redução de desigualdades regionais e sociais, busca
do pleno emprego, tratamento favorecido para empresas de pequeno porte brasileiras.

No plano regulatório, o informe sobre o Código Brasileiro de Governança


Corporativa passou a ser exigido pela CVM, desde 2018 (reforma da Instrução CVM nº 480
e consolidada na Resolução CVM 80), para as companhias abertas. É baseado no Código de
Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa, que observa os princípios da (i) transparência (não se restringe ao desempenho
econômico-financeiro, mas inclui outros fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação
gerencial e conduzem à preservação e à otimização do valor da companhia; (ii) equidade
(tratamento justo e isonômico dos acionistas e demais partes interessadas (stakeholders),
considerando direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas); (iii) accountability
ou prestação de contas (deve ser clara, concisa, compreensível e tempestiva, com diligência
e responsabilidade); e (iv) responsabilidade corporativa (zelo pela viabilidade econômico-
financeira da companhia, redução das externalidades negativas dos negócios e operações e
aumento das positivas, considerando, no modelo de negócios, os diversos capitais
(financeiro, operacional, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional) no curto e
longo prazos).

As companhias abertas devem responder, ao prestar a informação, se adotam a


prática de governança recomendada no Código de Governança. Caso contrário, devem
justificar a não adoção da prática, sob o formato ‘pratique’ ou ‘explique’, inspirado no direito
societário inglês. A Resolução CVM nº 59 agregou mais informações sobre as práticas ESG.
27

Desde 2005 a B3 criou o índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), que é


importante ferramenta de avaliação de sustentabilidade das companhias ali listadas. Além
do ISE B3, compõem o portfólio de índices de sustentabilidade da instituição o ICO2 (índice
de Carbono Eficiente), o índice S&P/B3 Brasil ESG, o IGTC (índice de Governança
Corporativa Trade), o ITAG (índice de Ações com Tag Along Diferenciado), o IGCX (índice
de Ações com Governança Corporativa Diferenciada) e o IGNM (índice de Governança
Corporativa Novo Mercado). Como se vê, há diversos índices e métricas para analisar as
companhias abertas no mercado de capitais e as iniciativas e esforços prosseguem.

Capítulo II - Capital Social – artigos 5º ao 10 da LSA

O capital social é formado pela contribuição dos acionistas na constituição da


sociedade e posteriormente pelas eventuais modificações do capital ao longo da vida da
companhia.

São os recursos que formam o patrimônio inicial da sociedade, apartados que são do
patrimônio dos sócios.

Na tradição continental europeia, herdada por nós, o capital submete-se a dois


princípios básico: realidade e intangibilidade.

Pelo princípio da realidade a contribuição dos sócios tem que ser efetiva, em dinheiro
ou bens ou direitos suscetíveis de avaliação econômica. O capital é sempre expresso em
moeda nacional. Se a contribuição for feita em bens ou direitos é requisito a prévia avaliação,
como regulado no art. 8º da LSA.

Se a contribuição for feita em bens ou direitos o subscritor responde pela evicção e


solvência do devedor (em caso de créditos). A contribuição do capital passa à propriedade
da companhia, salvo se a natureza do direito for diferente (promessa de direitos, por
exemplo, pois ninguém pode ceder mais do que possui).

Pelo princípio da intangibilidade, como veremos ao longo deste trabalho, o capital é


protegido, verdadeiro dogma, e não deve ser distribuído aos sócios, exceto se houver excesso
e inexistir oposição dos credores (art. 174 LSA). Assim, os sócios poderão receber a
distribuição de dividendos ao longo da trajetória da companhia, que consistem em lucros
28

gerados pela atividade da companhia. Mas não recebem o capital, que serve de cifra de
retenção, garantia aos credores da companhia.

Isso é verdade no sistema continental europeu. No sistema anglo-saxão é dada maior


ênfase à solvência da companhia, para determinação da sua capacidade para pagar
dividendos, sem tanto apreço pela proteção ao capital social.

Não obstante, o sistema brasileiro alia também regras de proteção à solvência da


companhia, a par do sistema principal de utilizar a medida do capital social como marco
definidor da capacidade da companhia de distribuir lucros ou dividendos (regime das
reservas necessárias, tratado no Capítulo XV a seguir).

A discussão acima sobre mercado financeiro e de capitais e sobre o capital social


guarda total pertinência com as finanças da companhia. O financiamento da companhia será
feito com capital próprio ou recursos de terceiros, via financiamento. A companhia aberta
tem ainda a opção do mercado de capitais: tanto pode captar recursos próprios via emissão
pública de ações, como recursos de terceiros (financiamento), via emissão de títulos de
dívida (debêntures, por exemplo). A companhia fechada e a limitada não acessam o mercado
de capitais, em regra (ressalvadas as exceções da regulamentação da CVM, inclusive as
colocações de títulos de dívida com esforços restritos, como debêntures não conversíveis, no
caso das sociedades anônimas, e as notas promissórias, no caso das limitadas), e, além das
emissões públicas de dívida com esforços restritos, dependem de recursos próprios e
financiamentos no mercado financeiro (estas possibilidades, naturalmente, também podem
ser acessadas pelas companhias abertas). Há ainda os bancos de desenvolvimento, BNDES
no Brasil, EXIMBANK nos EUA, KfW na Alemanha, JBIC no Japão, BEI na Europa, CDB
na China, que financiam exportações e projetos de infraestrutura, além de investimentos de
interesse geral na sua área de atuação. Há os bancos vinculados a organismos internacionais,
que também financiam infraestrutura e projetos de interesse geral, como BIRD e BID,
ligados à ONU e à OEA. As companhias mais sofisticadas, em momentos de boa liquidez
nos mercados internacionais, têm ainda a opção de acessar esses mercados mediante a
colocação de títulos de sua emissão, com regência geralmente pela lei local.

Em suma, quanto mais qualificada a companhia maiores opções de financiamento e


capitalização ela terá, podendo recorrer aos mercados locais, financeiro e de capitais, e aos
mercados internacionais, financeiro e de capitais. O financiamento de projetos sofisticados
e de grande porte geralmente se faz pela técnica do project finance, segundo a qual os ativos
29

e recebíveis do próprio projeto suportam e garantem o financiamento e o repagamento do


principal e juros.

Capítulo III - Constituição da Companhia – artigos 80 a 99 LSA

A constituição da companhia geralmente tem a natureza de contrato associativo ou


plurilateral – a única exceção ocorre nas sociedades de sócio único, como a subsidiária
integral (art. 251 a 253 – LSA). E decorre de ato complexo com uma série de etapas,
admitindo-se a constituição por subscrição particular (a sociedade nasce fechada) ou por
subscrição pública (a sociedade já nasce aberta).

1. Subscrição particular:

A constituição por subscrição particular é feita pelos fundadores, em assembleia geral


ou por escritura pública. Geralmente utiliza-se a forma da assembleia geral de constituição,
documento privado que é mais simples e menos oneroso do que uma escritura pública
(lavrada em cartório de notas). São requisitos para a constituição por subscrição particular:

a) subscrição, por ao menos duas pessoas (caráter associativo), de todas as ações em


que se divide o capital social fixado no estatuto social;

b) realização como entrada de ao menos dez por cento do preço de emissão das ações
subscritas em dinheiro e depósito no Banco do Brasil S.A (ou outro banco autorizado pela
CVM) desses recursos, em nome da companhia em constituição.

Uma vez subscrito o capital e realizado o depósito das entradas pode ser realizada a
assembleia geral de constituição da companhia (ou lavrada a escritura pública de
constituição), para o fim de:

a) declarar a companhia constituída;

b) aprovar o estatuto social da companhia;

c) nomear os primeiros administradores da companhia;


30

d) se parte do capital for subscrita em bens ou direitos, nomeação do avaliador e


aprovação do laudo de avaliação (art. 8º da LSA).

Os atos constitutivos junto com o boletim ou lista de subscrição, o estatuto social e o


recibo de depósitos das entradas devem ser levados a registro na junta comercial da sede da
companhia e publicados.

Os primeiros administradores são responsáveis pelas providências de registro e


publicidade da companhia e pelos atos de gestão necessários ao início de atividades.

Na subscrição particular os atos complexos de constituição podem ser simultâneos e


os fundadores podem praticá-los imediatamente.

2. Subscrição pública:

A constituição por subscrição pública é bem mais complexa porque já pressupõe que
será feita colocação de ações junto ao público na constituição da companhia, fazendo com
que ela seja companhia aberta.

Para esse efeito, tanto a companhia como a emissão dependerão de prévio registro na
CVM (Instrução CVM nº 480, consolidada na Resolução CVM 80) e a subscrição somente
poderá ser efetuada com a intermediação de instituição financeira (porque a companhia irá
acessar o mercado de capitais).

Para fins de registro na CVM os fundadores e a instituição financeira responsável


deverão apresentar estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento;
projeto do estatuto social; e o prospecto com as características mínimas previstas no art. 84
da LSA. O prospecto é documento presente em toda emissão pública e tem caráter
informativo, do conteúdo essencial e dos riscos envolvidos na operação. Não é peça
publicitária ou de marketing. As informações ao mercado de capitais devem ser fidedignas
e confiáveis, orientando o investidor para os riscos do investimento.

Uma vez aprovado o registro na CVM pode a subscrição pública ser iniciada, com
os esforços da instituição financeira para a colocação da emissão no mercado primário. Essa
subscrição é feita durante o período da oferta pública e distribuída entre os subscritores
conforme as regras da oferta, alocando entre eles as ações subscritas.
31

São requisitos para a constituição por subscrição pública:

a) subscrição, por ao menos duas pessoas (caráter associativo), de todas as ações em


que se divide o capital social fixado no estatuto social;

b) realização como entrada de ao menos dez por cento do preço de emissão das ações
subscritas em dinheiro e depósito no Banco do Brasil S.A (ou outro banco autorizado pela
CVM) desses recursos, em nome da companhia em constituição.

Uma vez subscrito o capital e realizado o depósito das entradas pode ser convocada
e realizada a assembleia geral de constituição da companhia, para o fim de:

a) declarar a companhia constituída;

b) aprovar o estatuto social da companhia;

c) nomear os primeiros administradores da companhia;

d) se parte do capital for subscrita em bens ou direitos, nomeação do avaliador e


aprovação do laudo de avaliação (art. 8º da LSA).

Os atos constitutivos junto com os boletins ou listas de subscrição, o estatuto social


e os recibos de depósitos das entradas devem ser levados a registro na junta comercial da
sede da companhia e publicados.

Os primeiros administradores são responsáveis pelas providências de registro e


publicidade da companhia e pelos atos de gestão necessários ao início de atividades.

Na subscrição pública os atos complexos de constituição são realizados ao longo do


tempo necessário ao registro na CVM e subscrição junto ao público.

É importante notar que as ações e outros valores mobiliários conversíveis em ações


emitidos por emissor em fase pré-operacional só podem ser negociados em mercados
regulamentados com esforços restritos entre investidores qualificados, como definido na
regulamentação da CVM (Instrução CVM nº 480, consolidada na Resolução CVM 80).

Releva ainda mencionar que a Instrução CVM nº 554 (alterada quanto a companhias
securitizadoras pela Resolução CVM 60) define investidores qualificados como sendo
investidores profissionais ou investidores com mais de R$ 1 milhão investidos e que se
declarem qualificados. Os investidores profissionais são os que têm mais de R$ 10 milhões
32

investidos e se declarem profissionais e, também, instituições financeiras, seguradoras,


fundos de pensão, fundos e clubes de investimento, agentes autônomos e investidores não
residentes.

Capítulo IV - Livros Sociais – artigos 100 a 105 LSA

Atenção especial deve ser dada ao livro de registro de ações nominativas, que
assegura o controle da propriedade das ações e onde são feitas averbações de transferência
de ações (cujo termo deve ser lavrado no livro de transferência) e de ônus ou gravames que
podem incidir sobre as ações (geralmente nas companhias fechadas).

Se as ações forem escriturais, ou seja, se forem mantidas sob depósito junto a


instituição financeira autorizada pela CVM e contratada pela companhia, tal controle e atos
de transferência e averbação são feitos pela instituição financeira depositária das ações
(geralmente nas companhias abertas, pois as ações escriturais facilitam sua circulação no
mercado de capitais).

Além do controle sobre as ações a companhia deve manter controle do registro e


transferência dos demais valores mobiliários de sua emissão, inclusive debêntures e bônus
de subscrição. O mesmo no tocante à instituição depositária, se os valores mobiliários forem
escriturais.

A companhia e a instituição financeira responsável pelos serviços escriturais


respondem por eventuais danos causados a acionistas e investidores por vícios ou
irregularidades nos registros de valores mobiliários, e se submetem à ação de exibição de
livros.

Deve também a companhia manter os demais livros obrigatórios e os relacionados


ao funcionamento de seus órgãos: livro de atas de assembleia gerais; livro de presença de
acionistas; livros de atas de reuniões do conselho de administração e da diretoria; livro de
atas e pareceres do conselho fiscal.
33

Capítulo V – Ações - artigos 11 a 45 da LSA

Faremos o exame das ações e demais valores mobiliários de emissão da companhia.


Os principais valores mobiliários de emissão das companhias, previstos na LSA são: ações,
que são os títulos representativos do capital social; e debêntures, que são títulos
representativos de dívida, utilizados para financiamento da companhia. Há ainda os bônus
de subscrição, que são títulos de natureza auxiliar que conferem a seus detentores opção de
compra de ações, pelo prazo, preço e condições previstos no título. Todos os três podem ser
emitidos por companhias abertas ou fechadas, mas só podem circular no mercado de capitais
os emitidos por companhias abertas, como regra, salvo hipóteses de isenção. Há um outro
título denominado partes beneficiárias que é restrito a companhias fechadas e será analisado
mais abaixo. Vamos iniciar com as ações:

1. Ações – quantidade, com e sem valor nominal

O estatuto social deve fixar o número das ações em que se divide o capital social e
estabelecer se terão ou não valor nominal.

As ações são sempre iguais dentro da mesma espécie e classe. Assim, o valor nominal
não tem maior significação, no caso das ações, e coincide com o preço de emissão das ações
destinado ao capital social na constituição da companhia, e que pode ser alterado durante a
vigência da companhia em caso de modificação do capital social, desdobramento,
grupamento ou cancelamento de ações, na forma da LSA.

A partir da LSA passaram a ser admitidas ações sem valor nominal e essa prática
passou a ser predominante (a quase totalidade das companhias possuem ações sem valor
nominal).

O valor nominal não traz benefícios no caso das companhias – justamente porque
todas as ações são idênticas dentro da mesma espécie e classe, tanto em direitos políticos de
voto (cada ação votante tem um voto – art. 110 da LSA), como em direitos econômicos,
como recebimento de dividendos e demais direitos.

Quando há valor nominal este será o mesmo para todas as ações (§ 2º do art. 11). É
diferente no caso de sociedades limitadas e demais sociedades de pessoas nas quais o
34

contrato social pode estabelecer valor nominal diferente entre as quotas da sociedade para
fins de exercício do voto e participação nos lucros. Por isso, o valor nominal é irrelevante
nas companhias e necessário nas sociedades limitadas e demais sociedades de pessoas.

Quando há valor nominal – e como todas as ações devem ter o mesmo valor nominal
– é vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal. Se o preço for maior
que o valor nominal, a diferença será destinada à reserva de capital (ágio) e não ao capital
social. Isso acarreta desvantagens e retira flexibilidade às companhias com ações com valor
nominal, pois após a constituição da companhia – como veremos ao longo da obra – passa a
ser relevante o valor de patrimônio líquido da ação ou seu valor econômico ou de mercado.
O valor nominal não tem função pois todas as ações são iguais dentro da mesma espécie e
classe e remete apenas ao valor histórico do preço de emissão destinado ao capital na
constituição da companhia e eventuais alterações do estatuto em caso de modificação do
capital, desdobramento, grupamento ou cancelamento de ações, na forma da LSA. Não
guarda relação com o valor efetivo de uma companhia em operação.

As ações sem valor nominal têm maior flexibilidade e os acionistas devem pagar o
respectivo preço de emissão, que pode ser todo destinado ao capital social ou parte à reserva
de capital (ágio), dependendo das necessidades de cada momento da companhia (há
situações muito especiais em que pode haver necessidade de atribuir parte do preço de
emissão à reserva de capital, como quando se estabelecem ações que podem receber,
excepcionalmente, dividendos mesmo na inexistência de lucros (art. 17, § 6º da LSA) ou
quando é necessária a criação de reserva de capital para permitir à companhia comprar as
próprias ações (artigos 44 e 45 da LSA).

A flexibilidade de ações sem valor nominal chega ao ponto da autorização


excepcional de que uma ou mais classes de ações preferenciais (veremos o conceito abaixo)
tenham valor nominal, quando as demais não têm, para o fim específico de servir de base de
cálculo para dividendos prioritários (veremos o conceito mais abaixo também), conforme
art. 11, § 1º da LSA. Mas esta faculdade não é utilizada na vida prática. Foi criada face à
resistência que o fim do valor nominal recebeu de algumas correntes conservadoras quando
da discussão do projeto da LSA. Hoje a resistência está inteiramente superada.

2. Ações - espécies e classes


35

As ações podem ser divididas em duas espécies: ações ordinárias e ações


preferenciais.

As ações de fruição, que são raríssimas e dificilmente existem na vida prática, não
constituem espécie em separado, pois são ações ordinárias ou preferenciais que tenham tido
seu valor de reembolso antecipado, sem resgate, com as características previstas no art. 44,
§ 5º da LSA.

Se as espécies, ordinárias ou preferenciais, forem diferenciadas entre si, então são


criadas classes. As classes são, portanto, subdivisões das espécies, quando se quer criar ações
diferentes dentro da mesma espécie. Se não houver classes todas as ações da mesma espécie
são iguais entre si. Se houver classes todas as ações serão iguais dentro da mesma classe,
mas atribuirão algum direito diferente ao de outra classe da mesma espécie (as classes são
geralmente designadas por letras, como ‘A’, ‘B’ ou ‘C’).

3. Ações ordinárias

Como o nome indica são as ações comuns ou ordinárias que conferem em regra um
voto por ação (a lei brasileira só permite voto plural nas companhias mediante a previsão
estatutária de uma ou mais classes de ações ordinárias, nas condições previstas no art. 110-
A da LSA, introduzido pela Lei nº 14.195/2021, e que será objeto de exame no item 3.1
abaixo) e conferem idênticos direitos econômicos aos acionistas detentores de tais ações.
Todas participam por igual dos lucros e demais direitos. Se a companhia só tiver ações
ordinárias de classe única todas as ações serão iguais entre si e conferirão idênticos direitos
aos acionistas, que decorrem das disposições da LSA.

Nas companhias abertas só se admitem classes diferentes de ações ordinárias (art. 15,
§ 1º) se criadas em conformidade com o art. 110-A da LSA (item 3.1 abaixo). Assim, as
ações ordinárias sempre serão iguais numa companhia aberta, exceto se houver uma ou mais
classes com voto plural.

Nas companhias fechadas poderão ser previstas uma ou mais classes de ações
ordinárias com voto plural, como autorizado pelo art. 110-A da LSA (item 3.1 abaixo). Além
disso, excepcionalmente (tendo em vista que a faculdade muito raramente é utilizada),
admitem-se classes ou diferenciação em razão de três outras matérias, cumulativas ou não:
conversibilidade em ações preferenciais (quando o estatuto contém autorização para a
36

conversão, nas condições ali previstas); exigência de nacionalidade brasileira do acionista


(para situações em que a lei ou a CF exijam a nacionalidade brasileira de acionistas ou de
um percentual de acionistas); e direito de voto em separado para determinados cargos da
administração da sociedade (a classe poderia eleger um dado diretor, por exemplo). As ações
serão diferentes apenas em razão da especificidade da classe, possuindo demais direitos
iguais entre si e aos das demais ordinárias.

3.1 Ações ordinárias com voto plural

Até a Lei nº 14.195/2021 não se admitiam no direito brasileiro ações ordinárias com
voto plural. Tal lei alterou os artigos 15 e 16 da LSA e introduziu novos artigos 16-A e 110-
A para estabelecer a previsão de dual class shares, i.e., a possibilidade de classes distintas
de ações ordinárias, atribuindo-se a uma ou mais voto plural.

A matéria sempre foi polêmica e incorporada em nosso ordenamento em resposta à


abertura do capital de companhias brasileiras no exterior em jurisdições que admitem o voto
plural, especialmente nas bolsas de Nova York. Não se sabe ao certo se a abertura do capital
de fintechs, startups e empresas nascentes no mercado americano se deve mais a
possibilidade de melhor valuation e disponibilidade de investidores e recursos do que à
adoção de voto plural. Só o tempo e a experiência dirão se as ordinárias com voto plural no
Brasil modificarão o cenário de sucessivos IPOs de empresas brasileiras no exterior.

Mas o fato é que as ordinárias com voto plural aumentam as possibilidades de


planejamento de situações de controle e de abertura de capital, com maior pulverização das
ações da companhia.

Vejamos a sistemática do novo artigo 110-A:

a) é admitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com voto plural,
não superior a dez votos por ação, na companhia fechada e na companhia aberta
que ainda não tenha negociado ações ou valores mobiliários conversíveis em
ações em mercados organizados de valores mobiliários;

b) a criação da classe especial depende da aprovação da maioria absoluta do capital


votante e das ações preferenciais sem voto ou com voto restrito, se houver, estas
em assembleia especial, se quórum maior não for exigido pelo estatuto. Os
acionistas dissidentes farão jus ao direito de retirada, salvo se a criação da classe
especial já estiver autorizada pelo estatuto;
37

c) a listagem de companhias que adotem voto plural e a negociação de seus valores


mobiliários em mercados organizados ficam sujeitas à observância de regras de
transparência; passa a ser vedada a alteração das características da classe de
ordinárias com voto plural, exceto para redução dos direitos ou vantagens;

d) o voto plural terá prazo de vigência inicial de até sete anos, podendo ficar sujeito
a evento ou outro termo, e podendo ainda ser prorrogado por qualquer prazo, pela
maioria absoluta das ações votantes e preferenciais sem voto ou com voto restrito
(estas, se houver), salvo maior quórum previsto no estatuto, assegurando-se aos
dissidentes o direito de retirada;

e) da deliberação de prorrogação prevista em (d) acima ficam excluídos das


votações os titulares de ações da classe cujo voto plural é objeto de prorrogação;
situação de benefício particular e conflito formal expresso no §7º, II do art. 110-
A;

f) o direito ao voto plural é personalíssimo e é prevista sua perda em caso de


alienação das ações ou compartilhamento do voto plural com outros acionistas,
salvo se o alienante permanece no exercício direto ou indireto do voto ou o
adquirente também possui ações da mesma classe;

g) nos quóruns legais com base em percentual de ações ou do capital social, o


cálculo deverá desconsiderar a pluralidade de votos, se não houver referência ao
número de votos conferidos pelas ações;

h) são vedadas operações de incorporação, incorporação de ações, fusão ou cisão


entre companhias que possam resultar em incorporação por companhia que adote
o voto plural de patrimônio de companhia que não o adote e tenha suas ações ou
valores mobiliários conversíveis em ações negociados em mercados organizados;

i) não será adotado o voto plural nas votações da assembleia geral sobre
remuneração de administradores e celebração de transações entre partes
relacionadas que atendam aos critérios de relevância definidos pela CVM;

j) as disposições sobre o voto plural devem estar todas detalhadas no estatuto social,
inclusive número de votos e prazo de vigência;
38

k) a autorização sobre o voto plural não se aplica a empresas públicas, sociedades


de economia mista, suas subsidiárias e controladas, direta ou indiretamente.

4. Ações preferenciais

As ações preferenciais deverão gozar de alguma preferência de natureza econômica,


que pode consistir em, segundo a regra geral da LSA (art. 17, caput):

a) prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;

b) prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio;

c) acumulação das duas prioridades supra.

Isto significa que as ações preferenciais receberão prioritariamente lucros num


montante mínimo (geralmente este é o critério utilizado) ou fixo previsto no estatuto, ou
receberão prioritariamente o reembolso de capital em caso de liquidação da companhia, nas
condições previstas no estatuto (inclusive eventual prêmio em relação às demais ações), ou
acumularão as duas vantagens.

Os dividendos prioritários significam que se houver lucro no exercício social, e até o


limite do lucro (só deduzido da reserva legal de cinco por cento sobre o lucro até perfazer
vinte por cento do capital social – art. 193 da LSA), o respectivo montante será utilizado no
pagamento de tais dividendos prioritários. A base de cálculo dos dividendos prioritários é
definida no estatuto e pode ser um percentual sobre o valor de patrimônio líquido da ação,
um percentual sobre o valor nominal da ação (se houver), um percentual sobre o valor do
capital social dividido pelo número total de ações, ou outro critério bem definido e lícito.

Em contrapartida à vantagem econômica, as ações preferenciais podem deixar de


possuir direitos reconhecidos às ações ordinárias, geralmente o direito político de voto, que
pode ser eliminado ou restringido pelo estatuto, conforme o art. 111 da LSA. Mas se não
houver disposição expressa no estatuto as ações preferenciais terão um voto cada uma e se
distinguirão das ordinárias pela vantagem econômica. Mas, como regra, têm o direito de voto
retirado ou restringido pelo estatuto, na grande maioria dos casos.

Ações preferenciais sem voto ou com voto restrito não podem ultrapassar cinquenta
por cento das ações emitidas pela companhia. Até a reforma de 2001 da LSA o limite era de
dois terços do total de ações (e companhias anteriores à reforma puderam manter o maior
percentual de ações não votantes, face ao direito adquirido). Foi reduzido para cinquenta por
39

cento das ações emitidas em virtude de política legislativa (historicamente sempre houve
polêmica quanto à existência de ações sem voto e a proporção entre poder político e poder
econômico nas companhias).

Mas a razão principal para a criação das preferenciais é justamente permitir o


exercício do controle da companhia por uma quantidade menor de ações (ordinárias),
permitindo a abertura do capital e a captação de recursos junto a terceiros que visam o
interesse econômico, na distribuição de dividendos e valorização da companhia no mercado.

A prática brasileira mostrou que boa parte das companhias abertas retiravam o voto
das preferenciais e conferiam como vantagem econômica, em contrapartida, apenas a mais
débil das prioridades, que é o reembolso do capital sem prêmio, em caso de liquidação da
companhia (jamais será exercido se não houver o fim da companhia, e ainda assim
concorrerá por igual com os demais acionistas, pois não há prêmio. Significa apenas que a
preferencial não deve receber o reembolso depois da ordinária e só isso).

Passou-se a discutir modos e maneiras para fortalecer as companhias abertas e o


mercado de capitais no Brasil, via reconhecimento dos direitos especiais dos investidores.
Assim, na reforma de 2001 foram criados três modelos mínimos, cumulativos ou não, que
devem ser observados no estatuto social, para que companhias abertas possam negociar
ações preferenciais sem voto ou com voto restrito no mercado de capitais:

a) o primeiro é que a companhia destine ao menos vinte e cinco por cento do lucro
que auferir no exercício social (período de doze meses, no Brasil geralmente de 1º de janeiro
a 31 de dezembro de cada ano) à distribuição aos acionistas – chamado de dividendo
obrigatório, conforme art. 202 da LSA, e, dentro deste limite, pague às preferenciais, como
dividendo prioritário, ao menos três por cento do valor de patrimônio líquido da ação;

b) o segundo consiste em dividendo diferenciado pago a cada ação preferencial que


deve ser ao menos dez por cento maior do que o dividendo pago a cada ação ordinária (não
é, porém, prioritário);

c) o terceiro, que necessariamente deve ser combinado com um dos dois anteriores
ou com a regra geral de prioridade a dividendos ou ao reembolso de capital, consiste em
permitir que as ações preferenciais participem da oferta pública obrigatória em caso de
aquisição do controle da companhia por terceiro (art. 254-A da LSA), oferta esta que nos
termos da lei só é obrigatória para as ações ordinárias.
40

É importante notar que as prioridades e vantagens das ações preferenciais devem


constar com precisão no estatuto (art. 17, §2º).

Os dividendos, ainda que prioritários, não podem ser pagos em prejuízo do capital
social (conceito da intangibilidade do capital social). Em regra, só podem ser pagos com
lucros do exercício. A única exceção e bastante rara é quando o estatuto autoriza a ação
preferencial com dividendo prioritário cumulativo (se não for pago num exercício social fica
acumulado para o exercício seguinte, até o pagamento) a recebê-lo, na insuficiência de lucro,
à conta da reserva de capital, se houver (art. 17, §§ 3º e 6º).

A LSA tem ainda regra supletiva bastante útil e elucidativa de que, salvo disposição
diferente do estatuto (e geralmente não há), o dividendo prioritário não é cumulativo, a ação
com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes e a ação com dividendo mínimo
participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de a
estas assegurado dividendo igual ao mínimo (art. 17, § 4º).

Quando a ação preferencial tem o voto restrito, o estatuto social pode permitir a
eleição em separado para cargos da administração e o direito de veto a matérias, alterações
estatutárias ou deliberações da assembleia geral (artigos 17, § 7º, 18 e 19 da LSA). O estatuto
pode subordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em assembleia
especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais. Como ocorre, por
exemplo, no regulamento do Novo Mercado da B3. Isso deve implicar na possibilidade de
direito de veto, de forma reativa, mas não de propor ativamente alterações na estrutura da
companhia em assembleia geral, de forma propositiva, pois do contrário haveria risco de
subversão do princípio majoritário da LSA, cujo comando cabe às ações votantes.

4.1 Ações superpreferenciais

Nota importante é que o estatuto da companhia pode criar, em situações especiais,


ações superpreferenciais, que constituem instrumento válido e lícito na composição de
interesses entre sócios na organização e na estrutura de capitalização de companhias, seja
pela imposição de restrições de natureza regulatória, seja pelo puro e simples exercício da
liberdade de contratar nos limites da autonomia da vontade, observados os desígnios da
função social da propriedade e as normas de natureza cogente no sistema jurídico particular
de cada companhia (VARGAS, 2017, p. 157).
41

O sistema jurídico brasileiro antes de vedar autoriza a distribuição desigual de lucros


nos regimes do dividendo prioritário e do dividendo preferencial ou diferenciado. A
distribuição desigual – ou a possibilidade de sua ocorrência – constitui a essência de tais
regimes.

Não há impedimento, em outra medida, que o estatuto social fixe o dividendo


obrigatório em níveis abaixo da tradição brasileira de vinte e cinco por cento do lucro líquido
do exercício – em um décimo por cento do lucro líquido do exercício, por exemplo -
deixando à administração e à assembleia geral da companhia a discrição para propor e
declarar dividendos mais elevados, se os lucros não forem absorvidos pelas reservas legais
e estatutárias e pela reserva para investimento de capital com base no orçamento do
exercício, observadas, naturalmente, as necessidades de natureza econômica e financeira da
companhia.

