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Línguas

& Ensino

PERIÓDICO DO PROJETO DE EXTENSÃO CLAC –


CURSOS DE LÍNGUAS ABERTOS À COMUNIDADE

FACULDADE DE LETRAS

VOLUME 3 | ISSN 2447-6145


FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Diretora:
Profa. Dra. Sonia Cristina Reis

Vice-Diretor:
Prof. Dr. Humberto Soares da Silva

Diretor Adjunto de Ensino de Graduação:


Prof. Dr. Humberto Soares da Silva

Diretor Adjunto de Cultura e Extensão:


Prof. Dr. Roberto de Freitas Junior

Diretor Adjunto de Gestão Orçamentária e Financeira:


Victor Hugo dos Santos

CENTRO DE LETRAS E ARTES (CLA) – DECANIA DO CENTRO DE LETRAS E ARTES

Decana:
Profa. Dra. Cristina Grafanassi Tranjan

Vice-decano:
Prof. Dr. Osvaldo Luiz de Souza Silva

REITORIA

Reitora:
Profa. Dra. Denise Pires de Carvalho

Vice-reitor:
Prof. Dr. Carlos Frederico Leão Rocha

SOBRE O VOLUME

Editoras-chefes:
Profa. Dra. Danusia Torres dos Santos
Profa. Dra. Mônica Tavares Orsini
Conselho Editorial:
Profa. Dra. Bianca Graziela Souza Gomes da Silva (UFRJ)
Profa. Dra. Christine Siqueira Nicolaides (UFRJ)
Profa. Dra. Cláudia Andréa Prata Ferreira (UFRJ)
Prof. Dr. Diego Leite de Oliveira (UFRJ)
Profa. Dra. Érica Schlude Wels (UFRJ)
Profa. Dra. Katia Teonia Costa de Azevedo (UFRJ)
Prof. Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues (UFRJ)
Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ)
Profa. Dra. Marilia Santanna Villar (UFRJ)
Prof. Dr. Rogério Casanovas Tilio (UFRJ)
Profa. Dra. Tania Martins Santos (UFRJ)

Conselho consultivo:
Prof. Dr. Eduardo Engelsing (Western Washington University)
Profa. Dra. Marcia Paraquett Fernandes (UFBA)
Prof. Dr. Marcos Bagno (UnB)
Profa. Dra. Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Profa. Dra. Matilde Virginia Ricardi Scaramucci (Unicamp)

Comissão organizadora:
Profa. Dra. Andréa Lima Belfort Duarte
Profa. Dra. Danusia Torres dos Santos
Secretaria executiva:
Moíra do Nascimento Souza

Revisão:
Anna Beatriz Cavalcante de Melo da Cruz (Coordenadora)
Gabriela Silva Rafael Muniz
Letícia de Andrade Camara

Design e Diagramação:
Ademir Antônio Veroneze Júnior
FICHA

CATALOGRÁFICA
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7
Andréa Lima Belfort Duarte, Danúsia Torres dos Santos

ARTIGOS

TECNOLOGIA, ENSINO DE LÍNGUAS E PANDEMIA: PASSADO, 11


PRESENTE E FUTURO
Cíntia Regina Lacerda Rabello

ALREDEDOR DE LA PANDEMIA EXISTE LA CONFESIÓN DEL 33


VIENTO: A PAISAGEM COMO POESIA, FILOSOFIA E TEXTO EM
UMA TURMA DE ESPANHOL
Matheus Sena de Azevedo, Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

O USO DE JOGOS NO ENSINO REMOTO COMO ESTRATÉGIA 43


DE MOTIVAÇÃO E INTERAÇÃO NO CURSO DE ESPANHOL DO
PROJETO CLAC-UFRJ
Brenda Grandini Caetano, Eline Marques Rezende, Jean Carlos da Silva Gomes, Lucas
Domingos de Souza, Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold, Marcelo Henrique Silva
dos Santos, Victoria Danka Lima das Graças

ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NA REALIDADE DO 65


ENSINO REMOTO: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA VOLTADA PARA
A APLICAÇÃO PROFISSIONAL
Brenda Grandini Caetano, Thaynara Regina Pereira de Azevedo Farias, Jean Carlos da
Silva Gomes

AL-FARRÁBIOS DA SALA DE CASA: UM RELATO DAS ESTRATÉGIAS 84


DE ALFABETIZAÇÃO REMOTA EM LÍNGUA ÁRABE EM MEIO À
PANDEMIA DO COVID-19
Paula da Costa Caffaro, Julio Cesar de Mendonça Santos Filho

EMPATIA E ENSINO: REFÚGIO COMO TEMÁTICA PARA O 98


APRENDIZADO DA LÍNGUA ÁRABE NO CONTEXTO REMOTO
Felipe Benjamin Francisco, Isabela Alves Pereira
UMA ANÁLISE HISTÓRICO-CRÍTICA DE OFICINAS DE ESCRITA 111
A PARTIR DO CLACQUETE – PRÁTICAS VISUAIS
Beatriz da Silva Gomes, Milene Bandeira Almeida, Paulo Cezar Maia

APRENDIZAGEM INVERTIDA: REFLEXÕES SOBRE O USO E 126


APLICABILIDADE DA METODOLOGIA ATIVA EM TEMPOS DE
DISTANCIAMENTO SOCIAL
Marcos Antônio Gomes Lima Filho, Fernanda Gerbis Fellipe Lacerda

TÔ VENDO UMA ESPERANÇA: REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO 139


DE LEITOR CRÍTICO A PARTIR DO USO DE METODOLOGIAS
PARTICIPATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Erica Gonçalves Lima, Luiza Fernandes Braga, Paulo Cezar Maia

PRODUÇÃO TEXTUAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE A 150


CONSTRUÇÃO DO PARÁGRAFO ARGUMENTATIVO NO ENSINO
REMOTO DO CLAC
Samuel Malaquias, Mônica Tavares Orsini

PRÁTICA ORAL E INTERAÇÃO: O ENSINO DE ESPANHOL COMO 162


LÍNGUA ESTRANGEIRA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL
Bruno de Souza Medeiros, Carolina Perez Suarez da Silva, Jean Carlos da Silva
Gomes

LÍNGUA ÁRABE EM MODALIDADE REMOTA: DESAFIOS E 176


SOLUÇÕES
Aline Da Silva Mota, Bianca Graziela S. G. Silva

COMPLEXIDADE NO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL: 189


REFLEXÕES SOBRE INTERAÇÃO, AUTONOMIA E MOTIVAÇÃO
NO CURSO DE RUSSO DO CLAC
Diego Leite de Oliveira, Débora Martignoni Tort

DO PRESENCIAL PARA O REMOTO: DESAFIOS PARA O ENSINO 208


DE PLE NO CONTEXTO PANDÊMICO
Danúsia Torres dos Santos, Gabriela Viol Valle, Raquel de Lima Correia,
Valquíria Fasano Pacheco
APRESENTAÇÃO
O projeto de extensão da Faculdade de Letras da UFRJ, CLAC (Cursos de
Línguas Abertos à Comunidade), dedica-se à formação de professores de línguas
e se estrutura a partir da orientação dos bolsistas, realizada pelos docentes da
instituição. De modo complementar, além dos encontros semanais de orientação,
o projeto promove uma série de ações, como o Fórum CLAC, o Webinário CLAC,
a Feira Cultural, os cursos de capacitação e os Encontros de Bolsistas de Línguas.
A revista Línguas & Ensino, periódico do CLAC, é mais uma ação promovida pelo
projeto, e a possibilidade de publicar um artigo nessa revista simboliza uma etapa
importante na formação do professor-pesquisador.
Desse modo, é com grande satisfação que anunciamos a publicação do ter-
ceiro volume da revista Línguas & Ensino, que vem cumprir, mais uma vez, seu
papel na divulgação de pesquisas voltadas para o ensino de línguas. Esses artigos
apresentam resultados de pesquisas que se debruçaram sobre questões concer-
nentes ao ensino remoto, assunto que tem concentrado a atenção de docentes e
discentes nos últimos tempos.
Ao vivenciar a pandemia da Covid-19, a população do planeta precisou se
reinventar nos mais diversos aspectos da vida cotidiana. No âmbito da educação,
as atividades pedagógicas, antes prioritariamente presenciais, passaram a ser
realizadas exclusivamente de forma remota (online). Como enfrentar essa brus-
ca mudança? Que diretrizes tomar? Qual a melhor estratégia diante dessa nova
realidade? Os grandes desafios, as dificuldades e os acertos identificados pelos
atores envolvidos nesse processo estão registrados nos trabalhos desta nova
edição da Revista. Buscando promover a reflexão, com o apoio de fundamentos
teóricos em diálogo com a realidade experimentada na prática, as pesquisas re-
velam avanços que promovem o aperfeiçoamento do ensino-aprendizagem de
línguas.
No artigo Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e
futuro, a autora traça um panorama da trajetória do ensino de línguas mediado
por computador (CALL – Computer Assisted Language Learning) correlacionan-
do-o com uma pesquisa realizada entre professores sobre ensino de línguas em-
pregando tecnologias digitais entre 2017 e 2019. O estudo colocou em relevo a
importância da formação inicial de professores de línguas voltada para a integra-
ção das tecnologias digitais.
No artigo intitulado Alrededor de la pandemia existe la confesión del viento:
a paisagem como poesia, filosofia e texto em uma turma de espanhol, os autores
relatam o desenvolvimento de uma produção audiovisual tendo como mote a
frase de uma canção: el viento me confio cosas que siempre llevo conmigo. Foi

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pedido aos discentes que descrevessem o que eles estavam experienciando em
seus bairros dentro do contexto pandêmico e como suas percepções se compor-
tavam diante dessa fórmula musical.
Em O uso de jogos no ensino remoto como estratégia de motivação e inte-
ração no curso de espanhol do projeto CLAC-UFRJ, as contribuições dos proces-
sos vinculados à Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) são apreciadas
como ferramentas de motivação e engajamento dos estudantes, demonstrando
os benefícios de sua aplicabilidade como instrumento didático.
Os autores do artigo Espanhol como língua estrangeira na realidade do en-
sino remoto: uma sequência didática voltada para a aplicação profissional traba-
lham com o desenvolvimento e aplicação de atividades contextualizadas, escritas
e orais, voltadas ao uso prático de natureza profissional, tendo como público-
-alvo alunos de espanhol como língua estrangeira do nível III do projeto CLAC.
Objetivando contribuir com novas metodologias em formato não-presencial, os
pesquisadores apresentam os resultados encontrados no desenvolvimento de ha-
bilidades sociocomunicativas entre os discentes.
No trabalho Al-farrábios da sala de casa: um relato das estratégias de al-
fabetização remota em língua árabe em meio à pandemia do Covid-19, os au-
tores discorrem sobre as complexidades encontradas no uso das tecnologias do
ensino remoto em uma classe de alfabetização em línguas com outros sistemas
alfabéticos, como o árabe. As estratégias e os materiais didáticos utilizados no
desenvolvimento de capacidades linguísticas específicas (fala, audição, leitura e
escrita) bem como os resultados desse processo são descritos nesse artigo.
O artigo Empatia e ensino: refúgio como temática para o aprendizado da
língua árabe no contexto remoto utiliza a problemática dos refugiados como pon-
to de partida para a aquisição de vocabulário e estruturas dessa língua. A par-
ticipação de um refugiado árabe nas aulas síncronas e a abordagem do tema
adaptado à modalidade de ensino remoto possibilitaram o entendimento de que
o racional e o afetivo não se encontram dissociados, viabilizando uma relação de
maior contato íntimo com a língua árabe.
Embasando-se em perspectivas de diversos teóricos, os autores de Uma
análise histórico-crítica de oficinas de escrita a partir do CLACquete – Práticas Vi-
suais discutem a noção de oficina partindo de uma análise histórico-crítica, tendo
como objetivo aprofundar o entendimento acerca das oficinas de escrita criativa
desenvolvidas pelo Grupo de Educação Multimídia (GEM), realizadas no curso
CLACquete – Práticas Visuais.
Em Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade de me-
todologia ativa em tempos de distanciamento social, o autor busca discutir as
adaptações implementadas nos cursos do CLAC, frente às necessidades provoca-
das pela utilização do ensino remoto. Os resultados da aplicação da metodologia

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ativa do aprendizado invertido, implementada em uma das turmas de italiano do
projeto, são avaliados no artigo.
No trabalho intitulado Tô vendo uma esperança: reflexões sobre o conceito
de leitor crítico a partir do uso de metodologias participativas nos meios digi-
tais, os autores discutem o conceito de leitor crítico a partir de uma perspectiva
histórico-crítica contingenciada pela cultura de massas e o desenvolvimento de
metodologias participativas, com base no princípio pedagógico da politecnia, e
pensando a questão do leitor na contemporaneidade.
No artigo Produção textual: um relato de experiência sobre a construção do
parágrafo argumentativo no ensino remoto do CLAC, os autores relatam a utiliza-
ção e os resultados encontrados durante a aplicação de atividades avaliativas de
produção textual síncronas e assíncronas, segmentadas em etapas, empregando
metodologias e estratégias adequadas ao uso de suportes online e offline.
Prática Oral e Interação: o ensino de espanhol como língua estrangeira
em tempos de isolamento social questiona como promover a interação entre os
estudantes, elemento fundamental no processo de aprendizagem de língua, no
momento de pandemia e distanciamento social. O trabalho narra uma atividade
assíncrona realizada através de uma videochamada, realizada em grupo, para
discutir as mudanças na rotina de cada participante, visando observar o desen-
volvimento da oralidade em contexto real de uso da língua.
Língua Árabe em modalidade remota: Desafios e soluções relata uma ex-
periência com o ensino da língua árabe na modalidade remota. No artigo, são
descritas as ferramentas tecnológicas e os métodos de avaliação utilizados com o
objetivo de amenizar os problemas de turmas iniciantes no estudo do idioma, no
contexto do ensino remoto, tomando como base os pressupostos da Linguística
Aplicada ao ensino de língua estrangeira.
Em Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação,
autonomia e motivação no curso de russo do CLAC, os autores buscam refletir so-
bre os processos de ensino-aprendizagem de língua russa, à luz dos pressupostos
da teoria da complexidade. A experiência relatada no artigo compara os resulta-
dos de duas turmas: uma de nível I, ministrada no período anterior à pandemia
e outra de nível II, já no ensino online, no contexto remoto. O estudo considerou
tanto o impacto das aulas ministradas no regime remoto emergencial quanto a
interação entre os estudantes e a mudança no grau de autonomia da monitora e
dos alunos.
Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de PLE no contexto pan-
dêmico busca repensar o processo de ensino-aprendizagem de Português Língua
Estrangeira (PLE) em sua adaptação ao contexto do ensino remoto. Os dados
gerados e analisados pelas autoras dizem respeito às dificuldades enfrentadas
por docentes e discentes, à importância da autonomia da aprendizagem, à auto-

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avaliação e à interferência das emoções no processo de ensino-aprendizagem,
e suas conclusões são relatadas nesse artigo.
Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de PLE no contexto
pandêmico busca repensar o processo de ensino-aprendizagem de Português
Língua Estrangeira (PLE) em sua adaptação ao contexto do ensino remoto. Os
dados gerados e analisados pelas autoras dizem respeito às dificuldades enfren-
tadas por docentes e discentes, à importância da autonomia da aprendizagem,
à autoavaliação e à interferência das emoções no processo de ensino-aprendi-
zagem, e suas conclusões são relatadas nesse artigo.
Os artigos do presente número da Línguas & Ensino têm em comum o
objetivo de refletir a respeito dos desafios e possibilidades do ensino remoto,
assim como sobre suas consequências durante a vigência da pandemia da Co-
vid-19, tornando, desse modo, histórica essa edição. Ao contribuir para uma
melhor compreensão do potencial e das limitações das tecnologias digitais e dos
‘novos’ espaços onde aulas podem ocorrer, esta edição colabora para marcar
o início de outros tempos para o ensino de línguas no século XXI. Além disso,
poderá servir, futuramente, como fonte de pesquisa para estudiosos da área de
ensino de línguas que busquem por trabalhos voltados para o ensino remoto
realizado durante o contexto pandêmico da Covid-19.

Andréa Lima Belfort Duarte


Danusia Torres dos Santos

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TECNOLOGIA, ENSINO DE LÍNGUAS
E PANDEMIA: PASSADO, PRESENTE E

FUTURO

CÍNTIA REGINA LACERDA RABELLO


Universidade Federal Fluminense (UFF). Profa. Adjunta de Língua Inglesa
no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas no Instituto de Letras.
E-mail: cintiarabello@id.uff.br
RESUMO

Em 2020, fomos assolados pela pandemia de COVID-19, que alterou muitas de nossas
práticas sociais cotidianas, principalmente, as educacionais. O ensino de línguas
mediado por tecnologias digitais passou a ser utilizado em muitas instituições, impondo
novas práticas aos professores que, muitas vezes, não se sentiam preparados para
tal, uma vez que a formação inicial ainda não privilegia, de forma institucionalizada e
integrada, o ensino de línguas mediado por computador (CALL - Computer Assisted
Language Learning). Este artigo traça um panorama do passado, presente e futuro
do ensino de línguas a partir do campo de estudos CALL e de uma pesquisa realizada
com professores de línguas que participaram de uma disciplina optativa sobre o ensino
de línguas mediado por tecnologias digitais entre 2017 e 2019. Buscamos identificar
práticas com essas tecnologias antes e durante a pandemia, bem como contribuições
da disciplina para sua prática docente neste período de ensino remoto. Concluímos com
algumas previsões sobre o impacto da pandemia no ensino de línguas e a importância
da formação inicial de professores de línguas voltada para a integração das tecnologias
digitais.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de línguas; Tecnologias digitais; Ensino de línguas mediado
por computador; Formação inicial de professores.

ABSTRACT

In 2020, we were impacted by the COVID-19 pandemic, which has altered many of our
daily social practices, especially in the educational field. Technology mediated language
learning became a common practice in many institutions imposing new practices to
language teachers, who many times, were not prepared for that, since initial teacher
education does not privilege Computer Assisted Language Learning (CALL) in an
institutionalized and integrated way. This paper presents an overview of the past, present
and future of language teaching from the perspective of CALL and from a case study
with language teachers who had participated in an elective discipline on technology
mediated language teaching between 2017 and 2019. The research aimed at identifying
these teachers’ practices with digital technologies before and during the pandemic and
the contributions of the discipline to their teaching practice during this time. Finally, we
present some predictions on the impact of the pandemic on language teaching and
reflect on the importance of initial teacher education aimed at the integration of digital
technologies in teaching and learning practices.
KEYWORDS: Language teaching; Digital technologies; Computer Assisted Language
Learning; Initial teacher education.
RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

Introdução

O ano de 2020 será marcado não somente pelo horror e sofrimento gerado pela
pandemia do novo coronavírus, mas também por enormes mudanças e transformações
nas práticas sociais mediadas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação
(TDIC). Muitas dessas práticas já eram mediadas por tecnologias, mas, com a pandemia,
as TDIC assumiram um papel de destaque em diversas atividades cotidianas, permitindo a
continuação de processos comunicacionais, informacionais, comerciais e, principalmente,
educacionais.
O sociólogo Manuel Castells (2020) ressalta que, apesar de já vivermos em uma
sociedade dita digital, a pandemia veio nos mostrar que ainda não a havíamos assumido
totalmente. A transição para o digital imposta pela necessidade de afastamento físico
evidenciou o enorme fosso digital que ainda existe em nossa sociedade, não somente
em relação ao acesso a estas tecnologias, mas também na sua utilização eficaz para a
realização de diferentes atividades, principalmente nos processos educacionais.
O uso de tecnologias na educação não é nenhuma novidade trazida pela pandemia.
Na verdade, as tecnologias, tanto digitais quanto analógicas, sempre fizeram parte dos
contextos educacionais, servindo como instrumentos de mediação. No ensino de línguas
não é diferente. Leffa (2006) nos lembra que as tecnologias digitais sempre foram
utilizadas como ferramentas de mediação e Paiva (2015) traça um histórico de diversas
tecnologias utilizadas na educação e no ensino de línguas estrangeiras (LE), perpassando
por tecnologias analógicas, como a gramática e livros, até as “novas” tecnologias digitais,
como o computador e a Internet. No entanto, a transição para o ambiente digital imposta
pelo fechamento de escolas e universidades em virtude da pandemia não foi nada fácil,
gerando muito desconforto e sofrimento para muitos professores e alunos que não estavam
acostumados a utilizar estas ferramentas nos processos de ensino e aprendizagem.
Neste artigo, abordo alguns impactos da pandemia no ensino de línguas sob a
perspectiva do ensino de línguas mediado por computador (CALL) e de uma pesquisa
realizada em uma universidade federal no Rio de Janeiro. Para isso, apresento um
panorama do passado, presente e futuro das tecnologias digitais no ensino de línguas,
apontando para a necessidade de formação inicial e continuada de professores de línguas
para atuarem no contexto da sociedade digital contemporânea.

