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O SEQUESTRO DA AMARELINHA

A. S. JÚNIOR, Renato

Resumo: Num contexto de forte contraste político e social, símbolos nacionais têm
seus significados distorcidos e associados a parte da população, com determinados
posicionamentos e objetivos políticos. O exemplo mais claro desta
instrumentalização se dá no caso da camisa da seleção brasileira de futebol,
frequentemente observada em manifestações políticas. Sob a luz das teorias
semióticas, o projeto visa entender como se dá este processo de ressignificação e
suas implicações perante a sociedade, através da análise de elementos visuais
presentes em manifestações políticas ocorridas durante os anos de 2015 e 2016.
Para isso, será realizada uma pesquisa exploratória e documental com foco no
fenômeno abordado.

Palavras-chave: semiótica; identidade nacional; ressignificação; apropriação


simbólica; política.

1 INTRODUÇÃO

Durante os poucos anos de nossa ainda breve história democrática, muito


provavelmente o brasileiro nunca se deparou com um momento de tão nítida e
aguda polarização política no país. Depois de 14 anos de um governo considerado
de esquerda, interrompidos pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o país
foi se tornando paulatinamente uma caricatura, com levianos ares de sobriedade, de
um estádio de futebol. E nisso, tal como num estádio, apresentam-se duas
diferentes torcidas e posicionamentos, antagonizando uma a outra muitas vezes de
forma animalesca e irracional. Continuando a analogia, observamos até mesmo a
instrumentalização de um uniforme por parte de uma destas torcidas. Uniforme que,
por sua vez, acaba cumprindo a função de um objeto totêmico, visto que certo
sentido atribuído a este é compartilhado por parte da população, além de
identificá-la como unidade e discriminá-la em relação aos que não compartilham dos
mesmos ideais. Nós somos nós, e os outros, bem, são apenas os outros.
Até este ponto, a instrumentalização de um uniforme não foge da normalidade
de seu sentido inato. Mas o que nos chama a atenção é que, quando falamos sobre
um uniforme, não estamos falando sobre um qualquer, mas sim sobre o uniforme da
seleção brasileira de futebol (mais especificamente sua camisa), algo
intrinsecamente ligado a nossa identidade nacional e que deveria congregar, ao
menos idealmente, toda a população do país em relação a um sentido comum
atribuído a tal objeto. Ou seja, o oposto do que acontece nos dias atuais, nos quais
observamos a chamada amarelinha, muito presente em manifestações políticas
ligadas a ideais e partidos de direita, como um índice de polarização, diferenciação e
discriminação de grupos e ideais em nosso país. Uma questão no mínimo curiosa,
justamente pela ironia da coisa.
E é em torno dessa temática que toda e qualquer reflexão deste trabalho
cincundará, traçando paralelos com teorias centrais dentro da área de Design e
Direção de Arte, como a semiótica, ciência que tem como objeto o signo e seu
funcionamento. Sendo assim, apresenta-se como algo muito amplo, visto que
engloba todo tipo de linguagem, verbal ou não verbal, à medida que visa entender o
processo de significação presente em nossas vidas a todo momento, sendo o ser
humano um animal social. Essa breve definição sobre semiótica já se faz suficiente
para entender a relevância desta como referencial teórico dentro deste trabalho, e
seu papel para entendermos como aconteceu o processo de ressignificação e
apropriação simbólica de símbolos nacionais, que idealmente deveriam remeter a
um todo, por parte da população, citado nos primeiros parágrafos desta introdução.
Dentro da área de Direção de Arte, o tema se faz muito relevante uma vez que tudo
que fazemos como profissionais em nosso cotidiano é dotado de sentido. Quer seja
na montagem de um cenário ou na diagramação de um layout, nada se dá por
acaso. Logo, é fundamental que nós, enquanto profissionais da área, tenhamos não
só conhecimento mas também domínio sobre os signos, seus significados e suas
dinâmicas de funcionamento.

1.1 Problemática e problema

Como podemos observar em variadas notícias, coberturas jornalísticas e


documentários publicados durante a última década, é nítida a relação entre
elementos semióticos ligados à identidade nacional brasileira e grupos sociais
inclinados a certos ideais políticos. Isso acontece de forma inédita em nossa
democracia, num momento em que o país nunca esteve tão polarizado
politicamente. Visto isso, como se deu esse processo de associação simbólica entre
elementos da identidade nacional, principalmente a camisa da seleção brasileira de
futebol, e uma parcela da população? E quais as implicações disso?

1.2 Objetivos (geral e específicos)

O objetivo geral do trabalho é entender o processo de apropriação simbólica


como uma estratégia política, e como esse empréstimo identitário em relação a
símbolos nacionais aconteceu na sociedade brasileira por parte de certo espectro
político, dentro de um cenário extremamente polarizado, além de suas implicações.
Para isso, faz-se necessário o levantamento de dados de relevância factual e
histórica, com o objetivo de traçar uma linha do tempo relativa ao processo de
apropriação simbólica, que é tema deste trabalho. Em seguida, as informações
seriam analisadas através de uma perspectiva semiótica, com foco no caso da
camisa verde e amarela da seleção brasileira de futebol e sua instrumentalização
em manifestações políticas. Por fim, o projeto visa esclarecer e evidenciar como se
deu tal processo, além de suas implicações para com a sociedade brasileira.