As ações sem voto ou com voto restrito só adquirem o exercício do direito de voto
no regime do dividendo prioritário, fixo ou mínimo, se a companhia deixar de pagar os
dividendos prioritários a que fazem jus, por três exercícios consecutivos (se o estatuto social
não contemplar prazo menor), e até o pagamento de tais dividendos, a teor do disposto
expressamente no artigo 111, § 1º, da Lei nº 6.404/76.

No regime de ações preferenciais sem voto e com dividendo preferencial ou


diferenciado – não prioritário – ou com prioridade no reembolso de capital ou que façam jus
a participar da oferta pública de alienação de controle, com ou sem prêmio, a lei não faz
qualquer extensão do direito de voto. Portanto, a supressão do voto pode ser definitiva e
decorre, mais uma vez, da liberdade de contratar, até porque o direito de voto não constitui
direito essencial do acionista.

A lei prevê a recuperação temporária do direito de voto no caso específico de


frustração do dividendo prioritário, que tem base de cálculo diversa do lucro líquido ajustado
do exercício – geralmente incide em bases percentuais sobre o valor de patrimônio líquido
da ação ou sobre o valor nominal da ação, se existente.

Os chamados dividendos preferenciais ou diferenciados, porém, introduzidos no


nosso ordenamento pela Lei nº 9.457/97, não são prioritários e não têm base de cálculo
distinta, recebendo a ação preferencial o pagamento de dividendo pari passu com a ação
ordinária, consistindo o direito preferencial da primeira em múltiplo do valor em espécie
42

atribuído à ação ordinária – dez por cento, no caso do modelo mínimo do art. 17, § 1º; outros
múltiplos em casos concretos diversos (como Azul e Gol).

A existência de ações sem voto que fazem jus ao dividendo preferencial ou


diferenciado permite a criação das chamadas superpreferenciais: ações com direitos
econômicos extravagantes, mas com supressão permanente do direito de voto.

NELSON EIZIRIK, em estudo sobre o tema (EIZIRIK, 2007, p. 23), demonstra que
(a) a Lei nº 9.457/97, que introduziu a nova modalidade de dividendo diferenciado da ação
preferencial, ao menos 10% (dez por cento) maior do que o dividendo da ação ordinária, não
alterou o artigo 111, § 1º, da Lei nº 6.404/76, para incluir a nova modalidade dentre aquelas
que adquirem direito de voto pelo não pagamento de dividendos; (b) a matéria foi
amplamente debatida com a promulgação da Lei nº 10.303/2001, que dá a feição atual do
artigo 17 da lei de sociedades anônimas, tendo prevalecido a tese de que “a obtenção de voto
quando não houver distribuição de dividendos só deve ser permitida às ações com dividendo
fixo ou mínimo”; e (c) a CVM já firmou entendimento de que só adquirem voto as ações
preferenciais cuja vantagem patrimonial seja o dividendo fixo ou mínimo. Conclui o aludido
autor:

Somente os titulares de ações preferenciais que façam jus ao recebimento de


dividendos fixos ou mínimos adquirirão o direito de voto no caso de não
pagamento de dividendos pelo prazo estabelecido na lei ou no estatuto
social. Os titulares de ações preferenciais que tenham como vantagem
patrimonial a prioridade no reembolso do capital em caso de liquidação da
companhia, o direito ao recebimento do dividendo majorado ou, ainda, o
direito de serem incluídos na oferta pública de alienação de controle não
adquirirão o direito de voto, ainda que a companhia passe mais de três
exercícios sociais sem distribuir lucros aos acionistas.

Embora exista posicionamento diverso por parte da doutrina (WALD, 2001, p. 29; e
LOBO, 2002, p. 95), a fundamentação é desenvolvida essencialmente com a extensão
analógica da regra prevista no § 1º do artigo 111 da Lei nº 6.404/76, que sem embargo refere-
se exclusivamente às ações não votantes com dividendos prioritários, consoante menção
anterior. Quisera o legislador estender o voto ao dividendo preferencial diferenciado, deveria
tê-lo feito de forma expressa. Essa posição divergente da doutrina serviria como proposta de
lege ferenda, é bem-intencionada e visa à proteção das ações preferenciais. Mas tem o grande
inconveniente de prejudicar situações lícitas de capitalização de companhias brasileiras, que
43

por restrições de natureza regulatória precisam recorrer a estruturas diferenciadas e criativas


de espécies e classes distintas de ações para viabilizar seu desenvolvimento, segregando
direitos políticos e direitos econômicos. Entendemos que o ordenamento jurídico das
companhias não deveria prescindir desta flexibilidade, que afinal serve ao interesse maior
do País e ao desenvolvimento de sua economia e deixa a fixação dos limites à liberdade de
contratar de acionistas bem-informados, dentro dos parâmetros do sistema jurídico.

No que tange à liquidação da companhia, a própria previsão legal, constante do art.


17 da LSA, de prioridade sobre o valor do reembolso, com ou sem prêmio, autoriza a
distribuição desigual do acervo da companhia, em tal hipótese de liquidação, pois o prêmio
nada mais é do que o plus a que fará jus a ação preferencial, em detrimento da ordinária, pois
o acervo a ser distribuído é finito e constituído pelo ativo remanescente da companhia. Logo,
se as preferenciais recebem mais as ordinárias recebem menos.

Não é imprescindível, de outro lado, o estatuto da companhia fixar base de cálculo


determinada ou determinável para a prioridade no reembolso do capital. Na ausência de
fixação, as ações farão jus ao rateio do ativo remanescente da companhia. Se houver prêmio
no reembolso, o estatuto deverá indicar a ordem de grandeza do prêmio, que pode ser fixado
como múltiplo do reembolso que caberá às ações ordinárias. Se não houver prêmio, a
prioridade será meramente de caixa, recebendo as ações prioritárias sua quota parte dos
ativos remanescentes antes das ordinárias, ou simultaneamente, na pior das hipóteses.

O prêmio às ações preferenciais sem voto na oferta pública de alienação de controle


também em nada impacta a regra do artigo 254-A da LSA, no sentido de que deve ser
assegurado às ações votantes preço por ação não inferior a oitenta por cento do preço pago
pelas ações de controle, que em regra serão ordinárias. Este eventual prêmio, na realidade,
servirá como poison pill a dificultar a aquisição do controle – e se o ônus financeiro for
superado, será integralmente suportado pelo adquirente do controle, e não pela companhia
ou pelos demais acionistas votantes.

Em determinado caso concreto ou particular as causas da situação extravagante


podem se mostrar justificadas. De toda forma, a distribuição de lucros e do acervo da
companhia entre as ações, observados os preceitos mínimos e cogentes da lei, compõem a
autonomia da vontade. O sistema que pode ser proposto terá índole contratual e será válido
se tratar de objeto lícito. A regra objetiva da lei consiste no limite de que as ações
preferenciais sem voto, ou com voto restrito, não podem exceder a cinquenta por cento do
44

total de ações emitidas (art. 15, § 2º, da LSA). Tal limitação deve ser interpretada
sistematicamente com os demais dispositivos do sistema jurídico, que, antes de vedar,
autorizam a distribuição desigual de lucros e do acervo da companhia nos regimes do
dividendo prioritário e do dividendo preferencial diferenciado, a autorizar a supressão
permanente do voto no último deles, e na prioridade do reembolso do capital, com prêmio,
na liquidação da companhia.

A situação é extravagante e assim deve ser considerada. É evidente que não se tratará
de estrutura corriqueira. Contudo, conforme nosso entendimento, não se deve tolher a
criatividade e a construção de alternativas jurídicas e lícitas, quando se justifiquem, a
permitir o desenvolvimento e a capitalização das companhias brasileiras.

A discussão sobre a oportunidade e cabimento de estruturas alavancadas é bem atual


e refletida nos mais recentes e relevantes cases que ocorreram nos mercados de capitais
internacionais – como os IPOs da Facebook e da Alibaba.

5. Ações – forma - nominativas simples ou escriturais

As ações, assim como demais valores mobiliários, devem ser nominativas, ou seja,
devem estar registradas nos livros da companhia ou nos registros da instituição financeira
depositária, se forem escriturais, em nome do respectivo titular.

Até a reforma de 1990, tanto as ações como demais valores mobiliários seguiam a
tradição dos títulos de crédito e podiam apresentar três formas distintas: nominativas
(quando estão registradas em nome do titular e se submetem a procedimento de transferência
nos livros da companhia ou da instituição financeira); endossáveis (quando o certificado de
ações admite endosso para transferência de titularidade); ou ao portador ( quando o nome do
titular não consta do certificado de ações e presume-se proprietário o detentor de boa-fé do
certificado).

Após a reforma de 1990, os valores mobiliários passaram a ser exclusivamente


nominativos, simples (quando o controle é feito nos livros da companhia) ou escriturais
(quando o controle é feito nos registros da instituição financeira depositária).

Portanto, as disposições da LSA sobre valores mobiliários endossáveis ou ao


portador estão revogadas.
45

Estes mesmos princípios se aplicam aos demais valores mobiliários, inclusive


debêntures e bônus de subscrição. Sendo todos os valores mobiliários nominativos deixaram
de ter relevância certificados e cautelas, pois o que vale é o que está registrado nos livros da
companhia ou da instituição financeira depositária.

Os valores mobiliários, tanto nominativos simples como escriturais, continuam sendo


bens corpóreos, aptos à circulação na economia como os títulos de crédito. Os requisitos de
previsão legal e exercício de direito literal e autônomo não são prejudicados pela ausência
de documento físico, certificado ou cártula, desde que a emissão do título conste da
escrituração do emitente ou do agente escritural (CC, artigo 889, §3º. LSA, artigos 31, 34,
41, 43, 50, 63, 72 e 78).

6. Indivisibilidade

As ações e demais valores mobiliários de emissão da companhia são padronizados e


iguais dentro da mesma espécie e classe (ações) ou emissão e série (debêntures). São
indivisíveis em relação à companhia (se houver mais de um proprietário a propriedade será
exercida em regime de condomínio).

7. Negociabilidade

As ações de companhia aberta só podem ser negociadas depois de pagos trinta por
cento do preço de emissão. No mundo real as ações são geralmente negociadas depois de
inteiramente integralizadas (pagos cem por cento do preço de emissão).

8. Negociação com as próprias ações

A LSA (art. 30) veda a negociação pela companhia com as próprias ações, exceto,
em regra, se utilizadas reservas de lucros ou de capital, ou em situações de retirada de
acionistas (uma das conotações do termo reembolso) autorizadas pela LSA. Dentro dos
limites das reservas de lucros (exceto a legal) ou de capital a companhia pode recomprar
suas ações (ações em tesouraria), observados os limites e condições fixados pela CVM em
caso de companhias abertas (Resolução CVM 77).
46

9. Propriedade

A propriedade das ações nominativas simples presume-se pela inscrição do nome do


acionista no livro de registro de ações nominativas da companhia. A transferência é feita no
livro de transferência de ações nominativas da companhia. Os valores mobiliários
nominativos simples geralmente se identificam com as companhias fechadas (art. 31).

Há ainda dois outros regimes: ações nominativas escriturais mantidas em contas de


instituições financeiras autorizadas pela CVM (artigos 34 e 35), cujo controle de propriedade
e transferência é feito nos registros da instituição financeira; e ações nominativas simples
mantidas em custódia fungível junto a instituição depositária autorizada pela CVM (art. 41).
Hoje, pelo desenvolvimento tecnológico, os valores mobiliários de companhias abertas são
geralmente nominativos escriturais.

10. Limitações à circulação

Segundo o princípio do artigo 36 da LSA não pode haver limitação à circulação de


ações de companhia aberta (exceto se estiverem sujeitas a direitos reais ou outros ônus
devidamente averbados nos registros da companhia ou da instituição financeira depositária,
conforme o caso). Na companhia fechada pode haver limitação no estatuto social desde que
não impeça a negociação nem sujeite o acionista ao arbítrio da administração ou ao do
acionista controlador ( geralmente a limitação que existe em companhias fechadas é o direito
de preferência ou primeira oferta na venda de ações, dando preferência aos acionistas
existentes para igualar oferta de terceiros ou fazer primeira oferta, sempre com prazos
estabelecidos e condições razoáveis que não submetam o acionista alienante ao arbítrio dos
demais).

11. Constituição de direitos reais e outros ônus

Segundo os artigos 39 e 40 admite-se o penhor, a caução e a alienação fiduciária de


ações em garantia de obrigações, bem como a constituição de direitos reais de usufruto ou
fideicomisso, bem como de quaisquer outros ônus ou gravames (como adesão das ações a
acordo de acionistas – art.118 e a outros pactos que envolvam promessa de venda da ação
47

ou direito de preferência à sua aquisição). Para eficácia dos direitos reais ou ônus e oposição
a terceiros deverá ser feita a averbação junto à companhia (se nominativas simples) ou à
instituição financeira (se nominativas escriturais).

12. Certificado de depósito de ações

Instituição financeira autorizada pela CVM pode emitir valor mobiliário designado
certificado de depósito de ações, com lastro em ações que receber em depósito, que passa a
circular no mercado de capitais em lugar das ações depositadas. O certificado pode ser
resgatado pelo seu titular contra a entrega à instituição depositária das ações
correspondentes.

Esta técnica geralmente é utilizada para negociação em um mercado de ações de


companhias registradas em outro mercado. Ações de grandes companhias brasileiras, como
Petrobras e Vale, negociadas na B3, bolsa de São Paulo, também são negociadas em Nova
York pela técnica do certificado de depósito de ações (ADR ou ADS, American Depositary
Receipt ou Share, na terminologia de NY, e o título é regido pela lei local). No Brasil, ações
de companhias estrangeiras podem ser negociadas segundo a mesma técnica se observada a
regulamentação da CVM (Instrução CVM nº 332 e Resolução CVM 3) e a regência será pela
lei brasileira (chamados aqui de BDR).

13. Resgate e amortização de ações

Conforme art. 44 da LSA o estatuto ou a assembleia de acionistas pode autorizar a


aplicação de reservas livres de lucros ou de capital no resgate ou amortização de ações.

O resgate consiste no pagamento do valor das ações para retirá-las de circulação com
o seu cancelamento. É operação útil em várias circunstâncias, como na compra de
participações residuais no fechamento de capital (art. 4º, § 5º LSA).

A amortização é operação que geralmente não faz sentido no universo das ações e
consistiria na distribuição aos acionistas, no todo ou em parte, do valor que caberia às ações
amortizadas em caso de liquidação da companhia e aí podem ser criadas ações de fruição, se
for total a amortização (só faria sentido se houvesse tratamento fiscal mais favorável do que
a distribuição de dividendos).
48

Essas operações, se realizadas, geralmente envolvem uma classe das ações da


companhia. No caso de fechamento do capital, envolvem as ações em circulação
remanescentes, independentemente de espécie e classe.

A amortização é instituto utilizado regularmente em situações de financiamentos e


dívidas e em tal contexto tem o significado de prazo de pagamento da obrigação (devolução
do principal acrescido dos juros devidos).

14. Reembolso de ações

O reembolso no contexto do art. 45 é empregado como o valor que a companhia paga


aos acionistas dissidentes de deliberação da assembleia geral, nos casos estritos previstos na
LSA (artigos 136 e 137 e outras disposições específicas), também chamado de direito de
retirada. Diferente do contexto do artigo 17, onde reembolso é o valor devido na liquidação
da companhia.

O estatuto da companhia deve estabelecer critério para a determinação do valor do


reembolso, que pode ser o valor econômico, apurado segundo avaliação prevista nos §§ 3º e
4º do art. 45. Mas há norma supletiva, no §1º, de que em nenhuma hipótese, exceto na da
avaliação econômica, o valor de reembolso poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido
da ação. No silêncio do estatuto prevalece a práxis do valor de patrimônio líquido.

Mas se na operação que dá ensejo ao direito de retirada há avaliação econômica ou


por outro método não previsto no estatuto que resulte em valor superior ao de patrimônio
líquido, como no caso de uma incorporação feita com base em avaliação econômica, este
valor superior deve prevalecer como valor de reembolso, pois a norma da lei é supletiva e
visa a estabelecer piso mínimo para os acionistas dissidentes. Mas o critério que deve
prevalecer é o do valor justo das ações, se apurado, no caso concreto, valor superior ao de
patrimônio líquido.

O valor do reembolso será pago à conta de reservas de capital ou de lucros (exceto a


reserva legal), se existentes, e em tal caso as ações reembolsadas serão adquiridas pela
companhia e ficarão em tesouraria, podendo ser revendidas.

Se não houver reservas suficientes o reembolso, no todo ou em parte, será pago à


conta do capital, e este deverá ser reduzido com o cancelamento das ações correspondentes,
49

se no prazo previsto no § 6º (cento e vinte dias da publicação da ata da assembleia) não


houver a substituição dos acionistas retirantes.

Capítulo VI - Partes Beneficiárias - artigos 46 a 51 da LSA

As partes beneficiárias são apenas autorizadas a companhias fechadas, desde a


reforma de 2001. É um título que caiu em desuso e raramente é utilizado.

Permite que até dez por cento dos lucros sejam pagos ao detentor do título
(geralmente o fundador da companhia ou o acionista controlador). Geralmente são gratuitas,
embora possam ser onerosas.

Nos dias de hoje seria muito raro encontrar justificativa razoável para emissão de tal
título, por isso podemos dizer que está em desuso, ressalvada alguma situação especial em
companhia fechada.

Capítulo VII - Debêntures - artigos 52 a 74 da LSA

1. Características

As debêntures são títulos de dívida, com valor nominal, no valor do principal da


dívida (art.54), que conferem a seus titulares (debenturistas) direito de crédito contra a
companhia, nas condições previstas na escritura de emissão.

Podem existir tanto em companhias abertas (emissões públicas ou privadas) como


em companhias fechadas (só emissões privadas).

2. Companhias abertas e companhias fechadas

As emissões de debêntures em companhias abertas geralmente caracterizam títulos


de massa que visam a atingir milhares de investidores no mercado de capitais.
50

As emissões públicas contam necessariamente com a intermediação de instituição


financeira, para a colocação das debêntures no mercado de capitais. Na escritura de emissão
a companhia deverá nomear agente fiduciário para atuar como representante dos
debenturistas nas relações com a companhia, profissional independente autorizado pela
CVM (artigos 66 a 70). Compete ao agente fiduciário fiscalizar o cumprimento pela
companhia das obrigações assumidas na escritura de emissão.

É padrão internacional em emissão de títulos negociados no mercado de capitais que


os credores sejam representados por agente fiduciário nas suas relações com o devedor.

Nas companhias fechadas emissões de debêntures geralmente são subscritas pelos


próprios acionistas ou em alguma relação privada que autorize a emissão de dívida pela
companhia.

Estas adotam o tipo companhia fundamentalmente em razão da segurança jurídica


que ele proporciona e seu acesso ao mercado de capitais está restrito à emissão pública com
esforços restritos de valores mobiliários representativos de dívida, como previsto na
Resolução CVM nº 160, ou outras situações de isenção.

3. Criação, emissão e direitos dos debenturistas

A criação das debêntures deve ser autorizada pela assembleia geral (órgão de reunião
dos acionistas) e pelo conselho de administração (órgão superior da administração da
companhia com funções deliberativas), nos termos do artigo 59.

Na autorização deve ser aprovado o valor da emissão e sua divisão em séries, se for
o caso; o número e o valor nominal das debêntures; as garantias, se houver; a
conversibilidade ou não em ações e respectivas condições; vencimento, amortização e
resgate; remuneração; modo de subscrição; outras condições aplicáveis.

Com base na autorização, a emissão é feita através da escritura de emissão, por


instrumento público ou particular (geralmente este é o utilizado), celebrado pelos diretores
da companhia, como previsto no estatuto social (a companhia é representada ativa e
passivamente pelos diretores, sendo a diretoria o órgão responsável pela gestão executiva da
companhia).
51

Além das disposições sobre pagamento do principal, juros e demais condições


aplicáveis, como prazo de amortização e resgate antecipado, a escritura de emissão
determinará as declarações e garantias – representations and warranties - e as obrigações de
fazer e não fazer – covenants - a que se obriga a companhia, de modo a tranquilizar os
debenturistas da regularidade da emissão e de que goza de boa saúde financeira e solvência
para cumprir suas obrigações de pagamento (geralmente envolve declarar que está
autorizada à emissão; que não deixará outras dívidas vencer antecipadamente; que não
contrairá novos empréstimos acima de determinados níveis; não alienará ou onerará bens
relevantes do ativo não-circulante (imobilizado, investimentos e intangível) da companhia;
manterá índices financeiros saudáveis, como relação ativos líquidos/dívidas, patrimônio
líquido e EBITDA). O descumprimento de tais obrigações poderá resultar no vencimento
antecipado da dívida, devendo a escritura de emissão determinar as situações de vencimento
antecipado automático (geralmente não pagamento do principal e dos juros e insolvência
caracterizada do devedor) e as situações em que os credores terão a prerrogativa de declarar
a dívida vencida (demais obrigações previstas na escritura de emissão).

Este mesmo padrão se aplica a financiamentos em geral, com algum grau de


sofisticação, domésticos ou internacionais.

4. Emissões e séries

Cada emissão de debêntures deve ser numerada e identificada. Como os valores


mobiliários são padronizados, as debêntures serão idênticas se a emissão for de série única
ou serão idênticas dentro das séries, se houver duas ou mais (art. 53). Só é possível
diferenciar debêntures da mesma emissão se forem divididas em séries, com direitos
distintos ou ao menos um direito distinto.

5. Vencimento, amortização e resgate

A escritura de emissão deve estabelecer prazo de vencimento e de pagamento do


principal e da remuneração das debêntures (chamado prazo de amortização). Pode também
estabelecer a possibilidade de resgate antecipado das debêntures pela companhia, com ou
sem prêmio. O prazo das debêntures geralmente oscila entre um e dez anos, dependendo das
necessidades de captação da companhia e das condições de mercado.
52

Em situações muito raras, as debêntures podem ter o vencimento subordinado ao não


pagamento de juros ou dissolução da companhia (títulos perpétuos), conforme § 4º do art.
55. Isso só acontece em condições de mercado muito estáveis e companhias muito sólidas.

O prazo de vencimento, como ocorre em financiamentos em geral, é de benefício dos


credores, pois está relacionado à remuneração do capital emprestado. Por isso, o resgate
antecipado deve estar autorizado na escritura de emissão (com ou sem prêmio). Se não
houver previsão expressa, só poderá ser feito com concordância prévia dos debenturistas. O
prêmio, se houver previsão de resgate antecipado, é um plus para compensar o credor pelo
período abreviado de serviço da dívida (juros em menor prazo).

6. Juros e outros direitos

Sendo o dinheiro mercadoria, são fixados juros devidos até a devolução integral dos
recursos emprestados via a subscrição das debêntures. Os juros geralmente são fixos ou pré-
fixados, obedecendo a padrão de remuneração que tem como referência a remuneração dos
títulos públicos (as companhias geralmente pagam remuneração superior à dos títulos
públicos pela presunção de solvência do Estado). A remuneração também pode ser variável
ou estabelecer participação no lucro da companhia (art. 56). Mas em regra a debênture é
título de renda fixa.

7. Conversibilidade em ações

As debêntures representam dívida e normalmente não são conversíveis em ações.


Mas a escritura de emissão pode assegurar a opção de conversão aos debenturistas,
especificando as bases da conversão (número de ações por debênture ou relação entre o valor
nominal da debênture e o preço de emissão das ações), espécie e classe da ação em que
poderão ser convertidas; prazo para exercício do direito de conversão; outras condições
aplicáveis (art. 57).

8. Espécies
53

As debêntures são classificadas em função do nível de garantia que oferecem: 1º)


garantia real (em que bens ou direitos da companhia ou terceiros são dados em garantia real
e especificados na escritura de emissão); 2º) garantia flutuante (não há bens especificados,
os debenturistas passam a ter crédito com privilégio sobre os bens da companhia); 3º) sem
garantia (chamadas quirografárias); ou 4º) subordinadas (debêntures são subordinadas aos
demais créditos da companhia).

A importância maior das garantias ocorre se há insolvência da companhia, pois na


falência há ordem de prioridade no pagamento das dívidas: 1º) créditos trabalhistas (até 150
salários-mínimos); 2º) créditos com garantia real (até o valor do bem dado em garantia); 3º)
créditos fiscais (tributos e contribuições); 4º) créditos com privilégio; 5º) créditos
quirografários; e 6º) créditos subordinados.

Como se vê, quanto menor o nível da garantia maior o risco dos debenturistas. E isso
pode se refletir no nível da remuneração do título. Maior risco, geralmente maior
remuneração.

Companhias em situação sólida podem emitir debêntures com garantia real, garantia
flutuante ou quirografárias, dependendo das condições de mercado. Debêntures
subordinadas geralmente são subscritas pelos próprios acionistas ou em situações especiais.

Há uma possibilidade não tratada pela LSA que são debêntures garantidas pela
alienação fiduciária de bens (hipótese expressamente prevista para ações dadas em garantia
de pagamento). É possibilidade lícita que criaria debêntures de espécie ou tipo especial, cujas
obrigações de pagamento seriam garantidas pela alienação fiduciária de bens do devedor ou
de terceiros. Na ordem hierárquica seria mais privilegiada do que as debêntures com garantia
real, pois o bem alienado fiduciariamente não integra o patrimônio do devedor da obrigação
e não se submete ao juízo universal da falência.

9. Forma e registro

As debêntures, como os demais valores mobiliários, são sempre nominativas simples


ou escriturais.

A escritura de emissão e atas autorizativas da emissão devem ser registradas na junta


comercial da sede da companhia (publicidade). Se houver garantias reais as devidas
54

averbações deverão ser feitas nos órgãos próprios (artigos 62 a 65). Idem em relação a
eventual alienação fiduciária de bens em garantia.

10. Assembleia de debenturistas

Os titulares das debêntures podem se reunir em assembleia, geralmente convocados


pelo agente fiduciário, para deliberar sobre matéria relevante de seu interesse, deliberando
conforme o quórum previsto na escritura de emissão (art. 71).

A assembleia pode ser útil para estabelecer waiver em favor da companhia se alguma
cláusula da escritura de emissão não puder ser cumprida e, ainda assim, a companhia estiver
adimplente com suas obrigações de pagamento. Ou outras situações que recomendem a
revisão das condições da escritura. Há casos em que as partes, companhia e debenturistas,
repactuam as obrigações originais.

Como regra, não há interesse dos credores em declarar a dívida antecipadamente


vencida, se o devedor preservar boas condições de pagamento, ainda que esteja inadimplente
em alguma obrigação de fazer ou não fazer. O vencimento antecipado da dívida, com efeito,
desencadeia processo que poderá levar o devedor à falência, pois costumeiramente os
contratos de financiamento, em especial os mais sofisticados, contêm cláusulas de cross
default, em que o vencimento acelerado de uma dívida da companhia gera o vencimento
antecipado das demais.

11. Cédula de debêntures

É o título que pode ser emitido por instituição financeira tendo debêntures como
lastro (art. 72).

12. Emissão no estrangeiro

Com aprovação do Banco Central as companhias brasileiras poderão emitir


debêntures no exterior. Mas isto não é comum. Quando uma companhia busca um mercado
no exterior geralmente emite títulos com base na lei de tal mercado. Esta é a práxis
internacional.
55

13. Extinção

As debêntures deverão ser controladas em registros da companhia emissora, do


agente fiduciário e do agente escritural, se houver. As debêntures serão extintas após integral
pagamento da dívida e respectiva remuneração.

Capítulo VIII – Bônus de Subscrição – artigos 75 a 79 LSA

É um valor mobiliário com funções auxiliares na emissão de ações ou debêntures.


Confere opção de compra de ações, nas condições do título (preço, prazo de exercício,
espécie e classe de ações). Geralmente é gratuito, mas pode ser oneroso se houver condições
de mercado para tal. Como os demais valores mobiliários é sempre nominativo simples ou
escritural.

O bônus de subscrição requer autorização prévia estatutária para aumento do capital


nos limites do bônus (capital autorizado, como veremos no capítulo sobre modificação do
capital social).

Tal valor mobiliário pode ser emitido como facilitador na emissão de ações ou
debêntures ou para assegurar direitos de subscrição de ações em situações que dependam de
eventos futuros (por exemplo, joint venture dependente de êxito num leilão ou licitação
pública, sendo a companhia emissora veículo da associação).

Capítulo IX – Acionistas – artigos 106 a 120 LSA

Este capítulo trata de obrigações, deveres e direitos dos acionistas. É relevantíssimo,


como se observa dos diversos tópicos.

1. Obrigação de realizar o capital


56

A lei aqui usa a expressão ‘realizar’ como sinônimo de ‘integralizar’ ou ‘pagar’. O


sentido é o mesmo. A principal obrigação de um sócio numa sociedade é pagar o preço de
emissão das quotas ou ações subscritas.

Na sociedade anônima não é diferente, e o pagamento das ações subscritas ganha


ainda maior relevo na medida em que a responsabilidade de todos os acionistas é limitada
ao preço de emissão das ações adquiridas.

O assunto é regulado em detalhe nos artigos 106 a 108 da LSA. O acionista que não
pagar as ações subscritas, nas condições previstas, é considerado remisso e poderá ser
cobrado em processo de execução, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada
de capital como título executivo extrajudicial. Pode ainda a companhia, à sua opção, vender
as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista remisso (oferta única em leilão
em bolsa geralmente prescinde de abertura de capital).

Se a companhia não tiver êxito na integralização das ações poderá fazer suas as
entradas e integralizá-las com reservas disponíveis, passando as ações à propriedade da
companhia (ações em tesouraria, que poderão ser revendidas). Se não for possível a
integralização das ações no prazo de até um ano o capital social deverá ser reduzido
(princípio da realidade).

Se as ações forem alienadas antes da integralização os alienantes ficarão responsáveis


solidariamente com os adquirentes pelo prazo de dois anos a contar da transferência.