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

Ensino de línguas mediado por tecnologias digitais: passado e presente

Como já mencionado, o ensino de línguas sempre foi mediado por alguma tecnologia
(cf. Leffa, 2006). Nesse sentido, o desenvolvimento tecnológico e a evolução das
tecnologias digitais têm trazido enormes mudanças nas salas de aula de LE. Em minha
trajetória pessoal como aprendiz e professora de língua inglesa, experenciei, ao longo de
25 anos, transformações em minhas salas de aula com a inserção de diferentes dispositivos
tecnológicos e metodologias de ensino baseadas na integração destas tecnologias com
as práticas educacionais. Neste breve período, utilizei tecnologias como fitas cassete,
projetores de slide e transparências, aparelho de televisão e vídeo cassete, gravadores de
fita cassete, projetores multimídia e telas retráteis, computadores, CD-ROM, internet,
quadros eletrônicos (e-boards), celulares e tablets, e mais recentemente, aplicativos de
realidade aumentada e óculos de realidade virtual. A introdução destas tecnologias impõe
uma mudança metodológica e pedagógica, uma vez que não basta apenas usar estas
tecnologias em velhas práticas educacionais, mas sim, buscar novas formas de ensinar
e aprender mediadas pelas TDIC, garantindo a centralidade do aluno e a aprendizagem
significativa.
Ao pensarmos no passado do ensino de línguas mediado por tecnologias digitais,
temos a emergência de um campo específico na Linguística Aplicada a partir da integração
de tecnologias da microinformática, como o computador, no ensino de LE. O campo
CALL, sigla em inglês para Computer Assisted Language Learning, ou em português,
Aprendizagem de Línguas Mediada por Computador, surge na década de 60 e vem, desde
então, se desenvolvendo tanto em pesquisas quanto em práticas pedagógicas voltadas para
a integração das diversas tecnologias digitais no ensino de línguas (cf. Torsani, 2016).
Warshauer (1996) define três fases do CALL com base no uso do computador e
da abordagem pedagógica empregada. Dessa forma, o autor define a fase behaviorista,
em que a tecnologia é utilizada como um tutor, possibilitando a realização de atividades
mecânicas de prática linguística, tais como language drills; a fase comunicativa, em que o
computador é usado como um estímulo para a interação e comunicação entre os estudantes;
e a fase integrativa, em que a tecnologia permite a utilização de diversos recursos e
linguagens para a aprendizagem de línguas, tais como a multimídia e a hipermídia e a
própria Internet. Warshauer destaca que

A história do CALL sugere que o computador pode ser utilizado de diversas


formas no ensino de línguas. Ele pode ser um tutor que oferece atividades de

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

repetição e prática de habilidades linguísticas; um estímulo para a discussão e


a interação; ou uma ferramenta para a escrita e pesquisa. Com o advento da
Internet, ele também pode ser um meio para a comunicação global e uma fonte
inesgotável de materiais autênticos. Porém, conforme apontado por Garret
(1991), ‘o uso do computador não constitui um método’. Pelo contrário, ‘ele é
um meio no qual uma variedade de métodos, abordagens e filosofias pedagógicas
podem ser implementadas’. A eficácia do CALL não pode residir no meio em si,
mas apenas na forma como ele é utilizado. (cf. Warshauer, 1996)

De forma semelhante, Bax (2003) define três modos de uso do computador nos
processos de ensino-aprendizagem de línguas. Para o pesquisador, há o modo restrito,
em que o computador não é integrado ao currículo e é utilizado, principalmente, sob
uma perspectiva estrutural de língua, por meio da interação entre o estudante e a
máquina (tecnologia) em atividades do tipo estímulo-resposta. Já no modo aberto há uma
variedade de atividades, tais como jogos e simulações, que têm como objetivo interações
mais abertas, tanto com o computador em si, quanto com outros indivíduos. Por fim,
no modo integrado, as tecnologias estão integradas ao currículo por meio de atividades
comunicativas, tais como a comunicação mediada por computador (CMC) e o uso de
diferentes ferramentas para interação entre os estudantes.
Refletindo sobre o uso da tecnologia na educação de forma mais ampla, Moreira
e Schlemmer (2020) defendem um novo conceito e paradigma de educação digital que
denominam de onlife, uma vez que as práticas online e offline (digitais e presenciais)
estão tão imbricadas na sociedade contemporânea que não podemos mais separá-las.
Nesse sentido, os autores apresentam um continuum da educação digital que compreende
diferentes formas de utilização das TDIC, tanto no ensino presencial quanto no ensino
híbrido e totalmente on-line. No ensino presencial enriquecido por tecnologias digitais, por
exemplo, as tecnologias estão integradas à sala de aula presencial por meio de diferentes
atividades, como por exemplo, uso de diversos recursos da Internet e aplicativos de celular
por alunos e professores durante as aulas, de forma a enriquecer e expandir as experiências
de aprendizagem. No ensino híbrido, há uma combinação de atividades presenciais e a
distância, realizadas com conteúdos e em ambientes digitais, ampliando a experiência de
aprendizagem para além do espaço e tempo da sala de aula presencial. Já na educação
on-line, os processos de ensino-aprendizagem são realizados totalmente em plataformas
digitais como Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) e até mesmo territórios virtuais
criados em plataformas de realidade virtual, ampliando as oportunidades educacionais e
permitindo a aprendizagem em qualquer tempo e local.

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

No Brasil, escolas de idiomas têm investido massivamente nas mais modernas


tecnologias digitais ao longo dos últimos anos, incorporando tecnologias como e-boards,
tablets, realidade virtual e até mesmo inteligência artificial como formas de inovação no
ensino de línguas e projeção no mercado. No entanto, a formação inicial de professores
de línguas ainda não incorporou o uso de tecnologias digitais nas práticas formativas,
deixando de preparar futuros professores para atuarem neste contexto. A este respeito,
Paiva (2013) constata que

Os projetos de formação de professores em nossas universidades ainda não


atendem ao inciso VI do art. 2º, da Resolução sobre formação de professores. O
que vemos são ações isoladas e iniciativas de alguns profissionais que adotam a
tecnologia em suas práticas pedagógicas e empreendem ações de difusão. Isso
não acontece apenas no Brasil e parece ser um fenômeno mundial, como aponta
Levy (1996). Os trabalhos de autores como Kay (2006), Kessler (2006), Hanson-
Smith (2006), Henders (2009) e Abrahão (2010) demonstram que é crescente a
preocupação com a formação dos professores no que concerne à apropriação da
tecnologia. (cf. Paiva, 2013, p. 217-218)

Percebemos que, sete anos após a publicação do artigo de Paiva, muitos cursos de
Licenciatura em Letras ainda não dispõem de disciplinas específicas sobre o ensino de
línguas mediado por tecnologias digitais em seus currículos ou mesmo oferece práticas
formativas mediadas por estas tecnologias ao longo do curso, deixando de preparar futuros
professores para atuarem na cultura digital contemporânea. Concordando com a urgência
desta formação, em entrevista realizada para o jornal O Globo em dezembro de 2019, o
professor e pesquisador Ronaldo Mota alega ser “um crime formar professor não digital”
(cf. Alfano, 2019), uma vez que precisamos formar profissionais capazes de lidarem com
as tecnologias para atuarem de forma eficaz na sociedade digital.
De forma semelhante, Kessler (2018) afirma que

[...] Na verdade, tal uso da tecnologia se tornou tão ubíquo em nosso cotidiano
que sua falta em nossa sala de aula é notável. Estas tecnologias são familiares
para muitos de nós, e aprender a utilizá-las em nossas vidas pessoais se tornou
uma norma social esperada. Entretanto, seu uso no ensino de línguas é geralmente
negligenciado.  Infelizmente, muitos professores de línguas não têm familiaridade
com o extenso volume de pesquisa e prática de profissionais no campo do ensino
de línguas mediado por computador (CALL). (cf. Kessler, 2018, p. 206)

Portanto, concordando com Paiva (2013) que ainda se trata de ações isoladas,
venho desenvolvendo em minha universidade diferentes projetos de ensino e extensão

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

voltados para a integração das tecnologias digitais na formação de professores de línguas.


Dentre eles, destaco a disciplina optativa “Tecnologias Digitais no Ensino de Línguas
Estrangeiras” (TDELE), criada em 2017, e o Laboratório de Formação de Professores de
Línguas e Tecnologias Digitais (LabLínguas) do Departamento de Letras Estrangeiras
Modernas, iniciado em 2019. Estas ações visam proporcionar atividades de formação
inicial e continuada de professores de línguas estrangeiras em CALL e desenvolver
as competências digitais necessárias para a docência na cibercultura. Além disso, as
tecnologias digitais permeiam todas as práticas de ensino-aprendizagem nas disciplinas
obrigatórias que leciono no curso de Letras, que são baseadas no ensino híbrido e no
ensino presencial enriquecido pelo digital. Nessas práticas, as tecnologias digitais são
integradas ao currículo, sob uma perspectiva integrativa (cf. Warshauer, 1996) e integrada
(cf. Bax, 2003), permitindo a realização de atividades colaborativas e a interação entre
os alunos, como, por exemplo, a participação em um intercâmbio virtual com estudantes
de língua inglesa em diferentes países. A partir das experiências práticas mediadas por
tecnologias digitais vivenciadas enquanto estudantes de línguas, os futuros professores
desenvolvem suas competências e letramentos digitais, aprendendo a utilizar diferentes
tecnologias para o ensino-aprendizagem de LE.
Apesar do grande modismo e consumismo relacionado às modernas tecnologias
digitais, as TDIC constituem poderosos instrumentos de mediação dos processos de
ensino-aprendizagem, principalmente no campo de ensino de LE. Estas tecnologias
apresentam diversas potencialidades, tais como o fácil acesso, muitas vezes de forma
gratuita, a materiais autênticos, tais como textos, vídeos e podcasts; a comunicação real,
através da língua-alvo com pessoas em diferentes países, possibilitada pela Comunicação
Mediada por Computador (CMC), permitindo o uso de múltiplas linguagens e mídias; o
uso de softwares e aplicativos específicos para a aprendizagem de LE; além de experiências
imersivas por meio de tecnologias de realidade virtual. Todas estas possibilidades
permitem uma aprendizagem de LE no mundo real, ou seja, na própria cultura digital, e
expandem significativamente os contextos de ensino e aprendizagem de LE para além da
sala de aula presencial.
Por outro lado, também são enormes os desafios, uma vez que vivemos em uma
sociedade extremamente desigual, na qual o acesso a estas tecnologias não é garantido a
todos os cidadãos. A falta de infraestrutura tecnológica em diversas escolas e universidades
impede o desenvolvimento do letramento digital e das competências necessárias para
atuação na cibercultura, contribuindo para o aumento da brecha digital. Além disso, a

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falta de formação inicial e continuada de professores em CALL acaba por dificultar a


apropriação tecnológica por parte de professores e a não utilização ou subutilização dessas
tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem de línguas.
Muitos desses problemas, que não são recentes, foram escancarados este ano com a
pandemia, quando, devido ao fechamento de escolas e universidades, a continuidade dos
processos educacionais passou a depender da mediação tecnológica. A necessidade de
implementação do ensino remoto emergencial revelou a falta de preparação de professores
e gestores educacionais, principalmente na educação básica, para o uso das tecnologias
digitais no ensino. Tal fato pode ser observado nos diferentes relatos e pesquisas
publicadas no período inicial da pandemia, tais como o “textão da quarentena”1, no qual
uma professora relata, de forma emocionada, as dificuldades encontradas para se adaptar
ao contexto digital e as imposições, muitas vezes abusivas, das instituições de ensino. Tem
também a paródia da famosa música I will survive (Eu vou sobreviver), de Gloria Gaynor,
em uma versão bem humorada para professores que começaram a ensinar de forma on-
line2, revelando a necessidade e dificuldade de aprender a utilizar diferentes ferramentas
e plataformas digitais para a realização do ensino remoto. O Instituto Península3 também
realizou uma pesquisa que demonstrou que 8 entre 10 professores não estavam preparados
para ensinar com a tecnologia.
Muitos dos problemas e dificuldades experenciadas por professores na
implementação do ensino remoto emergencial poderiam ter sido evitados se os programas
de formação inicial e continuada de professores investissem na formação docente para
a integração pedagógica das tecnologias digitais nos processos de ensino por meio de
modelos como o TPACK (cf. Koehler; Mishra, 2008) e o quadro de competências digitais
docentes (cf. Moreira; Lucas, 2018).
O modelo TPACK, do inglês Technological Pedagogical Content Knowledge,
parte do pressuposto de que a integração eficaz da tecnologia na educação envolve três
componentes centrais (o conteúdo, a pedagogia e a tecnologia) e as interações entre eles,
que fazem emergir novos tipos de conhecimentos: (1) conhecimento pedagógico de
conteúdo, ou seja, o conhecimento de pedagogias voltadas para o ensino de conteúdos
específicos; (2) conhecimento tecnológico de conteúdo, relacionado à compreensão
do impacto de determinadas tecnologias nas práticas de disciplinas específicas; e (3)

1 Ver: https://www.psicoedu.com.br/2020/03/textao-da-quarentena-professora-desabafo.html
2 Ver: https://www.youtube.com/watch?v=CCe5PaeAeew
3 Ver: https://www.institutopeninsula.org.br/em-quarentena-83-dos-professores-ainda-se-sentem-
despreparados-para-ensino-virtual-2/

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conhecimento tecnológico pedagógico, relacionado à compreensão de como as práticas


de ensino-aprendizagem são alteradas quando determinadas tecnologias são utilizadas.
Segundo os autores, o conhecimento tecnológico pedagógico e de conteúdo (TPACK)
possibilita o desenvolvimento da “flexibilidade criativa”, permitindo que professores
ressignifiquem as tecnologias existentes para fins pedagógicos (cf. Koehler; Mishra,
2008, p. 17). A Figura 1 ilustra a interação entre os diferentes tipos de conhecimento e
a interseção entre eles, gerando o conhecimento tecnológico pedagógico e de conteúdo
(TPACK).

Figura 1 – Modelo TPACK

Fonte: <http://www.tpack.org/> (tradução nossa)

Portanto, ao considerarmos a formação de professores de línguas, é necessário


que o conhecimento linguístico e pedagógico esteja integrado com o conhecimento da
tecnologia. Isso significa que os licenciandos em Letras precisam aprender, além da
língua e metodologias de ensino, a utilizar as tecnologias digitais nos processos de ensino-
aprendizagem de LE de forma crítica e criativa, a partir de experiências de aprendizagem
com estas tecnologias e reflexão sobre elas.
Além disso, também é necessário o desenvolvimento de competências digitais
docentes, ou seja, conhecimentos e habilidades relacionadas ao uso das tecnologias para
o ensino-aprendizagem e o próprio desenvolvimento profissional. Há vários modelos
e quadros de referência sobre as competências necessárias neste contexto. O “Quadro
Europeu de Competência Digital para Educadores” - DigCompEdu (cf. Moreira; Lucas,
2018), por exemplo, é um quadro de referência bastante utilizado e que é baseado no
Quadro Comum Europeu de Referência de Línguas (QCE). Este modelo descreve seis

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níveis de proficiência no uso de tecnologias digitais para o ensino, classificando-os


conforme o QCE, ou seja, A1 e A2 para iniciante, B1 e B2 para intermediário, e C1 e C2
para avançado ou independente.
Além dos níveis de proficiência com as tecnologias, o documento descreve 22
competências básicas necessárias para o uso eficaz das tecnologias na educação e que são
organizadas em seis áreas principais, relacionadas com diferentes aspectos das atividades
profissionais dos educadores. Estas competências compreendem: (1) usar tecnologias
digitais para comunicação, colaboração e desenvolvimento profissional; (2) selecionar,
criar e compartilhar recursos digitais; (3) gerir e orquestrar o uso de tecnologias digitais no
ensino e aprendizagem; (4) usar tecnologias e estratégias digitais para melhorar a avaliação;
(5) usar tecnologias digitais para melhorar a inclusão, a personalização e o envolvimento
ativo dos aprendizes; e (6) possibilitar aos aprendizes usar tecnologias digitais de forma
criativa e responsável para informação, comunicação, criação de conteúdos, bem-estar e
resolução de problemas, conforme ilustrado na Figura 2.

Figura 2 – O Quadro DigCompEdu

Fonte: (MOREIRA; LUCAS, 2018, p. 8).



Estes dois modelos constituem referenciais importantes na formação inicial e
continuada de professores de línguas para que sejam capazes de integrar as TDIC em suas
práticas pedagógicas na cultura digital.

A pandemia em 2020: impactos no ensino de línguas



Logo no início da pandemia, em abril de 2020, quando, por necessidade de
fechamento das instituições de ensino, grande parte das escolas de educação básica e

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cursos de idiomas optaram por adotar tecnologias digitais para a mediação das atividades
educacionais, realizei um estudo de caso descritivo (cf. Leffa, 2006) a fim de compreender
os impactos da pandemia no ensino de LE e as contribuições da disciplina optativa na
formação inicial de professores de línguas para atuação no contexto do ensino remoto
mediado por tecnologias digitais. Para isso, contactei todos os 26 estudantes que haviam
concluído a disciplina “Tecnologias Digitais no Ensino de Línguas Estrangeiras” entre
os anos de 2017 e 2019 e que estivessem atuando como professores de línguas em 2020.
Seis professores responderam positivamente ao convite e participaram de uma entrevista
semiestruturada por e-mail (cf. Mann; Stewart, 2000) que buscou identificar o contexto
de atuação, o uso que faziam das tecnologias para as práticas de ensino-aprendizagem,
antes e durante a pandemia, e as contribuições da disciplina para o ensino mediado por
tecnologias digitais no ensino remoto.
Os seis professores que participaram da pesquisa atuam com diferentes línguas e
em diferentes níveis e instituições de ensino. Neste artigo, são utilizados nomes fictícios
a fim de preservar a identidade dos participantes e suas falas são transcritas tais como
reproduzidas nas respostas às entrevistas. Assim, constituem participantes da pesquisa: (1)
Jéssica, professora da educação infantil em uma escola municipal e de língua portuguesa
em um pré-vestibular social com apoio da prefeitura; (2) Fabiana, professora de inglês
no Ensino Fundamental I em uma escola privada e também em um curso de idiomas; (3)
Laura, professora de inglês em um curso de idiomas; (4) Tânia, instrutora de alemão em
um curso de idiomas de extensão universitária; (5) Míriam, também instrutora de alemão
no mesmo curso de extensão; e (6) Rafael, professor de inglês no curso de extensão
universitária e professor substituto em um curso de graduação em Letras.
Jéssica informou fazer uso restrito de tecnologias em sua turma da educação
infantil antes da pandemia, tendo acesso apenas a um retroprojetor para suas aulas. Após
algumas semanas do início da pandemia, a escola solicitou que os professores preparassem
sequências didáticas e vídeos que seriam compartilhados com os alunos por meio de uma
plataforma de ensino a distância. No entanto, toda a gestão dos conteúdos é feita pela
Secretaria de Educação, que ficou responsável pela seleção e postagem dos materiais na
plataforma. Para os alunos que não têm acesso à internet, as atividades ficariam disponíveis
na própria escola. No pré-vestibular social, o uso de tecnologias em sala de aula também
era bastante restrito. Contudo, a professora mantinha um grupo de WhatsApp (criado pelo
coordenador do curso para todas as turmas) para comunicação com os alunos e envio de
materiais. A professora também mantinha uma pasta no Google Drive para compartilhar os

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conteúdos das aulas com os alunos, mas como alguns alunos tinham dificuldade em acessá-
los, Jéssica compartilhava os materiais nos dois aplicativos (Google Drive e WhatsApp).
Com o início da pandemia e a suspensão das aulas presenciais, o coordenador do curso
criou uma turma no Google Classroom para que cada professor pudesse compartilhar suas
atividades, mas alguns professores não se sentiram confortáveis com este uso e optaram
por usar o grupo de WhatsApp para este fim.
A escola privada de Ensino Fundamental I em que Fabiana atua possuía um
sistema próprio que funcionava como uma “agenda on-line” em que os professores se
comunicavam com os responsáveis por meio de postagem sobre as atividades realizadas
nas aulas presenciais e agendamento de provas e testes. O uso das tecnologias digitais
na sala de aula, no entanto, era inexistente. Após um período de recesso com o início
da quarentena, a escola passou a disponibilizar atividades complementares e videoaulas
gravadas pelos professores para todos os alunos. Já no curso de idiomas privado, o uso
de diferentes tecnologias digitais já fazia parte da metodologia da instituição, que possuía
convênio com o Google for Education e já utilizava diversas tecnologias digitais nas
atividades realizadas em sala de aula, incluindo o uso de tablets, celulares e óculos de
realidade virtual, além de aplicativos como Kahoot e Quizzlet. Após um breve período
de suspensão das aulas com o início da pandemia, os professores começaram a utilizar as
plataformas Google Hangout (Google Meet) e Google Classroom para a realização das
aulas por meio de atividades síncronas e assíncronas.
A instituição em que Laura trabalha faz parte de uma franquia de cursos de idiomas e
a matriz disponibiliza conteúdo virtual por meio de um portal para os alunos. Contudo, este
conteúdo ainda não estava disponível para todas as filiais, e a filial em que Laura trabalha
não tinha acesso a esse portal antes da pandemia. Com a suspensão das aulas presenciais,
as aulas passaram a ser realizadas por meio de plataformas de videoconferência, iniciando
com o Zoom e depois migrando para o Jitsi Meet por questões de segurança. Segundo a
professora, as aulas seguem a mesma metodologia das aulas presenciais, com redução dos
exercícios feitos em grupo. Os alunos também passaram a ter acesso ao portal do curso
com acesso a vídeos, áudios, exercícios extras e simulados como suporte às aulas on-line.
O curso de extensão em que Tânia, Míriam e Rafael trabalham não adotava nenhuma
tecnologia ou plataforma como parte do curso, com exceção do e-mail para comunicação
com os alunos. No entanto, os instrutores podiam utilizar diferentes tecnologias a seu critério.
Nesse sentido, Míriam relatou utilizar arquivos em PDF, áudios e vídeos do YouTube para
complementar e ilustrar suas aulas e Rafael informou usar livros digitais.