1.3 Justificativa

A sociedade brasileira nunca esteve tão polarizada, em âmbito político e


também social, o que fica evidente a partir da observação dos resultados da última
eleição presidencial (a mais acirrada da história), por exemplo. Nesse contexto,
observamos nos noticiários ao decorrer dos últimos anos uma crescente associação
de símbolos nacionais, em especial a camisa da seleção, a partidos de direita e seus
apoiadores. Muitas vezes, esses símbolos camuflam ideais que não
necessariamente estão ligados a um sentimento de patriotismo, o que acaba
passando em branco a olhares menos atentos e a parcelas carentes de informação
da população, possibilitando -pragmaticamente- um processo de manipulação do
povo e instrumentalização da identidade nacional. Para isso, faz-se justo e
necessário identificar como aconteceu tal processo de ressignificação, num âmbito
simbólico, além de tornar evidente suas implicações para alertar e esclarecer a
sociedade sobre a sútil instrumentalização de símbolos, quer sejam gráficos ou
textuais, em favor de determinados objetivos políticos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para a consecução desta pesquisa, será utilizado principalmente o arcabouço


teórico de Charles Sanders Peirce. Uma das principais contribuições -e a mais
relevante para este trabalho- do filósofo e cientista é a teoria da Fixação da Crença
(1877), através da qual Pierce explora num âmbito filosófico como se dá o processo
de crença e suas manifestações como hábitos. A crença, para o autor, não está
relacionada apenas com a fé religiosa, mas também com uma disposição para agir
de determinada maneira em determinado contexto. Segundo Peirce (1877), a crença
seria um estado mental de conforto e segurança, que nos deixa predispostos a agir
de acordo com ela. As tríades peirceanas relativas ao funcionamento de um signo,
obviamente, tem um papel central dentro deste raciocínio.
“A crença não nos faz agir imediatamente, mas coloca-nos numa
posição em que nos comportaremos de certa forma, quando surge a
ocasião.” (PEIRCE, 1877, p.7).

Segundo Santaella (1990), as relações semióticas podem ser definidas por


uma tríade, ou seja, envolvem basicamente o signo, o objeto que o signo representa
e o interpretante. O signo pode ser, no geral, considerado um elemento de
comunicação que representa algo para alguém. Já o objeto que o signo representa
seria algo que transmite uma mensagem a alguém, e o interpretante por sua vez
seria o receptor do signo. Tal funcionamento põe em evidência uma aproximação do
sentido de signo e de linguagem para a autora, ou seja, como algo que comunica
alguma coisa.
"Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto
que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do
signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente.
Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete
uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine
naquela mente algo que é imediatamente devido ao objeto. Essa
determinação da qual a causa mediata ou determinante é o signo, e
da qual causa mediata é o objeto, pode ser chamada o
Interpretante." (SANTAELLA, 1990, p. 78).

Tais referenciais seriam fundamentais para entender como se dá o


funcionamento do processo de atribuição simbólica e sua ressignificação, de forma a
servir como instrumento em direção a determinado objetivo, além de suas
implicações em relação a crenças e hábitos. No caso deste projeto, como ocorreu a
relação da camisa da seleção brasileira de futebol com partidos políticos e ideais de
direita, possibilitando variadas correlações, além das consequências deste processo
dentro de nossa sociedade.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente projeto visa uma pesquisa de natureza básica, a fim de contribuir


para o avanço científico e a compreensão de fenômenos culturais, políticos e
sociais. Quanto à tipologia da pesquisa, pode ser enquadrada como uma pesquisa
exploratória, visto que num primeiro momento faz-se necessária uma imersão no
tema e no referencial teórico adotado, e posteriormente descritiva, visto que com
base nesta primeira etapa seriam relacionados e descritos os fatos ou fenômenos
observados. Para isso, será utilizada uma abordagem qualitativa.
Em relação aos métodos pretendidos para a execução deste trabalho,
primeiro temos a revisão da literatura, a fim de obter insumos suficientes para a
compreensão da temática de pesquisa, além do levantamento de possíveis
bibliografias complementares. Posteriormente, será realizada uma pesquisa
documental, com base em coberturas jornalísticas dos jornais Folha de São Paulo e
Estadão, de manifestações políticas datadas, inicialmente, dos anos de 2015 e
2016, realizando um recorte temporal numa faixa já mais distante do presente, visto
que o período se encontra naturalmente como um terreno já mais maduro e concreto
em relação a análises do que os anos mais recentes. Será avaliada também a
utilidade de um estudo de caso acerca do documentário Democracia em Vertigem
(2020), para o entendimento da temática.
Por fim, com base na primeira etapa, de natureza exploratória, serão
analisadas as informações coletadas sob a luz do arcabouço teórico do trabalho,
com o objetivo de descrever como se deu um provável processo de atribuição
simbólica e descrever suas consequências para a conjuntura social e política da
nação.
REFERÊNCIAS

PEIRCE, Charles Sanders. A fixação da crença. Popular Science Monthly, New


York, v. 12, nov. 1877 – abr. 1878. Disponível em <www.lusosofia.net>. Acesso
em: 03 dez. 2022.

RYDLEWSKI, Carlos. Com eleição, 26% dizem que “pegaram ranço” da


“amarelinha” da Seleção. Disponível em:
www.metropoles.com/esportes/futebol/com-eleicao-26-dizem-que-pegaram-ranco-da
-amarelinha-da-selecao. Acesso em: 04 dez. 2022.

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica? São Paulo: Brasiliense, 1990.

SANTAELLA, Lúcia. Teoria geral dos signos. São Paulo: Pioneira, 2000.

VEIGA, Edilson. "A camisa da seleção está manchada e representa Bolsonaro".


Disponível em:
www.dw.com/pt-br/a-camisa-da-sele%C3%A7%C3%A3o-est%C3%A1-manchada-e-r
epresenta-o-partido-de-bolsonaro/a-57931283. Acesso em: 04 dez. 2022.

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