2. Direitos essenciais

São direitos essenciais dos acionistas, independentemente do estatuto ou da


assembleia de acionistas (artigo 109):

a) participar dos lucros sociais (ainda que a repartição possa ser desigual, como no
regime das ações preferenciais com dividendos prioritários ou diferenciados);

b) participar do reembolso de capital na liquidação da companhia (ainda que a


repartição possa ser desigual, como no regime das ações preferenciais com prioridade no
reembolso com prêmio);
57

c) fiscalizar na forma prevista na LSA a gestão dos negócios sociais (os minoritários
e preferencialistas podem ter assento nos órgãos de fiscalização da companhia, como
conselho de administração e conselho fiscal);

d) preferência para subscrição de ações ou títulos conversíveis em ações (art.171),


com as exceções do art. 172;

e) retirar-se da companhia nos casos previstos na LSA (casos de reembolso


reduzidos, como os previstos nos artigos 136 e 137 da LSA).

2.1 Arbitragem

O §3º do artigo 109 prevê que o estatuto da companhia pode estabelecer que
divergências entre os acionistas e a companhia ou entre o acionista controlador e os
minoritários sejam solucionadas por arbitragem. É o que ocorre na regulamentação da B3
sobre o chamado Novo Mercado da Bolsa, cujos estatutos das companhias listadas em tal
segmento devem fixar que divergências entre companhia e acionistas ou entre controlador e
minoritários sejam resolvidas por arbitragem perante a Câmara de Arbitragem do Mercado,
mantida pela B3. Em outras situações, o estatuto pode também estabelecer cláusula
compromissória arbitral.

A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social (que deve ser


feita por maioria absoluta de votos) obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista
dissidente o direito de retirada, nos casos e condições previstos no art. 136-A da LSA, que
exclui a retirada se a inclusão do compromisso arbitral é exigência para negociação em
segmento de bolsa ou balcão com dispersão mínima de vinte e cinco por cento da classe ou
espécie das ações (caso do Novo Mercado da B3); ou se as ações gozarem de liquidez e
dispersão, conforme definido no art. 137, II da LSA.

2.2 Facilitação do Diálogo – técnicas e ferramentas

Tanto a arbitragem como o litígio judicial constituem métodos adversariais e


adjudicatórios de solução de conflitos.

Em Juízo, as Partes recorrem ao juiz estatal e às várias instâncias previstas para


solução da lide, com respeito ao devido processo legal e às normas de procedimento previstas
no Código de Processo Civil (CPC), que são assegurados em nível constitucional.
58

Na arbitragem, as Partes têm liberdade de escolher a câmara arbitral ou optar por


arbitragem ad-hoc. Podem as Partes escolher árbitro único ou os árbitros que comporão o
tribunal arbitral (geralmente em número de três, um escolhido por cada Parte e o presidente
escolhido pelos dois outros árbitros). Geralmente, a arbitragem é definida por convenção
contratual, chamada de cláusula compromissória. O procedimento é regido pelas regras da
câmara arbitral nomeada (v.g., ICC, AAA, FGV, CBMA, CAM-CCBC, CIESP/FIESP,
CAMARB, AMCHAM), pelo termo de arbitragem firmado pelas Partes e pelos árbitros,
observada a legislação aplicável, inclusive a lei de arbitragem e o CPC. O procedimento é
mais flexível do que o estatal, mas também é regido pelo devido processo legal.

O processo judicial é mais lento, em regra, pois se submete a pelo menos duas
instâncias de julgamento, além de eventual revisão pelos tribunais superiores.

A arbitragem geralmente é solucionada em instância única, sendo a sentença


definitiva (cabe controle pelo Judiciário em questões de ordem pública e envolvendo o
devido processo legal).

A partir do final do século passado se intensificaram estudos e esforços para


desenvolver ambiente de maior diálogo nas questões empresariais, criando técnicas para a
solução negociada e cooperativa de conflitos, os chamados métodos autoimplicativos.

Os professores integrantes da conhecida escola de negociação de Harvard, ROGER


FISHER e WILLIAN URY, publicaram a primeira obra sobre o assunto em 1981.

Os métodos autoimplicativos substituem a postura adversarial das Partes por uma


atitude colaborativa, visando solução de benefício mútuo, ganha-ganha, em que as Partes
são convidadas a dialogar para construir solução que possa atender, da melhor maneira
possível, aos interesses legítimos e comuns.

O processo é pautado pela ética e requer boa-fé e cada etapa do diálogo deve ser
percorrida com o emprego do tempo necessário para as Partes. O diálogo pode ser facilitado
por um negociador, facilitador ou mediador. A mediação é o método autoimplicativo mais
estruturado e requer certo formalismo. As Partes, muitas vezes, optam por alternativa menos
formal, podendo ocorrer negociação direta ou assistida ou mesmo mera contratação de um
terceiro para facilitar o diálogo.

Na atual agenda ESG, em que a sustentabilidade social e ambiental das empresas


passou a fazer parte das mais relevantes prioridades, é preciso incrementar as técnicas não
59

agressivas de diálogo para superação de toda sorte de conflitos societários e empresariais.


Os conflitos são inerentes às relações humanas e seu tratamento e superação são
possibilitados pelas técnicas de diálogo. O que é nociva é a escalada do conflito e a
incapacidade de tratá-lo pelo diálogo.

Há diversas técnicas e ferramentas para encaminhar o diálogo. Na classificação de


TANIA ALMEIDA, temos (a) ferramentas procedimentais, onde se destaca o mapeamento
do conflito; (b) ferramentas de comunicação, onde se destacam a escuta ativa e os resumos
feitos pelo negociador ou facilitador; e (c) as ferramentas de negociação, onde se destacam
a identificação da pauta subjetiva e da pauta objetiva, a separação das pessoas do problema,
a identificação dos interesses sob as posições, a identificação das melhores e piores
alternativas do que a negociação, a identificação de interesses comuns e complementares, a
identificação das possibilidades das Partes (ALMEIDA, 2017).

Em palestra feita na Universidade de Genebra, URY destaca seis itens essenciais para
uma boa negociação:

a) Balcony – o negociador deve ter uma visão espacial das Partes e do problema,
deve se colocar como se estivesse no balcão de um teatro, deve se retirar
momentaneamente do palco ou da arena e se colocar na assistência, com visão
ampla. Cada Parte pode fazer o mesmo em relação à outra;

b) Batna – devem ser identificadas, para cada Parte, as melhores alternativas


disponíveis do que uma solução negociada. Funciona como benchmark. A
solução negociada deve estar apta a superar tal marco, sob pena de a negociação
resultar em algo menos vantajoso para as Partes do que a solução que já está à
disposição. O mesmo exercício pode ser feito com as piores alternativas
disponíveis. Melhora o senso de realidade e pode incentivar as Partes em
perseguir a solução negociada;

c) Listen – é o corolário da escuta ativa, prestar atenção ao que cada um diz, se


colocar na posição do outro para entendê-lo melhor; ouvir atentamente muitas
vezes é mais eficaz do que falar. Antes de se preocupar em replicar o que o outro
diz procure ouvir e entender o conteúdo da fala;
60

d) Reframe – posições devem ser substituídas por interesses que muitas vezes estão
sob as posições, submersos ou escondidos. É fundamental que as Partes alterem
a atitude adversarial para uma atitude cooperativa;

e) Positive no – os aspectos que não puderem ser atendidos, conforme necessidades


manifestadas pela outra Parte, devem ser expostos com respeito e dignidade.
Antes de um não, preferencialmente, deve vir um sim. Posso fazer isso de tal ou
qual maneira. Não posso fazer, porém, da maneira solicitada porque está além
das minhas possibilidades ou capacidade. Mas posso fazer da seguinte forma. Um
sim, seguido do não e de outro sim. Fica mais aceitável sempre que se pode
explicar como pode ser feito e porque não pode;

f) Golden bridge – o resultado de uma negociação equitativa deve conduzir ao


encontro dos interesses comuns, dentro das possibilidades das Partes. A solução
ganha-ganha (URY, 2015).

A introdução de cláusulas de mediação em contratos societários e empresariais ainda


é rara, mas uma tendência crescente. Há as cláusulas escalonadas mediação-arbitragem e
vice-versa. Várias câmaras já atendem tanto a arbitragem como a mediação, como ICC,
FGV, CAM-CCBC, CBMA, Câmara FIESP/CIESP e CAMARB.

A facilitação do diálogo e a negociação não dependem de cláusulas contratuais


prévias, podendo ser estabelecidas pelas Partes, a qualquer tempo, com base na autonomia
da vontade. Mesmo a arbitragem e a mediação podem se desenvolver sem acordo prévio,
bastando que as Partes decidam voluntariamente submeter dado conflito concreto ao
procedimento, mediante compromisso arbitral ou de mediação.

3. Direito de voto

A cada ação ordinária corresponde em regra um voto nas deliberações da assembleia


geral.

A lei brasileira só autoriza o voto plural em classe de ações ordinárias criadas


segundo os parâmetros do artigo 110-A da LSA, introduzido pela Lei nº 14.195/21. O
estatuto, porém, pode ainda limitar o número de votos de cada acionista (esta matéria pode
61

ser relevante em companhias com capital pulverizado, onde não exista acionista
controlador).

Em outras jurisdições, como nos Estados Unidos, também é admitido voto plural e
isto pode facilitar a manutenção do controle, via classe de ações votantes com voto plural. O
assunto é polêmico e está em transição no Brasil, com a recente introdução em nosso
ordenamento do citado artigo 110-A da LSA.

No Brasil, para lidar com estruturas alavancadas de capital, desenvolveu-se ainda o


conceito de ações superpreferenciais, com dividendos extravagantes (VARGAS, 2017, p.
157), conforme abordamos no Capítulo V, item 4.1 acima.

O direito de voto não é direito essencial e pode ser retirado das ações preferenciais
pelo estatuto social, ou restringido, nos termos do artigo 111 (cada preferencial também fará
jus a um voto., se o direito de voto não for retirado ou restringido pelo estatuto).

As ações preferenciais com dividendos prioritários poderão readquirir o voto pleno


se tais dividendos deixarem de ser distribuídos, e até que sejam pagos, nos termos dos §§1º
a 3º do art. 111. A reaquisição do voto é limitada a dividendos prioritários, não se aplicando
a dividendos diferenciados, como os que atribuem às preferenciais dividendos
percentualmente maiores do que os pagos às ordinárias.

A reaquisição do voto pode ocorrer se os dividendos prioritários não forem pagos no


prazo previsto no estatuto social, que não pode superar três exercícios consecutivos, sendo
que tal prazo pode iniciar sua contagem apenas a partir do término da implantação do
empreendimento inicial da companhia.

A doutrina majoritária entende que no silêncio do estatuto a reaquisição do voto já


ocorreria no primeiro exercício em que os dividendos prioritários não fossem pagos. Esta
interpretação parece-nos excessivamente literal e não lida com o princípio majoritário nas
companhias. No silêncio, a nosso ver, deveria prevalecer o prazo de três exercícios sociais,
que pode ser considerado supletivo, não obstante o defeito de redação da lei. Nas sociedades
de economia mista, pelo confronto com a norma especial de controle pelo Estado, não nos
parece possível a reaquisição de voto pelo preferencialistas, mesmo se os dividendos
prioritários não puderem ser pagos. Criadas por lei especial, as estatais só podem passar ao
controle privado por outra lei autorizativa.
62

4. Voto de ações gravadas ou sujeitas a ônus

Face ao princípio da indivisibilidade das ações, a LSA, nos artigos 113 e 114, regula
o exercício do direito de voto no penhor, na alienação fiduciária e no usufruto (o direito de
voto deve ser regulado no ato de instituição do gravame).

5. Abuso de direito de voto e conflito de interesses

O artigo 115 da LSA estabelece princípio básico de direito societário do dever de


lealdade dos sócios em relação à sociedade. O voto deve sempre ser exercido no melhor
interesse da companhia, sendo vedado o voto abusivo, com o fim de causar dano à
companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não
faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros
acionistas. Podemos referir o voto abusivo como em conflito de interesses lato sensu,
compreendendo também situações objetivas ou não de conflito de interesses e situações de
benefício particular de um acionista, onde há interesse conflitante entre a companhia e o
acionista ou entre acionistas da companhia.

O §1º do artigo elege duas situações objetivas em que o voto é vedado a priori: o
acionista não pode votar em deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação
de bens que ele contribuir para o capital social, ou na aprovação de suas contas como
administrador. Entende-se aí que há conflito de interesses (GALGANO, 1988, v.7), quando
existem dois interesses em conflito, o interno, da companhia, e o externo, do acionista (a
única exceção a admitir o voto em tais circunstâncias ocorre quando todos os acionistas
forem condôminos do bem a ser conferido ao capital ou todos forem administradores da
companhia, mas subsiste em tais casos o dever rigoroso de observar o melhor interesse da
companhia).

Além das duas situações objetivas os acionistas não podem votar em outras matérias
que possam beneficiá-los, de modo particular, ou em que tiverem interesse conflitante.

Há muita polêmica e discussão na doutrina e nas decisões da CVM sobre a


qualificação de ‘interesse particular’ e ‘conflito de interesses’ e sobre se o impedimento de
voto deveria ser objetivo, a priori, chamado de formal, ou verificável a posteriori, chamado
de substancial ou material. Conflito ex ante ou ex post. Em regra, o próprio acionista deve
determinar se está em condições de votar no melhor interesse da companhia e abster-se e
63

consignar o impedimento sempre que houver conflito ou benefício particular. Nas


companhias abertas há situações em que a CVM interfere e veda o voto a priori, por vezes
com resistência de acionistas, embora as decisões não sejam uniformes ao longo do tempo
(principalmente, envolvendo o controlador e suas controladas). A CVM, com efeito, oscila
entre a tese do conflito formal e do conflito material.

É preciso cautela em tais decisões, pois o afastamento do voto do acionista


controlador, se ele não se declara em conflito, constitui ameaça ao princípio majoritário que
norteia as sociedades anônimas.

Deliberações tomadas em decorrência de votos concretizados em situação de conflito


de interesses, lato sensu, são anuláveis, e os acionistas responsáveis respondem pelos danos
causados e devem transferir à companhia eventuais vantagens que tenham auferido.

O princípio geral do direito societário é o da convalidação dos atos pelo decurso do


tempo. Assim, ainda que defeituosos, os atos societários são anuláveis, em regra, devendo
ser desconstituídos com observância dos prazos decadenciais ou prescricionais, conforme o
caso, que são sempre curtos no direito societário (geralmente de um a três anos). Do
contrário, se convalidam (LSA, artigos 285 a 288).

Como já dizia MIRANDA VALVERDE, “o regime comum das nulidades não teve
acolhida no decreto-lei vigente. Não há nem pode haver, sociedade anônima nula de pleno
direito ou inexistente” (VALVERDE, 1959, vol. I, p. 313). Este padrão, a nosso ver, se aplica
ao direito societário em geral. Os atos se convalidam com o tempo, se há vícios ou defeitos
devem ser sanados ou serão anuláveis, mas não há nulidades de pleno direito ou atos
inexistentes, como regra.

A referência a MIRANDA VALVERDE traz uma reflexão imprescindível para a boa


compreensão do conflito de interesses lato sensu. Com efeito, várias disposições esparsas do
Decreto-Lei nº 2.627/40 foram condensadas no artigo 115 da LSA. A consideração apartada
de cada uma delas constitui importante subsídio para a correta interpretação do aludido artigo
115.

O art. 82 do DL 2.627 estabelecia que “o acionista não pode votar nas deliberações
da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação dos bens com que concorrer para a
formação do capital social, nem nas que venham a beneficiá-lo de modo particular”.
64

Esclarecia MIRANDA VALVERDE que o subscritor não pode julgar com a


necessária imparcialidade, e que o acionista que venha a se beneficiar de modo particular,
como na concessão pela companhia de partes beneficiárias gratuitas, a título de recompensa
por trabalhos ou serviços prestados à companhia, também não pode votar pela quebra da
regra de igualdade para todos os acionistas da mesma classe, ainda que justo seja o
tratamento. A consequência da eventual aprovação da deliberação com o voto impedido, em
tais casos, seria a anulabilidade da resolução da assembleia geral (VALVERDE, 1959, vol.
II, p. 66 a 69).

O art. 95 do DL 2.627 prescrevia que “responderá por perdas e danos o acionista que,
tendo em uma operação interesses contrários aos da sociedade, votar deliberação que
determine com o seu voto a maioria necessária.”

Em tal caso, esclarecia MIRANDA VALVERDE que não havia proibição do voto -
embora esta medida fosse acertada, a seu ver, com base inclusive nas lições de VIVANTE.
Mas a opção adotada foi a de admitir o voto do acionista com interesse contrário ao da
sociedade, mas puni-lo com perdas e danos, se a deliberação foi tomada porque o seu voto
influiu para a obtenção da maioria necessária (VALVERDE, 1959, vol. II, p. 118 e 119).

Por derradeiro, o art. 100 do DL 2.627 estabelecia que na aprovação pela assembleia
geral “do relatório, do balanço, da conta de lucros e perdas e do parecer do conselho fiscal...
não poderão tomar parte na votação os membros da diretoria e do conselho fiscal.”

No tocante ao tema enfatizava MIRANDA VALVERDE que “manteve o decreto-lei


a regra salutar, do nosso antigo direito, de que os membros da diretoria e do conselho fiscal
não podem tomar parte nas deliberações da assembleia geral sobre a aprovação do balanço,
contas e parecer relativos ao exercício, em que funcionaram como órgãos de direção e
fiscalização da sociedade.” (VALVERDE, 1959, vol. II, p. 136 a 141). E a consequência do
voto impedido, se influente para formação da maioria, seria a anulabilidade da deliberação
violadora da lei, com base no art. 156 do DL 2.627 (VALVERDE, 1959, vol. III, p. 112 a
117).

Como se vê, o artigo 115 da LSA condensa as três disposições tratando como regra
geral no caput o abuso de direito e o conflito de interesses lato sensu, onde o voto conflita
com o interesse da companhia ou de demais acionistas.
65

Na primeira parte do §1º de tal dispositivo estão definidas as duas situações de


conflito formal, em que é impedido o voto a priori: aprovação do laudo de avaliação de bens
com que concorrer para a formação do capital social, e de suas contas como administrador.

Na segunda parte do §1º estão definidas situações de interesse particular que podem
caracterizar conflito formal, como aprovação de partes beneficiárias gratuitas, em favor do
acionista, ou renovação do prazo de validade de classe de ações ordinárias com voto plural,
onde o art. 110-A exclui da votação os titulares de ações da classe cujo voto plural é objeto
de prorrogação.

Ainda na segunda parte do §1º, trecho final, estão estabelecidas demais situações de
conflito de interesses, que precisam ser concretizadas e, portanto, tratadas material ou
substancialmente. Devem ser verificadas a posteriori e serão passíveis de responsabilidade
e de anulabilidade se acarretarem danos para a companhia ou demais acionistas.

Por fim, o §4° do art. 115 estabelece que qualquer deliberação da assembleia geral
tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da
companhia é anulável; e que o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a
transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. Tal dispositivo, como já dito
acima, se aplica a qualquer situação envolvendo conflito de interesses lato sensu.

Em síntese, o sistema do DL 2.627 foi recepcionado pela LSA, e pelos olhos do DL


2.627 é possível fazer leitura mais nítida dos contornos e do alcance do art. 115 da LSA.

A CVM já reconheceu a possibilidade de sanção administrativa pelo exercício do


voto em situação de conflito de interesses, em assembleia geral da Eletrobras (Processo
CVM nº RJ2013/6635). Foi apenas imposta pena pecuniária, depois revertida em decisão do
CRSFN. Mas ficou a censura pelo não atendimento do interesse público primário.

6. Acionista controlador

Os artigos 116 e 117 definem o conceito de acionista controlador, seus deveres


fundamentais e responsabilidades em caso de abuso de controle.

As companhias podem ter acionista controlador ou não. Na cultura brasileira


geralmente há controle, embora existam companhias com capital pulverizado no mercado.
66

Na cultura dos Estados Unidos, por exemplo, prevalecem as companhias de capital


pulverizado, sem controle no nível de acionistas (nestes casos o controle da companhia
ocorre no nível da administração superior, chamado controle gerencial – Board of Directors
ou Conselho de Administração, na terminologia brasileira). Mas lá também há companhias
com acionista controlador, como geralmente ocorre em companhias de tecnologia que
abriram capital mais recentemente (Google, Facebook). Em outras partes do mundo é a
mesma coisa, existem companhias com acionista controlador e companhias com capital
pulverizado. As duas culturas convivem e não há necessariamente um modelo ideal.

O acionista controlador é a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas


vinculadas por acordo de voto (geralmente acordo de acionistas), ou sob controle comum,
que possua, de modo permanente, a maioria dos votos nas assembleias gerais da companhia
e eleja a maioria dos administradores, e que use efetivamente seu poder para dirigir as
atividades da sociedade e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

O controle pode ser majoritário, quando o controlador ou grupo de controle possui a


maioria absoluta dos votos (metade mais um), ou minoritário, quando há permanente maioria
mas o controlador ou grupo de controle possui menos do que a metade mais um voto (por
exemplo, possui trinta por cento do capital votante e as ações votantes remanescentes estão
diluídas e pulverizadas no mercado; neste caso os trinta por cento poderão ser suficientes
para o exercício permanente do controle).

Quando exercido por mais de uma pessoa o controle é chamado de compartilhado,


mas cada controlador tem os deveres de acionista controlador.

O poder de controle é poder de fato e deve ser verificado em concreto em cada


companhia. Se for majoritário há uma presunção de que existe e que é exercido. Se, porém,
for minoritário haverá necessidade de verificar em concreto se há controle ou não. O controle
compartilhado pode ser majoritário ou minoritário.

Além do dever geral de lealdade, atribuído a todos os acionistas, o acionista


controlador tem o dever fundamental de usar o poder de controle com o fim de fazer a
companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social, devendo ainda respeitar e atender
com lealdade aos direitos e interesses dos demais acionistas, dos empregados e da
comunidade atingida pela sua atuação.
67

Essa é uma das discussões mais atuais no mundo. As companhias não devem visar
apenas ao lucro, mas também atentar para o bem-estar geral, como meio ambiente e as
relações sociais.

Na hipótese de caracterizado abuso de controle o acionista controlador pode ser


responsabilizado. O artigo 117 é exemplificativo e lista uma série de casos em que pode ser
concretizado o abuso de controle: não atender ao objeto social; promover atos em desfavor
do interesse da companhia; contratar com a companhia em condição de favorecimento;
aprovar contas irregulares; eleger administrador ou fiscal inapto, moral ou tecnicamente.

Veremos mais adiante que nos grupos econômicos há ação específica prevista na
LSA para que acionistas minoritários possam responsabilizar o acionista controlador por
danos causados à sociedade sob seu controle (artigo 246).

Se o acionista controlador for um grupo de pessoas ou sociedades cada integrante do


grupo terá os deveres e responsabilidades de acionista controlador.

Não obstante o artigo 117, que lista exemplificativamente as situações de abuso de


controle, a CVM já fixou entendimento de que os deveres fiduciários do § único do art. 116,
como corolário do dever de lealdade do acionista controlador, tem vida própria e seu
descumprimento é passível de sanção (Processo CVM nº RJ2012/1131).

7. Acordo de acionistas

O acordo de acionistas tem natureza contratual e está regulado no artigo 118 da LSA.
É um contrato fundamental e de enorme utilidade para regular as quatro matérias previstas
no dispositivo: compra e venda de ações; preferência para compra de ações; exercício do
direito de voto; e exercício do poder de controle. O acordo só pode versar sobre essas quatro
matérias (numerus clausus), mas elas têm enorme amplitude, como discutiremos em seguida.
Suas disposições não eximem o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto
(art. 115) e do poder de controle (artigos 116 e 117), conforme art. 118, § 2º.

Se o acordo dispuser sobre outro assunto, terá natureza de contrato atípico, e não
gozará da força do acordo de acionistas, mas será válido, se lícito, observada a autonomia
da vontade.
68

O acordo de acionistas é um pacto parassocial, pois é contrato intuitu personae que


não integra os documentos de regência da companhia – como o estatuto social -, mas integra
o sistema jurídico da companhia pela irradiação dos efeitos erga omnes que pode gerar.

Como todo contrato, o acordo de acionistas obrigará diretamente as partes


contratantes, que no caso são os acionistas que escolheram contratar através do acordo de
acionistas. Os demais acionistas da companhia que não contrataram não são partes do acordo
de acionistas (embora possam ter a repercussão do acordo de acionistas na sua órbita pelos
efeitos erga omnes abaixo discutidos).

A força do acordo de acionistas decorre do efeito obrigatório para as partes


contratantes (acionistas que desejam estabelecer direitos e obrigações recíprocos em relação
à companhia da qual são sócios), para a própria companhia e para terceiros (efeitos erga
omnes), desde que esteja arquivado na sede da companhia e averbado no livro de registro de
ações nominativas, se simples, ou junto ao agente escritural, se escriturais. O acordo de
acionistas enseja ainda a execução específica das obrigações assumidas e vincula os órgãos
da companhia (artigo 118, caput e §§ 1º, 3º, 8º e 9º).

Os acionistas de uma companhia têm a faculdade de contratar ou não através de


acordo de acionistas, envolvendo dois ou mais acionistas, e firmar mais de um acordo se
quiserem (se o mesmo acionista for parte de mais de um acordo deverá ter o cuidado de
compatibilizar um e outro).

Embora as matérias que podem ser objeto de acordo de acionistas sejam limitadas,
têm enorme abrangência:

a) compra e venda de ações: neste tema podem ser reguladas promessas de compra e
venda e toda sorte de opções de compra e de venda, chamadas de call ou put. Inclusive
opções de compra ou venda, chamadas de buy or sell (quando um acionista pode manifestar
a opção irrevogável de comprar as ações do outro acionista e este pode aceitar vender ou
comprar as ações do ofertante, nas mesmas condições, também em caráter irrevogável).
Prevalece a autonomia da vontade e geralmente é combinada com o direito de preferência;

b) direito de preferência: pode ser regulada a preferência clássica, segundo a qual


uma parte pode ter o direito de igualar oferta de terceiro e adquirir as ações ofertadas nas
mesmas condições, observados os prazos contratuais para exercício do direito; ou ainda
situações mais sofisticadas, como o direito de primeira oferta, quando o ofertante manifesta
69

o desejo de vender e os demais acionistas contratantes têm o direito de fazer primeira oferta,
num determinado prazo. O ofertante terá prazo adicional para obter preço superior de um
terceiro e, em tal caso, pode vender ao terceiro. Como proteger os demais acionistas contra
um sócio indesejado? O direito de primeira oferta geralmente é associado ao direito dos
acionistas remanescentes de exercer a opção de vender junto e nas mesmas condições do
ofertante (essa opção de venda chamada de tag along). E se o ofertante só encontra
comprador para todas as ações? O direito de primeira oferta também pode ser associado ao
direito do ofertante de incluir as ações dos demais na venda, nas mesmas condições de venda
do ofertante (essa opção de compra chamada de drag along). Aqui também prevalece a
autonomia da vontade. Diferentes cenários de situações lícitas poderão ser criados e
combinados contratualmente, inclusive opções buy or sell, put e call;

c) exercício do direito de voto: qualquer matéria sobre o exercício do voto pelos


acionistas pode ser regulada em acordo de acionistas, desde que seja lícita e respeite os
deveres de lealdade dos acionistas perante a companhia. Pode envolver eleição de
administradores e aprovação de matérias na assembleia de sócios;

d) exercício do poder de controle: regula o exercício do poder de controle para dirigir


as atividades da companhia e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Pode
também envolver eleição de administradores, aprovação de planos de negócios, aprovação
de investimentos relevantes, aprovação da compra, venda ou oneração de ativos relevantes,
aprovação de contratos relevantes ou com partes relacionadas, e outras matérias no exercício
do controle. O poder de controle pode ser exercido em cascata, num grupo econômico, e o
acordo de acionistas da holding controladora pode vincular as sociedades controladas e seus
administradores.

Os acordos de acionistas geralmente são firmados entre acionistas com a finalidade


de formar um bloco de controle (somando os votos que aqueles acionistas estratégicos
possuem na companhia); ou entre o acionista controlador e outro acionista estratégico para
a companhia, embora minoritário (fornecedor de tecnologia ou de algum insumo essencial
para a atividade da companhia); ou mesmo sem envolver controle entre acionistas que
queiram estipular entre si disposições sobre o exercício conjunto de voto, ou opções de
compra e venda de ações ou direito de preferência.

Os acordos sobre exercício do direito de voto e do poder de controle geralmente


estabelecem uma sistemática de reuniões prévias entre os acionistas integrantes do acordo
70

para deliberar como deverão votar quando a matéria for submetida à assembleia de sócios
da companhia e aos órgãos da administração da companhia. Segundo tal sistemática, o
acordo estabelece quórum entre os acionistas dele integrantes para aprovação ou rejeição de
uma matéria especificada no acordo. Conforme a decisão tomada na reunião prévia de
acionistas (geralmente chamada de RPA), então os acionistas deverão votar uniformemente
na assembleia de sócios ou orientar o voto de seus representantes nas reuniões dos órgãos de
administração da sociedade. Ainda que a decisão tomada na RPA pelo quórum de maioria
previsto no acordo seja contrária à posição manifestada pelo acionista que restou vencido.

A técnica da RPA no acordo de acionistas uniformiza o voto dos acionistas


contratantes na assembleia geral e nos órgãos de administração da companhia.

O acordo é regido pela autonomia da vontade e pode estabelecer direitos e obrigações


dentro das balizas das quatro matérias comentadas acima, que são de enorme amplitude.

Geralmente é fixado a prazo certo ou em função de condição resolutiva. Não é


recomendável acordo de acionistas a prazo indeterminado, pois pela teoria geral dos
contratos seria denunciável a qualquer tempo (não há em regra obrigações perpétuas).

Enquanto em vigor acordo de acionistas as respectivas ações averbadas e vinculadas


ao acordo ficam fora de circulação no mercado de capitais (porque gravadas pelas obrigações
do acordo) e não podem ser negociadas em bolsa ou balcão (art. 118, §4º).

8. Representação de acionista domiciliado no exterior

Acionista domiciliado no exterior pode ser sócio de sociedades limitadas ou por


ações. No caso das companhias, a questão está regulada no art. 119, que requer que o referido
acionista mantenha procurador no País com poderes para receber citação. Atualmente, as
regras tributárias também requerem que domiciliados no exterior com bens no Brasil
mantenham aqui procurador residente para sua representação.

9. Suspensão do exercício de direitos

A assembleia geral pode suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar
de cumprir obrigação determinada pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão quando
71

cumprida a obrigação. A principal obrigação é integralizar o preço de emissão das ações


subscritas. A suspensão do exercício de direitos pode envolver voto e recebimento de
dividendos.