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Com a suspensão das aulas presenciais, os instrutores passaram a lecionar no


ambiente on-line por meio de aulas síncronas em plataformas de videoconferência. Essas
aulas têm a mesma carga horária e são realizadas no mesmo horário das aulas presenciais
por meio de diferentes plataformas, a critério de cada instrutor. Já no ensino superior, Rafael
informou utilizar uma plataforma institucional para comunicação e compartilhamento de
material com os alunos antes da pandemia. Contudo, quando a pesquisa foi realizada,
em abril de 2020, as aulas na instituição ainda estavam suspensas, retornando apenas de
forma remota em setembro de 2020.
Ao questionar os participantes sobre o processo de transição para o ensino remoto e
se as instituições de ensino ofereceram algum tipo de orientação e/ou capacitação, apenas
os cursos de idiomas realizaram algum tipo de treinamento para os professores, conforme
relatado nos excertos abaixo. Todos os grifos são da autora para ressaltar os núcleos de
significado.

No curso de idiomas, durante o período de recesso tivemos treinamento online


com a equipe acadêmica ensinando como utilizar a ferramenta Hang Out. Além
disso, reuniões menores por filial também ocorreram com o objetivo de pôr
em prática o que tinha sido trabalhado nas reuniões acadêmicas. Tal transição
não foi muito caótica, visto que constantemente estávamos em contato com
workshops e palestras sobre o uso de algumas ferramentas, antes mesmo do
período de quarentena. (Fabiana)

Houve uma reunião com o pessoal da matriz para oferecer um treinamento


pedagógico e esclarecer algumas dúvidas que os próprios professores poderiam
ter em relação à mudança. A reunião consistiu basicamente em como aplicar a
metodologia e o conteúdo regular do curso na plataforma de videoconferência.
Nada mais. (Laura)

Já os outros participantes informaram que as instituições ofereceram pouca ou
nenhuma orientação sobre a utilização de plataformas digitais para a mediação das
atividades pedagógicas. A escola municipal em que Jéssica trabalha enviou apenas
orientações sobre como gravar os vídeos (roupa a ser usada, posição da câmera, entre
outros) e disponibilizou um estúdio de gravação para os professores que quisessem fazer
as gravações. Na escola particular em que Fabiana trabalha, não houve qualquer tipo de
treinamento ou orientação quanto ao uso de plataformas específicas para a gravação de
videoaulas, o que gerou certas dificuldades, conforme relata a seguir:

[...] a escola não sinalizou nenhum suporte fixo para gravação das aulas, com

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isso cada professor ficou livre para escolher qual ferramenta seria melhor para
ser utilizada. Todavia, a escola possui um grande número de funcionários que
não estão acostumados a utilizar as tecnologias em sala de aula, e como não
houve nenhum treinamento prévio foi gerado certo desconforto por parte da
equipe pedagógica. (Fabiana)

Os instrutores do curso de extensão relataram que os coordenadores postaram


propostas e possibilidades de ferramentas digitais no grupo de WhatsApp, mas que não
ofereceram nenhum tipo de capacitação específica sobre como conduzir as aulas on-
line ou disponibilizaram uma plataforma específica, ficando a critério de cada instrutor
escolher qual plataforma utilizar. No caso do instrutor de inglês, este informou que a
coordenação postou tutoriais em vídeo produzidos pela própria coordenação do curso no
grupo de WhatsApp e que as dúvidas dos instrutores eram sanadas via aplicativo.
O que podemos perceber a partir do relato dos participantes é que nos cursos
de idiomas, onde as tecnologias digitais, de alguma forma, já estavam integradas na
metodologia de ensino, a transição foi um pouco mais fácil e os professores receberam
um pouco mais de suporte e orientação da equipe pedagógica em forma de treinamento
e reuniões. Já nas escolas de educação infantil e básica e no curso de extensão, onde as
tecnologias digitais não estavam totalmente integradas, sendo utilizadas apenas de acordo
com o critério de cada professor, estes encontraram menos suporte e orientação, uma vez
que o ensino mediado por tecnologias digitais era uma novidade para muitos, inclusive
para os gestores. Este fato pode ser observado no excerto abaixo.

Não houve nenhum tipo de treinamento e, em alguns casos (inclusive o meu),


nem tempo para nos prepararmos para a primeira aula. A transição foi bem
difícil e emocionalmente dura, mas como passamos por isso em grupo (outros
professores/instrutores e nossos próprios coordenadores), foi mais fácil de se
acostumar. (Míriam)

O quadro abaixo apresenta um breve resumo da utilização da tecnologia por cada


professor antes e durante a pandemia e o tipo de orientação e/ou capacitação oferecido aos
professores na transição para o ensino remoto.

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Quadro 1: Resumo da utilização da tecnologia antes e durante a pandemia


Orientação ou
Prof. Instituição Uso da tecnologia antes Uso da tecnologia capacitação?
da pandemia durante a pandemia
Não
  Ed. infantil Retroprojetor Sequências didáticas ou
Jéssica (Municipal) vídeos
Não
Pré-vestibular Grupo de Whatsapp Google Classroom,
social Whatsapp
Não
Fabiana Fundamental I Sistema próprio (Agenda Videoconferência,
(Privada) online) videoaulas
Sim
Curso de Idiomas Várias tecnologias e Google Classroom,
aplicativos  Hangout
Sim
Laura Curso de Idiomas Portal com conteúdo Aulas síncronas:
virtual (não disponível Videoconferência
na filial) Portal com atividades
Não
Tânia Curso de Idiomas E-mail Aulas síncronas:
(Extensão Videoconferência
universitária) Zoom (versão gratuita -
40 min)
Não
Míriam Curso de Idiomas PDF, áudio, YouTube Aulas síncronas:
(Extensão Videoconferência
universitária) Zoom (versão gratuita),
Google Meet
Não
Rafael Curso de Idiomas Livros digitais Aulas síncronas:
(Extensão Videoconferência
universitária) Zoom (versão paga -
pago pelo professor)
N/A
Ensino Superior Plataforma digital N/A

O que percebemos é que, apesar das diferentes realidades relatadas pelos participantes,
o principal impacto da pandemia nas práticas de ensino de línguas, na maior parte
das vezes, foi a transposição do modelo presencial para o ambiente on-line, ou seja, a
utilização de plataformas de videoconferência para a realização de aulas síncronas muito
semelhantes ao modelo presencial adotado antes da pandemia. Já na educação infantil e
no pré-vestibular social, as possibilidades de integração das TDIC nas práticas de ensino
mediadas pelo digital foram bastante limitadas em virtude da falta de acesso e dificuldade
de uso das tecnologias por muitos estudantes e professores, evidenciando a grande brecha
digital existente em nosso país e a falta de formação inicial e continuada de professores
para integração das TDIC ao ensino.
Apesar de algumas instituições fazerem uso das tecnologias digitais antes da
pandemia, percebemos que este uso era de certa forma limitado, se comparado com todas
as possibilidades apresentadas previamente. Muitas das tecnologias eram apenas utilizadas

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como complementos das aulas presenciais ou para ilustração e prática de conteúdos,


como no caso dos arquivos PDF, vídeos do YouTube e aplicativos para celular como
Kahoot e Quizzlet. Nenhuma das instituições parecia fazer uso do ensino híbrido, no qual
as tecnologias digitais e a aprendizagem on-line são integradas como parte constituinte
do curso em combinação com as aulas presenciais. Apenas em um dos cursos de idiomas
estas tecnologias estavam mais integradas ao espaço da sala de aula presencial no ensino
enriquecido por tecnologias digitais.
Uma questão que é importante ressaltar é que, apesar da maior parte das instituições
ter dado autonomia aos professores para escolherem quais tecnologias utilizar para a
gravação de videoaulas ou para transmissão de aulas síncronas via plataformas de
videoconferência, esta liberdade, na verdade, acabou gerando alguns problemas, tais
como a dificuldade em saber quais tecnologias utilizar, pois muitos professores não
tinham conhecimento sobre as tecnologias disponíveis ou como utilizá-las. Outro ponto
é que, como algumas instituições não adotaram uma plataforma específica de forma
institucional, muitos professores acabaram por utilizar versões gratuitas de plataformas
como Zoom, que possuem limitação de tempo nessa versão. Nesse sentido, Tânia, relata,
por exemplo, que após 40 minutos de aula, a plataforma encerra a transmissão, sendo
necessário iniciar uma nova transmissão, o que é bastante complicado em uma aula de
120 minutos, conforme expõe abaixo:

No momento uso o Zoom gratuito, a plataforma gratuita suspende de 40 em 40


min. Isso é complicado, os alunos se adaptaram, a vantagem é o compartilhamento
de arquivos mídias na tela, chat. (Tânia)

No caso de Rafael, este relatou em outro momento que utilizava a versão paga
do Zoom para evitar a questão da interrupção da aula. Contudo, como a escolha foi a
critério de cada professor, ele mesmo pagava para o uso da plataforma a fim de garantir a
continuidade da aula.
Ao questionar os participantes sobre as contribuições da disciplina optativa cursada
durante sua formação inicial para sua atuação no ensino mediado por tecnologias digitais
durante a pandemia, todos os seis participantes indicaram que a disciplina contribuiu
significativamente permitindo, por exemplo, que tivessem mais segurança e confiança
para atuarem no ambiente digital e dispusessem de uma gama de recursos digitais para a
realização das aulas remotas. As contribuições da disciplina são destacadas nos excertos
a seguir:

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Eu me sinto muito segura usando as ferramentas, até aquelas que não vimos
em aula, devido à base que adquiri durante a disciplina. Me causou um grande
alívio saber usar as ferramentas e ter um leque de opções para escolher e
testar, tanto que até dividi o que eu sabia com os meus colegas [...] (Míriam)

A disciplina mostrou uma gama de recursos digitais que podem ser utilizados na
educação, incentivando a criatividade e a participação do aluno, como aplicativos
de jogos, sites de criação de portfólio, ferramentas que permitem a produção
colaborativa, entre outros. Como o acesso à internet, a jogos, à informação
rápida, aos recursos áudio-visuais etc. já faz parte do cotidiano dos alunos e é
interessantes (sic.) para eles, a disciplina de TDELE foi essencial para ensinar
a usar esses recursos como aliados no processo de ensino-aprendizagem,
principalmente nesse momento em que as aulas estão sendo completamente no
modo digital. (Laura)

Sim, a disciplina foi de extrema importância pois em pouco tempo pôde


mostrar diversas ferramentas que podem ser aplicadas no ensino. Atualmente,
após a disciplina, sinto-me mais confiante em pôr em prática muito do que
aprendemos em sala, pude constatar isso ao ajudar meus colegas de trabalho.
[...] (Fabiana)

Acho que a disciplina contribuiu bastante no que tange a reflexão sobre


como implementar as tecnologias. As discussões feitas nos seminários foram
importantes para termos as diferentes perspectivas que tivemos e sermos
capazes de empatizar com a experiência de educadores em diferentes níveis de
conhecimento sobre as tecnologias digitais. (Rafael)

[...] não tivemos treinamento, tivemos que aprender a produzir essa elaboração
de sala de aula. Fiquei mais tranquila por ter tido a inclusão desses recursos
digitais, porque havia feito o curso de TDELE. Significativo. (Tânia)

Sim, contribuiu. Tenho, hoje, um pouco mais de confiança para utilizar alguns
recursos tanto para a pesquisa sobre o tema que a minha escola ficou responsável
em elaborar quanto para preparar as sequências didáticas. [...] Por outro lado, ter
tido conhecimento de como funciona o ensino na modalidade EAD, mesmo
tendo visto brevemente, me trouxe incômodo nesse momento, pois sei que é um
trabalho que exige tempo para a elaboração e que necessita de recursos apropriados.
Não é somente gravar uma história diante de uma câmera. (Jéssica)

O momento pandêmico que estamos vivendo e as respostas dos participantes nesta


pesquisa reforçam a urgência da formação inicial e continuada de professores para o
ensino de línguas mediado por tecnologias digitais (CALL). Apesar da disciplina optativa
ter sido uma iniciativa isolada dentro do curso de Letras e, por sua característica eletiva,
ter atingido um número pequeno de licenciandos, a disciplina TDELE se mostrou

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fundamental para estes professores na transição para o ensino remoto. Pelas falas de alguns
professores, podemos inferir que, caso não tivessem cursado a disciplina, provavelmente
a transição para o ensino remoto teria sido mais difícil. Os excertos acima reforçam a
relevância da disciplina para a prática docente neste período emergencial de ensino remoto
mediado por tecnologias digitais e também para a atuação desses professores na cultura
digital. Portanto, a prática com essas tecnologias deve fazer parte da formação inicial
de professores de línguas, como parte constituinte do currículo, e não ficar relegada a
iniciativas isoladas ou disciplinas eletivas.
Por fim, o que podemos concluir a partir deste estudo é que, apesar dos diferentes
contextos analisados, o ensino de línguas mediado por tecnologias digitais (CALL) é uma
realidade ainda distante de algumas intuições de ensino de LE. Apesar das limitações desse
estudo, o CALL parece estar mais integrado apenas em cursos de idiomas voltados para a classe
média e alta, onde há um grande investimento na aquisição e capacitação dos professores para
a integração dessas tecnologias. Em cursos de idiomas menores e mais afastados dos grandes
centros urbanos, como no caso do curso de Laura, e o curso de extensão universitária, estas
tecnologias ainda são utilizadas como acessórias, ou seja, como atividades complementares às
aulas presenciais, não sendo utilizadas de forma integrada, como descrito por Bax (2003). Na
educação básica particular, apesar de a tecnologia estar presente, ela é utilizada, primordialmente,
para atividades administrativas e de comunicação com responsáveis, não sendo utilizada nas
atividades de ensino-aprendizagem. Por fim, na escola pública e pré-vestibular comunitário,
percebemos que estas tecnologias estão muito distantes da realidade dos alunos e também dos
professores, seja na falta de acesso a dispositivos, como computador e conexão à Internet, seja
nos letramentos e competências digitais para a utilização de tecnologias móveis como Google
Drive ou Google Sala de Aula na condução das atividades pedagógicas durante a pandemia.
O estudo também revela o despreparo por parte de muitas instituições de ensino para
lidar com o ensino mediado por tecnologias digitais e com o ensino remoto devido ao pouco
conhecimento sobre CALL e os princípios da educação on-line (cf. Pimentel; Carvalho, 2020)
e suas potencialidades (cf. Santos, 2020). Por fim, como conclui Fabiana, as dificuldades
encontradas neste contexto reforçam a relevância da formação dos professores de LE para o
ensino mediado por tecnologias digitais.

[...] acredito que essa situação vai deixar um grande aprendizado para todos de que
aulas online precisam de muita preparação, além do desenvolvimento de ferramentas
adequadas para tal modalidade de ensino, assim como a qualificação adequada dos
profissionais de ensino. (Fabiana)

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

O pós-pandemia e o futuro do ensino de línguas

Sob uma perspectiva mais ampla, percebemos que a pandemia do COVID-19


desempenhou um papel essencial na educação, acelerando práticas e processos que já
vinham acontecendo, mas ainda de maneira lenta e isolada. Nesse sentido, a pandemia
evidenciou a importância das TDIC para a manutenção dos processos educacionais e a
relevância da formação de professores para a integração dessas tecnologias às práticas de
ensino-aprendizagem, além da importância do trabalho com os letramentos e competências
digitais de estudantes e professores.
As questões sanitárias impostas pela pandemia indicam que ainda teremos um
período de práticas de ensino remoto pela frente e a grande lição que essa pandemia nos
trouxe é que não podemos mais ignorar o digital, pois ele passará a permear ainda mais
as práticas sociais cotidianas, e, principalmente, os processos educacionais. Dessa forma,
não podemos mais deixar as TDIC fora da sala de aula, seja na educação básica, seja
no ensino superior, incorporando o paradigma onlife conforme nos alertam Moreira e
Schlemmer (2020) ao afirmarem que

Com efeito, e como já referimos à pandemia, está a gerar a obrigatoriedade, e,


simultaneamente, a oportunidade dos professores e estudantes emergirem  nesta 
Educação  Digital,  especialmente, nos cenários e realidades dos ambientes
digitais de ensino e aprendizagem síncronos e assíncronos. [...] Na realidade,
mais do que esta visão redutora da tecnologia, é necessário mudar de paradigma, 
para  o  paradigma  do Onlife [...]. (cf. Moreira; Schlemmer, 2020, p. 24)

Em relação ao ensino de línguas especificamente, percebemos por meio da trajetória


do CALL que as tecnologias digitais têm uma longa história no campo da pesquisa e
da prática, embora nem todas as instituições de ensino de LE o tenham incorporado.
Em 2019, ainda sem antecipar os impactos que uma pandemia causaria no ensino de
LE, Paiva (2019) já previa que o ensino de línguas ocuparia mais os ambientes digitais
afirmando que

[...] precisamos nos engajar em novas formas de aprender e de ensinar, de


interagir e de colocar em circulação a produção de conhecimento. Cada vez mais,
vamos ser demandados a nos fazer presentes em camadas digitais sobrepostas à
estrutura física e alterar nossas ações de linguagem entre elas sem perder o foco
de nenhuma delas. (PAIVA, 2019, p. 22)

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RABELLO. Tecnologia, ensino de línguas e pandemia: passado, presente e futuro.

Agora, no final de 2020, após diversas experiências de ensino remoto de línguas


mediado por tecnologias digitais, como as investigadas na pesquisa apresentada aqui,
podemos prever que os principais impactos da pandemia no futuro do ensino de línguas
são aqueles do paradigma onlife descritos por Moreira e Schlemmer (2020), ou seja, a
integração do ensino on-line, do ensino híbrido e do ensino presencial enriquecido por
tecnologias. Estas modalidades, que já existiam antes da pandemia, mas ainda de forma
isolada, deverão se tornar cada vez mais comuns nas práticas de ensino-aprendizagem de
LE, uma vez que não voltaremos iguais desta experiência e passaremos a contar mais com
as potencialidades das diversas tecnologias digitais aplicadas no ensino de línguas.
Dessa forma, precisamos repensar os currículos dos cursos de Licenciatura em
Letras e as práticas de formação inicial de professores. Estas não mais poderão contar
com “iniciativas isoladas”, mas deverão incorporar disciplinas obrigatórias voltadas para
a integração das tecnologias digitais no ensino de línguas por meio do CALL, bem como
desenhar experiências de ensino e aprendizagem de LE mediadas pelas TDIC em todas
as disciplinas do curso de forma transversal e por meio do modelo TPACK. Esta revisão
do currículo deverá levar em conta que a docência na cultura digital contemporânea será
composta cada vez mais por experiências presenciais, on-line e híbridas mediadas pelas
TDIC, afinal, como nos lembra Castells, “o digital é o novo normal”.

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ALREDEDOR DE LA PANDEMIA
EXISTE LA CONFESIÓN DEL VIENTO :
A PAISAGEM COMO POESIA,
FILOSOFIA E TEXTO EM UMA TURMA
DE ESPANHOL

MARIA MERCEDES RIVEIRO QUINTANS SEBOLD


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. associada III do
Departamento de Letras Neolatinas da Faculdade de Letras.
E-mail: m.sebold@letras.ufrj.br

MATHEUS SENA DE AZEVEDO


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras -
Português e Espanhol. E-mail: matteoazevedo@letras.ufrj.br
RESUMO

O que se compreende por uma poética da paisagem é a capacidade de um sujeito


ler o que está ao seu redor a partir de sua subjetividade, trazendo para a sua leitura
de mundo as suas experiências. Assim, podemos afirmar que o que se entende
por subjetividade é perpassado pela noção de existência que pode ser cambiável
de acordo com a experiência de cada sujeito. A (contin)unidade que existe entre
o mundo-corpo-espírito pode também ser lida como subjetividade(s)-leitura do
mundo e natureza-cultura. Vivendo a experiência de um mundo pandêmico,
alteramos a existência deste sujeito aplicada aos diversos fatores que este novo
tempo exige. Cada sujeito constrói a paisagem de acordo com o que vive. Neste
trabalho, foi desenvolvida uma produção audiovisual que trazia como pano de
fundo o que eles viam em seus bairros, ou seja, o que enxergavam ao seu redor
durante a pandemia e o que estas paisagens transportavam como resposta de
suas percepções com a fórmula musical “el viento me confió cosas que siempre
llevo conmigo”, frase da cantora argentina Liliana Herrero.
PALAVRAS-CHAVE: Paisagem; Poesia; Texto; Subjetividade; Pandemia.

RESUMEN

Lo que se comprende por una poética del paisaje es la capacidad que el sujeto
tiene para leer su entorno desde de su subjetividad, aportando para su lectura
de mundo sus experiencias. Así se puede afirmar que lo que se entiende por
subjetividad es atravesado por la noción de existencia que puede ser cambiable
según la experiencia de cada sujeto. La (contin)unidad que existe entre mundo-
cuerpo-espíritu también puede leerse como subjetividad(es)-lectura de mundo
y naturaleza-cultura. Cuando se vive la experiencia de un mundo pandémico se
cambia la existencia de este sujeto y ello se debe a los numerosos factores que
este nuevo tiempo exige. Cada sujeto construye su paisaje según lo que vive. En
este trabajo se desarrolló una producción audiovisual que se llevó como contexto
lo que los alumnos vieron en sus barrios, es decir, lo que vieron en su entorno
durante la pandemia y la carga que estos paisajes tenían como respuesta de sus
percepciones con la fórmula musical “el viento me confió cosas que siempre llevo
conmigo”, frase de la cantante argentina Liliana Herrero.
PALABRAS-CLAVE: Paisaje; Poesía; Texto; Subjetividad; Pandemia.
AZEVEDO & SEBOLD. Alrededor de la pandemia existe la confesión del viento: a paisagem como poesia, filosofia e texto
em uma turma de espanhol.