Capítulo X – Assembleia Geral – artigos 121 a 137 da LSA

1. Organização da companhia

Pela importância econômica e social das sociedades anônimas, tanto abertas como
fechadas, a LSA cria estrutura mínima de organização, submetida ao princípio da
publicidade, que deve ser atendida por todas, numa estrutura piramidal que tem no vértice a
assembleia geral, órgão de reunião dos sócios, e logo abaixo os dois órgãos da administração,
a administração superior, representada por órgão deliberativo denominado conselho de
administração (é facultativo em companhias fechadas sem capital autorizado), e abaixo dele
a administração executiva, com poderes de representar ativa e passivamente a companhia,
representada pelos diretores eleitos (geralmente reunidos no órgão denominado diretoria).
Há, ainda, eleito pela assembleia geral, quando em funcionamento, o conselho fiscal, órgão
encarregado de fiscalizar a administração e que desempenha tais atribuições junto com o
conselho de administração, que também fiscaliza os diretores.

2. Assembleia Geral. Disposições gerais e competência

A assembleia geral é o órgão soberano da companhia, tem poderes para decidir todos
os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar resoluções que julgar convenientes à
sua defesa e desenvolvimento. Os demais órgãos da companhia devem acatar as deliberações
da assembleia geral.

A assembleia geral tem competência privativa ou concorrente com o conselho de


administração em relação às seguintes matérias:

a) reformar o estatuto social (privativa);

b) eleger ou destituir, a qualquer tempo, os membros do conselho de administração e


do conselho fiscal. Não havendo conselho de administração (faculdade em relação a
72

companhias fechadas sem capital autorizado), a assembleia elege os diretores. E fixar a


remuneração ou limite de remuneração dos administradores e conselheiros fiscais
(privativa);

c) anualmente, aprovar as contas dos administradores e deliberar sobre as


demonstrações financeiras (privativa);

d) autorizar a emissão de debêntures, observado o disposto no art. 59 (competência


concorrente do conselho de administração);

e) suspender o exercício de direitos de acionista inadimplente (privativa);

f) deliberar sobre a avaliação de bens conferidos ao capital social por acionista


(privativa);

g) autorizar emissão de partes beneficiárias (só possível na companhia fechada -


privativa);

h) deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua


dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar as contas (privativa);

i) autorizar administradores a confessar falência e a pedir recuperação judicial (em


caso de urgência a medida pode ser tomada pelos administradores com a concordância do
acionista controlador, se houver, ad referendum da assembleia, que deve ser convocada
imediatamente - privativa);

j) deliberar, quando se tratar de companhias abertas, sobre a celebração de transações


com partes relacionadas, a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o
valor da operação corresponda a mais de cinquenta por cento do valor dos ativos totais da
companhia constantes do último balanço aprovado (privativa).

3. Espécies de assembleia

As assembleias podem ser ordinárias, extraordinárias ou especiais.

A assembleia geral ordinária (AGO), regulada nos artigos 132 a 134 da LSA, é
realizada uma vez no ano, dentro dos quatro primeiros meses seguintes ao término do
73

exercício social (prazo foi prorrogado em 2020 por conta da pandemia covid-19), para tratar
dos seguintes assuntos (numerus clausus):

a) tomar as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações


financeiras;

b) deliberar sobre a destinação do resultado do exercício e a distribuição de


dividendos;

c) eleger os administradores e membros do conselho fiscal e fixar-lhes a


remuneração.

Ela só se realiza uma vez ao ano e só pode tratar dos assuntos acima. Se for necessária
nova assembleia no ano, mesmo que para os assuntos de AGO ( um administrador se afastou
e é necessário eleger substituto, v.g.) ou se for deliberado assunto diverso (reforma do
estatuto para aumento do capital social, v.g.), então será necessária uma assembleia geral
extraordinária (AGE), que pode ser simultânea, sucessiva e cumulativa com a AGO, com a
mesma convocação, realizadas no mesmo local, data e hora, e instrumentalizadas em ata
única, conforme art. 131 (segundo a práxis as assembleias cumulativas são sucessivas,
realizando-se primeiro a AGO e, em seguida, a AGE. A ata vai indicar que houve uma
assembleia geral ordinária e extraordinária e as ordens do dia e deliberações tomadas em
cada uma delas).

Para realização da AGO os administradores da companhia devem colocar à


disposição dos acionistas, com pelo menos um mês de antecedência (art. 133):

a) relatório da administração sobre o exercício encerrado;

b) demonstrações financeiras;

c) pareceres dos auditores independentes, se houver, e do conselho fiscal, se em


funcionamento;

d) demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia (como nome


e qualificação dos administradores e fiscais indicados para eleição; proposta da remuneração
anual dos administradores).

É importante notar que a aprovação, sem reservas, das demonstrações financeiras e


das contas exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, que recebem assim
74

quitação. Essa quitação só pode ser modificada por anulação da deliberação da AGO por
erro, dolo, fraude ou simulação (art. 286).

Nos demais casos, inclusive envolvendo reforma do estatuto social, a assembleia será
em regra extraordinária (artigos 131e 135 a 137), salvo se for assembleia especial de ações
em circulação no mercado (art. 4º-A) ou de preferencialistas (§1º do art. 136, v.g.).

Quando todos os acionistas estiverem presentes a falta de disponibilização prévia


pode ser sanada. Mas é obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da
assembleia (princípio da publicidade), salvo no caso de companhias fechadas de pequeno
porte (LSA, art. 294).

4.Convocação

A convocação em regra compete ao conselho de administração ou à diretoria. Pode


também ser feita pelos acionistas ou pelo conselho fiscal, nos casos previstos no artigo 123.

A convocação é feita mediante anúncio publicado três vezes, em geral consecutivas


(as publicações previstas na LSA estão reguladas no artigo 289), contendo local, data, hora,
ordem do dia e indicação da matéria (art. 124).

Na companhia fechada o prazo de antecedência é de oito dias do primeiro anúncio,


em primeira convocação, e de cinco dias, em segunda convocação.

Na companhia aberta o prazo de antecedência é de vinte e um dias na primeira


convocação e de oito dias em segunda convocação.

Note-se, porém, que como os documentos da AGO devem ser colocados à disposição
dos acionistas com um mês de antecedência e na companhia aberta é feito pelo sistema de
rede pública utilizado pela CVM, junto com a primeira convocação, é comum que a AGO
de companhia aberta seja convocada com um mês de antecedência (Resolução CVM 81).

Se todos os acionistas estiverem presentes a convocação poderá ser dispensada


(geralmente pode ocorrer nas companhias fechadas).

5.Instalação
75

A regra geral é de que a assembleia se instala em primeira convocação com a


presença de acionistas que representem um quarto do capital com direito a voto; em segunda
convocação com qualquer número. A assembleia extraordinária que tiver por objeto a
reforma do estatuto só se instala em primeira convocação com a presença de ao menos dois
terços dos votos; em segunda convocação com qualquer número (artigos 125 e 135). Mas
podem comparecer à assembleia e discutir a matéria submetida à deliberação, também, os
acionistas sem voto ou com voto restrito.

6. Legitimação

Está regulada no artigo 126, a forma de identificação e representação dos acionistas.


É possível a participação à distância nos termos das instruções da CVM (Resolução CVM
81).

7. Livro de presença

Como previsto no artigo 127 os acionistas presentes assinarão o livro de presença


antes do início da assembleia. Os acionistas presentes à distância registrarão presença na
forma da regulação da CVM.

8. Mesa

Os trabalhos da assembleia são dirigidos por mesa composta de presidente e


secretário, escolhidos pelos acionistas presentes, salvo disposição diversa do estatuto.
Normalmente, a mesa é integrada por representantes da administração da companhia.

9. Quórum de deliberações

Como previsto nos artigos 129 e 136, o quórum de deliberações em geral será a
maioria dos votos dos presentes (inclusive à distância), não se computando os votos em
branco, e, nas matérias mais relevantes, previstas no art. 136, a maioria absoluta de votos
(metade mais um da totalidade dos votos), se maior quórum não for exigido pelo estatuto de
76

companhias que não tenham ações negociadas no mercado. Nas companhias abertas com
ações negociadas no mercado prevalece sempre o princípio majoritário de maioria simples
ou maioria absoluta, dependendo do grau de complexidade da matéria, como regulado nos
dispositivos acima.

Como estabelecido no artigo 136, submetem-se a quórum qualificado:

a) criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente, sem guardar


proporção com as demais preferenciais, salvo se já autorizado pelo estatuto;

b) alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de


uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;

c) redução do dividendo obrigatório;

d) fusão, incorporação ou cisão da companhia;

e) participação em grupo de sociedades (art. 265);

f) mudança do objeto da companhia;

g) cessação do estado de liquidação;

h) criação de partes beneficiárias;

i) dissolução da companhia.

As duas primeiras matérias, que envolvem ações preferenciais, dependem de


ratificação, no prazo máximo de um ano, pela maioria absoluta da classe de ações
preferenciais prejudicada, reunidas em assembleia especial. Mas nada impede que a
assembleia especial seja simultânea ou mesmo antecedente à assembleia geral, como
geralmente ocorre.

10. Direito de retirada

Nos termos do artigo 137, a aprovação das matérias previstas no artigo 136 pode
ensejar o exercício do direito de retirada dos acionistas dissidentes, como ali regulado,
ensejando o pedido de reembolso das ações (artigo 45).
77

Vale pontuar que a LSA dificulta sobremaneira a retirada face ao interesse maior e
coletivo de manutenção da sociedade e prosseguimento da empresa. A estabilidade e
continuidade da sociedade anônima é pressuposto da proteção.

11. Ata da assembleia

Como previsto no art. 130, os trabalhos da assembleia devem ser registrados em


assembleia cuja ata deve ser levada a registro na junta comercial e publicação, no prazo de
trinta dias do ato (regra geral do registro de atos societários).

Para validade da ata basta a assinatura de quantos bastem para a formação da maioria
exigida, conforme a natureza da deliberação.

A ata pode ser lavrada em forma de sumário apenas com a ordem do dia da
assembleia e as deliberações tomadas. Documentos, votos e protestos apresentados podem
ser recebidos e arquivados junto à companhia, mas não precisam ser transcritos na ata.

Se houver assembleia geral ordinária simultânea à assembleia geral extraordinária


pode ser feita ata única e sucessiva, com a ordem do dia e deliberações de cada assembleia.

Capítulo XI – Conselho de Administração e Diretoria – artigos 138 a 160 da


LSA

A administração da companhia é integrada por conselho de administração e diretoria.


O conselho de administração é exigido em todas as sociedades, exceto companhias fechadas
sem capital autorizado, cujo estatuto pode prever ou não a existência de conselho de
administração. A diretoria (ou diretores) é obrigatória em todas as companhias.

O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação


da companhia privativa dos diretores.

As atribuições e poderes conferidos aos órgãos da administração não podem ser


outorgados a outro órgão e são, assim, indelegáveis.
78

1. Conselho de administração

O conselho de administração é composto por no mínimo três membros (e no máximo


o número fixado no estatuto) eleitos pela assembleia geral, com mandato de até três anos,
podendo ser reeleitos (o mandato geralmente é de um ou dois anos, podendo chegar a três,
como fixado no estatuto), observado o disposto nos artigos 140 a 142.

Compete ao conselho de administração:

a) fixar a orientação geral dos negócios da companhia (ou seja, fixar as grandes linhas
e planos da companhia);

b) eleger e destituir os diretores e fixar-lhes as atribuições, observado o estatuto;

c) fiscalizar a gestão dos diretores e examinar quaisquer atos e contratos (a


fiscalização da gestão é tarefa fundamental do conselho de administração);

d) convocar a assembleia geral;

e) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria;

f) aprovar previamente atos e contratos, como previsto no estatuto;

g) deliberar sobre a emissão de ações e bônus de subscrição, quando autorizado pelo


estatuto dentro do capital autorizado;

h) observado o estatuto, autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, a


constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros (geralmente
em grupos econômicos);

i) escolher e destituir os auditores independentes (obrigatórios nas companhias


abertas e geralmente facultativos nas fechadas).

Como órgão deliberativo, formulador das principais políticas e fiscalizador da gestão


dos diretores, o conselho de administração tem a função de ser uma síntese da vontade dos
acionistas. Em decorrência, nem sempre o acionista controlador ou a maioria dos votos
elegerá a totalidade dos membros do conselho. Certamente, elegerá a maioria dos membros,
mas há a possibilidade de representação por minoritários ou preferencialistas, como abaixo
descrito.
79

Nas companhias abertas, a LSA desde a reforma de 2001 admite a eleição de até dois
membros do conselho, em votação em separado, excluído o controlador, sendo um pela
maioria dos titulares de ações com direito a voto, que representem ao menos quinze por cento
das ações com voto; e outro pelas ações preferenciais sem voto ou com voto restrito, desde
que representem ao menos dez por cento do capital social e não tenham tido a prerrogativa
estatutária de eleger membro do conselho (art.18). Se nenhum dos dois atingir o quórum, a
LSA admite a reunião dos minoritários votantes e preferencialistas na eleição de um
membro, desde que em conjunto somem dez por cento do capital (art. 141, §§ 4º a 8º). Se
não houver ações preferenciais os minoritários votantes podem atingir o quórum de dez por
cento do capital para eleger um membro. As ações que votarem nesta rodada da eleição ficam
excluídas da eleição dos demais membros do conselho.

Nas companhias em geral é admitida, ainda, a requisição de voto múltiplo no


preenchimento das demais vagas do conselho por acionistas que representem ao menos dez
por cento do capital votante (nas companhias abertas este quórum é reduzido pela CVM com
base na autorização do artigo 291 da LSA, conforme Resolução CVM 70). Se feita tal
requisição, ao menos 48h antes da realização da assembleia, os membros do conselho, nas
companhias fechadas, e os membros remanescentes, nas companhias abertas, serão eleitos
pelo processo de voto múltiplo, que significa a atribuição a cada ação de tantos votos quanto
sejam os membros do conselho a eleger, e reconhecido a cada acionista o direito de cumular
os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.

Isso significa uma proporcionalidade no preenchimento dos cargos. Quem tem dez
por cento dos votos elege dez por cento dos membros, por exemplo. Num raciocínio
matemático simples, se dividirmos o número de ações votantes pelo número de cargos a
preencher obteremos o número de ações necessário para eleger um conselheiro. Os livros de
doutrina trazem fórmulas matemáticas que expressam este raciocínio.

Se for adotado o voto múltiplo, os membros (remanescentes) do conselho serão


eleitos por este método e não em chapa única pelo voto da maioria. Ainda assim, será
assegurado à maioria eleger a maioria dos membros do conselho de administração (§7º do
art. 141).

Por derradeiro, cumpre referir que nas sociedades de economia mista e empresas
públicas controladas pela União, direta ou indiretamente, os empregados têm direito a eleger
um membro do conselho de administração, por força do disposto na Lei nº 12.353/2010.
80

Há, ainda, os §§1º e 2º do art. 140 da LSA introduzidos pela Lei nº 14.195/21, que
estabelecem que o estatuto pode prever a participação no conselho de representantes dos
empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela companhia, em
conjunto com as entidades sindicais que os representam; e que na composição do conselho
de companhias abertas é obrigatória a participação de conselheiros independentes, nos
termos e prazos definidos pela CVM. Pelas regras do Novo Mercado da B3, e, também, em
função de parâmetros contemporâneos de governança corporativa e boas práticas, é cada vez
mais comum a eleição de certo percentual de membros independentes para o conselho de
administração, em companhias com controle definido.

Pelas mesmas razões, as companhias, especialmente as mais sofisticadas, organizam


o funcionamento do conselho de administração em comitês temáticos e técnicos, como
auditoria, finanças, jurídico, compliance, sustentabilidade, engenharia ambiental, recursos
humanos, de acordo com as características e necessidades particulares de cada companhia.

Há cada vez mais foco em governança corporativa (corporate governance),


compliance (estrito atendimento às regras legais e éticas) e atenção com os stakeholders da
companhia (público estratégico da companhia, investidores ou não).

2. Diretoria

A diretoria é composta por um ou mais diretores (nova redação da LC 182/2021),


eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou pela assembleia
geral, se não houver conselho de administração na companhia fechada.

O estatuto deve estabelecer o número de diretores, ou o máximo e o mínimo


permitidos, o modo de substituição, o prazo de gestão, não superior a três anos, permitida a
reeleição, e as atribuições e poderes de cada diretor.

Até o máximo de um terço dos cargos de diretor pode ser preenchido por membros
do conselho de administração. Mas nas companhias abertas é vedada a acumulação do cargo
de presidente do conselho de administração e do cargo de diretor-presidente ou de principal
executivo da companhia, exceto nas companhias de menor porte e conforme regulamentação
da CVM (conforme §§ 3º e 4º introduzidos ao art. 138 da LSA pela Lei nº 14.195/21, com
vigência em 27.8.2022).
81

O estatuto pode prever a atuação colegiada da diretoria, como geralmente ocorre.

Os diretores, observado o disposto no estatuto e nas deliberações do conselho de


administração, têm a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu
funcionamento (artigos 143 e 144).

3. Administradores

As normas sobre administradores se aplicam aos membros do conselho de


administração, da diretoria e em tudo que for aplicável aos membros do conselho fiscal e
demais órgãos técnicos ou consultivos criados ou autorizados pelo estatuto (artigos 145 a
160).

4. Requisitos e impedimentos

Os administradores e membros de demais órgãos devem ser pessoas naturais.

Os conselheiros de administração e diretores podem ou não ser residentes no Brasil


(art.146, caput), mas as sociedades brasileiras devem manter sua administração no País.

Os conselheiros de administração e diretores domiciliados no exterior devem manter


procurador residente no País, com poderes para receber citação, como dispõe o §2º do art.
146, com a nova redação dada pela Lei nº 14.195/21.

Quando o cargo exigir qualificação técnica, tal qualificação deverá ser atendida pelo
administrador. De qualquer forma, o administrador deve ter reputação ilibada e experiência
para o exercício da função.

São inelegíveis pessoas condenadas por crimes que impeçam o acesso a cargos
públicos ou impedidas por lei especial, bem como as inabilitadas por ato da CVM, na
companhia aberta (art. 147, caput e §§1º e 2º).

Salvo dispensa da assembleia geral, não pode ser eleito conselheiro de administração
alguém que tenha interesse conflitante com o da sociedade ou exerça cargo relevante em
sociedades concorrentes no mercado. Na companhia aberta é exigida declaração por escrito,
82

para fins de posse no cargo, de que o conselheiro não está em situação de conflito de
interesses com a companhia (Art. 147, §§3º e 4º e Resolução CVM 80).

5. Investidura e garantia de gestão

A investidura dos administradores é formal, feita mediante termos lavrados nos livros
de atas do conselho de administração ou da diretoria, conforme o caso (art. 149). A
investidura deve ocorrer no prazo de trinta dias da nomeação, salvo justificativa aceita pelo
respectivo órgão da companhia (art. 149).

A práxis nas companhias é a contratação de seguro para proteção dos administradores


(chamado seguro D&O) e, até mesmo, compromissos de indenidade previstos no estatuto,
para proteção contra responsabilidade em casos que não envolverem dolo ou culpa grave (é
preciso observar as recomendações da CVM nas companhias abertas).

A garantia de gestão prevista no artigo 148 caiu no mais completo desuso.

6. Substituição e término de gestão. Renúncia e destituição

O artigo 150 dispõe sobre a substituição em caso de vacância de cargo de diretor ou


conselheiro de administração. O prazo de gestão da administração se estende até a
investidura dos novos administradores eleitos, para que não haja solução de continuidade na
gestão da companhia.

Os administradores são demissíveis a qualquer tempo, ad nutum, pelo órgão que os


elegeu. Podem também renunciar a qualquer tempo, observado o disposto no artigo 151.

7. Remuneração

A assembleia geral fixa o montante global ou individual da remuneração dos


administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo
em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e
reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado (artigo 152).
83

A fixação pela assembleia corresponde, em regra, a montante global fixado


anualmente e distribuído entre os administradores conforme os planos internos das
companhias, por deliberação do conselho de administração ou da diretoria.

No Brasil, geralmente há parte da remuneração fixa e parte variável, conforme o


desempenho da companhia.

O estatuto pode prever participação dos administradores nos lucros do exercício,


observados os limites dos §§1º e 2º do art. 152. Mas isso não é adotado com habitualidade.
A participação dos administradores nos lucros, na prática generalidade, é parte da
remuneração variável, conforme os planos internos de cada companhia.

Como é bastante usual nos Estados Unidos, os administradores podem também


receber como parte do pacote de remuneração a opção de compra de ações da companhia,
segundo preços, prazos e condições previstos no programa de opções da companhia. No
Brasil, o assunto está regulado no §3º do artigo 168, que requer aprovação pela assembleia
geral, inserção no estatuto social e criação de capital autorizado para autorizar a eventual
emissão de novas ações se as opções forem exercidas pelos administradores dentro do
programa. Aqui, a adoção desta opção de remuneração é rara. A maioria das companhias
mantêm sistema de remuneração fixa e variável, dentro de planos internos preestabelecidos.

8. Deveres e responsabilidades dos administradores

O tema está regulado pelos artigos 153 a 160. Como veremos, a LSA é bastante
cuidadosa com o assunto.

9. Dever de diligência

A regra geral é de que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de


suas funções, o cuidado e diligência que todo homem (ou mulher) probo costuma empregar
na administração do próprio negócio (artigos 153 e 154).

Consequência desta regra é a chamada business judgment rule, segunda a qual o


mérito dos atos do administrador de boa-fé não deve ser revisitado se ausentes culpa ou dolo.
84

O administrador assume os riscos inerentes ao negócio e ao empreendedorismo na gestão da


companhia e consecução do objeto social.

O administrador deve sempre agir no melhor interesse da companhia, mesmo que


eleito por grupo ou classe de acionistas.

É vedado ao administrador praticar atos de liberalidade à custa da companhia e usar


recursos ou bens da companhia, exceto se autorizado pelo órgão competente. No exercício
da função social da empresa o administrador pode praticar atos gratuitos em benefício dos
empregados e da comunidade, desde que autorizado (cestas básicas, manutenção de creches
e escolas, manutenção de espaços públicos, atividades culturais, dentre outros).

10. Dever de lealdade

Assim como o acionista tem o dever de lealdade em relação à sociedade, ao exercer


o voto, o administrador tem o mesmo dever ao administrar a sociedade, devendo servir à
companhia e manter reserva sobre os seus negócios e oportunidades (art. 155).

Desta regra surge a obrigação de não usar informação relevante sobre a companhia
ainda não divulgada, em benefício próprio ou de terceiros, inclusive nas negociações no
mercado de capitais.

11. Conflito de interesses

Assim como o acionista não deve votar em situação de conflito de interesses, é


vedado ao administrador intervir em qualquer operação em que tiver interesse conflitante
com o da companhia ou em qualquer deliberação sobre a matéria em questão, devendo
cientificar os demais administradores do impedimento e fazer consignar na ata de reunião
do conselho de administração ou da diretoria a natureza e extensão do seu interesse (art.
156).

O interesse do administrador pode ser próprio ou do acionista responsável por sua


indicação ou eleição. Assim como no voto do acionista, o administrador em conflito deve
tomar a iniciativa de abster-se. Mas se o não fizer os demais membros do órgão a que
pertence podem suscitar o conflito. De novo a discussão é sobre se o conflito é formal,
85

determinável a priori, ex ante, ou substancial, determinável a posteriori, ex post. Um bom


caminho é no sentido de que situações de conflito precisam ser concretizadas e determinadas
segundo os fatos em causa.

12. Dever de informar

É dever fiduciário presente nas companhias abertas e se aplica tanto a interesses


próprios do administrador (posições de ações e outros valores mobiliários que possua na
companhia) quanto a informações e fatos relevantes da companhia que possam influir na
decisão de investidores de comprar ou vender valores mobiliários de emissão da companhia.
É o direito de informação do investidor resguardado pela LSA (art. 157 e Resolução CVM
nº 44).

É preciso cuidado na divulgação das informações periódicas e dos fatos relevantes e


demais comunicados relacionados à companhia, bem como na negociação de valores
mobiliários da companhia por administradores em períodos de vedação pela regulamentação
da CVM.

A informação relevante pode deixar de ser divulgada se a revelação colocar em risco


interesse legítimo da companhia, mas deve ser imediatamente divulgada em caso de
vazamento ou se houver oscilação atípica na negociação de valores mobiliários da
companhia.

Embora a LSA trate do dever de informar como preponderante das companhias


abertas, há o dever de divulgar demonstrações financeiras periódicas nas companhias
fechadas, além de observância do direito essencial de fiscalização pelos acionistas (art. 109,
III).

13. Responsabilidade dos administradores

Em linha com a business judgment rule, acima referida, o administrador não é


pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude
de ato regular de gestão, desde que observados os deveres fiduciários acima comentados (art.
158).
86

Assim, o administrador responde em caso de culpa ou dolo, por atos praticados dentro
de suas atribuições ou poderes (responsabilidade subjetiva), ou em qualquer caso por atos
praticados com violação da lei ou do estatuto (responsabilidade objetiva, caracterizada pela
culpa presumida e inversão do ônus da prova em tais situações).

A culpa ou dolo deverão ser comprovados. É necessário demonstrar que o


administrador agiu com imperícia, imprudência ou negligência, ou intencionalmente visando
a causar danos à companhia ou terceiros.

14. Ação de responsabilidade dos administradores

A LSA cria dois regimes especiais de apuração de responsabilidades. O primeiro dos


administradores, no artigo 159, e o outro do acionista controlador (art. 246), que veremos
mais adiante.

No regime de responsabilidade dos administradores a matéria deve ser previamente


submetida à deliberação da assembleia geral, para aprovação da ação de responsabilidade
civil do administrador em questão pelos prejuízos causados ao patrimônio da companhia.

Se aprovada a propositura da ação de responsabilidade o administrador deve ser


substituído na mesma assembleia geral.

A ação de responsabilidade pode ser proposta pela companhia (chamada ação social
ut universi) ou por qualquer acionista, em ação derivada (chamada ação social ut singuli), se
a companhia não a propuser no prazo de três meses da deliberação.

Mesmo se a assembleia geral deliberar não promover a ação, acionistas que


representem ao menos cinco por cento do capital poderão propor a ação social ut singuli
(ação derivada), mas, neste caso, o administrador não fica impedido e pode prosseguir no
cargo.

Os resultados da ação proposta por acionista, por danos diretos causados ao


patrimônio da sociedade (ainda que danos indiretos tenham repercutido no patrimônio dos
acionistas), pertencerão à companhia, mas esta deverá indenizar o acionista pelas despesas
razoáveis que tiver suportado, até o limite da indenização.
87

Se o ato do administrador tiver causado danos diretos ao patrimônio de acionistas ou


terceiros, então caberá ação direta de responsabilidade civil contra o administrador e a
companhia, no último caso se o ato ilícito tiver sido praticado no exercício de suas funções
como administrador (§7º do art.159). Isso se aplica, inclusive, no caso de subsidiária integral,
em que infração aos deveres fiduciários dos administradores cause lesão ao patrimônio de
terceiros (fornecedores, credores e outros stakeholders).

15. Ação de responsabilidade da companhia

A nossa doutrina clássica prestigia o sistema especial da LSA e a responsabilidade


específica de administradores e acionistas controladores (LAMY FILHO e BULHÕES
PEDREIRA, 2017, p. 908 e 1408). Estabelece com nitidez a proteção ao patrimônio da
companhia e sua manutenção e continuidade, pontuando que os prejuízos causados por ato
ilícito do administrador ou do acionista controlador geralmente são suportados de forma
direta pela companhia e apenas indireta pelos acionistas da companhia. Por isso, a
companhia deve ser ressarcida.

Mas há a questão a enfrentar sobre a existência ou não de responsabilidade da


companhia quando há dano direto ao patrimônio do acionista ou investidor, sem correlação
necessária ao dano causado pelo ato ilícito do administrador ou acionista controlador ao
patrimônio da companhia (LSA, art. 159, §7º). Geralmente, quando ocorre falha
informacional nas demonstrações financeiras e demais materiais disponibilizados como
informação pública pela companhia aos investidores (formulário de referência, fatos
relevantes, avisos, documentos de ofertas públicas).

Há inclusive previsão expressa na Lei nº 7.913/89 de tutela coletiva dos investidores


no mercado de valores mobiliários, via ação civil pública, pelo Ministério Público ou pela
CVM, sem prejuízo das ações individuais dos investidores lesados, por falha informacional
aos investidores, quando houver omissão de informação relevante por parte de quem estava
obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa
(CAMIÑA MOREIRA, 2018, p. 315 e ss.)

A matéria é abordada sob diferentes ângulos por CARVALHOSA, LEÃES e WALD


(2018, p.27 e ss.). A visão mais recente, inspirada na construção da responsabilidade civil
nos EUA (a partir do Exchange Act de 1934, rule 10 (B) – 5), identifica dois interesses
88

distintos: o patrimônio da companhia e o patrimônio do investidor que adquire ações no


mercado de capitais. A falha informacional pode causar danos ao último sem correlação
necessária com os danos causados ao patrimônio da companhia. Pode haver, com efeito,
distintas conexões entre o ato ilícito, o dano e a relação causal. Há em reforço a clássica tese
da eficiência dos mercados, no sentido de que a formação dos preços das ações e demais
valores mobiliários é resultado das informações disponíveis (PEIXOTO e ARAÚJO, 2018,
p. 279). Esta matéria está em desenvolvimento na doutrina e nas decisões arbitrais e
judiciais, no Brasil e no exterior. Há informação pública de que a Petrobras pagou bilhões
de dólares de indenização a investidores no mercado de Nova York, em acordos feitos em
ações coletivas lá propostas (as class actions), além de ter perdido outros bilhões de reais
em impairment de ativos improdutivos ou superavaliados (demonstrações financeiras
Petrobras, exercícios de 2010 a 2017). Há também informação já tornada pública de que a
Petrobras, em arbitragens perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), correria o
risco de ser condenada a ressarcir acionistas minoritários, investidores no mercado de
capitais brasileiro.

Uma distinção que parece relevante é entre os acionistas que integram o grupo de
controle ou estão conectados ao grupo de controle, como fundos de pensão patrocinados pela
própria companhia, e os investidores de mercado, acionistas minoritários, que compõem o
free float. Os últimos, a princípio, são afetados pelo exercício do poder de controle e estariam
legitimados a eventual reparação de prejuízos, sempre que houver ato ilícito, dano e relação
causal demonstrável entre um e outro, o nexo de causalidade. Quanto aos primeiros é preciso
identificar em que medida são responsáveis ou vinculados direta ou indiretamente pelos atos
abusivos de controle ou pelo exercício de tal controle, participando, em alguma medida,
direta ou remotamente, dos atos que ensejaram danos à companhia e aos minoritários.

Outrossim, há o eventual dano causado ao patrimônio de terceiros, não investidores,


por atos ilícitos dos administradores e que podem resultar em responsabilidade da companhia
(idem § 7º do artigo 159 da LSA), sujeita aos padrões da responsabilidade civil, como
referido acima.

16. Órgãos técnicos e consultivos


89

O artigo 160 prevê que o estatuto pode criar outros órgãos técnicos e consultivos e
seus membros ficam sujeitos às mesmas disposições sobre deveres e responsabilidades dos
administradores, no que for aplicável.

O mais comum nas práticas contemporâneas é que os órgãos técnicos e consultivos


sejam criados a partir de comitês temáticos subordinados ao conselho de administração.

Capítulo XII - Conselho Fiscal – artigos 161 a 165-A da LSA

1. Características gerais

O conselho fiscal é o órgão de fiscalização da gestão da companhia e, quando


instalado, exerce a fiscalização de forma simultânea, mas independente, em relação ao
conselho de administração, que também tem funções de fiscalização dos diretores. Portanto,
há dois órgãos de fiscalização na companhia com atuação não subordinada um ao outro.

O conselho fiscal pode ter funcionamento permanente ou não, só funcionando nos


exercícios em que for pedida sua instalação pelos acionistas. Geralmente, o estatuto prevê
funcionamento não permanente. Apenas nas sociedades de economia mista, controladas pelo
Estado, o funcionamento permanente é obrigatório.

Contudo, desde as crises do capitalismo em 2002 e 2008, em especial nos Estados


Unidos, verificou-se a necessidade de reforçar a fiscalização interna das companhias. No
Brasil, esta necessidade foi acentuada nos últimos anos com a crise trazida pela corrupção
em diversas estatais, envolvendo partidos políticos, que verdadeiramente comoveu e
paralisou o País.

No cenário de hoje é costumeiro o funcionamento regular do conselho fiscal. As


estatais, as instituições financeiras de grande porte e as companhias abertas em geral têm
colocado em funcionamento, também, comitês de auditoria, órgãos técnicos vinculados ao
conselho de administração e que reforçam a fiscalização interna. A tendência da regulação
é exigir a presença do comitê de auditoria em companhias de tal natureza.

A fiscalização externa das companhias abertas é feita no Brasil pela CVM, agência
reguladora que tem poder de polícia, e pelos auditores independentes.
90

O conselho fiscal segue o princípio majoritário, observado pela LSA. Assim, o


acionista controlador, se houver, indica a maioria dos membros, os representantes de
minoritários com voto indicam um membro (desde que representem dez por cento ou mais
das ações votantes) e os representantes de ações preferenciais sem voto ou com voto restrito,
se houver, indicam outro membro.

O conselho fiscal, assim, será formado de no mínimo três membros e no máximo


cinco membros, eleitos pela assembleia geral, sendo os representantes dos minoritários e dos
preferencialistas, se houver, eleitos em votação separada dentro da assembleia pelos
representantes das respectivas categorias, cabendo um voto a cada um e eleito o que tiver a
maioria dos votos. Os demais serão eleitos pela maioria presente, excetuadas as ações que já
votaram.

Se o conselho fiscal não for permanente, sua instalação pode ser pedida em qualquer
exercício à assembleia geral (inclusive na AGO), conste ou não da ordem do dia, por
acionistas que representem dez por cento ou mais do capital votante ou cinco por cento ou
mais das ações sem voto ou com voto restrito, e seu funcionamento terminará na AGO
seguinte à instalação, quando poderá ser pedida nova instalação, e assim sucessivamente.

Nas companhias abertas, a CVM reduziu significativamente o quórum de instalação,


com base no art. 291 da LSA (até dois por cento para ações votantes e um por cento para
não votantes – Resolução CVM 70).

2. Requisitos, impedimentos e remuneração

Conforme art. 162, somente podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas naturais,
residentes no País, com diploma universitário ou com experiência mínima de três anos como
administrador de empresa ou fiscal.

Não podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas impedidas para o cargo de
administrador (art.147), administradores (estendendo-se ao cônjuge e parentes até o terceiro
grau) ou empregados da companhia ou de sociedade do mesmo grupo econômico.

A remuneração dos conselheiros fiscais deve ser fixada pela assembleia geral que os
eleger e não pode ser inferior a dez por cento da remuneração média fixa dos diretores (não
91

computados benefícios, verbas de representação, remuneração variável e participação nos


lucros), além do reembolso de despesas razoáveis de locomoção.

3. Competência, pareceres, representações e deveres

Compete ao conselho fiscal, por qualquer de seus membros, que têm autonomia de
atuação, embora deliberem de forma colegiada, fiscalizar a gestão dos administradores, na
forma detalhada no art. 163.

Ao menos um membro do conselho fiscal deverá estar presente nas assembleias


gerais, para esclarecimentos. Os pareceres do conselho fiscal, inclusive eventuais votos
divergentes, devem ser apresentados à assembleia geral (AGO).

Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores e


respondem por danos decorrentes de atos ou omissões culposos ou dolosos, ou com violação
da lei e do estatuto (art. 165).

Importante notar que os membros do conselho fiscal devem exercer suas funções no
exclusivo interesse da companhia, e não no interesse dos que os elegeram (art. 165, §1º).

Nas companhias abertas os conselheiros devem manter atualizada informação sobre


sua eventual posição acionária na companhia. (art. 165-A).

Capítulo XIII – Modificação do Capital Social – artigos 166 a 174 da LSA

O capital social é fixo, em moeda corrente nacional, mas pode ser aumentado ou
reduzido nas hipóteses previstas nos artigos 166 a 174 da LSA. O aumento é a regra, com
recursos próprios ou novos recursos, e a redução a exceção.

Seção I - Aumento do Capital Social


92

O aumento pode ocorrer com recursos próprios, com a capitalização de reservas já


mantidas no patrimônio líquido da companhia, ou com a injeção de recursos novos, seja pela
capitalização de créditos mantidos no passivo exigível da companhia – caso de debêntures
conversíveis em ações ou capitalização de outras dívidas -, seja pela subscrição de ações
com o ingresso de novos recursos (dinheiro novo no caixa da companhia) ou bens. O
aumento de capital sempre deverá ser levado a averbação ou registro na junta comercial,
dentro de trinta dias (art. 166).

1. Capital autorizado

O estatuto pode conter autorização prévia para o aumento do capital social,


independentemente de reforma estatutária, geralmente por deliberação do conselho de
administração (pode também o estatuto estabelecer que a deliberação seja da assembleia
geral, o que é mais raro, pois o capital autorizado visa justamente a facilitar o aumento sem
a formalidade de uma assembleia geral). A autorização deve especificar:

a) o limite do aumento, em valor do capital ou em número de ações, e as espécies e


classes de ações que poderão ser emitidas;

b) o órgão autorizado para deliberar as emissões (conselho de administração ou


assembleia geral);

c) as condições a que estiverem sujeitas as emissões;

d) os casos ou as condições em que os acionistas terão direito de preferência para


subscrição ou inexistência desse direito (como previsto no art. 172, o direito de preferência
só pode ser dispensado, no estatuto de companhia aberta, na subscrição pública, venda em
bolsa ou permuta por ações em oferta pública de aquisição de controle. Nos demais casos,
sempre haverá direito de preferência na subscrição de novas ações).

O capital autorizado é exigido pela LSA sempre que a companhia outorga opção de
compra de ações a administradores (§3º do art. 168); o estatuto confere ao conselho de
administração poderes para deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações
(§2º do art. 59); ou a companhia emite bônus de subscrição (art. 75). Nos demais casos é
opcional, um facilitador para aumentos de capital.
93

A autorização para o aumento pode ser utilizada tanto para incorporação de reservas
ou para subscrição de novas ações, com ingresso de novos recursos. Em seguida trataremos
de um caso e outro.

2. Capitalização de reservas

A capitalização de reservas de capital ou de lucros (art. 169) implica em simples


destinação ao capital social de reservas que já pertenciam ao patrimônio líquido da
companhia e passam a ter permanência definitiva no capital.

A capitalização não altera a posição relativa dos acionistas existentes. Assim, na


companhia com ações sem valor nominal pode-se optar por não emitir novas ações em
função do aumento ou emitir-se ações bonificadas mantendo a posição relativa dos acionistas
existentes. Na companhia com ações com valor nominal a capitalização importará alteração
do valor nominal ou distribuição proporcional aos acionistas de ações bonificadas.

A capitalização de reservas pode ser feita dentro do limite do capital autorizado ou


mediante reforma do estatuto por AGE.

Pode também haver, em caráter excepcional (só em companhias fechadas) a


capitalização de reserva especial para conversão em ações de partes beneficiárias (§2º do
art.48). Neste caso, as novas ações serão atribuídas ao detentor das partes beneficiárias e a
emissão destas deverá ter observado o direito de preferência dos acionistas existentes (§3º
do art. 171). A capitalização de tal reserva independe de capital autorizado ou reforma do
estatuto (art. 166, inciso III).

3. Subscrição de novas ações

A subscrição de novas ações, com ingresso de dinheiro novo, capitalização de


créditos ou subscrição em bens, far-se-á, depois de realizados três quartos, no mínimo, do
capital social, mediante subscrição pública ou particular de ações (art. 170, caput).

O preço de emissão deve ser fixado sem diluição injustificada dos acionistas
existentes, considerando os critérios de valor econômico (perspectiva de rentabilidade da
94

companhia), valor de patrimônio líquido da ação e valor de negociação em bolsa ou balcão,


o que for mais adequado para a situação da companhia (§§ 1º a 7º do art. 170).

Nos casos de debêntures conversíveis em ações, bônus de subscrição ou opção de


compra por administradores tais critérios deverão ter sido observados no momento da
emissão do título e, nos dois primeiros casos, deverá ter sido observado o direito de
preferência dos acionistas existentes (§ 3º do art. 171).

A subscrição de novas ações com ingresso de dinheiro novo, capitalização de créditos


ou subscrição em bens tanto pode ser feita dentro do limite do capital autorizado como por
reforma estatutária através de AGE.

Nos casos de conversão de debêntures (emissão autorizada por AGE), o aumento de


capital independe de capital autorizado ou reforma do estatuto (art. 166, inciso III).

Nos casos de conversão de debêntures (emissão autorizada pelo conselho de


administração), exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição e opção de compra
de ações o aumento será feito dentro do limite do capital autorizado.

A subscrição tanto pode ser pública ou privada (art. 170, § 5º), observado o disposto
no artigo 82 quanto ao registro da emissão pública e o oferecimento de prospecto aos
investidores, bem como as deliberações da assembleia geral e do conselho de administração
da companhia, em consonância com o estatuto social.

Ao aumento de capital mediante subscrição de ações, pública ou privada, aplica-se,


no que couber, o disposto sobre a constituição da companhia (art. 170, § 6º). Disto decorre
que o aumento só será confirmado se o capital for integralmente subscrito. Admite-se,
porém, que no ato de aprovação do aumento seja estabelecido piso mínimo de subscrição
para confirmação do aumento, ainda que o aumento não seja integralmente subscrito. Neste
caso o eventual exercício do direito de preferência deverá ser aplicado proporcionalmente
ao aumento efetivamente subscrito. Se este cuidado da previsão do piso mínimo não for
tomado, em casos em que pode admitir-se a subscrição parcial, o processo de aumento deve
ser reiniciado com nova deliberação do órgão competente.

A LSA não requer assembleia de homologação do aumento de capital. Logo, uma


vez aprovado o aumento e feita a subscrição, total ou parcial (em caso de piso mínimo), o
aumento estará confirmado ipso facto.
95

4. Direito de preferência

Um dos direitos essenciais do acionista é o direito de preferência na subscrição de


novas ações, nos termos do art. 171, por prazo não inferior a trinta dias. Isso significa que o
acionista, em regra, tem preferência, nos aumentos de capital por subscrição de novas ações
(ou na emissão de títulos conversíveis em ações), para manter sua posição relativa na
companhia.

O direito de preferência só pode ser dispensado caso esteja previsto no estatuto de


companhia aberta para situações de subscrição pública, venda em bolsa ou permuta por ações
em oferta pública de aquisição de controle. Nos demais casos, sempre haverá direito de
preferência na subscrição de novas ações (art. 172).

Seção II - Redução do Capital Social

O capital só pode ser reduzido em duas situações: para absorção de prejuízos


acumulados (se a companhia não possuir reservas suficientes para compensá-los) ou se
houver excesso de capital e os credores não se opuserem à redução, nos termos dos artigos
173 e 174 da LSA. A administração da companhia deve ser cautelosa em relação a propostas
de redução do capital, fazendo certo de que não há risco ao princípio básico de direito
societário de intangibilidade do capital social. O acionista controlador também deve ser
cauteloso ao enviar eventuais propostas de redução e deve se certificar de que o interesse da
companhia e de seus credores está atendido.

Capítulo XIV – Exercício Social e Demonstrações Financeiras – artigos 175 a


188 da LSA

Seção I - Exercício Social


96

O exercício social tem a duração de um ano ou doze meses (art. 175). No Brasil,
geralmente o exercício social corresponde ao ano calendário, de 1º de janeiro a 31 de
dezembro de cada ano. Em países do hemisfério norte é comum o exercício social de 1º de
julho a 30 de junho.

Seção II - Demonstrações Financeiras

1. Introdução

Ao fim de cada exercício social a diretoria da companhia elabora as demonstrações


financeiras que devem exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as
mutações ocorridas no exercício social encerrado (art. 176), como segue:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração das mutações do patrimônio líquido (e de lucros ou prejuízos


acumulados);

c) demonstração do resultado do exercício;

d) demonstração dos fluxos de caixa (facultativa para companhia fechada com


patrimônio líquido inferior a dois milhões de reais - § 6º do art. 176);

e) demonstração do valor adicionado (somente obrigatória na companhia aberta e


facultativa na companhia fechada).

As demonstrações de cada exercício são publicadas com a indicação dos valores


correspondentes das demonstrações do exercício anterior, em colunas paralelas.

Nas demonstrações as contas semelhantes podem ser agrupadas, os pequenos saldos


podem ser agregados, desde que indicada sua natureza e não ultrapassem um décimo do
valor do respectivo grupo de contas, mas é vedada a utilização de designações genéricas
como ‘diversas contas’.

As demonstrações financeiras registram a destinação dos lucros do exercício segundo


a proposta dos órgãos da administração, no pressuposto de sua aprovação pela assembleia
97

geral. Se houver alguma retificação determinada pela assembleia geral (o que é raro) as
demonstrações financeiras devem ser retificadas e republicadas.

As demonstrações financeiras devem ser complementadas por notas explicativas e


outros quadros analíticos necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos
resultados do exercício.

As notas explicativas devem: apresentar informações sobre as práticas contábeis


específicas selecionadas e aplicadas a negócios e eventos significativos; fornecer
informações não indicadas nas demonstrações e necessárias para uma apresentação
adequada; indicar os principais critérios de avaliação dos elementos patrimoniais,
especialmente estoques, dos cálculos de depreciação, amortização e exaustão, de
constituição de provisões para encargos ou riscos, e dos ajustes para atender a perdas
prováveis na realização de elementos do ativo; os investimentos em outras sociedades
quando relevantes (art. 247, § único); o aumento de valor de elementos do ativo resultante
de novas avaliações; os ônus reais constituídos sobre elementos do ativo, as garantias
prestadas a terceiros e outras responsabilidades eventuais ou contingentes; a taxa de juros,
as datas de vencimento e as garantias das obrigações a longo prazo; número, espécies e
classes das ações do capital social; as opções de compra de ações outorgadas e exercidas no
período; ajustes de exercícios anteriores; eventos subsequentes à data de encerramento do
exercício que tenham ou possam vir a ter efeito relevante sobre a situação financeira e os
resultados futuros da companhia (§ 5º do art. 176).

Vamos agora explicitar o conteúdo das demonstrações financeiras e trazer noções


introdutórias, mas fundamentais, sobre os princípios que regem a contabilidade moderna
(GELBCKE, SANTOS, IUDÍCIBUS e MARTINS, 2018, p. 01 e ss.).

2. Noções básicas

A contabilidade brasileira segue as normas internacionais emitidas pelo


International Accounting Standards Board (IASB), entidade internacional com sede em
Londres, Inglaterra. As normas internacionais são conhecidas como IFRS – International
Financial Reporting Standards.
98

Foram internalizadas pela legislação brasileira a partir de 2007 e hoje são


interpretadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, órgão independente criado
pelo Conselho Federal de Contabilidade.

A Comissão de Valores Mobiliários – CVM, órgão regulador do mercado de


capitais brasileiro, aprova através de deliberações os pronunciamentos contábeis do CPC e
os torna obrigatórios para as companhias abertas.

Tais padrões, em geral, também se aplicam às companhias fechadas e sociedades


limitadas de grande porte, que se submetem ao regime tributário mais complexo (lucro real).
As demais sociedades geralmente têm contabilidade mais simplificada e se submetem a
regime tributário simplificado (lucro presumido ou simples).

O conjunto de informações que deve ser apresentado periodicamente por uma


companhia representando sua prestação de contas aos acionistas é integrado por relatório da
administração, demonstrações financeiras, notas explicativas, relatório dos auditores
independentes, parecer do conselho fiscal e relatório do comitê de auditoria (os três últimos
geralmente presentes em companhias abertas, estatais e instituições financeiras, e geralmente
opcionais em companhias fechadas e limitadas de grande porte).

Tais informações são essenciais para a continuidade e viabilidade das sociedades,


pois a partir delas é possível avaliar periodicamente sua situação financeira e patrimonial,
sem solução de continuidade de suas atividades. Isso permite a avaliação pelos acionistas e
stakeholders e a distribuição de dividendos, a avaliação pelos credores e a obtenção de novos
financiamentos, a avaliação pelo fisco e o pagamento de tributos, a avaliação pelos
empregados e o pagamento de salários e a distribuição de lucros. Não fora a técnica das
demonstrações financeiras nada disso seria possível.

3. Resumo das demonstrações contábeis e outras informações

As demonstrações contábeis devem ser preparadas ao final de cada exercício social


– período de 12 meses que no Brasil geralmente coincide com o ano calendário, de 1º de
janeiro a 31 de dezembro de cada ano – e, em alguns casos, como companhias abertas e
instituições financeiras, podem ser exigidas em períodos menores, semestrais ou trimestrais.

Ao final de cada exercício social as seguintes informações são exigidas das


companhias:
99

4. Relatório da administração

O relatório da administração é apresentado logo antes das demonstrações


financeiras. Mas não as integra, relatando os negócios sociais e principais fatos ocorridos no
período, os investimentos em outras sociedades, a política de distribuição de dividendos e
de reinvestimento de lucros, e demais fatos relevantes para a companhia.

5. Balanço patrimonial

O patrimônio significa o conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa. O


patrimônio líquido significa o resultado do total de ativos de uma pessoa menos o total de
passivos exigíveis.

O balanço patrimonial representa a posição patrimonial de uma sociedade,


indicando os ativos no lado esquerdo e os passivos e o patrimônio líquido no lado direito.

Os ativos representam a aplicação de recursos de uma sociedade e são divididos em


ativo circulante (caixa e realizável a curto prazo – dentro de 12 meses) e ativo não circulante,
realizável a longo prazo (recebíveis além de 12 meses), investimentos (em outras sociedades
e imóveis que não integram a atividade da sociedade), imobilizado (bens corpóreos
empregados na atividade da sociedade) e intangível (direitos incorpóreos empregados na
atividade da sociedade).

Os passivos representam a origem dos recursos de uma sociedade e são divididos


em exigível (recursos de terceiros), formado por passivo circulante (exigibilidades a curto
prazo – dentro de 12 meses) e não circulante (exigibilidades a longo prazo – além de 12
meses), e não exigível (recursos próprios), formado pelo patrimônio líquido, que é dividido
em capital social (contribuição dos sócios à sociedade), reservas de capital (geralmente
formadas com ágio na subscrição de ações e podendo também constituir preço na emissão
onerosa de bônus de subscrição ou partes beneficiárias), ajustes de avaliação patrimonial (
quando há reavaliação de bens do ativo – contrapartida), reservas de lucros (quando parte
dos lucros gerados pela companhia é mantida em reserva necessária ou facultativa, para
investimentos, por exemplo), ações em tesouraria ( quando a companhia aplica parte das
reservas de capital ou lucros na compra das próprias ações) e prejuízos acumulados (conta
redutora do patrimônio líquido, de valor negativo, quando a companhia tem prejuízos num
exercício e não possui reservas de lucros ou capital para absorvê-los).
100

Como o patrimônio líquido representa o total de ativos menos os passivos exigíveis,


o lado esquerdo, formado pelos ativos, sempre apresenta o mesmo valor do lado direito,
formado pelos passivos exigíveis e pelo patrimônio líquido. A técnica é chamada de partidas
dobradas, um lado é sempre igual ao outro, uma constante matemática.

A vida real da companhia ocorre nos ativos e nos passivos exigíveis. A soma de
ativos e passivos exigíveis representa tudo que a companhia possui e tudo que deve a
terceiros. O patrimônio líquido é mera representação gráfica dos recursos próprios da
companhia, decompostos, conforme a origem, em capital social, reservas e demais itens do
patrimônio líquido, listados acima.

Vide também artigos 178 a 184-A da LSA sobre o conteúdo analítico e significado
do balanço patrimonial.

6. Demonstração do resultado do exercício

Compara as receitas e despesas do período, indicando ao final se a companhia gerou


lucro ou prejuízo. É observado o regime da competência pelo qual as despesas necessárias à
geração de determinada receita são vinculadas a tal receita, independentemente do reflexo
no caixa.

Está regulada de forma analítica no art. 187 da LSA.

7. Demonstração das mutações do patrimônio líquido e de lucros ou prejuízos


acumulados

Apresenta as mutações ocorridas no período no patrimônio líquido e apropria a


destinação dada ao resultado do exercício, seja lucro ou prejuízo.

Está regulada de forma analítica no art. 186 da LSA.

8. Demonstração dos fluxos de caixa

Mostra as disponibilidades de curto prazo, dividindo os fluxos de entrada e saída de


caixa em três grupos: derivados das atividades operacionais, de investimento e de
financiamento (art. 188, I da LSA).
101

9. Demonstração do valor adicionado

Só é exigida nas companhias abertas e tem por objetivo informar o valor da riqueza
criada pela companhia no período e a sua distribuição pelos fatores de produção (capital e
trabalho) e Estado (pagamento de tributos). É demonstrada a destinação do resultado a
acionistas, empregados, retenção em reservas, financiadores, meio ambiente, comunidade,
recolhimento de tributos (art. 188, II da LSA).

10. Notas explicativas

As demonstrações financeiras são completadas por notas explicativas que visam a


esclarecer a natureza dos lançamentos feitos nas diversas rubricas. São, portanto, de
importância fundamental na explicitação e compreensão das demonstrações financeiras (art.
176, §§ 4º e 5º).

11. Demonstrações financeiras comparativas

As demonstrações financeiras são comparativas, sempre apresentando o exercício


atual e o anterior, lado a lado. No caso de grupos econômicos é feita também a consolidação
das demonstrações da controladora com suas controladas e coligadas, além das
demonstrações das sociedades em separado.

Adicionalmente, sempre que estiverem em funcionamento, são apresentados junto


com as demonstrações financeiras o parecer do conselho fiscal e os relatórios dos auditores
independentes e do comitê de auditoria.

12. Fatos relevantes

Além das demonstrações financeiras, que são periodicamente preparadas e


apresentadas aos acionistas, as companhias abertas devem divulgar fatos relevantes sempre
que ocorram fatos que possam influenciar na cotação de mercado de seus valores
mobiliários. A divulgação de fatos relevantes está regulada na Resolução CVM 44.

13. Estrutura conceitual da contabilidade


102

Vamos tratar das normas internacionais de contabilidade, principais características


e estrutura conceitual (GELBCKE, SANTOS, IUDÍCIBUS e MARTINS, 2018, p. 29 e ss.).
Vejamos:

a) fundadas mais em princípios do que em regras;

b) fundadas na prevalência da essência sobre a forma;

c) conceitos de controle, obtenção de benefícios e de incorrência em riscos são mais


relevantes para registro de ativos, passivos, receitas e despesas do que a propriedade jurídica
formal;

d) contabilidade passa a ser de toda a empresa, e não apenas do contador. Todos são
responsáveis, em especial os administradores;

e) informação contábil deve ser útil;

f) características qualitativas fundamentais: relevância da informação,


representação fidedigna, comparabilidade (consistência na apresentação das informações),
verificabilidade, tempestividade, compreensibilidade, relação custo x benefício na obtenção
e divulgação de uma informação e princípio básico da continuidade.

14. Reconhecimento contábil de ativos, passivos, receitas e despesas.

Dois são os requisitos básicos: probabilidade de futuros benefícios econômicos e


confiabilidade da mensuração.

15. Reconhecimento de ativos.

Um ativo deve ser reconhecido no balanço patrimonial quando for provável que
benefícios econômicos futuros dele provenientes fluirão para a sociedade e seu custo ou
valor puder ser mensurado com confiabilidade.

Um ativo não deve ser reconhecido no balanço patrimonial quando os gastos


incorridos não proporcionarem a expectativa provável de geração de benefícios econômicos
para a sociedade no futuro. Ao invés disso o respectivo valor deve ser reconhecido como
despesa na demonstração de resultado (é o chamado impairment de ativos, como ocorreu
com as refinarias da Petrobras que se mostraram inservíveis após o escândalo da corrupção
recente).
103

16. Reconhecimento de passivos.

Um passivo deve ser reconhecido no balanço patrimonial quando for provável que
uma saída de recursos seja exigida em liquidação de obrigação presente e o valor pelo qual
essa liquidação se fará puder ser mensurado com confiabilidade.

Não devem ser registradas obrigações que puderem decorrer de fatos geradores
futuros. No tocante a passivos com prazo ou valor incertos deve ser feita provisão, quando
há probabilidade de uma obrigação presente, que decorre de um evento passado, onde há
probabilidade de saída de recursos e pode ser feita estimativa confiável.

17. Reconhecimento de receitas.

A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em


aumento nos benefícios econômicos relacionado com aumento de ativo ou diminuição de
passivo e puder ser mensurada com confiabilidade.

18. Reconhecimento de despesas.

A despesa deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em


decréscimo nos benefícios econômicos relacionado com diminuição de ativo ou aumento de
passivo e puder ser mensurada com confiabilidade.

Capítulo XV - Lucros, Reservas e Dividendos – artigos 189 a 205 da LSA

No regime da LSA, do resultado do exercício são deduzidos os prejuízos


acumulados e a provisão para o imposto de renda, além de eventuais participações
estatutárias nos lucros (que não são usuais), conforme artigos 189 a 191. Daí é apurado o
lucro líquido do exercício.

Se houver prejuízo no exercício, este será obrigatoriamente absorvido pelas


reservas de lucros e, usualmente, pelas reservas de capital, se houver.

A prioridade é a eliminação de prejuízos acumulados para permitir o


prosseguimento saudável das atividades da sociedade. Somente na inexistência de reservas
104

que os possam compensar integralmente é que prejuízos acumulados devem ser registrados
como conta redutora no patrimônio líquido da companhia.

1. Regime de alocação do lucro líquido do exercício entre a companhia e os


acionistas: a distribuição de dividendos prioritários, preferenciais e
obrigatórios nas companhias

No nosso sistema de sociedades anônimas, conforme artigos 192 a 203 da LSA,


todo lucro líquido do exercício deve ser necessariamente destinado pela assembleia geral à
retenção em reservas de lucros ou à distribuição de dividendos (aí incluídos os juros sobre
capital próprio, da legislação tributária, que para fins da legislação societária são computados
como dividendos), conforme proposta da administração, observado o disposto no estatuto
social.

2. Reservas de lucros e de capital

As reservas de lucros podem ser divididas entre reservas necessárias e reservas


voluntárias.

As reservas necessárias são as reservas obrigatórias ou recomendadas pelas boas


práticas de prudência na lida com as questões contábeis e financeiras, como segue:

a) reserva legal: do lucro líquido do exercício, antes de qualquer outra destinação


(inclusive dividendos prioritários), cinco por cento são aplicados na reserva legal, até atingir
vinte por cento do capital (alternativamente trinta por cento do capital se somada à reserva
de capital). Esta reserva tem a finalidade de assegurar a integridade do capital social e
somente pode ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o capital (art. 193);

b) reserva para contingências: formada por proposta da administração, como


medida de conservadorismo ou cautela, com a finalidade de compensar, em exercício futuro,
a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável, em relação a fato gerador futuro,
cujo valor possa ser estimado (esta reserva deve ser levada a resultado no futuro, quando
utilizada ou se não for parcial ou totalmente utilizada – art. 195 e art. 202, inciso I, ‘b’);

c) reserva de incentivos fiscais: formada por proposta da administração para


segregar a parcela do lucro decorrente de doações ou subvenções governamentais para
investimentos, como incentivos fiscais, excluindo esta parte do lucro da base de cálculo do
105

dividendo obrigatório (geralmente, as companhias têm a obrigação de não distribuir lucros


com base em incentivos fiscais, sob a pena da perda do benefício - art. 195-A);

d) reserva de lucros a realizar: no exercício em que o dividendo obrigatório


ultrapassar a parcela realizada do lucro líquido do exercício a administração, por prudência,
pode recomendar que o excesso seja destinado à formação desta reserva, que só pode ser
utilizada para distribuição de dividendos, após a realização, ou absorção de prejuízos (art.
197 e art. 202, incisos II e III).

e) reserva especial de dividendos obrigatórios: no exercício em que os órgãos da


administração informarem à AGO que os dividendos obrigatórios são incompatíveis com a
situação financeira da companhia e, após parecer do conselho fiscal, se em funcionamento,
poderá ser criada reserva especial, que só pode ser utilizada para distribuição de dividendos,
quando permitir a situação financeira da companhia, ou absorção de prejuízos. Na
companhia aberta a CVM deve receber, dentro de cinco dias da realização da AGO,
exposição justificativa dos motivos que levaram a AGO à retenção dos dividendos
obrigatórios e formação da reserva (art. 202, §§ 4º e 5º).

As reservas voluntárias são as reservas para investimentos e capital de giro,


que não impactam dividendos obrigatórios (art. 198), e podem ser formadas por previsão
estatutária (art. 194) ou mediante retenção de lucros com base em orçamento de capital
apresentado pela administração e aprovado pela assembleia geral (art. 196). Podem ser
capitalizadas, utilizadas na distribuição de lucros, se forem excessivas, ou na absorção de
prejuízos.