Introdução

Sobre a ideia da filosofia e poética da paisagem, o poeta francês Michel Collot pos-
tula a ampliação do conceito de natureza e de paisagem a partir de uma nova narrativa e
uma nova perspectiva àquilo que se encontra através das experiências sensoriais e afirma
que “o pensamento-paisagem é um pensamento partilhado, do qual participam o homem
e as coisas” (COLLOT, 2013, p.29).
No que diz respeito ao que se entende como paisagem e natureza, esta ideia ainda é
difundida pelo senso comum como aquilo que é bonito e agradável aos olhos, ignorando
o fato de outras experiências sensoriais estarem vinculadas ao que é paisagem. Com esta
redução de significado, o que é descartado deste padrão paisagístico é considerado ina-
propriado para a cidade, para o lugar.
Com o objetivo de ampliar esta ideia, Collot novamente diz que o resultado deste
processo de ressignificação da natureza é trazer a paisagem como pensamento e, sendo
ela pensamento, passa a ser narrativa, ou seja, poética. O pensamento-paisagem constrói
uma nova poética. O mesmo diz:

A experiência da paisagem, revelando a secreta continuidade que une o mundo


ao corpo e o corpo ao espírito, convida-nos a redefinir as relações entre natureza
e cultura. Essa experiência resulta de uma interação entre o corpo, o espírito e o
mundo, e se inscreve no prolongamento das trocas que nosso organismo mantém
com o meio natural (COLLOT, 2013, p. 40).

A crise da paisagem é a crise da natureza, é a crise da literatura, da filosofia e da


nova poética sobre o mundo e as pessoas. Os séculos XX e XXI apresentam estas crises:
duas guerras mundiais, novas doenças, a pandemia do novo Coronavírus, a desvaloriza-
ção do poeta, da escrita e da leitura e o surgimento das redes sociais. Este novo mundo
exige um novo sujeito que exige antigas respostas e formas antigas de se pensar na paisa-
gem e na natureza. Este mundo não tão passado colocou em xeque o que se busca com a
subjetividade e a alteridade de cada ser. Segundo Collot (2013), existe um “materialismo
da letra”, no qual está a “poética a serviço da expressão do sentimento pessoal ou da ce-
lebração do Ser” (p.182), ou seja, não se valoriza a subjetividade do ser, mas faz-se dela
um grande espetáculo para a alteridade de outrem.
A experiência de uma nova poética da paisagem permite ao sujeito experimentar
uma nova relação com seu corpo e suas projeções. Sem essa perspectiva, a paisagem é

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um outro que não possui relações com o sujeito. Com a perspectiva que Collot insere, o
sujeito não é mais alheio ao que está ao seu redor, mas também se integra a ele, faz parte
do que está a seu redor. A natureza passa a compor a sua subjetividade.
É importante salientar que a paisagem é dependente de um sujeito, ou seja, a paisa-
gem é assistida por um sujeito que interage através de seu olhar, mas nesta relação imagé-
tica a própria paisagem devolve ao sujeito um olhar – explosivo, terno, duro – que evoca
experiências sensoriais.
É nítida a relação que Michel Collot possui com o filósofo francês Merleau-Ponty.
O pensador escreveu “Fenomenologia da Percepção” (1999) e neste livro as questões da
paisagem (o que meu corpo encontra para além de mim) são postas segundo a ideia da
percepção. Para Merleau (1999, p.25), as questões da sensação “são mais confusas que se
pensa”. E, neste momento, adicionamos a ideia da sensação atrelada ao sujeito que perce-
be e se percebe neste lugar confuso que é a paisagem. O próprio Merleau diz:

Eu poderia entender por sensação, primeiramente, a maneira pela qual sou afeta-
do e a experiência de um estado de mim mesmo. O cinza dos olhos fechados que
me envolve sem distância, os sons do cochilo que vibram “em minha cabeça”
indicariam aquilo que pode ser o puro sentir. Eu sentirei na exata medida em que
coincido com o sentido, em que ele deixa de estar situado no mundo objetivo
e em que não me significa nada. O que é admitir que deveríamos procurar a
sensação aquém de qualquer conteúdo qualificado, já que o vermelho e o verde,
para se distinguirem um do outro como duas cores, precisam estar diante de
mim, mesmo sem localização precisa, e deixam, portanto, de ser eu mesmo. A
sensação pura será a experiência de um “choque” indiferenciado, instantâneo e
pontual. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.25)

E com esta afirmação de Merleau, Collot também considera que a paisagem faz
parte de um sujeito perceptivo, que está em mútua relação com sua própria subjetividade-
-alteridade. Ele mesmo afirma que “não está diante de um espetáculo exterior, mas imerso
em um meio ambiente no qual está, num sentido próprio, interessado por uma série de
“affordances”: o termo, intraduzível, designa os recursos que certos objetos lhe oferecem
e que dão sentido e valor ao visível” (COLLOT, 2003, p.20).
O que se buscou neste presente trabalho foi explorar o limite da conceituação dua-
lizada que os alunos têm por paisagem e, sabendo disto, procurou-se expandir o conceito
para algo que fuja dessa dicotomia, mas que interpela à ideia de construção-sujeito-paisa-
gem.

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A filosofia da paisagem pandêmica

Quando a proposta foi lançada para os alunos, cada um procurou entender o que
buscavam em suas subjetividades pelo que entendiam por paisagem. Trago um relato de
uma aluna que explicita a ideia dualizada da paisagem estar relacionada ao conceito de
natureza. Ela dizia que “seria impossível fazer um trabalho sobre paisagem estando em
quarentena e com as pessoas em isolamento social”. Collot (2013) falou sobre essa dico-
tomia ao afirmar que “por muito tempo, o local foi considerado como um modelo que a
arte devia imitar” (p.17) e Merleau-Ponty (1999) diz que “o pensamento objetivo ignora
o sujeito da percepção” (p. 279).
Depois de conversarmos sobre esta ideia, trouxemos um pouco sobre a ressignificação
que Collot dá à ideia de paisagem-natureza e os alunos ficaram mais confortáveis com
a possibilidade de que tudo o que é perceptível às nossas experiências e existências seja
paisagem, como Balzac disse“a paisagem tem ideias e faz pensar”. Para além disso,
surgiram algumas perguntas como:o que é paisagem? Pode um monte de lixo ser uma
paisagem? Por que toda vez que um livro didático apresenta uma imagem da natureza ela
sempre é bem verdinha e bem limpa?
Em seguida, escutou-se a música da cantora Liliana Herrero, pois o que compôs
esta produção audiovisual também foi, a partir da compreensão que a paisagem é uma
experiência sensorial, receber através do sussurro e da música uma paisagem repleta de
novas descobertas.
Com esta possibilidade de transitar pela paisagem e pela música, o que se fez então
foi registrar sensorialmente a recepção desta (re)conceituação com os alunos. Entendendo
isto, o próximo passo do trabalho era registrar em quinze segundos o sussurro com uma
frase da música, registrar em quinze segundos o seu bairro, sua vizinhança, tudo aquilo
que estava ao seu redor e registrar os corpos que transitaram neste lugar em um tempo
pandêmico. Segundo Merleau-Ponty

A espacialidade do corpo é o desdobramento de seu ser de corpo, a maneira


pela qual ele se realiza como corpo. Ao procurar analisá-la, apenas antecipamos
aquilo que temos a dizer da síntese corporal em geral. Reencontramos na unida-
de do corpo a estrutura de implicação que já descrevemos a propósito do espaço
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 206).

Ou seja, o que Merleau-Ponty quis dizer é que faz parte da paisagem os corpos.

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Cada pessoa que passa pelos locais nos quais os alunos fazem seus registros compõem
inteiramente esta natureza, ora vazia, ora aglomerada, mas efêmera segundo a natureza do
próprio sujeito.
É importante salientar que, pelo fato de os alunos serem de regiões distintas do
estado do Rio de Janeiro, os registros visuais foram enriquecedores para este trabalho,
pois no material audiovisual encontra-se as mais variadas formas de paisagem: o escuro
da noite e a roda gigante iluminada ao fundo, a janela do apartamento com grades de pro-
teção e o Sol, a ciclista pedalando isolada em uma estrada de barro, a avenida principal
com vendedores de águas e ônibus superlotados em uma pandemia e o céu entre nuvens
de um entardecer com o revoar de urubus e bambuzais balançando-se pela força do vento.
Quando estes registros chegaram, percebeu-se que, de fato, os alunos haviam en-
tendido a complexidade e a amplitude do conceito, pois os registros conversam muito
com a compreensão de Collot sobre a paisagem. O que se pôde fazer foi reescrever a
poética da experiência, ou seja, aquilo que estes alunos encontraram de acordo com seus
sentidos. Foi o que ele mesmo afirmou ao dizer que:

Uma vez que levamos a sério a percepção da paisagem, como me proponho


a fazer, somos levados a nos libertar do dualismo arraigado do pensamento
ocidental, a ultrapassar um certo número de oposições que o estruturam, como
as do sentido e do sensível, do visível e do invisível, do sujeito e do objeto, do
pensamento e da matéria, do espírito e do corpo, da natureza e da cultura. En-
tre esses termos que nossa tradição filosófica opõe ou subordina um ao outro,
a paisagem instaura uma interação que nos convida a pensar de outro modo
(COLLOT, 2013, p. 18).

De acordo com Collot, repensar a paisagem significa repensar o modo de pensá-la,


ou seja, repensar a filosofia do topos e repensar também o ego. Como escrever uma nova
narrativa segundo a percepção se o modus operandi em relação ao lugar é o mesmo?
Então, só é possível repensar outra poética da paisagem se repensarmos o sujeito e a(s)
subjetividade(s). Para Merleau-Ponty,

Um romance, um poema, um quadro, uma peça musical são indivíduos, quer di-
zer, seres em que não se pode distinguir a expressão do expresso, cujo sentido só
é acessível por um contato direto, e que irradiam sua significação sem abandonar
seu lugar temporal e espacial (...) é a partir do fundo de sua subjetividade que
cada um projeta este mundo “único”. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.209; 478)

Isso diz que a subjetividade está a todo tempo sendo negociada com as nossas

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experiências, com o nosso meio e com a nossa história única que constrói um mundo
“único”. Quando conseguimos entender que este processo é de “entre” e nunca de fim,
entendemos a poética da paisagem e entendemos a filosofia como caminhos nos quais são
mais importantes os meios do que os fatores.

A tecnologia como ferramenta pedagógica

Um dos desafios que a pandemia do novo Coronavírus apresentou foi a questão da


manutenção da comunicação e da realização de projetos por via remota e, seguramente, a
tecnologia tem sido o suporte máximo para que o ensino aconteça de forma remota. Mui-
tos aplicativos foram criados, outras ferramentas foram redescobertas tanto em âmbito
pessoal como sites de relacionamento, jogos online, aplicativos de culinária, quanto em
âmbito profissional com, por exemplo, as ferramentas que foram utilizadas para manter
a comunicação de empresas, instituições públicas, universidades, escolas, como o Meet,
Zoom, Duo. Assim as instituições foram adaptando-se a este novo modelo de sociedade
que enfrenta de modo exacerbado o COVID-19. Além destas ferramentas que são mais
específicas, outras foram utilizadas para o controle de atividades remotas produzidas por
professores e alunos que, neste caso, foi o Classroom.
É certo afirmar que toda pandemia requer cuidados redobrados e que, muitas ve-
zes, o isolamento social gera um cansaço excessivo em quem atua por home office, mas
podemos também assegurar que nesta pandemia fomos aprendendo a manusear estas fer-
ramentas e a criar um contato mais afetuoso com o meio virtual.
A discussão do uso da tecnologia como uma ferramenta pedagógica vem sendo
feita ao longo dos anos, desde o surgimento das TICs até o investimento necessário para
que as escolas pudessem ocupar-se desta acessibilidade aos alunos com pouco acesso ao
celular e internet, respectivamente. Conforme Kenski,

[...] as tecnologias invadem as nossas vidas, ampliam a nossa memória, ga-


rantem novas possibilidades de bem-estar e fragilizam as capacidades natu-
rais do ser humano. Somos muito diferentes dos nossos antepassados e nos
acostumamos com alguns confortos tecnológicos – água encanada, luz elé-
trica, fogão, sapatos, telefone– que nem podemos imaginar como seria viver
sem eles. (KENSKI, 2007, p. 19)

A tecnologia pode ser uma aliada ao ensino-aprendizagem, porém, mais que isso,
ela precisa ser encarada como uma ferramenta didática poderosa, capaz de ser auxiliar,

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mas podendo ser também protagonista no processo do aprendizado. Para Kenski (2007),
a tecnologia possibilitou uma prática maior do conhecimento, pois usufrui do avanço
tecnológico para desencadear novas formas de produção, inclusive, produção didática,
pedagógica e acadêmica. Ainda sobre a tecnologia, Bueno a conceitua como

[...] um processo contínuo através do qual a humanidade molda, modifica e gera


a sua qualidade de vida. Há uma constante necessidade do ser humano de criar,
a sua capacidade de interagir com a natureza, produzindo instrumentos desde os
mais primitivos até os mais modernos, utilizando-se de um conhecimento cientí-
fico para aplicar a técnica e modificar, melhorar, aprimorar os produtos oriundos
do processo de interação deste com a natureza e com os demais seres humanos.
(BUENO, 1999, p.87).

O aplicativo que foi utilizado para a junção dos vídeos chama-se ClipChamp e é
utilizado para a edição de vídeos, transposição de áudios em vídeos, recorte de cenas e
áudios e assim foi-se construindo o produto final deste trabalho, que trata sobre as nossas
percepções, desconstruções e ressignificações do que vem a ser a poética e a filosofia da
paisagem.
O vídeo ou o recurso audiovisual é uma ferramenta demasiadamente plural, pois
consegue, de forma ampla, comunicar, ensinar, descrever, e outras possibilidades que
surgem como uma multicomunicação digital. O vídeo para Moran possui um valor

sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens


que interagem superpostas, interligadas, somadas, não separadas. Daí a sua for-
ça. Nos atingem por todos os sentidos e de todas as maneiras. O vídeo nos se-
duz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no imaginário) em outros
tempos e espaços. O vídeo combina a comunicação sensorial-cinética, com a
audiovisual, a intuição com a lógica, a emoção com a razão. Combina, mas co-
meça pelo sensorial, pelo emocional e pelo intuitivo, para atingir posteriormente
o racional. (MORAN, 1993, p.2).

A tecnologia nem sempre foi muito incentivada no meio do ensino e, muitas vezes,
foi atacada por construírem um discurso de que é uma grande vilã da educação. Aos pou-
cos, com a política das TICs, com as discussões sobre pesquisas educativas na internet foi
sendo possível introduzir o celular, o computador, o notebook e outros de forma pedagó-
gica.
Não seria possível a manutenção das instituições e do ensino no ano de 2020 sem
as ferramentas tecnológicas e, nesta perspectiva, a produção audiovisual dos alunos so-

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mente foi possível devido a este resgate de alguns aplicativos que fariam esta função de
unir os vários vídeos e fomentá-los em um só.

Metodologia

O presente trabalho foi aplicado durante o mês de agosto do ano de 2020 para os
alunos que estavam cursando o nível I do curso de Espanhol do Curso de Línguas Aberto
à Comunidade (CLAC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A proposta foi apli-
cada para a turma do monitor Matheus Sena de Azevedo, um dos autores deste artigo,
gerando um total de dez aprendizes participantes da produção.
Nesse nível, o modo de organização do texto a ser trabalhado em sala de aula é
a descrição. Nas atividades síncronas e assíncronas, o monitor dá ênfase à descrição de
espaços, pessoas, lugares turísticos, aspectos físicos e aspectos de personalidade.
A produção foi dividida em partes: i) a escolha da música e do suporte para tal
produção; ii) o estabelecimento dos prazos para a entregas das produções; iii) o envio das
produções audiovisuais e iv) e o fomento da edição e criação do produto final – um único
vídeo.
Na primeira parte do trabalho, os alunos escutaram algumas músicas de países de
língua espanhola e escolheram unanimemente a música Confesión del viento, da cantora
argentina Liliana Herrero. Além desta escolha, discutiram qual ferramenta seria melhor
para executar tal edição e o ClipChamp foi o que respondeu melhor as nossas expecta-
tivas. Na segunda parte da produção, estabeleceu-se um prazo para a entrega das pro-
duções, que foi por volta de um mês.Na terceira parte do trabalho, eles enviaram o que
haviam produzido. Cinco alunos enviaram frases da música de forma sussurrada e outros
cinco alunos enviaram vídeos de seus bairros. Na quarta e última parte da produção, foi
feita a junção dos vídeos com os áudios e foi produzido um único vídeo que ilustrava a
reflexão sobre a filosofia e a poética da paisagem.

Considerações Finais

Neste estudo, tivemos como objetivo avaliar o conceito que os alunos tinham so-
bre o que é a paisagem, o que é a natureza e o que é texto, a partir de uma proposta que
visava ampliar essas pré-conceituações. Pretendíamos também, seguindo esta ampliação,
desenvolver um trabalho de produção audiovisual o qual se desenvolvia sob a atuação da

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intervenção da(s) subjetividade(s) ao meio (paisagem e natureza).


Para tanto, no curso de Espanhol, no primeiro nível, os alunos aprendem voca-
bulários que possuem ligação com a natureza e a paisagem, através da tipologia textual
descrição, já que cada aluno precisa descrever espaços e paisagens na língua estrangeira.
Os resultados indicaram que os alunos compreenderam a ressignificação de tais
conceitos e, com tal ampliação, observou-se uma melhor relação às experiências senso-
riais com tais paisagens.
Por fim, concluímos que os vídeos foram manifestação real desta compreensão,
visto que os alunos registraram espaços que seriam pouco prováveis de serem registra-
dos sem tal ressignificação como a sala da própria casa, os ônibus em um dia ensolarado
e o próprio corpo como natureza, visto que o corpo e natureza são parte única segundo
Collot.

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de Moura. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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REVISTA LÍNGUAS & ENSINO – volume 3 | p.33-42 | ISSN: 2447-6145 42


O USO DE JOGOS NO ENSINO REMOTO
COMO ESTRATÉGIA DE MOTIVAÇÃO E
INTERAÇÃO NO CURSO DE ESPANHOL

DO PROJETO CLAC-UFRJ

BRENDA GRANDINI CAETANO


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras:
Português-Espanhol. E-mail: brendagrandini@letras.ufrj.br

ELINE MARQUES REZENDE


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. adjunta da Faculdade
de Letras. E-mail: eliner83@letras.ufrj.br

JEAN CARLOS DA SILVA GOMES


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorando em Linguística.
E-mail: gomes.jean@letras.ufrj.br
LUCAS DOMINGOS DE SOUZA
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras:
Português-Espanhol. E-mail: lucasdomingos_esp@letras.ufrj.br

MARIA MERCEDES RIVEIRO QUINTANS SEBOLD


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. associada III da
Faculdade de Letras. E-mail: m.sebold@letras.ufrj.br

MARCELO HENRIQUE SILVA DOS SANTOS


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrando em Letras
Neolatinas. E-mail: marcelo.henrique.s.dos.santos@letras.ufrj.br

VICTORIA DANKA LIMA DAS GRAÇAS


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras:
Português-Espanhol. E-mail: d_victoria@letras.ufrj.br
RESUMO

As discussões sobre o uso das TICs no ensino de línguas estrangeiras constituem um


tema de investigação acadêmica e, neste momento de distanciamento social, novas
metodologias de ensino precisaram ser desenvolvidas e aplicadas. O curso CLAC-UFRJ
adotou o ensino remoto como estratégia para manter suas atividades e, no nível II do
curso de Espanhol, o uso de jogos virtuais objetivou adaptar e aproximar os alunos
ao curso, baseando-se nos jogos como simulação da realidade física (cf. Roberto,
2004). Para tanto, com base na sequência básica de Cosson (2014), foram elaboradas
atividades na plataforma educativa Kahoot e no jogo virtual Haddoz como estratégias
de motivação e de interação. Assim, o objetivo deste trabalho é de contribuir para a
discussão acerca do uso das TICs no ensino de espanhol como língua estrangeira (ELE)
em formato remoto, ajudando no entendimento do uso de jogos online como estratégia
de motivação e de engajamento. Os dados obtidos indicam que o uso de jogos torna-se
uma ferramenta essencial para motivar os alunos em meio à realidade do ensino remoto
e acreditamos que seu uso contribui para um processo mais dinâmico e motivador em
um contexto de baixa interação social dentro e fora das aulas.
PALAVRAS-CHAVE: Jogos; Ensino remoto; Motivação; Interação; Espanhol como
língua estrangeira.

RESUMEN

Las discusiones acerca del uso de las TICs en la enseñanza de lenguas extranjeras
constituyen un tema de investigación académica, y en este momento de aislamiento
social, se hizo necesario el desarrollo y aplicación de nuevas metodologías para la
enseñanza. El curso CLAC-UFRJ adoptó la enseñanza remota como una estrategia
para mantener sus actividades y, en el nivel II del curso de español, el uso de juegos
virtuales tuvo como objetivo adaptar y acercar a los alumnos a las clases, basándose
en los juegos como la simulación de realidad física (cf. Roberto, 2004). Para tanto, a
partir de la secuencia básica de Cosson (2014) actividades en la plataforma educativa
Kahoot y en el juego virtual Haddoz se desarrollaron como estrategias de motivación
y de interacción. De este modo, el objetivo de este trabajo es contribuir a la discusión
sobre el uso de las TIC’s en la enseñanza de español como lengua extranjera (ELE)
en forma remota, contribuyendo a la comprensión del uso de juegos en línea como
estrategia de motivación y comprometimiento. Los datos alcanzados indican que el
uso de juegos se volvió una herramienta esencial para motivar a los alumnos en una
realidad de enseñanza remota y creemos que su uso contribuye a un proceso más
dinámico y motivador en un contexto de bajo nivel de interacción social dentro y fuera
de las clases.
PALABRAS-CLAVE: Juegos; Enseñanza remota; Motivación; Interacción; Español
como lengua extranjera.
CAETANO ET AL. O uso de jogos no ensino remoto como estratégia de motivação e interação no curso de espanhol do
projeto CLAC-UFRJ.