O saldo das reservas de lucros (exceto contingências, incentivos fiscais e lucros a


realizar) não pode ultrapassar o capital social. O excesso deve ser capitalizado ou distribuído
como dividendos. O objetivo da lei é evitar a retenção excessiva de lucros em reservas, que
por definição devem representar destinação provisória aos lucros.

Há ainda a reserva de capital (art. 182, §1º e art. 200), que não é formada com a
retenção de lucros, mas constituída pelo ágio na subscrição de ações (parte do preço de
emissão que não é destinada ao capital), geralmente, e em hipóteses raríssimas (pois em
regra são gratuitos) pelo produto da alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição.
Esta reserva só pode ser utilizada para absorver prejuízos que ultrapassarem as reservas de
lucros; resgate, reembolso ou compra de ações da companhia; resgate de partes beneficiárias
(se a reserva tiver sido formada com o produto da venda de partes beneficiárias, situação
teórica pois dificilmente ocorrerá); incorporação ao capital social; e pagamento de
106

dividendos prioritários cumulativos a ações preferenciais, quando a vantagem for assegurada


no estatuto, como previsto no § 6º do art. 17 da LSA (situação quase teórica e raríssima
também). Em síntese, a reserva de capital pode ser efetivamente utilizada para compra das
próprias ações da companhia, aumento do capital social ou absorção de prejuízos
acumulados.

A proposta de destinação do lucro líquido do exercício deve, portanto, observar


a seguinte ordem: reserva legal até atingir vinte por cento do capital social (art. 193);
dividendos prioritários, se houver (art. 203); reservas para contingências (art. 195),
incentivos fiscais (art.195-A); lucros a realizar (art. 197); e retenção de dividendos
obrigatórios (art. 202, §5º), se for o caso; saldo dos dividendos obrigatórios (art.202), se
houver; reservas estatutárias (art.194), se houver; reserva de retenção de lucros conforme
orçamento de investimento de capital aprovado na assembleia geral (art.196), se for o caso.
O eventual saldo remanescente será aplicado na distribuição complementar de dividendos
(art. 202, §6º).

3. Dividendos obrigatórios, prioritários, diferenciados, complementares ou


suplementares

No sistema brasileiro há necessariamente dividendos obrigatórios, que no silêncio


do estatuto correspondem a cinquenta por cento do lucro líquido ajustado, conforme o artigo
202 da LSA. Entretanto, o estatuto é livre para definir os dividendos obrigatórios, que podem
variar desde um número mínimo, como um décimo por cento, por exemplo, até o patamar
costumeiro no Brasil, de vinte e cinco por cento do lucro líquido, ou até mais, desde que
observado o limite do lucro líquido do exercício disponível para distribuição aos sócios.
Portanto, dividendo obrigatório em patamar inferior não deve causar estranheza, por estar
no âmbito da autonomia da vontade dos acionistas, embora o padrão seja o dividendo
obrigatório de vinte e cinco por cento do lucro líquido. Se o estatuto for omisso e a
assembleia geral quiser reformar o estatuto para estabelecer dividendo obrigatório não
poderá fixá-lo em patamar inferior a vinte e cinco por cento - §2º do art. 202. Esta cultura já
veio introduzida nas regras de transição e adaptação de estatutos por força da LSA, tendo o
seu art. 297 estabelecido o referido piso mínimo para companhias existentes, sob pena de
direito de retirada dos acionistas dissidentes.

Ao criar-se a companhia é preciso atentar para o regime adequado do dividendo


obrigatório (fixação livre no ato de constituição), pois embora o artigo 136, inciso III, admita
107

a redução do dividendo obrigatório, pelo quórum qualificado da maioria absoluta


(deliberação sujeita ao direito de retirada – art. 137), o § 2º do art. 202 estabelece o mínimo
de vinte e cinco por cento, se houver omissão do estatuto. Por uma questão de coerência, se
o dividendo obrigatório for igual ou superior a vinte e cinco por cento não poderia ser
reduzido abaixo de vinte e cinco por cento? É o que se infere do § 2º do art. 202. Por outro
lado, a companhia pode ser criada com dividendo obrigatório menor. O piso do § 2º do art.
202 acaba gerando impedimento lógico a qualquer redução do dividendo obrigatório, abaixo
do piso de vinte e cinco por cento. Assim, se o dividendo já for inferior a tal piso, não poderia
ser reduzido ao longo da vida da companhia. Só poderia ser reduzido, observado o piso, se
fosse superior a este. Outro caminho razoável seria admitir a redução do dividendo
obrigatório, a qualquer patamar, em caso de deliberação unânime dos acionistas. Mas não
há previsão expressa na LSA. Por cautela, o dividendo obrigatório desejado deve ser fixado
com muita atenção no estatuto social no ato de constituição da companhia, se pelo
planejamento dos sócios o piso de vinte e cinco por cento é inadequado aos fins ou propósitos
da companhia (pode ser uma SPE controlada por fundos e cujo lucro tenha que ser
reinvestido durante certo período ou outra situação em que é exigida ou recomendada a
possibilidade de reinvestimento substancial dos lucros).

Vide ainda regime de dividendos nas startups, comentado no artigo 294, A e B, ao


final deste trabalho, em que os dividendos obrigatórios podem ser dispensados.

O estatuto social, ademais, é parte do sistema jurídico da companhia e é integrado


pelas normas legais que regem o regime de distribuição dos dividendos prioritários,
diferenciados, obrigatórios, e no eventual saldo dos dividendos complementares ou
suplementares.

Assim é que os dividendos prioritários só observam a precedência da reserva


legal, não podendo ser afetados nem pelas demais reservas, nem pelos dividendos
obrigatórios (art. 203) e tampouco pelos diferenciados, se houver, que são simultâneos aos
pagos às ações ordinárias. Havendo lucro líquido no exercício, os dividendos prioritários
deverão ser declarados até a medida do lucro disponível, não podendo ser retidos, no regime
da LSA (há ainda a possibilidade, rara, de dividendos prioritários cumulativos declarados
com base em reserva de capital – art. 17, § 6º).

Os dividendos obrigatórios, e bem assim os diferenciados, devem observar a


precedência da reserva legal e dos dividendos prioritários ( estes na verdade são deduzidos
do lucro distribuível porque computados como obrigatórios) e sofrem ajustes em função das
108

reservas para contingências, de incentivos fiscais, de lucros a realizar e especial de retenção


dos dividendos obrigatórios, não podendo ser afetados pelas reservas estatutárias e de
retenção de lucros, conforme orçamento aprovado na assembleia geral, a teor do artigo 198
da LSA. Há a ressalva de que nas companhias abertas categoria B e nas companhias
fechadas (não controladas por companhias abertas categoria A) a assembleia geral, por
deliberação unânime e sem oposição de qualquer acionista presente (inclusive
preferencialistas), poderá deliberar a retenção total ou parcial do dividendo obrigatório e sua
destinação à reserva de lucros, mesmo se a situação financeira da companhia não for
incompatível com a distribuição do dividendo obrigatório (art. 202, § 3º). Se houver
incompatibilidade, inclusive nas companhias abertas categoria A e nas fechadas controladas
por estas, poderá ser aplicado o regime da reserva especial de dividendos obrigatórios (art.
202, §§ 4º e 5º), como já apontado acima.

Os dividendos complementares ou suplementares, por último, são dependentes


de saldo não destinado do lucro líquido do exercício a qualquer das reservas autorizadas por
lei (art. 202, § 6º). Podem, também, ser distribuídos dividendos com base em reservas de
lucros disponíveis de exercícios anteriores (art. 201 da LSA). A deliberação sobre a
distribuição de reservas disponíveis é sempre discricionária e não envolve qualquer
prioridade sobre dividendos não cumulativos, pois a prioridade já foi atendida no exercício
em que a reserva foi formada.

Em jurisdições de direito anglo saxão é sabido, por exemplo, que sequer há, em
regra, dividendo obrigatório. A tradição nos Estados Unidos é que cabe ao board of directors
(equivalente a nosso conselho de administração, mas com autoridade mais ampliada) a
deliberação discricionária sobre a distribuição ou não de lucros aos acionistas, observado o
disposto nos respectivos atos constitutivos. O professor GEVURTZ faz uma síntese de tal
tradição:

’Dividends’ is the common term for distribution from a


corporation to its shareholders by virtue of their position as
shareholders. Normally, it is within the board of director’s discretion
to decide at any given time whether the corporation will pay a
dividend to its shareholders, and, if so, what amount of dividend the
corporation will pay. (GEVURTZ, 2000, p.153).

Ao revés, no nosso sistema, em que não há tal discricionariedade quanto ao


dividendo compulsório, o regime de dividendos obrigatórios deve refletir o pacto entre os
109

acionistas fundadores de destinar de forma cogente parcela maior ou menor do lucro líquido
do exercício à distribuição aos acionistas, que deve naturalmente refletir os planos de
reinvestimento traçados pelos acionistas.

4. Dividendos intermediários

O art. 204 da LSA prevê que a companhia que por força de lei ou de disposição
estatutária levantar balanço semestral pode declarar, por deliberação dos órgãos da
administração, se autorizados pelo estatuto, dividendos à conta do balanço do semestre.

São também admitidos dividendos em períodos menores, desde que os dividendos


pagos em cada semestre não excedam o montante da reserva de capital ou da reserva de
lucros existente e disponível no último balanço anual ou semestral.

A legislação fiscal também permite o pagamento de juros sobre capital próprio (que
pela legislação societária são computados como antecipação de dividendos) em períodos
trimestrais, com base em balanços levantados em tais períodos.

Importante notar que o regime do dividendo obrigatório e do dividendo prioritário,


se houver, se aplica em relação a cada exercício social e ao lucro do exercício. Se mantidas
reservas de lucros (e, portanto, lucros retidos de exercícios passados, em relação aos quais
já foram observadas as condicionantes do dividendo obrigatório e do dividendo prioritário),
o dividendo declarado em relação a tais reservas será a princípio dividido por igual entre as
ações, salvo situações de dividendo diferenciado ou fixo.

É cada vez mais comum a distribuição de dividendos intermediários e a antecipação


de dividendos dentro do exercício, devendo a companhia computar tais antecipações quando
a assembleia geral deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício.

5. Pagamento de dividendos

Os dividendos devem ser pagos à pessoa titular das ações na data do ato de
declaração dos dividendos. Salvo declaração em contrário, devem ser pagos dentro de
sessenta dias. Em qualquer caso, deverão ser pagos dentro do exercício social. Isto significa
que os dividendos, referentes a um dado exercício, deverão ser pagos até o final do exercício
seguinte, quando deverão ser declarados.
110

Capítulo XVI - Dissolução, Liquidação e Extinção – artigos 206 a 219 da


LSA

1. Dissolução

A dissolução pode decorrer de ato voluntário dos acionistas, ou de medida


administrativa ou judicial que ponha fim à atividade da pessoa jurídica. Mas não importa em
extinção imediata. A pessoa jurídica preserva sua personalidade até que encerrada a fase de
liquidação do patrimônio, com pagamento das dívidas e apuração dos ativos (art. 207).

Em caso de patrimônio superavitário, o saldo será distribuído entre os acionistas, na


forma do estatuto social.

Em caso de patrimônio negativo, a solução será a falência. Finda a liquidação,


promover-se-á o encerramento de todas as inscrições societárias e fiscais da pessoa jurídica.

À dissolução segue-se a liquidação e extinção. O processo de encerramento de


atividades de uma pessoa jurídica é complexo, requer o ato de dissolução, a fase de
liquidação para apuração de ativos e pagamento de passivos, e a extinção, com o fim da
liquidação.

Dissolve-se a sociedade de pleno direito quando ocorrer: (a) vencimento do prazo de


duração na sociedade a prazo determinado, podendo, por deliberação da assembleia geral,
se a sociedade não entrar em liquidação, passar a vigorar a prazo indeterminado, com
reforma do estatuto; (b) nos casos previstos no estatuto; (c) deliberação da maioria absoluta
dos acionistas, na sociedade a prazo indeterminado (art. 136, X); (d) falta de pluralidade de
acionistas, verificada em AGO, não reconstituída até a AGO do ano seguinte, salvo se o
único sócio for sociedade brasileira, caso em que a companhia será considerada subsidiária
integral; (e) extinção de autorização para funcionar, se for aplicável.

Uma alternativa à dissolução e liquidação é a alteração do objeto social, se viável,


passando a sociedade a desempenhar atividades para as quais não dependa de autorização de
funcionamento.

Pode ainda a sociedade ser dissolvida judicialmente quando: (a) anulada sua
constituição, em virtude de algum vício insanável do ato de constituição, a pedido de
qualquer dos sócios; (b) exaurido o fim social, ou verificada sua inexequibilidade, em ação
111

proposta por acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social; ou (c) em
caso de falência, na forma da lei.

Por decisão de autoridade administrativa competente, pode a companhia ser


dissolvida, nos casos e forma previstos em lei especial (caso das instituições financeiras,
seguradoras e fundos de pensão, em que Banco Central e SUSEP tem o poder de intervenção
e de decretar a liquidação extrajudicial, com efeitos de dissolução).

2. Liquidação

Ocorrida a dissolução, os sócios deverão providenciar a liquidação da sociedade,


nomeando o liquidante, observado o disposto no estatuto social e o disposto no art. 208.

Na dissolução extrajudicial, o juiz competente pode promover a liquidação judicial,


se os sócios não tiverem nomeado liquidante ou se os administradores não tiverem investido
o liquidante em suas funções, a pedido de qualquer acionista.

Poderá também ser processada judicialmente, a requerimento do Ministério Público,


à vista de comunicação de autoridade competente, se a companhia no prazo de trinta dias
seguintes à dissolução não iniciar a liquidação ou interrompê-la por mais de quinze dias.

Na liquidação judicial será observado o disposto na lei processual e na lei falimentar,


conforme o caso, devendo o liquidante ser nomeado pelo juiz competente (art. 209).

Os artigos 210 a 218 regulam os poderes e deveres do liquidante, a identificação da


companhia ‘em liquidação’, o funcionamento da assembleia geral, o pagamento do passivo
e a partilha do ativo, a prestação de contas e a responsabilidade e direitos emergentes da
liquidação.

Durante o período de liquidação deverão ser ultimados os negócios da companhia –


cessando o funcionamento regular -, realizado o ativo, pago o passivo e partilhado o
remanescente entre os acionistas.

3. Extinção
112

A companhia extingue-se pelo encerramento da liquidação (extinção com o fim da


atividade empresarial, exceto se sobreviver algum estabelecimento alienado); ou pela
incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades
(quando há sucessão universal e manutenção da atividade empresarial, como regra, como
será tratado no próximo capítulo).

Capítulo XVII - Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão de Sociedades -


artigos 220 a 234 da LSA

Os conceitos de transformação, incorporação, fusão e cisão estão regulados tanto no


Código Civil como na LSA, mas na última estão disciplinados de forma mais completa. A
Resolução CVM 78 trata de operações de incorporação, fusão e cisão envolvendo
companhias abertas.

1. Transformação

Consiste na transformação de um tipo societário em outro, desde que haja


compatibilidade, sem implicar em solução de continuidade da sociedade (que assim não
passa por dissolução e liquidação), adaptando-se o contrato ou estatuto social segundo os
preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se a
sociedade e fazendo-se o arquivamento dos atos de transformação nos registros próprios.

Geralmente é feita mediante a transformação de limitada em sociedade anônima e


vice-versa, mas qualquer tipo societário pode estar envolvido, se adequado à atividade e
respectivo objeto social. Em situações excepcionais, até mesmo uma associação sem fins
lucrativos poderá ser transformada em sociedade, como ocorreu no processo de
desmutualização das bolsas de valores (estas, antes sujeitas à regulamentação que as tratava
como associações civis sem fins lucrativos, foram autorizadas pelo Conselho Monetário
Nacional e pela CVM a se converterem em sociedades anônimas).

A transformação depende do consentimento unânime dos sócios, salvo se


previamente autorizada pelo estatuto ou contrato social, caso em que o dissidente poderá
retirar-se pelos critérios de reembolso ou apuração de haveres aplicáveis (no silêncio do
113

estatuto ou contrato social, consistem no valor de patrimônio líquido das participações objeto
da retirada).

A LSA, no art. 221, § único, admite a renúncia ao direito de retirada no contrato


social, em caso de transformação em companhia. Não faz o mesmo na situação oposta, de
transformação em outro tipo societário, até porque o direito de retirada é considerado
essencial (art. 109, V da LSA). No silêncio do CC quanto à renúncia, tratando-se de norma
posterior, poder-se-ia entender revogada a possibilidade de renúncia.

A transformação não modifica ou prejudica o direito dos credores, que em caso de


falência podem reivindicar que a regência dos créditos anteriores à transformação, no tocante
à responsabilidade dos sócios, obedeça ao tipo societário anterior, vigente quando da
constituição dos créditos.

2. Incorporação

Consiste na incorporação de uma ou mais sociedades por outra, que lhes sucede em
caráter universal em todos os direitos e obrigações, extinguindo-se as incorporadas e não
havendo solução de continuidade da incorporadora, que subsiste agregando a seu patrimônio
o patrimônio das incorporadas. A incorporação deve ser aprovada por todas as envolvidas,
incorporadora e incorporadas, observados os respectivos tipos societários.

As bases da operação e sua justificação deverão constar de protocolo firmado pelos


órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, com os requisitos mínimos
previstos nos artigos 224 e 225 da LSA.

Os atos societários de aprovação da incorporação devem deliberar sobre as bases da


operação, as relações de troca de ações ou quotas, a subscrição de capital, se for o caso, a
nomeação dos peritos que avaliarão os patrimônios e aprovação dos respectivos laudos, a
reforma do contrato ou estatuto e a autorização aos administradores para a prática dos atos
pertinentes, inclusive arquivamento dos atos da incorporação no registro próprio.

As relações de troca geralmente são avaliadas pelo critério do patrimônio líquido


contábil, inclusive por sua neutralidade fiscal. Mas nada impede que se utilize a avaliação
econômica, a preço de mercado ou outro critério consistente.
114

A incorporação é operação societária de reestruturação muito útil e de largo emprego,


visando a concentração de patrimônios distintos numa única sociedade, quando não mais
subsistem as razões da separação patrimonial. Como a sociedade incorporadora remanesce,
as respectivas licenças de operação e registros fiscais mantêm-se íntegros, possibilitando a
continuidade operacional. A fusão, que tem natureza muito similar, de reunião de
patrimônios, não tem esta vantagem, pois as sociedades existentes são extintas, sendo
constituída nova sociedade que aglutina os patrimônios das fusionadas (e que pode levar
meses para conseguir iniciar suas operações, por conta de toda burocracia estatal). Por essa
precisa razão, de preservação da incorporadora como going concern (sociedade existente em
plena atividade), a incorporação é mais útil e a forma mais empregada para reunião de
patrimônios de duas ou mais sociedades.

A Instrução nº 81 do DREI admite expressamente a possibilidade da incorporação de


sociedade com patrimônio líquido negativo. Nesta hipótese, os atos da incorporação deverão
estabelecer os critérios de avaliação e o tratamento contábil reflexo na incorporadora.

3. Fusão

Consiste na fusão de duas ou mais sociedades, com a criação de sociedade nova, que
lhes sucede em caráter universal em todos os direitos e obrigações, extinguindo-se as
sociedades fusionadas. O patrimônio da sociedade nova é formado pelo somatório do
patrimônio das sociedades fusionadas, que devem aprovar a fusão, observados os respectivos
tipos societários.

As bases da operação e sua justificação deverão constar de protocolo firmado pelos


órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, com os requisitos mínimos
previstos nos artigos 224 e 225 da LSA.

As relações de troca geralmente são avaliadas pelo critério do patrimônio líquido


contábil, inclusive por sua neutralidade fiscal. Mas nada impede que se utilize a avaliação
econômica, a preço de mercado ou outro critério consistente.

Os atos societários de aprovação da fusão devem deliberar sobre a criação da nova


sociedade, aprovação do estatuto ou contrato social e nomeação dos novos administradores,
115

bem como sobre a distribuição do capital e a nomeação dos peritos e aprovação dos laudos
de avaliação dos respectivos patrimônios (devendo os sócios de cada sociedade fusionada
abster-se de deliberar sobre o laudo de avaliação de sua sociedade, a não ser que todos os
sócios das referidas sociedades sejam sócios de todas as sociedades fusionadas, onde então
a abstenção será impossível, como no aumento de capital com integralização de bem de
propriedade de todos os sócios), autorizando-se os administradores da nova sociedade a
praticarem os demais atos pertinentes, inclusive arquivamento dos atos de fusão no registro
próprio.

4. Cisão

A cisão é operação pela qual o patrimônio da sociedade, no todo ou em parte, é


vertido para uma ou mais sociedades, novas ou já existentes, extinguindo-se a sociedade
cindida se houver versão de todo seu patrimônio. A sucessão, na cisão, está regulada no art.
233 da LSA, havendo sucessão universal na cisão total, respondendo solidariamente as
sociedades incorporadoras, e solidariedade na cisão parcial, entre cindida e incorporadoras,
pelas obrigações anteriores à cisão, a menos que o ato da cisão delimite a responsabilidade
das últimas ao patrimônio transferido e não haja oposição de credores, manifestada no prazo
de noventa dias da publicação dos atos da cisão.

As bases da operação de cisão com incorporação em sociedade existente deverão


constar de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades
interessadas, com os requisitos mínimos previstos no artigo 224 da LSA. A justificação de
qualquer forma deverá ser submetida aos acionistas ou sócios das sociedades envolvidas,
conforme artigo 225 da LSA.

As relações de troca geralmente são avaliadas pelo critério do patrimônio líquido


contábil, inclusive por sua neutralidade fiscal. Mas nada impede que se utilize a avaliação
econômica, a preço de mercado ou outro critério consistente.

Os atos societários de aprovação da cisão devem deliberar sobre a criação de novas


sociedades, se for o caso, aprovação dos estatutos ou contratos sociais e nomeação dos novos
administradores, bem como sobre a distribuição do capital e a nomeação dos peritos e
aprovação dos laudos de avaliação dos respectivos patrimônios, bem como elementos ativos
e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, autorizando-se os administradores das
116

sociedades envolvidas e das novas sociedades, se for o caso, a praticarem os demais atos
pertinentes, inclusive arquivamento dos atos de cisão no registro próprio.

Capítulo XVIII – Sociedades de Economia Mista – artigos 235 a 242 da LSA

1. Introdução

A doutrina costuma vincular a origem das sociedades de economia mista – onde há


a associação entre capitais públicos e privados – às companhias de comércio coloniais da
Holanda e Inglaterra, no século XVII, mais remotamente à Companhia Holandesa das Índias
Orientais, criada no início do século, em 1602. Ali, pela primeira vez, limitou-se a
responsabilidade de todos os sócios ao preço de emissão das ações subscritas. Mais ainda,
foram conferidas características às ações que representavam o capital social em tudo
similares às dos títulos de crédito. Isso mediante a autorização da incorporação dos direitos
de sócio a títulos corpóreos e de livre circulação na economia, denominados ações.
Estabeleceu-se a associação entre os capitais públicos – das coroas da época – aos capitais
privados disponíveis na economia – armadores, comerciantes, senhores feudais e outros
súditos.

Enquanto Holanda e Inglaterra, em momentos sucessivos, optaram pela associação


entre capitais privados e atuação estatal, Portugal e Espanha tomaram o caminho da política
do monopólio estatal para o desenvolvimento daquela era comercial, utilizando sociedades
colonizadoras. Há ainda as companhias francesas e suecas, criadas na mesma época ou um
pouco depois (VENANCIO FILHO, 1968, p. 373).

Já no século seguinte à criação das sociedades anônimas (XVIII), verificaram-se as


primeiras fraudes, na Inglaterra, com o escândalo da South Sea Company, e na França, com
a quebra do Banco Real. Tanta gente foi arruinada e tanto capital perdido que os escândalos
devastaram o novo tipo societário e provocaram seu ocaso e banimento por longos anos
(LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, 2009, p.5).

A retomada e livre criação das sociedades anônimas, para impulsionar a Revolução


Industrial, ocorreram apenas no século XIX, em 1811 nos Estados Unidos (Estado de Nova
117

York), em 1844 na Inglaterra, e em 1867 na França. No Brasil, a livre constituição das


sociedades anônimas produziu efeitos no fim do século, em 1882 (Lei nº 3.150).

A participação direta do Estado na economia e em parceria com a iniciativa privada,


no desempenho de atividades empresárias, pode ser identificada em diversos ordenamentos
jurídicos. Não há, no entanto, completa identidade com a modalidade de sociedade de
economia mista estabelecida no sistema brasileiro, o que a torna assim única e singular.

Na Alemanha, Argentina, Eslovênia e França, dentre outros, há a possibilidade da


intervenção do Estado na economia mediante a associação entre capitais públicos e privados,
mas a constituição dos respectivos veículos nem sempre requer a forma de sociedade
anônima ou autorização legal e atendimento a relevante interesse coletivo, e nem sempre
subordina a empresa, de modo preponderante, ao direito privado, como no caso brasileiro.
Na nossa situação, há maior rigidez no modelo, a justificar a participação do Estado na
economia, através de entidade de sua administração indireta.

Entre nós foi histórica a criação do Banco do Brasil, em 1808, já naquele tempo
espécie de sociedade assemelhada à companhia anônima de economia mista – como a
conhecemos hoje –, criada com a vinda do Príncipe Regente, D. João de Bragança, em fuga
dos exércitos de Napoleão, cuja corte veio a se abrigar no Brasil em tal época, bastante
anterior ao Código Comercial brasileiro de 1850 e à liberdade de constituição de sociedades
anônimas no País (Lei 3.150/1882). Não deixava de ser sociedade assemelhada à de
economia mista, porque possuía como acionistas privados minoritários banqueiros
portugueses, associados à Coroa, e atuava como banco comercial. Atuava também, de outro
lado, como emissor de moeda e fez as tarefas de banco central até a criação deste já no século
seguinte. O Banco do Brasil já traz em si a natural tensão entre público e privado, entre ação
estatal e exploração privada da economia. Entre regulação e atividade competitiva.

O mesmo ocorreu mais de um século após, na década de 40 do século XX, no


primeiro governo do presidente Getúlio Vargas, com o início da industrialização do Brasil,
pela construção e instalação da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, sociedade de
economia mista, conquistada pelo País como resultado da nossa participação na II Grande
Guerra, primeira siderúrgica integrada estabelecida em nosso solo. A negociação entre os
governos brasileiro e americano envolvendo a criação da CSN se materializou nos chamados
Acordos de Washington e os fundos americanos originaram-se do Eximbank. A privatização
118

da CSN encerrou forte polêmica nacionalista e foi concretizada em 1993, no governo Itamar
Franco.

Como parte do mesmo projeto de desenvolvimento econômico que visava à


industrialização do País, foi criada, em 1942, a sociedade de economia mista denominada
Companhia Vale do Rio Doce - CVRD. No contexto da aproximação do Brasil com as
potências aliadas na II Guerra Mundial, a CVRD incorporou o patrimônio de jazidas da
Itabira Iron Ore Company, mediante gestões diplomáticas com o governo britânico. Na
década de 50, a CVRD já consolidara sua posição no mercado mundial, e expandiu-se nas
décadas seguintes com a construção e exploração do porto de Tubarão, nas cercanias de
Vitória (ES). Com atuação concentrada nas jazidas de minério de ferro em Minas Gerais, a
CVRD, anos mais tarde, passou a operar também em Carajás, no sul do Pará. Sua
privatização, nos anos 90, foi das mais polêmicas, tendo em vista o histórico nacionalista
envolvendo a propriedade do subsolo pelo Estado e a vedação ao controle de capitais
estrangeiros nas atividades de mineração, só suplantada pela Emenda Constitucional nº 6/95.

Houve também, na década de 50, a inauguração da nossa atividade de exploração do


petróleo, com o surgimento do monopólio estatal – decorrente de acalorados debates de então
entre forças políticas nacionalistas – levado a efeito por uma sociedade de economia mista,
a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, titular do monopólio até a década de 90 – que
passou às mãos do Estado – e participante da livre competição, nos dias de hoje.

A criação da Eletrobras, companhia de economia mista, foi também proposta, em


1954, no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, para desenvolvimento da energia
elétrica no País. O projeto, porém, sofreu forte oposição e a turbulência política da época e
só foi aprovado após sete anos em tramitação no Congresso, em 25 de abril de 1961. A
instalação da empresa ocorreu em 11 de junho de 1962, já sob a presidência de João Goulart.

Vale citar ainda o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, sociedade de economia


mista atípica, criada anos antes, na década de 30 e consolidada na década seguinte, com o
objetivo de desenvolver as atividades de resseguros e fomentar o segmento de seguros no
Brasil – à época o resseguro era contratado no Reino Unido e alhures e o seguro dominado
por empresas internacionais –, e que até recentemente atuou como órgão regulador e
sociedade monopolista, com o controle da União Federal e participação variável das
sociedades seguradoras nacionais. Já no final do governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, na preparação da privatização da atividade, o IRB foi transformado em sociedade
119

de economia mista típica e perdeu seus poderes regulatórios, transferidos à Superintendência


de Seguros Privados – Susep, deixando de atuar como monopólio, em razão da abertura do
setor de resseguros à competição.

Finalmente, dentre tantas situações especiais, cumpre fazer referência à Rede


Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, outra companhia de economia mista, criada na década
de 50, em 1957, para abrigar as atividades ferroviárias brasileiras, então fragmentadas em
diversas ferrovias regionais de natureza distinta, cobrindo boa parte do território nacional, e
que sucumbiu por graves problemas de gestão, tendo suas atividades privatizadas na década
de 90.

No programa brasileiro de privatização, tanto federal como estadual, a partir das


décadas de 80 e 90, foram privatizadas atividades (no todo ou em parte) e sociedades de
economia mista de diversos setores, como: siderurgia (CSN, Usiminas, Cosipa, Companhia
Siderúrgica de Tubarão – CST, Açominas,, etc.); petroquímica e fertilizantes (Petroquisa,

etc.); indústria de aeronaves e jatos comerciais (Embraer, etc.); telefonia móvel e fixa
(Telesp, Telerj, etc.); gás (CEG, CEG-Rio, etc.); energia elétrica – produção, transmissão e
distribuição (Eletropaulo, Light, etc.); mineração (Vale S.A., anteriormente denominada
Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, etc.); sistema financeiro e de resseguros (com
destaque para os bancos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro – Banespa e Banerj, e as
atividades do IRB, estas antes monopolistas); transporte ferroviário de cargas e passageiros
(RFFSA, etc.); água e saneamento (hoje ainda incipiente); portos e aeroportos (Galeão,
Guarulhos, etc.); rodovias e pontes (ponte Rio-Niterói, rodovia Castelo Branco-Raposo
Tavares, dentre várias outras).

Mas a iniciativa e o capital do Estado eram essenciais – e ainda serão - ao


desenvolvimento de várias das citadas atividades, e de outras na economia, pela escassez de
capital privado ou pela necessidade ditada por políticas públicas.

2. Intervenção do Estado no domínio econômico

A prevalência da liberdade econômica ou livre iniciativa no Brasil constitui tradição


política e jurídica que remonta à Constituição Federal de 1934 (art. 115 e seguintes), que foi
a primeira a contemplar capítulo sobre a ordem econômica. É importante notar que a opção
foi feita em sistema econômico notadamente agrário, pois a atividade industrial era
120

rudimentar e ainda não se instalara no País. A atuação do Estado é complementar, motivada


pelo interesse público e autorização legislativa.

A Constituição Federal de 1937 (art. 135 e seguintes) mantém a primazia da liberdade


de iniciativa, regulando que a intervenção estatal na economia deve ocorrer como medida
para suprir deficiências da iniciativa individual.

A tradição é mantida na vigência da Constituição Federal de 1946 (artigos 145 e


seguintes), que elege a preponderância da liberdade de iniciativa, admitindo a intervenção
do Estado mediante lei e interesse público, nos limites dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1967 (artigos 157 e seguintes) confirma a tradição da livre


iniciativa e economia de mercado, e regula que a intervenção estatal no domínio econômico
deve ocorrer mediante lei, em situação de segurança nacional ou em que a atividade não
possa ser organizada pela livre competição.

Idêntica regulação é feita pela Emenda Constitucional de 1969 (artigos 160 e


seguintes), preservando assim a prevalência do regime econômico da liberdade de iniciativa.

Seguindo o mesmo passo, a liberdade de iniciativa, de maneira mais sistemática e


completa, consta da Constituição vigente de 1988. Assim é que o artigo 1º, inciso IV
consagra a livre iniciativa como um de seus princípios basilares. O artigo 37, incisos XIX e
XX, trata da administração indireta, da exigência de lei específica para criação de sociedades
de economia mista e empresas públicas, e autorização legislativa, em cada caso, para criação
de subsidiárias e participação em empresas privadas. Os artigos 170 e 173 confirmam a
prevalência da livre iniciativa, e o relevante interesse coletivo para interferência do Estado,
contendo normas gerais sobre a regência das sociedades de economia mista e empresas
públicas.

Na realidade, a sistematização do conceito de administração pública indireta e das


sociedades de economia mista – com capitais públicos e privados –, empresas públicas –
com capitais públicos –, ambas com regência preponderante pelo direito privado, bem como
autarquias e fundações públicas, estas com regência preponderante pelo direito público, foi
feita pelo Decreto-Lei nº 200/1967, alterado principalmente pelo Decreto-Lei nº 900/1969.

As regras assim criadas foram constitucionalizadas em 1988, e o sistema se


consolidou. Até então a regência constitucional era programática e menos detalhista. As
sociedades de economia mista e empresas públicas têm personalidade jurídica própria e
121

natureza de direito privado (embora também sujeitas a normas públicas de enorme


relevância), representando em essência o marco da atuação descentralizada do Estado –
intervenção direta e descentralizada do Estado no domínio econômico.

Verifica-se que mesmo em períodos de exceção da ordem jurídica e política não


houve afastamento do primado da livre iniciativa e da economia de mercado, como princípio
condutor da economia brasileira, estabelecido em 1934, antes ainda da industrialização do
País, época em que a atividade agrária era preponderante e quase exclusiva.

Muito embora, reconheça-se, o Estado brasileiro – ao longo de toda nossa história –


desempenhe um forte papel intervencionista na economia, cabendo às sociedades de
economia mista e empresas públicas, tradicionalmente, enorme relevo na intervenção estatal
no domínio econômico, tanto pelas políticas públicas, como pelas carências de capital da
iniciativa privada.

As sociedades de economia mista são do tipo sociedades anônimas, regem-se


primordialmente pelo direito privado, e são aptas a estabelecer a convivência entre capitais
e interesses públicos e privados.

Por força do artigo 173 da Constituição Federal, que contém as normas de fundo
sobre as sociedades de economia mista, estas estão sujeitas ao regime próprio das empresas
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários, sem prejuízo dos princípios da administração pública – legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, inclusive licitação e contratação de
obras, serviços, compras e alienações, na forma da lei, pois integram a administração
indireta. Consubstanciam a exploração direta e excepcional pelo Estado da atividade
econômica, só permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo.

A regra constitucional referida é adicionada de outra, prevista nos incisos XIX e XX


do artigo 37 da Carta, no sentido de que somente ‘lei específica’ pode autorizar a instituição
de sociedade de economia mista, e de que depende de autorização legislativa ‘em cada caso’
a criação de subsidiárias, por tal sociedade, ou sua participação em empresa privada.

O legislador foi cuidadoso na delimitação da atividade das sociedades de economia


mista. Mas o que se viu, com a passagem do tempo, é que muitas das leis que autorizaram a
criação de tais sociedades foram concebidas ou alteradas para prever expressamente a
122

possibilidade de criação de subsidiárias ou participação no capital de outras sociedades,


independentemente de nova autorização legislativa. Isso ocorreu em Petrobras, Eletrobras,
Banco do Brasil e Cemig. Chamado a manifestar-se, na Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.649-1 Distrito Federal, que dizia respeito à Petrobras, o Supremo Tribunal Federal-
STF, em julgamento plenário e decisão unânime, relator Ministro Maurício Corrêa, de 24 de
março de 2004, entendeu que a sociedade criada ou que tenha participação de sociedade de
economia mista não tem a mesma natureza (de economia mista) e logo prescinde de
autorização legal para sua constituição. A autorização legislativa em ‘cada caso’ refere-se a
cada companhia de economia mista, e não a cada nova participação. Disse a decisão do STF:
“é dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiárias, desde que
haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de economia mista matriz,
tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora.” Logo, o STF fixou a
diretriz de que a autorização genérica da Lei do Petróleo é válida (Lei nº 9.478, 1997, artigo
64).

Novamente provocado a manifestar-se, em caso envolvendo a Lei de


Telecomunicações (Lei nº 9.295/1996), em Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.491 Distrito Federal, cerca de dez anos depois, em 8 de maio de
2014, o STF, em julgamento plenário, relator Ministro Carlos Velloso, sucedido pelo
Ministro Ricardo Lewandowski, por maioria de votos, manteve seu entendimento.

Restou assim decidido que as sociedades de economia mista que possuam permissão
genérica na lei que autorizou sua criação podem livremente constituir e participar do capital
de outras sociedades. Estas sociedades, mesmo que controladas, não são sociedades de
economia mista. Da mesma forma, só a alienação do controle de sociedades de economia
mista e de empresas públicas requer lei autorizativa, porque caracteriza a privatização ou
desestatização do ente estatal. A alienação de subsidiárias e outros investimentos independe
de lei, pois constitui mero desinvestimento.

A intenção pode ter sido a melhor, mas o resultado é que as sociedades de economia
mista brasileiras criaram vastos grupos econômicos, aqui e no exterior, o que traz uma
primeira questão sobre o controle e governança dessas sociedades.

A autorização excepcional para intervenção direta do Estado no domínio econômico,


sujeita ao escrutínio do interesse público, via tal interpretação, vai colocando raízes cada vez
123

mais profundas e menos visíveis, pela técnica da diversificação e verticalização dos grupos
econômicos.

No plano constitucional, houve diversos projetos de lei em tramitação no Congresso


Nacional visando à regulamentação do artigo 173 da Carta, com especial ênfase na
governança das sociedades de economia mista e empresas públicas. Isso tudo muito
agravado pela severa crise na Petrobras, revelada desde 2014/5, com consequências
dolorosas para a companhia, seus acionistas e toda a sociedade brasileira, perplexa, diante
dos fatos desvelados, com tantos descaminhos e contas a pagar.

Nesta trilha, o Congresso aprovou mais recentemente a Lei nº 13.303, de 30 de junho


de 2016, sobre o estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista e
suas subsidiárias, cuja eficácia não foi ainda testada, mas que regula diversos aspectos sobre
governança e submissão de tais entidades a controles mais severos e regras de licitação
pública.

3. Organização da sociedade de economia mista

No contexto legal, as sociedades de economia mista estão ainda reguladas no capítulo


XIX da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), nos artigos 235 a 240. O sistema
dessas sociedades impõe o funcionamento obrigatório do conselho de administração e do
conselho fiscal, sendo ou não companhia aberta registrada na Comissão de Valores
Mobiliários, para negociação de ações ou debêntures (ou outros títulos) no mercado de
capitais.

Isso reforça a governança e cria duas instâncias internas de fiscalização. Além disso,
as sociedades que possuem ações ou títulos negociados no exterior, ou que sejam instituições
financeiras de grande porte ou companhias mais sofisticadas, geralmente possuem ainda
comitê de auditoria, como órgão auxiliar do conselho de administração (e essa exigência de
instituição do comitê de auditoria vem de ser tornada geral para as estatais pela Lei nº
13.303/2016).

Nas companhias abertas há ainda até dois membros do conselho de administração


eleitos por acionistas preferenciais (se houver) e minoritários ordinários e – no caso de
companhias de economia mista federais – mais um membro eleito pelos empregados (Lei nº
6.404/1976, artigo 141 e Lei nº 12.353/2010).
124

É precisamente o caso da Petrobras e a estrutura interna de fiscalização não foi


suficiente para impedir as fraudes já comprovadas. Tampouco a estrutura externa, composta
por auditores independentes e pela fiscalização do órgão regulador (CVM).

A Lei n° 13.303/2016 veio a estabelecer o estatuto das estatais e fortaleceu sua


estrutura interna e regras de licitação em compras e contratação de serviços. Vamos observar
o por vir na atuação, governança e compliance relacionadas a tais entidades.

4. Responsabilidade subsidiária pelo Estado

Aspecto que é fundamental e que normalmente não recebe a devida atenção é a


revogação pela reforma de 2001 (Lei nº 10.303) do artigo 242 da LSA, que estabelecia que
as companhias de economia mista não se sujeitavam à falência (embora seus bens sejam
penhoráveis e executáveis) e que os entes estatais que as controlassem responderiam
subsidiariamente por suas obrigações.

Tal dispositivo legal era essencial, pois tradicionalmente no Brasil a sociedade de


economia mista não se sujeita à falência, como previsto no artigo 2º da Lei de Falências e
Recuperações em vigor (Lei nº 11.101/05), posterior mesmo à revogação do aludido artigo
242, o que mostra a força da tradição (compatível com a presunção de solvência do Estado).

Em que pese opinião de parte da doutrina que sustenta que entes públicos não podem
ter obrigações ilimitadas, o fato é que não se pode dissociar o Estado controlador da
sociedade de economia mista por ele controlada, instrumento de intervenção direta do Estado
no domínio econômico.

Se o Estado é responsável por suas obrigações próprias, ilimitadamente, também


deve ser, em caráter subsidiário, pelas obrigações do instrumento de intervenção estatal,
como a sociedade de economia mista.

Além do mais, se a sociedade de economia mista depende de lei para sua criação,
somente mediante autorização legislativa seu controle poderá ser alienado (como
efetivamente ocorreu nos programas de desestatização federais e estaduais, desde as décadas
de 80 e 90 do século passado).

Mesmo o controle provisório, decorrente da reaquisição do voto pelas ações


preferenciais, em virtude do não pagamento de dividendos prioritários (caso o capital das
125

respectivas companhias seja representado por ações preferenciais revestidas de direitos


assim assegurados), com base em disposição do artigo 111 da LSA, pode sofrer contestação
pela especialidade das sociedades de economia mista. Isso porque há colisão entre a norma
geral da Lei societária e o Decreto-Lei nº 200/1967 (artigos 4º, II, ‘c’ e 5º, III), segundo o
qual as ações com direito a voto das sociedades de economia mista devem pertencer em sua
maioria ao Poder Público. O mesmo conceito é reiterado pela Lei nº 13.303/2016.

Em decisão nos processos CVM RJ – 2015 – 4307 e 4341, de 18 de maio de 2015, a


área técnica da autarquia entendeu que as ações preferenciais não adquirem voto na
Petrobras, por disposição expressa do artigo 62, § único da Lei do Petróleo (Lei nº
9.478/1997).

Mas não chegou a examinar a compatibilidade entre a reaquisição do voto – e


eventual alteração provisória de controle – e a natureza da companhia de economia mista,
cujo controle deve pertencer ao Estado. Na colisão entre norma geral e especial, deve
prevalecer a última delas, como princípio básico de hermenêutica (a teor do artigo 2º da
LINDB).

Retomando o tema da responsabilidade subsidiária do Estado, na falta do comando


do citado artigo 242 da LSA, há um vácuo legislativo, que poderá ser preenchido, se
necessário, com o artigo 50 do CC, que trata da desconsideração objetiva da personalidade
jurídica, em caso de confusão de patrimônios (a par da desconsideração subjetiva por desvio
de finalidade ou fraude, não considerada neste exame), como já tem decidido o Superior
Tribunal de Justiça, em casos de grupos econômicos, como no REsp nº 132620/RJ,
julgamento de 7 de maio de 2013, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma (idem
REsp nº 1071643/DF e RMS nº 12872/SP, dentre outros, relatores Ministros Luis Felipe
Salomão (Quarta Turma) e Nancy Andrighi (Terceira Turma), julgados em 2 de abril de
2009 e 24 de junho de 2002, respectivamente).

A nossa jurisprudência adotou majoritariamente o caminho do direito alemão, de


presunção juris tantum de confusão de patrimônios nos grupos econômicos, onde há
sociedade de comando e fortes elementos entre as sociedades do grupo, como gestão
conjunta, identidade de administradores e empregados relevantes, financiamentos entre as
sociedades do grupo, utilização de ativos de umas por outras (ainda que de forma
remunerada) e transações entre as empresas do grupo, elementos esses em geral comuns a
grupos econômicos, com mais ou menos intensidade, tendo em vista a natural coordenação
126

das atividades do grupo, que é formado justamente para potencializar ou maximizar as


atividades das sociedades que dele fazem parte.

Muito embora, no direito brasileiro, a lei não excepcione o regime liberal de


responsabilidade individual e isolada de cada sociedade, mesmo em situações de exceção,
como nos grupos de direito (onde é admitida a subordinação de interesses, nos limites da
convenção do grupo) ou nas subsidiárias integrais (onde a participação da controladora
corresponde à totalidade do capital da controlada).

No direito alemão, a lei admite a responsabilidade subsidiária nos grupos de direito


e a solidária nas subsidiárias integrais. A jurisprudência alemã estende a possibilidade de
responsabilidade subsidiária externa corporis aos grupos de fato, com base na presunção de
confusão patrimonial.

Com efeito, se é estabelecida a presunção juris tantum de que haveria algum nível de
confusão patrimonial entre controlador e controlada, em grupo de sociedades, de fato ou de
direito, a mesma interpretação deveria ser estendida ao Estado controlador, que possui o
dever de fazer a sociedade cumprir sua função social (em adição, e como matéria de fato, as
sociedades de economia mista de grande porte geralmente compõem grupos econômicos de
expressiva complexidade e relevante valor patrimonial).

Caso recente de sociedade de economia mista insolvente é o da Rede Ferroviária


Federal S.A. – RFFSA, cujas atividades foram privatizadas na década de 90, mas que não
conseguiu equacionar suas dívidas, embora tenha sido beneficiária de expressiva
remuneração via o arrendamento de seus ativos operacionais, como desenhado no programa
de desestatização pelo BNDES. A solução encontrada foi sua dissolução determinada pelo
Decreto nº 3.277/1999, expedido com base na autorização geral contida no artigo 24 da Lei
nº 9.491/1997 (dissolução de entidades desestatizadas). Foi a final autorizada, pela Lei nº
11.483/2007, a incorporação do seu patrimônio à União, que sucedeu a RFFSA de modo
universal, em direitos e obrigações.

Em outras palavras, a solução encontrada foi responsabilizar subsidiariamente o


Estado controlador, tal como previsto anos antes no artigo 242 da LSA, hoje revogado. Isto
equivale à repristinação (de fato) da norma revogada para este caso concreto da RFFSA.

5. Limites do interesse público


127

Questão mais densa diz respeito ao artigo 238 da LSA, no sentido de que o Estado
controlador tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador, mas pode orientar
as atividades da sociedade de economia mista de modo a atender ao interesse público que
justificou sua criação. Tal dispositivo encontra guarida no artigo 173 da Constituição, que
limita a intervenção do Estado, via companhia de economia mista, a ‘imperativo de
segurança nacional ou relevante interesse coletivo’. O mesmo conceito também é reiterado
pela Lei nº 13.303/2016, que se reporta à Lei societária.

O dispositivo do artigo 238 da Lei societária contém certa ambiguidade – típica da


colisão entre interesse público e privado – e que é intrínseca à natureza da companhia de
economia mista.

De um lado, o Estado controlador tem os mesmos deveres fiduciários e fundamentais


do acionista controlador, devendo fazer com que a sociedade realize seu objeto e cumpra sua
função social, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa,
os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve
lealmente respeitar e atender. De outro, pode orientar as atividades da companhia de modo
a atender ao interesse público que justificou sua criação.

Antes de passar à análise do interesse público ‘primário’, que é legítimo para


subordinação dos interesses da sociedade, resta enfatizar que a ambiguidade apontada é
relativa e a colisão parece perfeitamente conciliável, pois a LSA já introduz nos deveres
fundamentais do controlador o cumprimento de sua ‘função social’, qualificando a
‘realização de seu objeto’, que visa, evidentemente, pela própria natureza da sociedade, à
geração de lucros, mas nos limites da função social da empresa e do interesse público ou
coletivo subjacente, em se tratando de sociedade de economia mista.

Sobre a função primordial de qualquer sociedade anônima na geração de lucros não


há disputa razoável.

Por conseguinte, como qualquer outra sociedade responsável, a companhia de


economia mista não deve buscar o lucro a qualquer preço, não podendo negligenciar sua
função social e os direitos e interesses – legítimos – dos acionistas, trabalhadores e
comunidade, que deve lealmente respeitar. Em acréscimo, deve perseguir, no mesmo
diapasão, o interesse público que justificou sua criação. Mas não pode ser gerida de maneira
ruinosa na busca desse interesse coletivo. O controlador há de sopesar interesses e conciliá-
los nos limites das balizas da boa administração, com responsabilidade e razoabilidade.
128

A Comissão de Valores Mobiliários, em duas decisões unânimes julgadas pelo seu


colegiado em 26 de maio de 2015, relatora Diretora Luciana Dias, nos processos
administrativos sancionadores CVM nº RJ2013/6635 (caso “Eletrobras”) e CVM nº
RJ2012/1131 (caso “EMAE”), o primeiro envolvendo como acionista controlador a União
Federal e o segundo o Estado de São Paulo, produziu duas corajosas decisões que
envolveram o alcance do interesse público previsto no artigo 238 da LSA, bem como a
fixação de conflito de interesses do controlador, no primeiro caso, e do descumprimento de
deveres fiduciários fundamentais do controlador, no segundo caso, em descumprimento aos
artigos 115 e 116, respectivamente, da mesma Lei. Vamos ao exame resumido dos casos.

No primeiro deles (caso “Eletrobras”), a CVM foi confrontada com reclamação de


acionista minoritário pela ação da União, de haver votado em assembleia geral extraordinária
da Eletrobras a favor da renovação antecipada de contratos de concessão de geração e
transmissão de energia elétrica que foram celebrados entre controladas da Eletrobras e a
União, poder concedente e concessionárias. A renovação foi feita ao amparo de legislação
excepcional que visava a diminuir o custo da energia elétrica no País, mas que teve efeitos
opostos, gerando enormes perdas para a Eletrobras. Esta foi obrigada pela União a aderir ao
malfadado programa de redução de custos, enquanto as concorrentes não controladas pela
União o rejeitaram.

A Eletrobras renunciou à manutenção de tarifas nos níveis praticados pelo mercado,


bem como aos direitos de indenização, pela União, sobre ativos contabilizados referentes às
empresas operacionais por ela controladas (Furnas, Chesf). A perda experimentada pela
Eletrobras elevou-se a bilhões de reais.

Ao analisar a questão sob a ótica do artigo 238 da LSA, de que o controlador estatal
pode orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público, a CVM
distingue o interesse público primário protegido pela norma, que se circunscreve ao interesse
coletivo inscrito no artigo 173 da Constituição Federal, do interesse público secundário, que
consubstancia o interesse próprio ou particular do Estado, mas que não se confunde com o
interesse da coletividade propriamente dito, confiado à tutela do Estado.

O interesse público primário ou coletivo, em verdade, se circunscreve ao interesse de


todos os cidadãos na consecução daquela atividade essencial pelo Estado, e não se confunde
com o interesse particular – legítimo ou não –, direto ou indireto, da entidade estatal, seja
financeiro, patrimonial, econômico ou de outra natureza.
129

Em Eletrobras, as ações visando à produção, transmissão e distribuição de energia se


inserem no interesse público primário objeto de proteção. Mas decisões sobre aceitar uma
política de governo para supostamente reduzir os custos da energia elétrica – em troca da
renovação de concessões, com renúncia expressiva de direitos – em prejuízo da companhia
e de seus acionistas, política rejeitada pelo restante do mercado e que se mostrou desastrosa,
sob todos os aspectos, não se inserem na primeira categoria, mas no interesse secundário,
perseguindo uma política de governo estranha aos interesses legítimos e fundamentais da
Eletrobras.

Retirando a União do abrigo do interesse público protegido pelo citado artigo 238 da
LSA, caminhou a CVM pela análise da colisão de interesses entre a União e a Eletrobras, no
caso, pois o indigitado programa de redução de custos era programa de governo que a União
decidiu impor à Eletrobras, ainda que os legítimos interesses da última restassem vulnerados.

O conflito de interesses é caracterizado pela existência de dois interesses


antagônicos, um externo e outro interno à companhia, não podendo um ser atendido sem
sacrifício ou prejuízo do outro.

Concluiu, por conseguinte, a CVM pela violação do artigo 115, § 1º da Lei das
Sociedades Anônimas, pelo voto e aprovação pela União de matéria em situação de claro
conflito de interesses, como formuladora da política em questão e, simultaneamente, na
qualidade de acionista controladora da Eletrobras.

A CVM não chegou a encaminhar a questão pelo abuso de controle e pela violação
do artigo 117 da aludida Lei, eximindo-se de avaliar o mérito da política governamental em
questão, embora registrando que a União, autora da política, não poderia ter isenção para
aprová-la na assembleia geral de acionistas da Eletrobras. Isso sem embargo da ação
deliberada de fazer a companhia atender a determinação de governo contrária a seus
legítimos interesses.

No caso EMAE, a CVM também foi confrontada com reclamações de acionistas


minoritários pela reiterada omissão do Estado de São Paulo, na qualidade de controlador,
para dirimir antiga disputa entre EMAE e Sabesp, ambas controladas pelo Estado. Ocorre

que a Sabesp utiliza e vem utilizando regularmente os reservatórios de água da EMAE para
abastecimento da cidade de São Paulo, sem, todavia, pagar qualquer remuneração ou
compensação em contrapartida. A EMAE apresenta perdas e prejuízos pela impossibilidade
130

de geração de energia face à utilização da água pela Sabesp (outra destinação dada aos
reservatórios da EMAE).

Avaliando a questão do interesse público primário, ficou claro que ambas as


companhias o estavam perseguindo, com prevalência para o abastecimento de água para a
população de São Paulo, por se tratar de bem essencial, ainda mais em recente período de
grave falta de chuvas, que quase levou a cidade de São Paulo ao colapso e desabastecimento.
Porém, a questão da remuneração da EMAE pela Sabesp foi entendida pela CVM como
matéria que envolve o interesse particular e secundário de cada uma delas, relacionando-se
a questão econômica e financeira.

Logo, o Estado de São Paulo, como controlador de ambas, não poderia ter se omitido
ao longo dos anos na solução de pleito legítimo da EMAE, eis que na sua esfera de interesse.

Pela omissão do Estado de São Paulo, a CVM entendeu que houve violação dos
deveres fiduciários para com os acionistas minoritários da EMAE, previstos no § único do
artigo 116 da Lei das Sociedades Anônimas.

Aqui, tampouco, a CVM deu o passo de enquadrar o Poder Público em abuso de


controle por omissão, ainda que comissão por omissão, pela inércia no dever de agir,
limitando-se a decretar a violação de deveres fiduciários.

A decisão também encerra novidade, pois desconecta os deveres fiduciários do artigo


116 do abuso de controle do artigo 117, tratando-os de forma independente.

As sociedades de economia mista e empresas públicas têm inegável significância na


história e na economia brasileiras. Passando, na década de 50 do século XX, de uma
economia rural e pouco diversificada para o salto da industrialização tardia e da sofisticação
de todos os níveis de produção de bens e serviços, isso tudo também foi conquistado com a
presença do Estado, através do Banco do Brasil e da então Caixa Econômica da Corte (atual
Caixa Econômica Federal), desde o Império, e de CSN, Vale, Petrobras, BNDES, Eletrobras,
RFFSA e IRB, dentre outros, a partir das décadas de 40 e 50 do último século.

Hoje, mesmo após a política de privatização, remanescem empresas públicas e


sociedades de economia mista da maior relevância para o País. A Petrobras é das mais
importantes petroleiras do mundo e a maior companhia brasileira. Em ativos e valor e
participação de mercado, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal se inserem dentre
as principais instituições financeiras brasileiras, sem embargo da grandeza de grupos
131

privados como Itaú Unibanco e Bradesco, todos fazendo parte dos principais conglomerados
financeiros das Américas. A Eletrobras é um gigante no setor elétrico. E assim por diante.
É fundamental que sejam bem geridas e com responsabilidade.

Há dificuldade em quantificar os danos gerados em Petrobras, Eletrobras, Banco do


Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, e outras, sem mencionar os fundos de pensão por
eles patrocinados, como resultado da crise dos últimos anos, que ainda não cessou. Talvez
nem se quantifique, tendo em vista as inúmeras decisões judiciais que retrocederam a
conhecida operação ‘Lava-Jato’.

É necessário que essas entidades estejam focadas em seus objetivos legítimos,


respeitem lealmente comunidade, empregados, funcionários e acionistas minoritários, e
sejam geridas com atenção aos interesses públicos primários para os quais foram criadas.

Não podem ficar a cargo de interesses partidários ou políticas de governo imediatistas


e sofrer desvio de finalidade.

A Petrobras deve produzir e distribuir petróleo e derivados, com responsabilidade.


Não deve ser instrumento de política econômica para conter preços no mercado.

A Eletrobras deve gerar e distribuir energia, com responsabilidade. Não pode ser
instrumento de políticas de curto prazo para baixar o preço da energia a qualquer custo, como
comprovado no processo da CVM acima relatado.

O Banco do Brasil deve atender ao crédito agrícola e demais políticas pertinentes,


mas dentro de parâmetros de razoável remuneração do custo de captação e intermediação.

Essas e outras entidades de interesse público devem fazer políticas de Estado, de


longo prazo, com adequado planejamento. Devem servir ao interesse coletivo para o qual
foram criadas, sem desvio de finalidade.

Assim, é fundamental melhorar o arcabouço de governança dessas entidades, fazendo


com que sejam geridas por profissionais responsáveis, comprometidos com seus verdadeiros
objetivos.

Ao lado de melhores regras e do aperfeiçoamento do sistema vigente, há necessidade


de mudança de mentalidade. As sociedades de economia mista e empresas públicas devem
servir a políticas de Estado, não a interesses ocasionais de governos.
132

Havendo interesse coletivo relevante, o setor público ainda é indispensável, deve ser
gerido com responsabilidade e receber os investimentos necessários à sua atuação na
economia.

Parece essencial, em síntese, que seja dado efeito concreto à regulamentação do


artigo 173 da Constituição federal – com base na implementação das disposições da Lei nº
13.303/2016 - e alterada a mentalidade no País a respeito da intervenção do Estado na
economia, observando-se: a conveniência e oportunidade do controle da constituição e
manutenção de vastos grupos econômicos por sociedades de economia mista; o controle
sobre a indicação e nomeação de administradores profissionais por empresas públicas e
sociedades de economia mista, vedando-se a presença de ministros de Estado e autoridades
públicas em geral, no exercício de outros cargos (e afastando-se, com isso, a enfermidade do
conflito de interesses crônico, como ocorreu no Brasil no passado recente); o
restabelecimento da responsabilidade subsidiária do Estado na insolvência de sociedade de
economia mista (hoje há vácuo legislativo); a manutenção do controle das entidades de
interesse público, enquanto o interesse geral e relevante prevalecer (inclusive tornando claro
que não haverá perda provisória de controle, mesmo se houver prejuízo eventual e ações
preferenciais com dividendos prioritários), fazendo com que tais entidades recebam os
investimentos necessários e sejam geridas responsavelmente; e, finalmente, a privatização
das entidades ou atividades que não mais estiverem a serviço do interesse público,
permitindo que o Estado dirija o foco ao bem-estar comum, prioritariamente em educação,
saúde, segurança, transporte, infraestrutura e outras políticas públicas do País.

Convém recordar que a intervenção do Estado na economia deve pautar-se pelos


limites do interesse público e da segurança nacional. Nossa ordem econômica é orientada
pela economia de mercado e pelo princípio fundamental da liberdade de iniciativa.

É evidente que no Brasil a presença do Estado na economia é fundamental e


continuará tendo enorme utilidade, mas desde que seja feita com qualidade, eficiência e
responsabilidade.

6. Colisão e ponderação de princípios constitucionais: solução de índole


essencialmente política

É fundamental perceber que há viabilidade na tese de que há complementariedade


entre investimentos públicos e privados.
133

Há possibilidade de harmonia e quando houver colisão, pela ponderação dos


princípios constitucionais, deve prevalecer o interesse público relevante em face do interesse
individual. A visão da intervenção, da excepcionalidade, nesta ótica, perdeu atualidade com
a evolução e efetividade dos princípios constitucionais, ao longo de nossa história, à frente
a dignidade da pessoa humana e os princípios solidários e sociais, que qualificam os demais.

Outra discussão é sobre a determinação do interesse público e sua evolução ao longo


dos tempos. A ênfase está posta nas sociedades de economia mista e empresas públicas,
veículos da atuação direta do Estado na economia.

Os objetivos gerais e específicos do tema levam em conta a evolução legislativa e


política do País, vis-à-vis a sua evolução histórica, jurídica e social-econômica. A realidade
é que a presença do Estado, através das sociedades de economia mista e empresas públicas,
faz parte das transformações políticas, jurídicas, econômicas e sociais do Brasil. E nos
permite compreender o Brasil de hoje e projetar nosso futuro.