Introdução

O ensino de espanhol como língua estrangeira está presente no contexto brasileiro


de diversas maneiras; uma delas é nos cursos de idiomas. O Curso de Línguas Aberto à
Comunidade (CLAC) é um desses cursos que apresenta uma proposta um tanto diferente.
Seus monitores são licenciandos dos cursos de graduação da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O projeto tem como objetivo ajudar
na formação de professores e anseia ser um suporte intra e extramuros, assumindo um
caráter popular, com semestralidade a baixo custo. É nesse contexto que nós nos inserimos
enquanto docentes.
No ano de 2020, devido à pandemia causada pelo coronavírus, o CLAC precisou
adaptar-se para seguir suas atividades. Dentre as possibilidades, adotou-se o ensino remoto
como estratégia para enfrentar esse momento. Consequentemente, a tecnologia tornou-se
não só um apoio ao processo de ensino-aprendizagem, mas seu único meio. É através da
internet, das plataformas digitais − como Google Meet, Google Classroom, entre outros -
que a educação faz-se possível nessa nova realidade.
O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) sempre foi tema
de investigação no meio acadêmico; contudo, agora essas pesquisas tornaram-se mais
urgentes e necessárias. Nesse sentido, buscamos novas estratégias para contribuir com
a discussão acerca do uso das TICs no ensino de espanhol língua estrangeira (ELE) em
formato remoto.
Para isso, propomos a inserção de jogos virtuais no ensino, como uma tentativa de
adaptação e aproximação dos alunos nessa nova realidade. Objetivamos contribuir para o
entendimento do uso de jogos online como estratégia de motivação e de engajamento para
o ensino remoto de espanhol como língua estrangeira. Nessa proposta, utilizamos dois
jogos virtuais − o Kahoot e o Haddoz − em determinadas etapas de duas aulas distintas ao
longo do semestre, buscando as mais variadas formas de utilizar os recursos digitais em
nossas sequências didáticas.
Organizamos este artigo, portanto, da seguinte maneira: na primeira seção,
discutimos sobre as novas realidades com o ensino remoto em ELE; na segunda seção,
dissertamos sobre o uso de jogos como recurso didático; já, na terceira seção, apresentamos
a metodologia utilizada; enquanto que, na quarta seção, expomos a análise e a discussão
da nossa aplicação; por fim, apresentamos as considerações finais do nosso trabalho.

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Novas realidades com o ensino remoto em ELE

A educação vem acompanhando as transformações que surgem na sociedade, assim


como as evoluções tecnológicas e, dessa forma, novos métodos de ensino e ferramentas
aparecem para contribuir na aprendizagem em diversos contextos (cf. PEIXOTO, 2012).
Neste momento pandêmico, houve uma mudança inesperada e urgente de readaptação de
diversos cursos que antes eram somente oferecidos de forma presencial (cf. OLIVEIRA,
2020).
Através da mudança radical e a emergência por adaptação, são pensados métodos,
antes não aplicados ou aplicáveis em ensino presencial, para que não se tenha uma maior
diferença entre as modalidades presencial e remota em relação ao contato dos alunos com
os conteúdos aprendidos. A experiência relatada neste artigo se refere a um curso ofertado
e planejado para o ensino presencial que teve que se reajustar diante do novo contexto.
É importante esclarecer, então, que o curso, após a suspensão das aulas presenciais,
foi ofertado como ensino remoto, não como ensino à distância, visto que as duas formas
de ensino não são sinônimas. O Ensino à Distância (EaD) tem o pressuposto de realizar-se
não presencialmente, ao passo que o ensino remoto é a adaptação do ensino presencial em
plataformas virtuais (cf. BRASIL, 2017).
Logo, a nossa experiência do curso de espanhol do CLAC adaptou sua prática
de aprendizagem ao ensino remoto pensando nas dificuldades que os alunos poderiam
apresentar por não terem se preparado ou mesmo escolhido previamente um curso que
funcionaria dentro de um suporte virtual remoto. Sendo assim, a necessidade de reformular
os materiais de maneira que também fossem instigantes era fundamental, visto que os
alunos não escolheram essa forma de aprendizagem, mas optaram por estar no curso
depois da adaptação emergencial.

Os jogos como recurso didático

As TICs, sigla para Tecnologias de Informação e Comunicação, são recursos já


conhecidos no ensino de língua estrangeira. Devido às quatro competências relacionadas
ao ensino da língua espanhola, os áudios, vídeos, entre outras tecnologias, estavam
presentes em sala de aula para desenvolver as competências de compreensão auditiva,
produção oral, compreensão leitora e produção escrita.
Assim, o seu uso não é novo na educação como um todo e tampouco no ensino

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do curso de língua espanhola do CLAC; porém, a sua aplicação foi adaptada ao ensino
remoto. O professor doutor Graells (2007) afirma que o uso das TICS no ensino remoto
“implica novos papéis para os professores e alunos orientados ao trabalho autônomo e
colaborativo, crítico e criativo, à expressão pessoal, a investigar e a compartilhar recursos,
a criar conhecimento e a aprender.” (tradução nossa). Marca-se, dessa forma, como tal uso
ocorre a partir de uma ação pensada e refletida, não apenas automatizada.
As atividades trabalhadas com as TICS são orientadas pelo professor, exercitam a
autonomia dos alunos − visto que são eles que desempenham os papéis propostos pelas
atividades − e se adaptam ao tempo e espaço que o alunado dispõe, questões importantes
em um momento de isolamento espacial que modificou a distribuição de tempo de
diversas tarefas. Esses detalhes, então, foram importantes no momento de pensar no uso
de ferramentas tecnológicas na nova modalidade de ensino aplicada para tais estudantes
de língua estrangeira.
Pensando especificamente nos jogos, muitas vezes, são apontados, assim como
outros recursos, como ferramentas de distração antagônicas ao ensino e como se não se
pudesse conciliar seu uso em sala, mas, conforme Sant’Anna (2004 apud Costa, 2012, p.
7), “os recursos não são instrumentos de diversão ou dispersão. Ao contrário, favorecem a
atenção, concentração, reflexão, disciplina, cooperação e educação de maneira espontânea
e consciente”.
Acreditando, então, nos benefícios que os jogos podem trazer ao ensino e sabendo-se
que é um meio já utilizado como distração e entretenimento, utilizamos este recurso para
promover uma melhor interação dos alunos dentro do curso remoto de língua estrangeira
nas atividades síncronas e assíncronas.
No que diz respeito à formação dos docentes com o uso das TICs, Vasconcelos &
Oliveira (2017) falam sobre as inovações tecnológicas e que o professor precisa ampliar
suas práticas docentes. Além disso, discorre sobre a importância da reflexão das práticas
em um processo ativo fazendo parte, então, da rotina do docente.

Simulação e a ludicidade dos jogos como ferramenta educacional

Dentre as diversas TICs, escolhemos o jogo, pois, dentro da realidade virtual, ele
“se define como uma simulação da realidade física através de meios eletrônicos, o que
nos oferece a sensação de estar experimentando uma forma real de uma situação.” (cf.
ROBERTO, 2004, s/p, tradução nossa). Dessa forma, os jogos de competição e simulação

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foram importantes instrumentos de aprendizado durante as aulas e atividades do curso de


Espanhol do CLAC, dado que almejam um ensino mais espontâneo e natural dentro de
um contexto mais fechado e supervisionado, como é o das aulas remotas.
A simulação já era uma ferramenta de ensino entre os monitores do curso em
atividades como as de reprodução dos contextos de supermercados, lojas ou restaurantes,
que permitiam uma atuação das cenas apresentadas nos livros didáticos, levando o aluno
a vivenciar, ainda que de forma artificial, uma situação apresentada em sala. O jogo, que
simula uma vida virtual em um espaço virtual, também trabalharia de forma artificial,
porém, simulando contextos do cotidiano. Vale ressaltar que o uso dos jogos de simulação,
como o Haddoz, e de curiosidades, como o criado no Kahoot, são populares e usados
por pessoas de diversas idades, sendo assim, utilizados por muitos dos alunos fora do
contexto educativo.
Os jogos, de forma geral, são utilizados por uma parcela da população, sendo também
utilizado no período de pandemia como instrumento de distração. Por isso, ainda que
simulassem situações artificiais, os alunos trabalhavam dentro de uma dinâmica que já era
de certa forma conhecida, natural e utilizada por eles.
Destacamos que, diante do novo contexto social e com a nova experiência do curso
CLAC em modalidade remota, novas dificuldades surgiram e velhas dificuldades se
aprofundaram. Assim, sem a interação direta e a queda da participação dos alunos, os jogos
surgiram como uma estratégia de comunicação que auxiliaria o alunado na assimilação
dos temas abordados em sala trazendo uma presença direta dos estudantes em relação ao
conteúdo das aulas e participação nas aulas síncronas e assíncronas.
Reconhecemos que componentes como a participação e dinamicidade são eixos que
induzem a um melhor aprendizado dos alunos, pois se sentem mais engajados e motivados
a participar das atividades, visto que tais componentes trazem certa autonomia e indicam
aos alunos de maneira mais clara o seu desenvolvimento com a língua. Assim, a partir
das dificuldades do novo contexto, essas formas foram exploradas para desenvolver um
melhor desempenho do alunado.

Sequência didática a partir da proposta de Rildo Cosson

Refletindo, então, sobre as novas adaptações e a introdução dos jogos citados,


pensamos na aplicação dos jogos a partir da sequência didática proposta por Rildo Cosson
(2014). Há diversas maneiras de trabalhar um material ou tema durante a aula, porém,

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pensamos que as divisões e intenções de tal proposta se adequavam aos nossos propósitos.
Dividida em quatro etapas, tal sequência consiste em: motivação, introdução, leitura e
interpretação, sendo o último dividido em momento interior e momento exterior.
A etapa de motivação se define pelo momento anterior ao conteúdo principal da
aula, sendo como um aquecimento, uma preparação que objetiva instigar os alunos ao
tema que trabalharão de forma integrada ao texto principal. A introdução é basicamente
a apresentação e conversa sobre o autor e a obra, se pensarmos em um livro como parte
central do exercício. Em outras palavras, é a etapa de discutir a parte bibliográfica
relacionada à atividade principal proposta. O passo de leitura, como bem explicita o
título, se trata do contato próprio com a obra e, a última etapa, chamada de interpretação,
se divide em dois momentos. O primeiro, o momento interior, nas palavras do autor, é
“chegar à construção do sentido do texto, dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e
comunidade” (COSSON, 2014, p. 64). O segundo momento, o exterior, seria externalizar
o conteúdo trabalhado através da interpretação do aluno.
Dentro de nossa experiência, os jogos especificamente foram utilizados na etapa
de motivação e de interpretação no momento externo, quando os alunos produzem o
conteúdo que lhes foi apresentado a partir do conteúdo discutido em aula. Pensamos que,
como introdução, os jogos poderiam apresentar em sua estrutura partes do conteúdo de
forma mais natural e menos esquematizada. Como interpretação no momento externo,
a simulação de um ambiente virtual em que eles poderiam montar e apresentar suas
próprias criações nos pareceu ajudar dentro do processo de elaboração dos alunos a partir
do conteúdo aprendido.

Metodologia

A partir do que foi discutido, apresentamos duas propostas de atividades que


contemplam a ludicidade dos jogos virtuais. Essas atividades se inserem em duas etapas
da sequência básica de Cosson (2014): a motivação e a interpretação, no seu momento
externo. Dividimos nossa metodologia em dois momentos: a preparação e aplicação da
atividade e sua avaliação.
É importante esclarecer que essas atividades foram aplicadas a três turmas do Espanhol
II do CLAC, que equivale ao desenvolvimento de habilidades linguísticas descritas no
Marco Comum Europeu de Referências de Línguas como nível A2 (cf. Conselho da
Europa, 2001). Essas turmas apresentavam perfis bem diferentes: uma continha 27 alunos,

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outra, 4, e a última, 12. Os aprendizes, por sua vez, também variavam bastante quanto ao
perfil − uma faixa etária que abrange dos 19 aos 56 anos − com os mais diversos níveis de
educação formal − desde ensino básico completo a cursos de pós-graduação.
Nesse contexto, aplicamos, da maneira descrita nas subseções desta parte, dois jogos
virtuais: o Kahoot e o Haddoz. O primeiro define-se como uma plataforma de aprendizagem
gratuita baseada em jogos, que traz engajamento e diversão para jogadores de todos os
anos na escola, no trabalho e em casa, fazendo com que seja divertido aprender, seja qual
for o tema, o idioma ou a idade, em qualquer dispositivo1. Já o segundo, apresenta-se
como uma comunidade virtual através da qual é possível conhecer outras pessoas e fazer
novos amigos de todos os países hispanofalantes.2
Esses jogos foram utilizados como ferramentas para abordar algumas habilidades
linguísticas exigidas pelo livro didático utilizado pelo CLAC-Espanhol, o Aula
Internacional 2 (CORPAS, GARMENDIA & SORIANO, 2014), no nível II. Com o
Kahoot, buscamos introduzir os conteúdos comunicativos propostos no livro: “relatar
y relacionar acontecimientos pasados” e “hablar del inicio y de la duración de una
acción” 3 (p. 23). Já com o Haddoz, objetivamos externalizar o conhecimento adquirido
acerca dos recursos comunicativos “describir una casa”, “ubicar objetos en el espacio”
e “describir objetos”4 (p. 35). Essas atividades faziam parte de sequências didáticas
distintas, relacionadas a diferentes unidades do livro.
Após a aplicação de ambas as atividades, ocorreu a avaliação por meio de um
formulário na plataforma Google Forms. Escolhemos essa ferramenta pela facilidade
de acesso aos alunos e pela integração com outras plataformas Google já utilizadas
pelos alunos, como o Google Meet e o Google Classroom. Objetivávamos conhecer as
impressões dos alunos sobre as atividades desenvolvidas e a sua experiência frente à
inserção dessas plataformas lúdicas como ferramenta de ensino.

Kahoot como estratégia de motivação

O Kahoot é uma plataforma online, disponível para computador e aplicativo para


celular, em que os professores podem criar diversos quizzes sobre os temas que desejarem,
na língua que preferirem. O site oferece gratuitamente a opção de criar enquetes com

1 Definição disponível no site da plataforma: https://kahoot.com/. Acesso em: 29 de novembro de 2020.


2 Definição disponível no site da plataforma: https://haddoz.net/. Acesso em: 29 de novembro de 2020.
3 Tradução nossa: relatar e relacionar acontecimentos passados e falar do início e da duração de uma ação.
4 Tradução nossa: “descrever uma casa”, localizar objetos no espaço e descrever objetos.

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quatro opções de respostas ou na forma verdadeiro e falso. É possível jogar junto com
a turma, projetando a tela do dispositivo do docente, ou criando desafios, de forma que
um link é enviado aos discentes e cada um tem acesso no seu próprio dispositivo; nesse
último, os alunos são listados segundo sua pontuação no quiz.
Utilizamos essa plataforma para introduzir o conteúdo “pretérito indefinido” aos
alunos, associado ao tema “curiosidades”, ora da América Latina, ora de personalidades
hispanofalantes. Para isso, seguimos o conceito de motivação de Cosson (2014), que diz
que “a construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou
posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da motivação”
(COSSON, 2014, p. 55).
Assim, o Kahoot serviu como atividade inicial de duas aulas síncronas da unidade
destinada a estudar as formas de relatar no passado. Buscávamos fazer com que os alunos,
mesmo que não conhecessem as formas verbais apresentadas, já as reconhecessem no
quizz. Contudo, o objetivo principal das atividades era introduzir o tema central da aula,
ativando os conhecimentos prévios dos alunos.
O primeiro quiz utilizado tinha como título “Juego de las curiosidades históricas”
e apresentava as perguntas abaixo (apresenta-se, entre parênteses, as opções de resposta,
com destaque na correta).

1 - América Latina participó en la creación de una de las formas anticoncepcionales


más importantes del mundo. ¿Cuáles de las opciones te parece la verdadera? (Condón
/ DIU / Ligadura de trompas / Píldora anticonceptiva)

2 - Una vez más en la medicina América Latina está presente. ¿Cuál de estas opciones
fue una creación latina? (cirugía plástica / trasplante de corazón / corazón artificial
/ transfusión de sangre)

3 - Tenemos a grandes mujeres en la historia del continente Americano, como por


ejemplo Matilde Navarro. ¿Quién era Navarro? (Una dictadura / La primera mujer
nobel / La primera mujer en votar (y primera médica) / Artista más conocida de
Perú (conocida como “La Frida Kahlo de Perú”)

4 - ¿Cuál fue el primer país de América Latina a abolir la esclavitud? (Colombia /


Brasil / México / Chile)

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5 - ¿Cuál fue la primera mujer presidenta de América Latina? (Martínez de Perón /


Dilma Rousseff / Cristina Kirchner / Michelle Bachelet)

6 - La primera gramática moderna del mundo es la gramática española. (Verdadero /


Falso)

7 - Cuba fue el primer país del mundo en eliminar la transmisión del sida de madre a
hijo. (Verdadero / Falso)

8 - Chile es el país con más volcanes en el mundo. (Verdadero / Falso)

9 - La televisión a color fue un invento latino americano? (Verdadero / Falso)

Os alunos tinham 30 segundos para responder cada questão. Esta era a primeira
atividade da aula, para motivar os alunos ao tema proposto: curiosidades sobre o mundo
latinoamericano. Após a realização do jogo, propusemos uma breve discussão sobre os
temas apresentados: se eles já conheciam essas informações, qual delas tinha impressionado
mais, entre outras questões.
O mesmo padrão foi utilizado na segunda semana dessa unidade, que mantinha o
conteúdo linguístico “pretérito indefinido” e a temática curiosidade, ainda que, dessa vez,
o foco estivesse em celebridades hispanofalantes. Nesse quiz, intitulado “El mundo de
las celebridades”, além do nome e fatos da biografia que os alunos deveriam acertar,
havia também a foto de cada uma das celebridades do jogo. As perguntas desse quiz
apresentam-se abaixo, e as opções corretas estão destacadas.

1. Maradona
Se inició en el mundo del fútbol a los siete años.
Se inició en el mundo del fútbol a los nueve años.
Se inició en el mundo del fútbol a los doce años.
Se inició en el mundo del fútbol a los once años.

2. Fonsi
En el año 1996 grabó su primer disco que titula Comenzaré.

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En el año 1992 grabó su primer disco que titula Comenzaré.


En el año 1998 grabó su primer disco que titula Comenzaré.
En el año 1991 grabó su primer disco que titula Comenzaré.

3. Maluma
En el 2017, presentó 103 conciertos en América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel.
En el 2017, presentó 105 conciertos en América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel.
En el 2017, presentó 109 conciertos en América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel.
En el 2017, presentó 84 conciertos en América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel.

4. Shakira
Nació el 2 de enero de 1977 en Barranquilla, Colombia.
Nació el 2 de marzo de 1977 en Barranquilla, Colombia.
Nació el 2 de septiembre de 1977 en Barranquilla, Colombia.
Nació el 2 de febrero de 1977 en Barranquilla, Colombia.

5. Florinda Meza
Se integró al equipo de Roberto Gómez Bolaños en 1969.
Se integró al equipo de Roberto Gómez Bolaños en 1967.
Se integró al equipo de Roberto Gómez Bolaños en 1960.
Se integró al equipo de Roberto Gómez Bolaños en 1965.

6. Pablo Neruda
En 1978 recibió el Nobel de Literatura.
En 1976 recibió el Nobel de Literatura.
En 1971 recibió el Nobel de Literatura.
En 1974 recibió el Nobel de Literatura.

7. Antonio Banderas
Se casó con Melanie Griffith el 14 de marzo de 1996.
Se casó con Melanie Griffith el 14 de diciembre de 1996.
Se casó con Melanie Griffith el 14 de mayo de 1996.
Se casó con Melanie Griffith el 14 de agosto de 1996.

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8. Arrascaeta
Cruzero renovó su contrato hasta junio de 2021.
Cruzero renovó su contrato hasta julio de 2021.
Cruzero renovó su contrato hasta mayo de 2021.
Cruzero renovó su contrato hasta octubre de 2021.

9. Anahi
El primer álbum de la cantante fue “¿mañana es hoy?”.
El primer álbum de la cantante fue “Anclado en mi corazón”.
El primer álbum de la cantante fue “Mi delirio”.
El primer álbum de la cantante fue “Inesperado”.

10. Dulce Maria


Escribió un libro llamado Dulce Amargo.
Escribió un libro llamado Dulce Amor.
Escribió un libro llamado Dulce Sensación.
Escribió un libro llamado Dulce Veneno.

Mais uma vez, o quiz foi utilizado no início da aula, para introduzir o tema
curiosidades sobre celebridades; no entanto, dessa vez, eles teriam apenas 20 segundos
para responder cada questão. Notemos que o aluno teria nas alternativas de cada questão,
além da forma verbal estudada na aula anterior, estruturas que indicassem o início ou o
fim da ação, outro conteúdo linguístico abordado na unidade. Após a atividade, propomos
as perguntas abaixo para instigar o aluno a falar sobre suas vivências e gostos frente ao
tema.

¿Conoces a todas las celebridades ? ¿Hay alguien a quien no conocías?


¿A ti te gusta alguna de las celebridades? ¿cuál? ¿Por qué?
¿No te gusta alguna ? ¿Por qué?
¿Has visto recientemente a alguno/algunos de esos artistas?

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Haddoz como estratégia de interação

O Haddoz é uma plataforma online voltada para os falantes de espanhol na qual


se simula um hotel. Nele, cada usuário pode criar o seu quarto no hotel e decorá-lo como
desejar. Além disso, é possível visitar os quartos de outros usuários e interagir com eles,
por meio de um chat simultâneo. A plataforma apresenta também uma rádio, que toca
músicas latinoamericanas atuais.
É possível acessar o site tanto pelo computador, quanto pelo celular, através de um
aplicativo que o próprio site ensina como baixar. O Haddoz, diferentemente do Kahoot,
apresenta-se em espanhol, servindo como uma verdadeira inserção no universo da língua
espanhola. Para auxiliar na utilização do jogo, gravamos um vídeo explicando como
baixá-lo no celular e outro explicando os principais comandos do jogo e todos aqueles
que seriam necessários para as atividades que propusemos.
Assim, o Haddoz foi utilizado como uma forma de interação não só entre os alunos,
uma vez que tinham feito a atividade em dupla, mas também com a própria plataforma
inteiramente disponível em espanhol. Essa interação deu-se através da construção
conjunta de um quarto nesse hotel. Os estudantes deveriam decorar todo o quarto como
desejassem e, depois, gravar um vídeo apresentando-o. Assim, eles produzem os conteúdos
comunicativos esperados: descrever uma casa, objetos e localizá-los no espaço.
Essa atividade tinha como base o conceito de interpretação, no seu momento
externo, de Cosson (2014, p. 65), que diz que “o momento externo é a concretização, a
materialização da interpretação como ato de construção de sentido de uma determinada
comunidade”. Ou seja, essa atividade, assíncrona, é a aplicação de todo o conhecimento
adquirido no decorrer da aula síncrona daquela unidade, em que todas as habilidades
linguísticas necessárias para essa produção já teriam sido desenvolvidas.
Assim, uma plataforma voltada ao público falante de espanhol foi utilizada como
ferramenta de ensino-aprendizagem de ELE. Na atividade, os alunos tiveram acesso,
dentro do aplicativo, ao léxico necessário para a apresentação e, enquanto produziam o
quarto e o vídeo, interagiam entre eles e com a plataforma. É evidente o quanto um jogo
que não tem finalidade educativa foi capaz de apoiar esse fim.

Análise e discussão

Nesta seção, dissertamos sobre a impressão dos alunos e dos monitores com relação

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ao uso das ferramentas digitais Kahoot e Haddoz, através do Google Forms. Para a
nossa análise, coletamos 16 respostas dos alunos das três turmas que, voluntariamente,
responderam ao formulário.

Dos 16 alunos que responderam ao formulário, somente dois disseram que


estavam completamente adaptados ao ensino remoto, sete alunos disseram que estavam
tentando, pois a realidade é nova e sete alunos disseram que estavam adaptados, contudo
apresentavam algumas dificuldades. Nenhum dos alunos declarou não estar adaptado de
alguma maneira ao ensino remoto. Esses dados iniciais nos permitem ver que, embora
haja dificuldades, os alunos estão se adaptando ao ensino remoto e às ferramentas que
estão sendo inseridas neste novo modelo.
A segunda pergunta introdutória dizia “Você realizou as atividades com o Kahoot
e o Haddoz proposta pelos monitores? (Caso não tenha feito, por quê?)”. Neste caso,
doze alunos fizeram as duas atividades, dois fizeram apenas uma das atividades e dois
não fizeram nenhuma. Como justificativa, os alunos apresentaram dificuldades com a
plataforma e/ou ausência na aula. Vejamos algumas respostas:

1. “Tentei, mas não consegui, porque tive muita dificuldade p entender”

2. “Realizei só uma. As outras não compareci às aulas e esqueci de fazer


posteriormente.”

Na resposta (1), o aluno relata que teve dificuldades de acesso à plataforma e que
isso dificultou as realizações das tarefas. Na resposta (2), o aluno relata que, no momento
de encontro síncrono, realizou as atividades, mas que, nos momentos assíncronos, não.

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Impressão dos alunos sobre o Kahoot

Tratamos, agora, especificamente sobre a ferramenta Kahoot, que utilizamos como


estratégia de motivação, segundo a proposta de Cosson (2014). A primeira pergunta era
sobre o conhecimento da ferramenta antes de ser apresentada no encontro síncrono. Das
respostas obtidas, mais de 80% dos alunos não conheciam tal ferramenta digital, como se
pode ver no gráfico 2, apresentado a seguir:

No que diz respeito às dificuldades dos alunos sobre o acesso à plataforma, a


maioria não encontrou dificuldades de acesso, apenas um aluno relatou ter tido alguma
dificuldade. Isso também ocorreu na realização da atividade. Os alunos não apresentaram
grandes dificuldades na realização da atividade, contudo apontaram detalhes que seriam
importantes para aprimoração e o planejamento das próximas atividades com esta
ferramenta digital, como vemos em (3) e (4).

3. “Achei pouco tempo para resposta”.

4. “Não tive nenhuma dificuldade”.

Acerca da pertinência do Kahoot, especificamente nos encontros síncronos, as


respostas foram amplas e se relacionaram com diversas outras áreas, como ensino,
interação e participação, como também houve casos de alunos que não consideraram tão
relevante assim o uso dessa ferramenta. Vejamos as respostas (5), (6) ,(7) e (8).

5. “Sim, achei bem interessante e criativo. Fazia parte do tema da aula e eu,
particularmente, prefiro aulas neste formato.”

6. “Sim. Ajuda no ensino, no entrosamento da turma e ajuda a deixar a vergonha


de lado.”

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7. “Não exatamente. É interessante para ampliar o vocabulário, mas as perguntas


não são muito úteis.”

8. “Não. Porque não obtive êxito.”

Em (5), percebemos que o aluno além de achar relevante e pertinente, afirmou seu
gosto pelas aulas com adesão às ferramentas digitais que tenham ligação com o tema
proposto para o encontro. Na resposta (6), percebemos que o aluno toca em questões de
interação não só com o professor, mas também com os outros colegas de classe. Isso é
um fator relevante, pois, com o novo modelo de aula remoto, a interação entre os alunos
ficou restringida.

Em (7), o aluno destaca apenas a relação da ferramenta com a parte lexical, mas
não viu relação das perguntas com a aula e tampouco achou a ferramenta totalmente
pertinente. Na resposta (8), o aluno não obteve êxito durante a realização da atividade e
tampouco achou pertinente.

No que tange às impressões dos alunos sobre o Kahoot, as opiniões foram diversas
− ressaltamos o contexto em que 80% dos alunos não conheciam o Kahoot antes da
aplicação no encontro síncrono. Observemos as respostas (9), (10), (11) e (12):

9. “Gostei bastante dessa ferramenta, é fácil de ser usada e ainda é possível ver
quantos pontos cada participante tem”

10. “Não achei muito útil.”.

11. “Gostei da experiência.”

12. “Achei o site intuitivo, bem fácil de usar”.

As respostas (9), (11) e (12) relatam a experiência com a interface e as funcionalidades


que a ferramenta apresenta. Em contrapartida, na resposta (10), o aluno não considerou
relevante e útil o uso do Kahoot como ferramenta de motivação.

Impressão dos alunos sobre o Haddoz

Utilizamos o Haddoz como estratégia de interação. Sobre o conhecimento prévio

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da ferramenta antes da aplicação da atividade assíncrona, mais de 90% dos alunos não
conheciam a ferramenta, número esse superior ao que encontramos na ferramenta Kahoot,
como é possível perceber no gráfico a seguir:

No que diz respeito às dificuldades de acesso ao site, três alunos alegaram que
tiveram dificuldades e um aluno, inclusive, não conseguiu realizar a atividade. Sobre as
dificuldades nas realizações das atividades, as respostas foram diversas: alguns alunos
apresentaram muitas, outros nenhuma e alguns apresentaram dificuldades que foram
sanadas com os vídeos explicativos sobre o acesso à plataforma. Observemos as respostas
(13), (14) e (15).

13. “Sim mas com o tutorial foi bem fácil seguir.

14. “Nenhuma.”

15. “Tive dificuldade para achar mobiliário e posicionar no lugar que queria.”

Como podemos observar, o tutorial, gravado por nós, monitores, auxiliou os


alunos no desenvolvimento da atividade. As outras dificuldades, como em (15), por
exemplo, relacionam-se à ambientação da plataforma, e isso se relaciona diretamente ao
conhecimento prévio da plataforma, tendo em vista que, nessa ferramenta, apenas um dos
alunos conhecia o Haddoz antes da aplicação na atividade assíncrona.

A pergunta seguinte tratava sobre a relevância dessa ferramenta. Aqui também


encontramos respostas diversificadas sobre o uso do Haddoz. Um dado interessante é que
os alunos acharam mais dificultoso o uso do Haddoz do que o Kahoot, como vemos em
(16).

Vejamos algumas respostas:

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16. “Gostei bastante também, ele não é tão fácil de usar como o Kahoot, mas é
possível aprender rápido.”

17. “Parece ser legal mas precisa de melhorias.”

18. “Boas mas não jogo.”

19. “É bem parecido, se não é o mesmo, só que com outro nome, com o Habbo
Hotel. Então já tinha uma certa habilidade, pois já conhecia o Habbo Hotel antes.”

20. “Péssimas.”

A resposta (17) informa que a ferramenta precisa de melhoras. Em (18), o aluno


interagiu com a ferramenta, mas não tem o hábito de jogar. Na resposta (19), o aluno sentiu
familiaridade do Haddoz com outro jogo online e essa familiaridade o ajudou na realização
da atividade. Já em (20), não houve experiências positivas com o uso do Haddoz. Essas
respostas nos mostram a diversidade de opiniões dos alunos sobre as ferramentas digitais.

Inserção de novas ferramentas

Dedicamos uma parte do formulário sobre inserção de novas ferramentas. Perguntamos


aos alunos se a inserção dessas ferramentas (Kahoot e Haddoz) trouxe contribuições para
o seu aprendizado e a grande maioria acredita que houve contribuições com o uso desses
instrumentos, como pode ser visto no gráfico a seguir:

E as justificativas também foram amplas, visto que alguns indicaram que as ferramentas
trouxeram contribuições e outros, nem tanto. Vejamos os exemplos (21), (22) e (23):

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21. “A proposta das atividades foram boas, mas, acredito que há maneiras mais
fáceis de aprender sobre certo tema.”

22. “pq eu consegui lembrar de conteúdos que provavelmente eu não lembraria


se não tivesse esse momento divertido e didático.”

23. “Porque acredito que permitiram explorar e atividades em grupo que antes
eram feitas na sala de aula. De uma forma geral, acredito que o único ponto
negativo seja compatibilizar horário durante a semana para tarefas em dupla/
grupo.”

Em (21), o aluno destaca a utilidade das ferramentas, mas não acredita ser a maneira
mais fácil de aprender o tema. Diferentemente, em (22), encontramos uma relação com
o conteúdo e o tema específico proposto para o uso das ferramentas digitais. Já em (23),
ressalta-se a importância da atividade para o trabalho em grupo e aponta também uma
dificuldade encontrada, que é a compatibilidade de se reunir para realizar a atividade.

Questionados sobre a inserção de outras ferramentas além do Kahoot e Haddoz, os


alunos responderam, em grande maioria, que deve haver a inserção de outras ferramentas
com algumas ressalvas, como em (24). Nesse caso, o aluno demonstra preocupação com
o tempo da aula e que a atividade não a comprometa. Em (25), percebe-se a não adaptação
ao ensino remoto que pode ser decorrente de diversos fatores, o que, consequentemente,
influenciou na realização das atividades.

24. “Acho interessante, desde que não tome muito tempo e comprometa as aulas.

25. “Não, pois já estou exausta de qualquer coisa virtual. Não acho inovador
nem criativo, por vezes acho trabalhoso. Inserir mais ferramentas digitais só
tornará o ensino remoto ainda mais cansativo e chato.”

Impressão dos monitores

No que diz respeito à participação dos alunos, percebemos que participaram de


forma efetiva na realização das atividades. Embora o perfil seja diferenciado nas três
turmas, houve a tentativa e o engajamento dos alunos em participar e interagir em tudo
que foi proposto.

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Os alunos seguiram o roteiro das atividades propostas tanto na atividade de


motivação, quanto na de interação. No que diz respeito à elaboração das atividades por
nós, monitores, acreditamos que as perguntas elaboradas para o uso do Kahoot estavam
demasiado específicas e que o tempo poderia ter sido maior. Sobre o Haddoz, acreditamos
que a dificuldade de acesso à plataforma também tenha influenciado na realização da
atividade.
Sobre a produção dos alunos, notamos que eles apresentaram trabalhos com
elementos além do que lhes foi solicitado. No Haddoz, por exemplo, os quartos foram
bem decorados e os aprendizes apresentaram o conteúdo linguístico esperado para o nível
e para a atividade.
No que diz respeito à relação entre a atividade e o uso da língua, acreditamos que
o uso das duas ferramentas auxiliou os alunos a alcançar os objetivos propostos como o
léxico da casa (Haddoz) e conhecimentos do mundo hispânico (Kahoot).

Considerações finais

Para este trabalho, utilizamos o Kahoot como estratégia de motivação e o Haddoz


como estratégia de interpretação dentro de um novo contexto de ensino remoto, decorrente
de uma adaptação ao isolamento social causado pela pandemia mundial. Aplicamos essas
estratégias seguindo a proposta de Cosson (2014).
Acreditamos que, embora haja uma certa resistência por parte dos alunos em aderir a
essas ferramentas digitais, os mesmos as realizaram, em grande maioria. Sobre o Kahoot,
acreditamos que é uma ótima ferramenta para motivação, que desperta o interesse dos
alunos pelo tema proposto e que os problemas apresentados podem ser contornados pelos
monitores. Sobre o Haddoz, acreditamos que a gravação do tutorial auxiliou os alunos na
realização das atividades.
Por fim, como passos futuros, pretendemos melhorar o tempo e reformular as
perguntas do Kahoot, os objetivos e os comandos para a realização das atividades com o
Haddoz. Além disso, concluímos que o uso de ferramentas digitais influenciam diretamente
na dinâmica da aula, nas questões de competências linguísticas, nas relações de ensino-
aprendizagem dos alunos e, também, influencia diretamente na formação dos monitores
em questão, pois esperamos que, com este trabalho, possamos repensar as atividades,
segundo Vasconcelos & Oliveira (2017), não somente como atividade de fixação, mas
como parte essencial de aprendizado dos alunos nos níveis lexical e gramatical.

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ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA NA REALIDADE DO
ENSINO REMOTO: UMA SEQUÊNCIA
DIDÁTICA VOLTADA PARA A
APLICAÇÃO PROFISSIONAL

BRENDA GRANDINI CAETANO


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Espanhol. E-mail: brendagrandini@letras.ufrj.br

THAYNARA REGINA PEREIRA DE AZEVEDO FARIAS


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Espanhol. E-mail: thaynaraazevedo@letras.ufrj.br.

JEAN CARLOS DA SILVA GOMES


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorando em Linguística.
E-mail: gomes.jean@letras.ufrj.br
RESUMO

Estudos recentes sobre metodologias de ensino de língua estrangeira destacam a


importância do desenvolvimento de atividades com vistas ao uso prático da língua
por meio do fomento de contextos reais de uso que possibilitem aos aprendizes
a prática do conhecimento que estão adquirindo. Neste trabalho, relata-se o
processo de desenvolvimento e aplicação de uma sequência didática composta por
atividades voltadas ao uso prático de natureza profissional, contendo a produção
de gêneros escritos e orais a partir de práticas sociais, a alunos de espanhol como
língua estrangeira do nível 3 do CLAC durante o período remoto, com o objetivo
de contribuir para a discussão sobre novas metodologias no ensino de língua
estrangeira em formato não-presencial. Os resultados indicaram que o ensino
contextualizado favorece uma aprendizagem mais efetiva e instigante, tendo em
vista que os discentes podem desenvolver suas habilidades sociocomunicativas
através de práticas que evidenciam o uso real da língua alvo.
PALAVRAS-CHAVE: Espanhol como língua estrangeira; Aplicação profissional;
Ensino remoto; Sequência didática.

RESUMEN

Estudios recientes sobre las metodologías de enseñanza de lengua extranjera


refuerzan la importancia del desarrollo de actividades con vistas al uso práctico
de la lengua por medio de la promoción de contextos reales de uso que les
posibiliten a los aprendientes la práctica del conocimiento que están adquiriendo.
En este trabajo, se relata el proceso de desarrollo y aplicación de una secuencia
didáctica compuesta por actividades destinadas al uso práctico de naturaleza
profesional, que contiene la producción de géneros escritos y orales a partir
de prácticas sociales, a alumnos de español como lengua extranjera del nivel 3
del CLAC durante el periodo remoto, con el objetivo de contribuir a la discusión
sobre nuevas metodologías de enseñanza de lengua extranjera en formato no
presencial. Los resultados indicaron que la enseñanza contextualizada favorece
a un aprendizaje más efectivo e instigante, puesto que los discentes pueden
desarrollar sus habilidades sociocomunicativas por medio de prácticas que
evidencian el uso real de la lengua objetivo.
PALABRAS-CLAVE: Español como lengua extranjera; Aplicación profesional;
Enseñanza remota; Secuencia didáctica.
CAETANO, FARIAS & GOMES. Espanhol como língua estrangeira na realidade do ensino remoto: uma sequência didática
voltada para a aplicação profissional.

Introdução

A língua espanhola está presente no contexto de ensino brasileiro através,


principalmente, da oferta em algumas escolas, públicas e privadas.A oficialização da
oferta do idioma na educação básica aconteceu na década de 40, com o Decreto-Lei nº
4.244, de 9 de abril de 1942. Assim, a partir do caráter obrigatório de oferta da língua,
se desenvolveram maiores debates e pesquisas sobre o ensino do espanhol como língua
estrangeira para brasileiros.
Segundo Fernández (2018, p. 10), “durante los años noventa e inicio de los dos mil
ganó fuerza la necesidad y el interés por la inclusión del español en el sistema educativo
brasileño debido, entre varios factores, a la creación del Mercosur, en 1991.” Com a
ampliação da difusão da língua espanhola na sociedade, observou-se um maior interesse
dos brasileiros em aprender o idioma, acarretando a oferta de espanhol em diferentes
cursos. Recentemente, a lei mencionada no parágrafo anterior foi revogada, fazendo com
que não seja mais obrigatória a oferta dessa disciplina nas escolas. No entanto, o interesse
dos discentes em cursos de línguas permanece vigente na atualidade.
Neste contexto de aprendizagem, mais especificamente, o ensino não se limita a uma
instrumentalização da língua, porém busca-se cada vez mais desenvolver metodologias
que envolvam a inserção do aprendiz em contextos reais de uso da língua. Entende-se,
dessa forma, que o processo de ensino-aprendizagem ocorre a partir de práticas sociais,
como afirma Botelho (2013):

Assim, a prática social inicial na educação, como em qualquer outra situação,


deve partir do trabalho inicial do educador, ou seja, transformar os conteúdos,
objeto de estudo em objeto de conhecimento pelo e para o aluno. Para que isso
ocorra é preciso que o educador sensibilize o educando para perceber as relações
que existem entre o conteúdo a ser estudado e as necessidades, os problemas e
os interesses que fazem parte de sua vida cotidiana. (BOTELHO, 2013, p. 126)

No Curso de Línguas Aberto à Comunidade (CLAC), há a oferta de diversas


línguas estrangeiras, dentre essas, o espanhol. A proposta do projeto CLAC presencial é
a realização de atividades de extensão e pesquisa. As aulas são planejadas e ministradas
pelos monitores licenciandos da Faculdade de Letras e, por isso, entende-se que o projeto
contribui com a formação dos futuros professores de línguas estrangeiras (UFRJ, 2019).
É importante evidenciar que o ano de 2020 nos levou a uma situação inimaginável
outrora, o isolamento social por causa da pandemia do Covid-19. A partir desse cenário,

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CAETANO, FARIAS & GOMES. Espanhol como língua estrangeira na realidade do ensino remoto: uma sequência didática
voltada para a aplicação profissional.

vimos a necessidade de, apesar da distância, retomar as aulas de línguas estrangeiras no


CLAC. Logo, as adaptações e, sobretudo, inovações tornaram-se essenciais no ensino de
língua estrangeira em formato remoto. Levando em consideração a necessidade de ofertar
um ambiente acolhedor e agradável aos alunos, foram levantados questionamentos e
discutidos planejamentos sobre como incentivar o protagonismo do aprendiz, a busca por
conhecimentos e o desenvolvimento de novas habilidades nesse novo formato.
O objetivo geral deste trabalho é contribuir com a discussão acerca de novas
metodologias no ensino de língua estrangeira em formato remoto. Mais especificamente,
pretende-se desenvolver, para o ensino remoto de espanhol como língua estrangeira do
nível 3 do CLAC, uma sequência didática composta por atividades voltadas ao uso prático
de natureza profissional.
Acreditamos que a realização de uma sequência didática a partir de um contexto
voltado para o âmbito profissional possui um conjunto de benefícios para os aprendizes,
uma vez que seja possível, por meio dela, compreender melhor a estrutura de gêneros
profissionais e também desenvolver habilidades sociocomunicativas fundamentais para
futuros profissionais em suas áreas de atuação. Tendo em vista que muitos estudantes das
turmas de espanhol no CLAC estão ingressando no mercado de trabalho, vale destacar
que podem utilizar os resultados dessas atividades em futuras aplicações para candidatura
a vagas de emprego.
Desse modo, este artigo está organizado da seguinte maneira: na primeira seção,
discutimos sobre o ensino com vistas ao uso prático da língua estrangeira; na segunda
seção, revisamos discussões sobre o ensino de língua estrangeira em formato remoto;
na terceira seção, descrevemos a sequência didática elaborada neste trabalho; na quarta
seção, apresentamos uma discussão acerca da aplicação da sequência; e, por fim, na última
seção, realizamos as considerações finais deste estudo.