A análise do papel e relevância da atividade estatal é crucial e permeia toda a


discussão sobre oportunidades de privatização, bem como situações em que a presença do
Estado pode ser determinante ou não, como petróleo e gás natural, crédito agrícola, geração
de energia, políticas públicas as mais diversas, como educação, assistência médica,
fornecimento de água e saneamento básico, infraestrutura em geral, meio-ambiente,
seguridade social, habitação, transporte e segurança pública.

Dentro de uma visão inovadora e humanista, o conceito de ‘intervenção’ do Estado


na economia discutido pelos publicistas desde a Constituição Federal de 1934 parece
desafiado pela possibilidade de atuação harmoniosa entre Estado e iniciativa privada,
segundo os valores sociais e humanos da Carta de 1988.

Ninguém tem dúvida de que o Estado deve ser eficiente nas políticas públicas, tanto
na atuação direta como na indireta. Mas que é preciso repensar o País e agir de maneira
pragmática, sem o viés ideológico paralisante que leva o Brasil ao caos econômico e social
de hoje.

É necessária a presença do Estado onde há interesse público relevante e nesses casos


a atuação estatal deve observar tal interesse e atuar de maneira complementar à livre
iniciativa, sempre que isto se fizer possível.
134

Cumpre ressaltar, porém, que o interesse público relevante é pressuposto para a


existência e permanência da atividade direta do Estado na economia. Não havendo mais
interesse público de tal relevância, o Estado deve privatizar o veículo, fazer a concessão do
serviço público ou o desinvestimento, como tem sido feito ao longo da história do País,
sempre, e desde, ressalte-se, com a observância da lei e dos princípios gerais aplicáveis à
administração pública.

A decisão sobre se há ou não a permanência do interesse público relevante é


eminentemente política, protagonizada pelos poderes Legislativo e Executivo, sob a
supervisão do Judiciário, no necessário equilíbrio entre os poderes da República. Mas com
muita ênfase na boa política, no melhor interesse coletivo.

Questões políticas são delicadas e devem ser adequadamente sopesadas. Há


companhias e empresas geralmente consideradas de especial interesse público, como
Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. Privatizações e
desinvestimentos no seu entorno são opções presentes que devem ser conduzidas com
cautela.

Face ao exposto, conclui-se que há ações eminentemente estatais que devem


continuar estatais e se tornar mais eficientes, como as políticas públicas de educação,
segurança, transporte, saúde e habitação. Outras ações, em especial no que tange à atividade
econômica e demais serviços públicos (sempre que haja compatibilidade), podem e devem
ser lideradas pela iniciativa privada. Num caso e noutro pode haver complementariedade,
como já existe em todos os setores acima referidos, em maior ou menor escala. Mas a busca
pela eficiência e desenvolvimento do País é o objetivo principal no cumprimento da
efetividade das normas constitucionais. O Brasil é um País plenamente viável que precisa de
gestão pública de qualidade. E isso inclui as opções de interesse público relevante onde o
Estado deve estar presente.

Capítulo XIX – Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas – artigos


243 a 264 da LSA

Seção I - Grupos de sociedades de fato e de direito – visão geral


135

Até a disciplina dos grupos de sociedades, a LSA regula a sociedade anônima


individualmente como ente separado, regida pelo sistema jurídico que lhe é particular - leis
e regulamentos estatais aplicáveis, estatuto social e contratos parassociais (acordos de
acionistas) firmados pelos seus sócios e devidamente arquivados e averbados nos seus livros
próprios ou junto ao agente escritural, além de contratos preliminares relativos à fase de
formação da sociedade. A partir deste capítulo, porém, a LSA passa a regular a sociedade
anônima como parte de um todo definido como grupo econômico ou grupo de sociedades,
de fato ou de direito.

Os grupos econômicos foram formados e passaram a ser reconhecidos e permitidos


no final do século XIX, como resultado da consolidação das atividades econômicas a partir
da Revolução Industrial.

Os grupos de fato são resultado das relações de fato de controle e coligação entre
sociedades e estão regulados no capítulo XX da LSA, que é capítulo riquíssimo, com normas
especiais sobre prestação de contas aos acionistas; participação recíproca entre sociedades
do grupo; regime de responsabilidade dos administradores e sociedades controladoras (e
regime de relacionamento de cooperação entre as sociedades do grupo, vedado o
favorecimento de uma sociedade em detrimento de outra); regime especial de demonstrações
financeiras, reconhecimento contábil de investimentos e consolidação de demonstrações
contábeis; subsidiária integral (sociedade anônima que tem como único acionista - cem por
cento do capital – outra sociedade brasileira).

Além de tal acervo complexo de normas, o capítulo XX ainda trata das ofertas
públicas na alienação e na aquisição de controle de companhia aberta; da autorização para
alienação de controle de companhia aberta e aquisição de controle por companhia aberta; e
da incorporação de companhia controlada.

Os grupos de direito estão regulados no capítulo XXI da LSA, decorrem de contrato


entre a sociedade de comando e suas controladas, denominado convenção de grupo. E são
raríssimos, como será abordado abaixo. Sua característica marcante é a admissão da
subordinação das sociedades integrantes do grupo aos interesses do grupo ou da sociedade
de comando, nos limites da convenção de grupo. Tal subordinação é vedada nos grupos de
fato, cujas relações entre as sociedades são regidas pela coordenação de interesses, devendo
as respectivas administrações e controladores, nos grupos de fato, fazer com que cada
136

sociedade seja administrada no seu melhor interesse, que não pode ser prejudicado em
benefício do grupo ou da sociedade de comando.

Embora nos grupos de sociedades haja o interesse do grupo, cujo valor conjunto
geralmente pode suplantar o valor individual de cada sociedade, é preciso cuidado na gestão
dos interesses do conjunto para não ferir interesses individuais das sociedades grupadas,
residindo a limitação na coordenação de interesses legítimos, quando se tratar de grupo de
fato.

Seção II - Grupos de Fato – Sociedades Coligadas, Controladoras e


Controladas

1. Prestação de contas aos acionistas – definição de coligadas, controladoras e


controladas

O artigo 243 da LSA estabelece que o relatório anual da administração deve


relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e indicar
as modificações durante o exercício.

São definidas como coligadas as sociedades em que a companhia tiver influência


significativa, mas não controle. Há influência significativa quando a investidora tem o poder
de participar nas decisões de política financeira ou operacional da investida. É presumida
influência significativa quando a investidora for titular de vinte por cento ou mais do capital
da investida.

São definidas como controladas as sociedades em que a controladora, diretamente ou


através de outras controladas, for titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos
administradores.

Daí decorre a definição de controladora, que é a mesma da situação particular do


artigo 116 da LSA. O poder de controle, de fato, é presumido em caso de controle
137

majoritário. Se houver controle permanente, no controle minoritário, também haverá, em


concreto, situação de controle em cada situação particular examinada.

2. Participação recíproca

A participação recíproca entre a companhia e suas coligadas e controladas só é


admitida até o limite das reservas de lucros (exceto a legal) e de capital, para proteção da
intangibilidade do capital social. As ações do capital da controladora, de propriedade da
controlada, ficam com o direito de voto suspenso (§ 2º do art. 244 da LSA).

Em caso de excesso, a participação recíproca deve ser eliminada nos prazos e


condições dos §§ 4º, 5º e 6º do artigo 244 da LSA.

3. Responsabilidade dos administradores e das sociedades controladoras

Nos artigos 245 e 246 da LSA fica bem assentada a regra de que a cooperação é a
medida máxima permitida nos grupos de fato. Não se admite subordinação nos grupos de
fato.

Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer sociedade


coligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre as
sociedades sejam estritamente comutativas ou com pagamento compensatório adequado. É
o controle objetivo das operações dentro do grupo de fato em condições de mercado ou com
pagamento adequado, onde devem ser examinadas e ponderadas as prestações como um todo
entre as partes envolvidas.

O mesmo raciocínio se aplica à sociedade controladora do grupo, que responde por


danos em caso de abuso de controle. A LSA cria ação social especial, que pode ser manejada
por acionistas minoritários contra a sociedade controladora, em benefício da controlada. A
LSA estabelece prêmio ao autor da ação de cinco por cento sobre o valor da indenização e
honorários de advogado, em caso de êxito (art. 246, § 2º).

4. Demonstrações financeiras, notas explicativas, avaliação do investimento em


coligadas e controladas, demonstrações consolidadas
138

Os artigos 247 a 250 da LSA estabelecem regras especiais de contabilização nos


grupos de fato (e que também se aplicam aos grupos de direito, nas relações entre
controladora e controladas).

Os investimentos em controladas e coligadas e sociedades que façam parte do mesmo


grupo ou estejam sobre controle comum serão avaliados pelo método de equivalência
patrimonial (que significa avaliação pelo valor de patrimônio líquido e não custo de
aquisição, consideradas proporcionalmente ao patrimônio líquido das investidas as
participações da investidora ), conforme previsto no art. 248.

As notas explicativas referentes a investimentos em tais sociedades devem identificar


as sociedades, capital social e patrimônio líquido; as participações detidas pela investidora e
valor de mercado, se houver; o lucro líquido do exercício; créditos e obrigações recíprocas;
receitas e despesas em operações recíprocas.

Nas companhias abertas é obrigatória a apresentação de demonstrações consolidadas


juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, como regulado nos artigos 249
e 250 da LSA. Isso significa a consolidação, para fins societários, das demonstrações do
grupo econômico (Instruções CVM nº 457 e 469).

Os investimentos em controladas e coligadas, inclusive tratamento no ágio ou


deságio na aquisição estão tratados na regulamentação da CVM e nos Pronunciamentos
Técnicos CPC (Instruções CVM nº 247 e 469).

5. Subsidiária integral

É uma exceção ao princípio associativo e contratual das sociedades, assim como a


limitada de sócio único, admitida na LLE. É técnica de separação patrimonial, e permite que
uma sociedade brasileira crie subsidiária integral, como sócia única, por ato unilateral de
vontade, ou adquira a totalidade das ações de companhia brasileira por compra ou
incorporação de ações, como previsto nos artigos 251 a 253 da LSA.

A incorporação de ações geralmente é etapa transitória antes da incorporação


propriamente dita da investida. Foi muito útil na época em que a notificação ao CADE e
órgãos de defesa da concorrência podia ser feita a posteriori das operações de concentração
econômica (até 15 dias úteis). Assim, era possível manter os patrimônios separados pela
139

técnica da incorporação de ações e só concretizar a incorporação da investida quando da


aprovação da operação pelo CADE. Hoje, a legislação requer a submissão da aprovação
previamente. Com isso, a técnica da incorporação de ações perdeu parte da utilidade, mas
ainda assim pode ser valiosa em situações em que se queira manter os patrimônios de
investidora e investida separados, ou em que a operação tenha seus efeitos subordinados à
aprovação do CADE, sob condição suspensiva.

A técnica, já no novo cenário de aprovação prévia pelo CADE, foi utilizada


recentemente na aquisição da Linx pela Stone, duas companhias de tecnologia e software, a
primeira listada na B3 e a segunda na NASDAQ. As ações da Linx foram incorporadas por
uma subsidiária da Stone, no Brasil.

Se alienar parte das ações a terceiros (ou em qualquer situação em que a sociedade
passe a ter dois ou mais sócios) a companhia deixa de ser subsidiária integral e passa a ser
sociedade sob o regime contratual, observando-se o art. 253.

Importante notar que a subsidiária integral preserva sua personalidade jurídica e o


regime de responsabilidade limitada do acionista. Seus administradores mantêm todos os
deveres fiduciários previstos na LSA, inclusive o de gerir a sociedade no seu melhor
interesse e não praticar atos em prejuízo da companhia nas suas relações com o controlador,
respondendo perante terceiros prejudicados e stakeholders, se lhes causar danos pelo
descumprimento de tais deveres fiduciários (art. 159, § 7º). O acionista controlador
igualmente responde por danos causados por atos praticados com abuso de poder (art. 117).
Vale lembrar que no grupo de fato pode haver coordenação de atividades, mas não
subordinação (art. 245). No grupo de direito é admitida subordinação, nos limites da
convenção do grupo (art. 266).

6. Oferta pública na alienação de controle de companhia aberta – artigo 254-


A e Resolução CVM 85

A oferta pública na alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta


consiste na obrigatoriedade da oferta pública (OPA, que significa oferta pública de ações)
sempre que houver transferência derivada de controle de companhia aberta, passando de um
controlador ou integrante de grupo de controle para um terceiro que não integrava o controle.
Pela regulamentação da CVM (Resolução CVM 85) e entendimento majoritário da doutrina
140

e jurisprudência a oferta pública é necessária quando há transferência do controle


majoritário.

Não se aplicaria em situações de controle minoritário ou em transferência de ações


dentro do bloco de controle. Tampouco se aplicaria na aquisição originária de controle de
companhia com o capital pulverizado.

A OPA, quando exigível, constitui condição para a efetivação da alienação do


controle, e deve ser feita a preço não inferior a oitenta por cento do valor pago por ação com
direito a voto integrante do bloco de controle. Nos casos de alienação indireta é preciso
verificar o preço atribuível às ações da companhia objeto da OPA, sempre que houver outras
ações ou ativos abrangidos pela operação de compra.

O adquirente do controle está autorizado a oferecer aos acionistas minoritários a


opção de permanecer na companhia contra o recebimento de um prêmio equivalente à
diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de
controle.

A OPA deve ser registrada na CVM, previamente, e em regra só abrange as ações


votantes. Ações não votantes ou com voto restrito podem participar da OPA se esta vantagem
for assegurada pelo estatuto da companhia.

7. Oferta pública na aquisição de controle de companhia aberta – artigos 257


a 263 e Resolução CVM 85

A oferta pública consiste na oferta voluntária para aquisição de controle de


companhia aberta com capital pulverizado no mercado, sempre com a participação de
instituição financeira que garanta o cumprimento das obrigações assumidas pelo ofertante,
e será irrevogável.

A oferta pode ser feita em dinheiro ou contemplar a permuta, total ou parcial, das
ações por ações da ofertante ou outros valores mobiliários. Em caso de permuta o registro
prévio da OPA na CVM é obrigatório (§1º do art. 257). Em qualquer caso a oferta deverá
ser comunicada à CVM imediatamente (§ único do art. 258).

É admitida oferta concorrente, como previsto no art. 262. Isso significa que se for
feita oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta terceiros interessados
141

podem interferir e fazer ofertas concorrentes, disputando a aquisição do controle com a oferta
original, observada a regulamentação da CVM (Resolução CVM 85).

Releva notar que a oferta é efetivamente concluída e aceita em leilão em bolsa de


valores. Não havendo concorrência, prevalecerá o preço da oferta registrada na CVM.
Havendo ofertas concorrentes, o preço final é definido em regime de envelope fechado a ser
definido na data final para entrega de ofertas. A regulamentação da CVM, hoje, não admite
sistema de leilão aberto com lances sucessivos, prevalecendo o maior preço dos envelopes
fechados.

Historicamente, inclusive nos leilões de privatização ocorridos no Brasil,


especialmente desde a década de 90, foram utilizados, em diferentes momentos, o sistema
de preço mínimo e leilão livre com lances sucessivos em bolsa, e o sistema de preço mínimo
e envelopes fechados para abertura no dia do leilão, sem possibilidade de novos lances. A
mesma temática voltou agora nas ofertas públicas de aquisição com ofertas concorrentes.
Não há unanimidade quanto ao melhor modelo, com eficiências diferentes. A nosso ver, o
leilão aberto com possibilidade de lances sucessivos tem o mérito de melhor alocar os
recursos disponíveis do adquirente entre alienante e a companhia target, que geralmente
requer investimentos de capital do investidor e adquirente do controle (e atende ao interesse
público de fortalecimento da companhia aberta). O sistema de envelope fechado geralmente
maximiza o preço para o alienante, mas tem a característica de muitas vezes fazer o
adquirente pagar preço maior do que pagaria na justa medida de um leilão, diminuindo sua
disponibilidade de aportar recursos na companhia target (além de outras ineficiências como
não levar as partes a ofertar o maior preço de sua disponibilidade, com receio de estar
desperdiçando recursos pelo sistema blind do envelope fechado).

8. Autorização para alienação de controle de companhia aberta

A alienação de controle de companhia aberta que dependa de autorização do governo


para funcionar está sujeita à prévia autorização da assembleia geral (art. 255), sem prejuízo
da manifestação governamental favorável, em geral necessária. É regime especial de
autorização pela assembleia geral em matéria geralmente da órbita exclusiva dos acionistas
alienantes do controle.
142

9. Autorização para aquisição do controle por companhia aberta

A compra por companhia aberta do controle de outra sociedade dependerá, em regra,


de aprovação da sua assembleia geral, nos termos e condições previstos no art. 256, sempre
que se tratar de investimento relevante ou o preço de compra ultrapassar os parâmetros ali
previstos. Os dissidentes podem ter direito de recesso (§2º do art. 256).

Este dispositivo da LSA desloca para a assembleia geral deliberação que


normalmente seria de competência do conselho de administração. A constituição de nova
sociedade pela companhia aberta não se sujeita a tal regra, se autorizada pelo estatuto ou
pelo objeto social. E, portanto, é livre e não depende de autorização da assembleia geral. O
dispositivo é limitado a situações de aquisição de controle de sociedades que representem
investimento relevante da companhia aberta compradora, ou cujo preço de compra se
enquadre nos parâmetros de ultrapassar uma vez e meia o maior de três valores: (a) cotação
média das ações em bolsa ou balcão nos noventa dias anteriores à compra; (b) valor de
patrimônio líquido da ação ou quota a preços de mercado; (c) valor de lucro líquido da ação
ou quota, que não poderá ser superior a quinze vezes o lucro líquido anual por ação ou quota
nos dois últimos exercícios sociais, com atualização monetária.

Considera-se investimento relevante, segundo o § único do art. 247 da LSA, em cada


sociedade coligada ou controlada, se o valor contábil é igual ou superior a dez por cento do
valor do patrimônio líquido da companhia; no conjunto das sociedades coligadas e
controladas, se o valor contábil é igual ou superior a quinze por cento do valor do patrimônio
líquido da companhia.

Parece razoável a interpretação de que os dois testes sobre a determinação de


investimento relevante devem ser aplicados na aquisição de controle por companhia aberta,
até porque o art. 256 não excepciona nenhum dos dois e ambos os artigos da LSA fazem
parte do mesmo capítulo particular do grupo econômico de fato. Além do mais, a não
observância da submissão da compra à assembleia geral, acompanhada de laudo de
avaliação, submete os administradores à pena de responsabilidade.

Se o preço de emissão ultrapassar uma vez e meia o maior dos três valores referidos
acima, o acionista dissidente da deliberação da assembleia geral terá direito de retirada, se
as ações não tiverem liquidez e dispersão no mercado (art. 137, inciso II).
143

10. Incorporação de companhia controlada

Na incorporação pela controladora de companhia controlada o art. 264 requer que


nas relações de substituição de ações sejam considerados os patrimônios líquidos a preços
de mercado, além do critério tradicional de valor de patrimônio líquido contábil,
prevalecendo o maior dos dois em caso de recesso de minoritários ou preferencialistas.

Aplicam-se as mesmas regras na incorporação de controladora por sua controlada,


na fusão entre controladora e controlada, na incorporação de ações de companhia controlada
ou controladora, e na incorporação, fusão e incorporação de ações de sociedades sob controle
comum.

A ratio do dispositivo é que nas relações entre controladora e controlada há um único


controle comum, criando o dispositivo proteção especial para os acionistas dissidentes.

A CVM recomenda que as relações de troca em tais operações sejam aprovadas por
comitês independentes formados nas sociedades que fazem parte da operação. Se adotado
tal caminho, é importante ter cuidado de preservar a autoridade e atribuições dos órgãos de
administração das sociedades envolvidas, que são indelegáveis. Assim, eventual atuação de
comitês independentes deve ter caráter consultivo e se submeter à autoridade de tais órgãos
competentes.

Capítulo XX - Grupos de Sociedades de Direito – artigos 265 a 277 da LSA

Os grupos de direito estão regulados no capítulo XXI da LSA, e são assim chamados
porque decorrem de contrato entre a sociedade de comando e suas controladas, denominado
convenção de grupo. Além da relação contratual, outra distinção marcante com o grupo de
fato é a admissão, nos grupos de direito, da subordinação das sociedades integrantes do grupo
aos interesses do grupo ou da sociedade de comando, nos limites da convenção de grupo.
São uma criação inspirada no direito alemão pós II Guerra. Acabaram se tornando pouco
utilizados por uma série de razões: ausência de tratamento fiscal adequado; dificuldade de
definição contratual de relações dinâmicas, como relacionamento entre sociedades.

A ideia dos formuladores da LSA era fazer com que o grupo de direito pudesse
funcionar como uma única sociedade não personificada, ensejando o recolhimento de
144

imposto de renda de forma consolidada, podendo o grupo compensar lucros com prejuízos
dentre as sociedades dele integrantes.

Esta proposta não foi acolhida pelas autoridades fiscais e as sociedades continuaram
a ser tributadas individualmente. Este fato, associado à dificuldade de regular
contratualmente relações dinâmicas, como as que existem entre sociedades, fez com que os
grupos de direito não sejam efetivamente utilizados pelas companhias brasileiras, com
raríssimas exceções.

Vale também registrar que os grupos econômicos, em todo mundo, são geralmente
constituídos por grupos de fato, que se originam nas relações de fato de controle e coligação
entre sociedades, que convivem com as questões delicadas de conflitos de interesses onde
há várias sociedades e um comando comum.

A criação alemã do grupo de sociedades de direito, onde é possível estabelecer a


subordinação contratual, não foi meio capaz de suplantar as dificuldades dos grupos
econômicos, que convivem em suas constelações de sociedades tendo que tratar dos mais
diversos conflitos de interesses internos, inerentes à atividade coletiva e conjunta, na busca
permanente pela melhor coordenação de ações e objetivos.

Assim, o capítulo sobre grupo de sociedades de direito tem mais interesse teórico e
científico do que prático.

Capítulo XXI – Consórcio – artigos 278 e 279 da LSA

A LSA regulou de forma singela contrato essencial para a cooperação entre diferentes
sociedades na consecução de empreendimento comum.

O consórcio pode ser classificado como sociedade não personificada, pois visa a
execução de determinado empreendimento e a partilha de resultados, cujo contrato deve
estabelecer as prestações das partes e normas sobre receitas e despesas comuns, dentre outros
fatores (art. 279).

Embora deva ser registrado na junta comercial do local da sua sede e ter a certidão
de registro publicada (§ único do art. 279), o consórcio não tem personalidade jurídica e as
consorciadas se obrigam nas condições previstas no contrato de consórcio, sem presunção
145

de solidariedade (embora possam estabelecê-la contratualmente, o que é comum em obras


de engenharia).

O consórcio é muito utilizado em obras de grande porte, onde as empresas de


engenharia repartem responsabilidades, ou outros contratos que importem em esforços
comuns e muitas vezes interdisciplinares (avaliação de companhias complexas que podem
requerer: banco de investimento, para avaliação econômica do preço; escritório de
advocacia, para due diligence jurídica; firma de auditoria independente, para due diligence
contábil, fiscal e trabalhista; empresa avaliadora de ativos específicos; empresa de avaliação
ambiental).

O consórcio geralmente se extingue com o cumprimento do seu objeto, se o


empreendimento for determinado (uma obra, um serviço). Pode também vigorar a prazo
indeterminado se essa for a natureza do empreendimento (administração conjunta de um
bem mantido em copropriedade: shopping center pelos empreendedores; porto de carga
pelos usuários e proprietários).

O consórcio tem boa eficiência tributária e evita bitributação, pois pelas regras fiscais
as receitas podem ser reconhecidas pelas consorciadas, evitando dupla incidência fiscal
(Instrução Normativa RFB nº 1234, artigo 17).

Capítulo XXII - Sociedade em comandita por ações – artigos 280 a 284 da LSA

Está regulada no Código Civil e na LSA. É um tipo societário em total desuso pela
responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios diretores, pessoas naturais.

A proposta do projeto da LSA era permitir que pessoas jurídicas pudessem ocupar as
posições dos sócios gestores, com responsabilidade ilimitada e solidária. Isso poderia dar
enorme utilidade às sociedades em comandita por ações, como ocorre em diversos países
relevantes, como Alemanha, França e Luxemburgo, e na comunidade europeia em geral.

Isso porque a limitação de responsabilidade ocorreria no nível dos sócios, que


poderiam ser companhias ou limitadas.
146

Mas o Legislativo optou pela fórmula clássica – em desuso - de requerer pessoas


naturais na posição de sócio com responsabilidade ilimitada e solidária. Com isso o tipo
societário perdeu toda utilidade e faz parte da história.

Capítulo XXIII – Prazos de prescrição – artigos 285 a 288 da LSA

A LSA trata todos os prazos como de prescrição – técnica anterior ao atual Código
Civil – e, por isso, é preciso cuidar dos prazos de prescrição e decadência. Os prazos de
cobrança, visando uma prestação da outra parte geralmente são de prescrição (cobrança de
dividendos); os prazos visando modificar um estado de coisas geralmente são de decadência
(anulação da constituição da companhia).

Todos os prazos são curtos, oscilando de um a três anos. No direito societário as


situações em regra convalescem com o decurso dos prazos e não há nulidades absolutas, mas
apenas anulabilidades. Os atos societários geram consequências em cascata na vida das
sociedades e dos sócios e por isso os prazos devem ser curtos por conta da necessária
segurança jurídica.

Capítulo XXIV – Disposições gerais; publicações; poderes da CVM para reduzir


quórum para o exercício de direitos nas companhias abertas; redução de exigências de
publicação nas companhias fechadas de pequeno porte – artigos 289 a 294, A e B da
LSA

Dignas de nota três disposições gerais.

A primeira diz respeito ao art. 289, que trata das publicações ordenadas pela LSA, e
que tradicionalmente requeria que tais publicações fossem feitas no órgão oficial da União
ou do Estado ou do Distrito Federal, conforme o local da sede da companhia, e em jornal de
grande circulação editado na localidade da sede da companhia, sem prejuízo de publicação
adicional determinada pela CVM, em jornal de grande circulação nas localidades em que os
valores mobiliários de companhias abertas forem negociados em bolsa ou mercado de
147

balcão, ou que de outro modo possa permitir ampla divulgação e imediato acesso às
informações.

O caput do dispositivo foi alterado pela Lei nº 13.818/2019, com vigência a partir de
1º de janeiro de 2022, para determinar que a publicação geral seja restringida a jornal de
grande circulação da sede da companhia, de forma resumida e com divulgação da íntegra
dos documentos na página do mesmo jornal na internet, com certificação digital de
autenticidade, sem prejuízo das atribuições da CVM em relação a companhias abertas. No
tocante a demonstrações financeiras, a Lei nº 13.818 estabelece que a publicação resumida
deve conter, no mínimo, comparação com dados do exercício anterior, informações ou
valores globais relativos a cada grupo e a respectiva classificação de contas ou registros,
assim como extratos das informações relevantes das notas explicativas e dos pareceres dos
auditores independentes.

As demonstrações resumidas nas companhias abertas devem observar o Parecer de


Orientação CVM 39.

Foi eliminada, a partir de 2022, a necessidade de publicação em diário oficial, além


de permitida a publicação resumida em jornal de grande circulação, medida condizente com
o atual estágio tecnológico e de divulgação de informações na rede mundial de computadores
(que tem sido amplamente aceita e inclusive utilizada na regulamentação da CVM). O
mesmo avanço deverá ser feito em relação ao CC, cujo artigo 1.152, § 1º continua prevendo
que as publicações ali previstas, salvo exceção expressa, devem ser feitas em órgão oficial e
em jornal de grande circulação.

A segunda refere-se ao art. 291, que trata das situações de companhias abertas onde
a CVM pode, em função do valor do capital social, reduzir o quórum previsto no texto da
LSA para exercício de direitos pelos acionistas minoritários ou preferencialistas, como ali
previsto. Neste sentido, releva notar que a Instrução CVM nº 165 reduz o quórum para
pedido de exercício de voto múltiplo, na eleição dos membros do conselho de administração,
na escala de dez a cinco por cento, e a Instrução CVM nº 324 reduz o quórum para pedido
de instalação do conselho fiscal, na escala de oito a dois por cento, para ações votantes, e de
quatro a um por cento, para ações não votantes. Mais recentemente, e em linha com o
fortalecimento dos direitos dos acionistas minoritários de companhias abertas brasileiras, a
Instrução CVM nº 627 reduz o quórum, na escala de cinco a um por cento do capital votante,
nas seguintes hipóteses: ação derivada contra administradores (art. 159, § 4º); ação de
148

responsabilidade contra sociedades controladoras sem prestação de caução (art. 246, § 1º,
‘a’ ); exibição de livros (art. 105 ); convocação da assembleia geral (art. 123, § único, ‘c’);
pedido de informações a administradores ( art. 157, § 1º ); requisição de informações ao
conselho fiscal (art. 163, § 6º ). A Resolução CVM 70 atualizou a regulação da matéria e
consolidou as Instruções CVM 165, 324 e 627.

Por último, o art. 294, que reduz exigências de publicação e manutenção de livros de
companhias fechadas de pequeno porte, alterado pela Lei Complementar nº 182/2021
(Marco legal das Startups), que estabelece que as companhias fechadas com receita bruta
anual de até R$ 78 milhões de reais podem realizar as publicações ordenadas na LSA de
forma eletrônica e substituir os livros previstos no artigo 100 por registros eletrônicos ou
mecanizados.

Prescreve ainda o novo parágrafo 4º do art. 294, também introduzido pela LC 182,
que na omissão do estatuto sobre dividendos obrigatórios não se aplicará o art. 202 da LSA
e os dividendos serão livremente fixados pela assembleia geral, observados apenas eventuais
dividendos prioritários de preferenciais, se houver.

Por fim, cria a LC 182 novos artigos 294 A e B para estabelecer que a CVM
regulamentará condições facilitadas para acesso de companhias de menor porte ao mercado
de capitais, estas definidas com receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões de reais. A
CVM já estabelecera na Instrução 588 condições para ofertas públicas de distribuição de
valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, com dispensa
de registro por meio de plataformas eletrônicas de investimentos participativos
(crowdfunding), com o fim de assegurar a proteção dos investidores e possibilitar a captação
pública por parte de tais sociedades. Tal regulação foi objeto de atualização com a edição da
Resolução CVM 88, que fixa novos limites e condições de captação.

FIM

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