O ensino com vistas ao uso prático da língua estrangeira

O processo de ensino-aprendizagem ocorre por meio de diferentes metodologias


e sistemas pedagógicos. O ensino de língua estrangeira através da contextualização do
material elaborado é muito importante, pois os alunos conseguem aprender um novo idioma
através de usos reais, isto é, elementos que verdadeiramente se vinculam e dialogam com
a realidade da língua, bem como afirmam Barros & Costa (2010, p. 95):“desse modo,
é possível criar na sala de aula um ambiente de comunicação significativa e real que

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CAETANO, FARIAS & GOMES. Espanhol como língua estrangeira na realidade do ensino remoto: uma sequência didática
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propicie o desenvolvimento”.
Outro fator relevante no ensino contextualizado é a valorização da heterogeneidade
e pluralidade, principalmente no que diz respeito à língua espanhola, já que, ao aprender
o idioma, o aluno precisa estar em contato com as variedades linguísticas e culturais (cf.
Barros & Costa, 2010). Assim, tais elementos permitem que o estudante reflita sobre
as diversidades culturais, além do desenvolvimento de habilidades linguísticas. Logo, a
contextualização do ensino de língua estrangeira suscita o contato com diferentes culturas,
como demostrado por Labella-Sánchez & Estima (2017):

Ao propormos atividades envolvendo todas as habilidades linguísticas,


entendemos que a aprendizagem da língua se torna mais completa pelas
seguintes razões: evita-se que o material se reduza a atividades de memorização
de estruturas de frases ou de palavras isoladas; valoriza-se a compreensão oral
e escrita de variados gêneros como uma maneira de compreender a linguagem
em uso e dentro de uma determinada prática social. (LABELLA-SÁNCHEZ &
ESTIMA, 2017, p. 234)

A partir da afirmação desses autores, é possível compreender que as habilidades


desenvolvidas em sala de aula não devem se vincular à memorização ou frases soltas, mas
a uma melhor compreensão da língua através dos contextos reais de uso. Somente por
meio da aplicação desses preceitos é possível elaborar materiais que sejam pertinentes e
verdadeiros na aprendizagem da língua-alvo, bem como afirmam Costa e Barros (2010):

Os materiais de ELE que adotamos ou produzimos se compõem geralmente de


amostras da língua, ou seja, de porções variadas de discursos orais ou escritos
que objetivam colocar o aluno em contato com o idioma estudado e promover
uma compreensão do funcionamento e do uso de tal idioma; de conceitualizações
– informações e sistematizações dos conteúdos. (COSTA; BARROS, 2010,
p. 89)

Por isso, é relevante que as atividades sejam desenvolvidas com um olhar voltado
a algum contexto que seja de possível interesse dos alunos através das práticas sociais.
Neste estudo, especificamente, a sequência didática elaborada tem por objetivo contribuir
para a aplicação de estratégias no âmbito profissional. Percebemos que a maioria dos
estudantes está ingressando no mercado de trabalho ou trabalha há pouco tempo. Assim,
acreditamos que a produção de materiais relacionados a esse tema permite que se engajem
na realização das atividades do curso e que também desenvolvam habilidades necessárias

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na rotina profissional. Destacamos ainda que tarefas dessa natureza servem também como
preparação para seleções destinadas a vagas no exterior, uma vez que podem preparar-se
desde já nas aulas do curso CLAC.

O ensino de língua estrangeira em formato remoto

É de suma importância destacar que, ao longo dos últimos anos, muito esforço tem
sido aplicado em implementar e desenvolver metodologias de ensino não presencial, e
que o foco principal é a elaboração do ensino a distância (EAD). Entretanto, no presente
trabalho, discute-se também sobre outro método não presencial, conhecido como ensino
remoto.
É crucial destacar que ensino remoto e ensino a distância não possuem a mesma
estrutura. O ensino remoto é uma solução temporária para dar continuidade a práticas
pedagógicas e acontece por meio da internet. Por outro lado, o EAD é estruturado e
planejado para que todas as questões relacionadas à educação aconteçam através de
métodos tecnológicos, tais como, plataforma de atividades e acompanhamento, apoio de
monitores, aulas gravadas etc (cf. JOYE, MOREIRA & ROCHA, 2020).
Dessa maneira, não podemos confundir esses dois formatos, pois um se inicia por
uma urgência, o remoto, enquanto o outro possui sua metodologia planificada para que
todo o processo de ensino aconteça dessa forma, o EAD. O curso CLAC adotou de forma
temporária o ensino remoto em 2020 por conta do isolamento causado pela pandemia do
novo coronavírus. Desse modo, devido ao isolamento social e à necessidade de realização
de atividades remotas, tornou-se indispensável o empreendimento de uma inovação nas
metodologias utilizadas no CLAC.
As TICs, sigla referente ao conceito de Tecnologias da Informação e Comunicação,
fazem parte da realidade de sala de aula há bastante tempo, caracterizadas pela utilização
de recursos tecnológicos e elementos que auxiliam o professor e o aluno numa melhor
relação no processo de aprendizagem (cf. ROJO, 2013). No entanto, é evidente que seu
uso se tornou mais abrangente no atual contexto. Antes do período pandêmico, se utilizava
a tecnologia como auxílio para a elaboração dos materiais didáticos, porém, no atual
cenário, é necessária a realização de todas as atividades por meio digital.
Compreendemos que os hábitos se modificaram no decorrer dos anos com os
avanços tecnológicos, entretanto, o ensino nas salas de aulas não seguiu tais modificações.
De acordo com Gastaldi (2017, p. 34), “devemos nos adequar às novas tecnologias

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voltada para a aplicação profissional.

educacionais e tornar as aulas mais interativas, dinâmicas e interessantes”. Logo,


percebemos a necessidade de implementar novas metodologias no ensino. Dessa maneira,
decidimos empreender mais recursos que atendessem à demanda atual e nos auxiliassem
no processo ensino-aprendizagem. Para tanto, inserimos em nosso cronograma a análise e
posterior produção de diversos gêneros digitais orais e escritos que realmente fazem parte
do cotidiano discente, por exemplo, seriados, podcasts, redes sociais etc.
Ensinar e aprender uma língua estrangeira é um grande desafio que cresceu ainda
mais no cenário atípico que vivemos, pois transferir todas as relações e envolvimento
de uma sala de aula para o meio tecnológico não é uma tarefa fácil. Refletindo sobre o
ensino de língua estrangeira e a interação em sala de aula, Simon & Rollwagen (2017, p.
9) afirmam que “o ensino e a aprendizagem virtual de língua inglesa deve buscar reforçar
o vínculo emocional e a motivação, para que a experiência de aprender um idioma supere
os limites (às vezes) impostos pela conectividade”. Desse modo, fica clara a importância
de manter uma relação harmoniosa com os alunos, a fim de que se sintam confiantes e
encorajados no prosseguimento da atividade de aprendizagem de uma nova língua.
Ademais, outro desafio do formato remoto baseia-se nas adaptações necessárias para
o atendimento de um dos quesitos básicos do ensino de idiomas: o desenvolvimento das
quatro habilidades (ler, ouvir, falar e escrever). Logo, foi necessário discutir sobre os
meios pelos quais todas as habilidades mencionadas pudessem ser bem desenvolvidas.
De acordo com Gonzáles (2010), a linguagem apresentada, a partir de situações efetivas,
ou seja, reais e diversificadas, auxilia numa melhor abordagem das habilidades, como se
pode observar a seguir:

A vivência e o contato com situações e práticas de linguagem socioculturais


efetivas e variadas, trabalhadas naquilo que as constitui, a partir das condições
em que ocorrem, observando os efeitos que produzem, passam, assim, a dar
maior consistência às habilidades de escuta, de leitura, de fala e de escrita, que
precisam ser abordadas de forma integrada, pois nas relações interpessoais, quer
sejam elas estabelecidas por contato direto quer sejam mediadas por algum meio
tecnológico, elas se conjugam, se articulam e se complementam. (GONZÁLES,
2010, p. 33)

Por fim, outra questão relevante para o ensino remoto de língua estrangeira refere-
se às dificuldades que os envolvidos enfrentam, tais como o estresse e preocupação com
a pandemia, ausência de letramento tecnológico discente e docente, problemas com
equipamentos ou acesso à internet etc. Logo, nós, monitores, professores em formação,

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voltada para a aplicação profissional.

precisamos aprender a lidar com os desafios corriqueiros da profissão e outros mais que
se somaram a fim de que nossos encontros e atividades permitam o alcance dos objetivos
estipulados para uma determinada sequência.
Dessa maneira, é evidente que o ensino de língua estrangeira no contexto remoto
gera muitos desafios para os profissionais da educação e estudantes. Além disso, utilizar as
novas tecnologias de forma que nos auxiliem no desenvolvimento das quatro habilidades
da língua-alvo é essencial no atual cenário. Por isso, a construção de vínculos afetivos e
ajuda mútua no processo de ensino-aprendizagem que vivenciamos são fundamentais para
a superação; sem isso não seria possível realizar uma adaptação rápida, que permitisse a
continuação de tais práticas.

A sequência didática

A partir das questões apresentadas, materializamos nossos objetivos em uma


sequência didática aplicada ao longo de duas semanas. Essa, inspirada em Cosson (2014),
apresenta as etapas de motivação, introdução, leitura e interpretação, que foram aplicadas
em cada uma das semanas de desenvolvimento das atividades. Cabe ressaltar que as
aulas foram divididas em momentos síncronos e assíncronos, nos quais, no primeiro,
são introduzidos os temas e conteúdos abordados para que, no segundo, os discentes
produzam seus próprios discursos.
As atividades síncronas iniciam-se pela etapa da motivação, que se caracteriza por
“preparar o aluno para entrar no texto” (COSSON, 2014, p. 54), como uma ativação dos
seus conhecimentos prévios. Depois, realiza-se a leitura, preferencialmente coletiva e
oralizada, dos textos principais das aulas. Por fim, usamos uma adaptação da etapa de
introdução de Cosson (2014), em que, em vez de apresentar o autor e a obra do texto
principal, abordamos construções linguísticas que contribuam para as futuras produções
dos alunos e que estão presentes nos textos abordados. Essa mudança, não só da ordem
original (em que se apresentava antes da leitura), mas também do conteúdo introduzido,
ocorreu de acordo com nossos objetivos temáticos e lexicais.
As atividades assíncronas funcionavam como uma continuação das síncronas,
pois a etapa de interpretação de Cosson (2014, p. 65), no seu momento externo, “é a
concretização, a materialização da interpretação como ato de construção de sentido de
uma determinada comunidade”. Nessa etapa, o aluno produz gêneros discursivos orais
e escritos que estão ligados aos temas e construções abordados nas aulas síncronas e

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inseridos, como almejamos, no âmbito profissional.


É importante aclarar que esta sequência se destina aos alunos do Espanhol III do
curso CLAC, nível que equivale ao desenvolvimento de habilidades linguísticas descritas
no Marco Comum Europeu de Referência para as Línguas como B1 (cf. CONSELHO DA
EUROPA, 2001). Sua aplicação deu-se em três turmas do projeto, 301, 302 e 303, que
tinham, respectivamente, 25, 17 e 15 alunos.
Dessa forma, os conteúdos linguísticos abordados nas atividades foram norteados
pelas habilidades linguísticas descritas no livro didático adotado pelo curso de espanhol do
CLAC, especificamente no nível III, o Aula Internacional 3 (cf. CORPAS, GARMENDIA
& SORIANO, 2014).1 Essas habilidades linguísticas apresentam-se na unidade 1 do
referido livro, em que se busca trabalhar os seguintes recursos comunicativos: “hablar de
hábitos en el presente”, “relatar experiencias pasadas”, “hablar del inicio y de la duración
de una acción” y “localizar una acción en el tiempo” (cf. CORPAS, GARMENDIA &
SORIANO, 2014, p. 11).
Nas seguintes subseções desse trabalho, descreve-se detalhadamente cada uma das
atividades planejadas, sejam síncronas ou assíncronas. Vale ressaltar que essas foram
planejadas de modo que fossem desenvolvidas ao longo de duas semanas e que, na nossa
aplicação, ocorreram durante as duas primeiras semanas do curso.

Semana 1: aula síncrona

A aula iniciou-se com a leitura de um pequeno texto chamado “Mi nuevo yo: cosas
que hacemos en cuarentena y queremos mantener”2, que serviu de apoio à discussão inicial
sobre como o isolamento social causou mudanças na vida das pessoas, tema central do
texto. Junto a ele, apresentamos tabelas3 que indicavam, em números percentuais, como
alguns hábitos da sociedade argentina mudaram nesse momento. Com isso, visávamos
fomentar a exposição de experiências pessoais dos alunos referentes ao momento sócio-
histórico no qual nos inserimos. Para isso, propusemos as seguintes perguntas, ilustradas em (1).

1 Uma descrição do processo de seleção deste material para utilização do projeto pode ser observada em Gomes
et al. (2019).
2 Texto disponível em:
<https://www.redaccion.com.ar/mi-nuevo-yo-cosas-que-hacemos-en-cuarentena-y-queremos-mantener/>.
Acesso em: 24 de novembro de 2020.
3 Texto disponível em:
<https://www.pagina12.com.ar/260825-coronavirus-como-se-modificaron-los-habitos-con-el-aislamien>.
Acesso em: 24 de novembro de 2020.

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(1) ¿Cómo te sientes en la cuarentena? / ¿Qué has estado haciendo durante ese
momento? / ¿Según el primer texto, por qué las personas cambiaron sus hábitos
durante el aislamiento? / ¿Has empezado a hacer algo nuevo? / ¿Has dejado de
hacer algo? / El segundo texto presenta cómo se ha modificado la vida de los
argentinos durante la pandemia. ¿Has vivenciado algún cambio en tu rutina?
¿Cuál? / ¿Qué deseas continuar haciendo después del aislamiento?

Após esse momento inicial de motivação, partiu-se para a leitura do texto principal:
“Coronavirus propicia el experimento de home office más grande de la historia”4. Esse
texto relaciona-se também com as atividades de motivação pela temática da pandemia,
porém já direciona a discussão para o tema da sequência didática: o trabalho. Como apoio
à compreensão do texto, propusemos as perguntas a seguir, ilustradas em (2).

(2) ¿Cómo la cuarentena cambió el trabajo de las personas? / Según el texto, ¿por
qué el teletrabajo no era bien visto? / ¿Estás trabajando o conoces a alguien que
está teletrabajando durante la pandemia? / ¿Cómo es esa experiencia? / ¿Cuáles
son las ventajas y desventajas de trabajar desde casa?

Por fim, sistematizamos, a partir das ocorrências no texto, o conteúdo gramatical


necessário, a saber: perífrases verbais frequentes no espanhol, utilizadas para relatar
hábitos no presente, e recursos para localizar uma ação no tempo, como a marcação de
seu início e duração.

Semana 1: atividades assíncronas

As atividades assíncronas desta sequência estão inseridas dentro de uma seleção


profissional fictícia, de uma empresa que inventamos chamada “Dos Corazones”. A
proposta apresentou-se da maneira como se ilustra na Imagem 1:

4 Texto disponível em:


<https://factorcapitalhumano.com/mundo-del-trabajo/coronavirus-propicia-el-experimento-de-home-office-mas-
grande-de-la-historia/2020/02/>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

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Imagem 1: Proposta de seleção profissional

Fonte: Elaborado pelos autores


Nessa primeira semana, foram propostas as produções da primeira etapa dessa
seleção, o currículo e a carta de apresentação. Primeiramente, os alunos deveriam montar
um currículo em espanhol e, para isso, tiveram como base alguns textos de apoio, dentre
eles “Los peores errores que puede tener tu currículo”1 e “Arma tu currículum vitae”2.
Depois, para organizar o que foi apresentado pelos textos, propomos as seguintes perguntas
de reflexão, ilustradas em (3):

(1) ¿Es importante tener un buen currículo? ¿Por qué? / ¿Cuáles son los elementos
fundamentales en la construcción del currículo? / ¿Y cuáles son los elementos
que debemos evitar al hacer un currículo? /¿Podemos tener nuestro currículo en
cuáles plataformas en línea?

Com isso, os alunos foram capazes de criar os seus próprios currículos, utilizando
o conhecido adquirido, fosse acerca do gênero textual ou do conteúdo linguístico em
espanhol. Assim, esse gênero permitia o uso de estruturas linguísticas aprendidas não só
na unidade em questão, mas também nos semestres anteriores.
Além disso, propusemos outra atividade assíncrona: a criação de uma carta de
apresentação. Como material de apoio a essa produção, foi disponibilizado aos alunos o

1 Texto disponível em:


<https://www.occ.com.mx/blog/los-peores-errores-que-puede-tener-tu-curriculum/>. Acesso em: 24 de
novembro de 2020.
2 Texto disponível em:
<https://factorcapitalhumano.com/mundo-del-trabajo/coronavirus-propicia-el-experimento-de-home-office-
mas-grande-de-la-historia/2020/02/>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.

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acesso ao vídeo intitulado “Cómo hacer una BUENA CARTA de PRESENTACIÓN para
un TRABAJO FÁCIL Y RÁPIDO !!! MÉTODO”3 e, junto a ele, as seguintes perguntas de
compreensão oral, ilustradas em (4):

(2) ¿Cuál es la diferencia entre un currículo y una carta de presentación? / La chica


afirma que debemos escribir sobre lo que nos ha llevado a la vacante, pero ¿De qué
manera debemos redactar nuestras respuestas? / ¿Cuáles son los elementos que
no debemos poner en la carta de presentación? / Cuando uno no tiene experiencia
¿Qué puede informar en la carta de presentación? / ¿Cuál(es) factor(es) torna(n)
más fácil trabajar en una empresa?

Como gabarito das questões, foram disponibilizadas as seguintes possibilidades


de respostas para as perguntas mencionadas acima: “Un currículo debe, rápidamente,
destacar nuestros conocimientos, experiencias y habilidades. La carta de presentación
debe decir quiénes somos y porqué estamos aquí.”; “Siempre debemos escribir de manera
muy positiva y hablar bien de nosotros.”; “Escribir sobre dinero y hablar mal de nuestras
experiencias o personas que trabajamos anteriormente.”; “La persona puede destacar
que tiene ganas de aprender, disponibilidad, energía, formación etc.”; e “Cuando nos
identificamos con la empresa, por ejemplo, con los valores de la empresa, los ideales y
las inversiones.”.
Além disso, vale destacar que os alunos possuíam, no livro didático já mencionado,
um exemplo de carta de apresentação para auxiliar na realização da tarefa. Após observá-
la, propusemos as seguintes perguntas de reflexão, ilustradas em (5), sobre o exemplo
disposto no livro, a fim de nortear a posterior escrita da carta de apresentação deles à
empresa “Dos Corazones”.

(3) ¿Te parece interesante hacer una carta de presentación? ¿Por qué? / ¿Cuáles
elementos son fundamentales en la construcción de la carta de presentación? /
¿Por qué crees que en Brasil todavía no tenemos la carta de presentación como
elemento común en nuestras selecciones?

3 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0kM4bzS03VY>. Acesso em: 24 de novembro de


2020.

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Semana 2: aula síncrona

Na segunda semana síncrona, continuamos a discussão acerca do tema de trabalho


na pandemia, porém sob uma nova perspectiva: as novas experiências. Como atividade
de motivação, apresentamos algumas fotos de diversos profissionais que não puderam
aderir ao home office, como, por exemplo, os entregadores, os garis, os cientistas, as
empregadas domésticas e, por fim, os profissionais da saúde. Com isso, apresentamos o
texto “Profesionales de la salud: La hora exhausta”4 para a refletir como estão sendo as
experiências desses grupos durante a pandemia. Em seguida, propusemos as seguintes
perguntas para discussão em aula com os alunos, ilustradas em (6):

(6) ¿Conoces a alguien que se ha estado agotado en el trabajo durante la pandemia?


/ El texto es un relato de un enfermero. ¿Cómo la pandemia ha cambiado el día a
día de su trabajo? ¿Qué le ocurrió de malo?

Depois, realizamos a leitura do texto principal dessa aula: “¿Qué es lo más raro que te
ha pasado en una entrevista de trabajo?”5. Aqui, buscamos abordar a experiência pessoal
dos alunos em entrevistas de emprego, já os direcionando às propostas das atividades
assíncronas. Para nortear a exposição sobre essas experiências, propusemos as perguntas
abaixo, ilustradas em (7).

(7) ¿Cuál fue tu mejor entrevista de trabajo? ¿Y la peor? / ¿Cuál fue la pregunta
más inesperada que ya te han hecho? / Los relatos son ejemplos de entrevistas
de trabajo que no salieron como esperado ¿Alguna vez has vivenciado alguna
situación rara en una entrevista?

Por fim, na etapa de introdução, buscamos sistematizar as formas de relatar no


passado em espanhol, revisando valores de dois tempos verbais existentes na língua:
pretérito perfecto simple (também conhecido como pretérito indefinido) e pretérito
perfecto compuesto (também conhecido puramente como pretérito perfecto).

4 Texto disponível em:


<https://www.latercera.com/la-tercera-domingo/noticia/profesionales-de-la-salud-la-hora-exhausta/2OH4F42
AUFDQHMMYHMMBPMFL5Q/>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.
5 Texto disponível em: <https://verne.elpais.com/verne/2018/02/08/articulo/1518102944_764060.html>.
Acesso em: 24 de novembro de 2020.

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Semana 2: atividades assíncronas

As atividades assíncronas da segunda semana desta sequência didática tinham como


objetivo trabalhar a produção oral dos alunos, uma vez que, na primeira semana, eles
haviam praticado a produção escrita. Essa consistia na segunda etapa do processo seletivo
da empresa fictícia “Dos Corazones”.
A primeira parte dessa segunda etapa consistia na produção de um vídeo-currículo.
Para isso, os alunos tiveram de ler o texto “Cómohacer un buen videocurrículum”6 e
assistir ao vídeo “¿Cómo hacer un Videocurrículum?”7. Visando também o trabalho com
a compreensão oral, propusemos as seguintes perguntas, ilustradas em (8).

(8) ¿Cuál es el ambiente apropiado para la grabación? / ¿En cuál etapa debes invertir
más tiempo? ¿Por qué? / ¿Cómo nuestro videocurriculum puede llegar a diferentes
y diversos lugares?

Como possíveis respostas às perguntas acima, oferecemos o seguinte gabarito: “Un


ambiente con buena iluminación y acústica adecuada.”; “La etapa de las experiencias
profesionales porque debemos explicar nuestras experiencias profesionales, conquistas,
que hemos aprendido etc.”; e “A través de la utilización de diferentes medios/canales
profesionales en línea.”.
Após esse contato com o gênero, expusemos alguns exemplos de vídeo-currículos em
espanhol para refletir sobre as perguntas a seguir, ilustradas em (9). Com isso, os alunos
foram capazes de produzir seus próprios vídeo-currículos, baseando-se no currículo e na
carta de apresentação produzidos na semana anterior.

(9) ¿Piensas que es necesario hacer un video currículo? ¿Por qué? / ¿Cuáles elementos
no deben faltar en tu video currículo?

A segunda e última parte dessa etapa no processo seletivo consistiu na realização de


uma entrevista de emprego realizada entre os alunos, objetivando trabalhar a oralidade

6 Texto disponível em:


<https://www.modelocurriculum.net/como-hacer-un-buen-videocurriculum.html>. Acesso em: 24 de
novembro de 2020.
7 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oJlSbqzPfNo>. Acesso em: 24 de novembro de
2020.

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na interação. Para isso, foi necessário, mais uma vez, introduzir os discentes a esse novo
gênero textual, a partir do texto “Entrevista”8, junto a um exemplo, com o vídeo “Buen
ejemplo: Puesto de trabajo y empresa”9.
Assim, apresentamos a seguinte proposta de atividade assíncrona, visando, por fim,
aplicar todo o conhecimento adquirido e aprimorado ao longo da sequência.

Grabar, en parejas, una entrevista de empleo en la que uno sea el reclutador y el otro, el
candidato. Utilizar, como apoyo, el currículo de la clase pasada.
Instrucciones generales para la entrevista:

● Hacer la actividad en parejas. Es necesario que se organicen y se dividan para


hacerla.
● Envíale previamente tu currículo al reclutador para que formule las preguntas de
la entrevista.
● Crear las preguntas y preparar las posibles respuestas antes de la entrevista.
● La entrevista se puede grabar en video o solo en audio
● Hay diferentes plataformas de grabación que pueden utilizar, por ejemplo, hay
aplicaciones que graban las llamadas. 

¡Queremos que ustedes sean creativos y se diviertan con la actividad!

Dessa forma, os alunos deveriam dividir-se em duplas para a realização da entrevista.


Nesse caso, um assumiria o papel de entrevistador e outro de entrevistado. Para isso, o
entrevistador teria como apoio o currículo produzido na semana anterior, que deveria
ser enviado anteriormente para que fosse possível planejar as perguntas da entrevista. O
entrevistado deveria, também, preparar-se para possíveis perguntas antes da entrevista.
Por fim, deveriam gravar um áudio ou um vídeo simulando a entrevista.

Discussão

Após a aplicação da sequência didática descrita, pudemos avaliar os seus resultados.


Primeiramente, cabe destacar que tivemos uma grande participação da turma, tanto nas
atividades síncronas, quanto nas assíncronas. Nas síncronas, os alunos puderam debater
em aula, uns com os outros e com as docentes, os impactos da pandemia nos âmbitos

8 Texto disponível em:


<https://sites.google.com/site/noticiariodelinslapineda/home/la-entrevista/que-es-una-entrevista-que-partes-
tiene-y-cuales-son-sus-papeles-tematicos>. Acesso em: 24 de novembro de 2020.
9 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1hTsvKZitk8>. Acesso em: 24 de novembro de
2020.

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social e pessoal. Nas assíncronas, com exceção de um ou dois alunos de cada turma,
tivemos um bom quantitativo nas quatro atividades.
Foram nessas últimas que conseguimos perceber os principais resultados da nossa
sequência. A maioria dos alunos realizaram-nas de uma excelente maneira, seguindo
as orientações das atividades propostas e, principalmente, adequando-se aos gêneros
exigidos. De maneira geral, todos organizaram formalmente os textos, escritos e orais,
bem alinhados às características de cada um deles.
No currículo, por exemplo, observamos uma tentativa consciente de produzi-
los visualmente da maneira mais profissional e eficiente possível. Além disso, os
alunos conseguiram atingir, tanto nesse quanto na carta de apresentação, o objetivo
sociocomunicativo dos gêneros.
Isso deu-se também nos gêneros orais. É interessante destacar como o vídeo-currículo,
nessa perspectiva, refletiu a personalidade de cada aluno, visto que alguns criaram versões
extremamente criativas, enquanto outros, mais contidos, gravaram vídeos mais formais.
Contudo, isso não os afastou do modelo esperado pelo gênero e nem do grau de seriedade
exigido. Na gravação da entrevista de emprego, refletiu-se esse mesmo padrão: os alunos
prepararam as perguntas e, em alguns casos, usaram, inclusive, roupas adequadas a esse
gênero.
Nota-se que, ainda que tenha sido um processo seletivo fictício, os alunos
conseguiram adaptar-se à formalidade esperada. Essa formalidade apareceu não só na
forma dos gêneros, na maneira de se portar e se organizar visualmente, mas também nas
escolhas linguísticas na língua espanhola. Ainda que tenha sido usual a mescla das formas
de tratamento formais, caracterizadas em sua produção pelo uso do pronome “usted”, e
das informais, caracterizadas em sua produção pelo uso do pronome “tú”, dificuldade
comum na produção de aprendizes desse nível (cf. GOMES & SEBOLD, 2019), é clara a
preocupação em manter o discurso formal em todas as atividades assíncronas propostas.
Além disso, percebemos que o diálogo das atividades assíncronas com as atividades
síncronas foi fundamental no desenvolvimento das capacidades de uso da língua
necessárias às produções dos gêneros de âmbito profissional. Como já havia sido tratado
o tema do home office e de entrevistas de emprego, por exemplo, os alunos puderam
planejar seus textos com os conteúdos comunicativos abordados, além de terem utilizado
as formas verbais adequadas na situação de narrar experiências profissionais passadas.
Percebemos, também, uma recepção positiva dos alunos em relação às atividades
síncronas e assíncronas. Recebemos comentários positivos do quanto essa sequência

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didática ajudou na contextualização do conhecimento que eles deveriam adquirir, servindo


de referência para a produção desses gêneros inclusive na língua materna.
Contudo, também recebemos uma crítica que vale ser apontada. Os alunos
consideraram excessiva a quantidade de atividades assíncronas. Isso se deve, talvez, à
adaptação necessária ao ambiente remoto que, ao tratar-se das primeiras semanas do
curso, ainda não havia ocorrido plenamente.
Assim, evidenciamos que essa sequência didática é uma proposta que pode ser
aprimorada através de adaptações e melhorias. Uma delas, para se pensar em uma futura
aplicação, seria a redução das atividades, mantendo a qualidade e as contribuições obtidas
nessa experiência. Porém, percebemos que atingimos nossos objetivos iniciais com o
planejamento e execução dessa sequência didática.

Considerações Finais

Este trabalho tinha por objetivo contribuir com a elaboração de metodologias de


ensino de espanhol como língua estrangeira em ensino remoto, através de um processo
de aprendizagem contextualizada. Para tanto, elaboramos uma sequência didática com
atividades direcionadas ao uso prático da língua em natureza profissional.
As atividades, síncronas e assíncronas, que compunham a sequência seguiam um
fluxo progressivo de ideias, que percorria um trajeto que se iniciava em tarefas que
permitiam a ativação dos conhecimentos prévios à produção dos seus próprios gêneros
profissionais e a sistematização de novos conhecimentos da língua-alvo. Essa lógica,
ancorada em Cosson (2014), permitiu o estabelecimento de uma conexão entre todas as
atividades da sequência.
Tratar temas sociais atuais, como o home office e as dificuldades de certas
profissões na pandemia, faz parte do conhecimento crítico que desejamos que os alunos
desenvolvam. A tríade tema de discussão, gênero discursivo e conteúdos comunicativos
foi adequadamente relacionada nessa sequência. Formas verbais ligadas a como relatar no
passado em espanhol, apresentação dos gêneros profissionais e os temas já mencionados
foram a base do alcance do objetivo deste trabalho.
Observamos que, com essas atividades, foi possível colaborar para o aprimoramento
da oralidade e da escrita dos alunos, a transmissão do conteúdo comunicativo esperado e
ainda a prática de usos particulares da língua nas situações discursivas abordadas, trazendo
contribuições não só na língua espanhola, mas também na realização de tais atividades em

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voltada para a aplicação profissional.

sua língua materna.


Esperamos que este trabalho possa orientar novas formas de discutir o ensino remoto
e o ensino de espanhol como um todo. Desejamos que a sequência didática descrita neste
trabalho possa inspirar a realização de novos modelos de ensino de espanhol voltado para
fins específicos, como em casos relacionados ao contexto profissional.
Destacamos também o anseio de que esse trabalho instigue uma reflexão sobre o fazer
docente, por meio da discussão sobre o modo como organizamos e executamos nossas
aulas e como permitimos que o aluno tenha acesso a outra língua. Por fim, ressaltamos
que, por meio deste estudo, foi possível verificar que ensinar uma língua estrangeira
vai além de expor e analisar regras gramaticais, mas sim abrir novas possibilidades e
caminhos aos alunos.

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REVISTA LÍNGUAS & ENSINO – volume 3 | p.65-83 | ISSN: 2447-6145 83


AL-FARRÁBIOS DA SALA DE CASA:
UM RELATO DAS ESTRATÉGIAS DE
ALFABETIZAÇÃO REMOTA EM LÍNGUA
ÁRABE EM MEIO À PANDEMIA DO
COVID-19

Paula da Costa Caffaro


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. do curso de Letras Português-
Árabe (Bacharelado e Licenciatura). E-mail: paulacaffaro@letras.ufrj.br

Julio Cesar de Mendonça Santos Filho


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras Português-
Árabe. E-mail: jcmendoncasantos@letras.ufrj.br
RESUMO

A pandemia trouxe desafios jamais antes enfrentados pela humanidade. No âmbito


da educação, não foi diferente. Quanto ao ensino de idiomas (L2 ou não), pode-
se dizer que uma revolução pedagógica técnica e metodológica aconteceu, de
forma orgânica, primeiramente no nível da práxis e, então, adentrou pelo campo
da teoria. O que se observou no ano letivo de 2020, sobretudo em cursos que
antes da pandemia eram presenciais, não pode ser caracterizado nem como Ensino
à distância (EaD) e nem como sala de blended learning, com o uso intensivo de
tecnologias, intrínseca à prática pedagógica diária, como oficialmente tem se
apregoado. Esse híbrido improvisado: o ensino remoto mediado por tecnologias,
impõe novos desafios − e limites − dentro de sala de aula de língua estrangeira no
nível A1 (de acordo com o European Common Framework), sobretudo na etapa de
alfabetização em línguas com outros sistemas alfabéticos, como o árabe. Este é,
portanto, o cerne deste artigo: como esse ensino remoto mediado por tecnologias
− imposto pela pandemia do Covid-19 − influenciou o processo de aprendizagem
de língua árabe na etapa de alfabetização. Para tal, serão analisadas as táticas
e materiais didáticos usados em sala de aula voltados ao desenvolvimento de
capacidades linguísticas específicas (F.A.L.E. − Fala, Audição, Leitura e Escrita) e
seus resultados tangíveis, quantitativa e qualitativamente.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino remoto; alfabetização; árabe; língua estrangeira A1.

ABSTRACT

The pandemic has brought challenges never before faced by mankind. When it
comes to education things do not differ. Talking about foreign languages teaching
systems (whether it is an L2 or not), one could say that a pedagogical revolution in
techniques and methodologies happened, in an organic way, first at the praxis level
and then at a theoretical realm. What one can observe from Academic year 2020 -
2021, above all in the case of courses that before Covid-19 were presencial. What’s
been happening cannot even be called Distance Learning and it doesn’t happen in
a blended-learning environment, as some often affirm. This improvised hybrid: the
remote learning mediated by technology imposes new contingencies - and limits
- in a Common European Framework A1 foreign language classroom. Mainly in
literacy learning and teaching in a language with another alphabetic system, such
as Arabic. This is the focus point of this article, then: how this distance education,
mediated through technologies - and imposed on us by the new Coronavirus
pandemic - influences the Arabic language learning process at the literacy level. To
offer a better picture of this scenario, teaching tactics and materials used at class
focused on the development of specific linguistic skills − F.A.L.E., an acronym in
Portuguese for “Fala, Audição, Leitura e Escrita”, in English, “Speech, Listening,
Reading and Writing” − and its tangible qualitative and quantitative results will be
analyzed.
KEYWORDS: Distance learning; literacy; Arabic; A1-level foreign language class.
CAFFARO & FILHO. Al-farrábios da sala de casa: um relato das estratégias de alfabetização remota em língua árabe em
meio à pandemia do covid-19.

Introdução

O primeiro estágio de qualquer curso de língua estrangeira, sobretudo, quando


esta língua é o árabe, é sempre muito promissor, cheio de expectativas. Contudo, talvez
no mesmo grau, possa ser frustrante e desestimulante, tanto para o aluno quanto para
o professor. Tendo em mente esse campo de possibilidades é que qualquer professor
planeja suas aulas, antes mesmo de conhecer seus alunos. Começamos o ano de 2020 nos
preparando e planejando o curso “Árabe 1”, para que as aulas de alfabetização fossem
dinâmicas, focadas na fala e preparadas para as necessidades de um grupo com perfil
CLAC. Um pressuposto, no entanto, não foi questionado: a presença semanal de todos
em sala de aula.
Nesse sentido, o semestre de 2020.1 iniciou-se fadado ao fracasso, pois, menos de
uma semana após o início das aulas, ainda em março, a então distante ameaça do novo
Coronavírus vitimou os primeiros brasileiros. E poucos dias depois a primeira carioca. A
UFRJ, seguindo as orientações de todas as autoridades sanitárias nacionais e internacionais,
tomou a acertada decisão de suspender suas atividades presenciais até que a comunidade
acadêmica estivesse segura, o que ainda não aconteceu, no segundo semestre de 2020,
momento de escrita deste relato sobre o ensino de árabe a partir da sala de casa e não da
sala de aula.
Com essa crise inédita na história do mundo, todos os campos da vida humana foram
obrigados a se reinventar, sem tempo hábil de planejamento que garantisse que tamanha
revolução no ensino se desse de maneira menos traumática, de forma menos improvisada.
Toda a expectativa, as trocas e a curiosidade típicas de um aluno iniciante acentuaram-
se. Houve uma constante chuva de perguntas, advindas dos alunos, sobre o futuro das
aulas, sobre a metodologia, sobre materiais didáticos, entre outros, sempre através das
redes sociais e de aplicativos de troca de mensagem. Uma definição sobre a retomada das
aulas e de que forma ela se daria só foi tomada meses depois. Decidiu-se, então, oferecer
à comunidade os cursos CLAC à distância, mediado por tecnologias da informação,
aplicativos, softwares e outros telemeios educacionais.
No entanto, o semestre e o próprio curso em si foram planejados para serem
presenciais. A partir daí, todas as escolhas, pedagógicas ou não, que formaram o curso,
por décadas, apresentaram-se escolhas obsoletas para esse momento. Até mesmo a mais
recente delas: este seria o primeiro semestre da implementação de um novo material
didático para o curso de árabe. A então série de livros vigente, MasteringArabic - 2nd
Edition, da Jane Wightwick e do Mahmoud Gaafar, se mostrava desatualizada, pouco

REVISTA LÍNGUAS & ENSINO – volume 3 | p.84-97 | ISSN: 2447-6145 86


CAFFARO & FILHO. Al-farrábios da sala de casa: um relato das estratégias de alfabetização remota em língua árabe em
meio à pandemia do covid-19.

voltada para as práticas linguísticas reais, priorizando exercícios estruturais, memorização


de vocabulário, entre outros, sendo consensualmente considerada insuficiente para os
objetivos atuais do curso, sobretudo, na etapa de alfabetização.
Depois de muita pesquisa dos professores do Setor de Estudos Árabes da UFRJ,
três métodos diferentes foram pré-selecionados para que, na primeira reunião do ano
com os monitores de língua árabe - alunos do bacharelado ou da licenciatura em árabe -
discutíssemos que/quais estratégias usar em sala de aula. Depois de dinâmicas pedagógicas,
utilizando os livros das diferentes séries, de estudo dos materiais, de seus recursos e da
análise quanto ao alinhamento do conteúdo programático CLAC com as séries, chegou-
se à conclusão de que seria a série de livros a ser escolhida. Esta é
uma série composta por 8 livros (4 student books e 4 workbooks), divididos em 4 níveis,
acompanhados de CDs e uma chave de segurança para acessar vídeos, materiais de áudio
e exercícios online.
Os professores do Setor até mesmo entraram em contato com a editora do material
didático, buscando uma parceria para a aquisição dos novos livros com desconto, já que
seriam comprados em quantidade, já que os alunos usariam esta série durante todo o curso
CLAC. A totalidade dos alunos presentes na sala H320 da Faculdade de Letras da UFRJ
na primeira e única aula presencial do ano concordou em adquirir os livros.
No entanto, logo após esta única sessão presencial, com a suspensão das aulas e,
posteriormente, a perspectiva do retorno remoto às aulas, a decisão sobre a escolha de um
material didático adequado às novas demandas se impôs novamente. Apesar de ideal para
a sala de aula, At-Takallum não se adaptaria à sala de casa.

2. E agora, o que fazer? Elaborar novas estratégias de ensino frente aos desafios
impostos

Sob a orientação da coordenação do CLAC de não postar materiais protegidos por direitos
autorais em sua integralidade no Google Classroom (plataforma escolhida pela UFRJ para sediar
suas aulas online, inclusive as do CLAC), também escolhemos não seguir nenhum método
pronto, disponível na internet, até porque há uma escassez crônica na oferta de materiais de
qualidade no ensino de língua árabe em português brasileiro. Optamos, portanto, em produzir
nosso próprio material didático, usar partes de livros e gramáticas, além de materiais de domínio
público disponíveis na internet. Mas, sobretudo, fazer com que os próprios alunos produzissem,
individual e coletivamente, como parte de suas rotinas de estudo neste período online, seus

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CAFFARO & FILHO. Al-farrábios da sala de casa: um relato das estratégias de alfabetização remota em língua árabe em
meio à pandemia do covid-19.

próprios alfarrábios de alfabeto, vocabulário e gramática. Para tal fim, três estratégias foram
utilizadas: criamos pastas com os nomes completos de cada aluno, dentro da Google Classroom,
e nelas foram inseridos três documentos, com os seguintes títulos - “Memorial”, do “Banco de
Palavras” e “Caderno de Exercícios - ”. Tais estratégias serão descritas adiante.
Quando essas estratégias já haviam sido iniciadas com o grupo de 7 alunos da turma
inicial, a coordenação do CLAC nos informou a necessidade de fundir as turmas de mesmo
nívelno período online. Sendo assim, as duas turmas de Árabe I foram unificadas, triplicando o
número de alunos. Decidimos, então, manter as mesmas estratégias pedagógicas já delineadas.
No entanto, achamos necessário traçar novamente o perfil dos alunos, tanto os novos, advindos
originalmente da turma fechada de sábado, os meus próprios alunos da turma de sexta que,
agora, eram, de certa forma, pessoas diferentes das que conhecemos em março.
Com o objetivo de conhecer o perfil da turma, formulamos um questionário no Google
Forms intitulado “Conhecendo a turma CLAC Árabe I”. A partir deste perfil diagnóstico,
pôde-se pensar em meios específicos para que este grupo, ao fim de 20 horas/aula, estivesse
alfabetizado. A primeira informação solicitada foi seu perfil etário. Sabe-se, a partir dos estudos
sobre a aprendizagem enquanto processo, que a idade não é um fator determinante, mas é
condicionante da aprendizagem de uma língua estrangeira. Há uma miríade de informação
sobre estratégias e habilidades específicas a serem utilizadas e desenvolvidas, de acordo com
a idade dos aprendentes. Abaixo, a distribuição dos 15 alunos que declararam suas idades:

Figura 1. Faixa etária declarada pelos alunos

Apesar de uma clara maioria jovem, 9 alunos dos 20 aos 29 anos, observa-se também
a não desprezível presença de indivíduos mais velhos, 4 alunos dos 30 aos 39. E, em
menor escala, o grupo de 40+ também compunha a classe, com a presença de 2 alunos.
Com este perfil tão variado, impôs-se o uso de meios bem distintos, ao mesmo tempo,

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meio à pandemia do covid-19.

visando atingir a todo esse público da nova configuração da turma.


Outra informação fundamental estratificada a partir deste formulário foi o nível
de exposição dos alunos à língua e à cultura árabes, seja através de viagens, amigos
ou quaisquer contatos pessoais, ou telemediados por tecnologias, literatura, culinária,
história, música ou dança, séries ou filmes e etc. O quadro é o que se apresenta abaixo:

Figura 2. Nível de exposição dos alunos à língua e à cultura árabes

Dos 15 alunos que responderam à pesquisa, a maioria disse ter contato com a cultura
e a língua árabes, 66,7%, ao passo que 33,3% dos alunos não têm contato orgânico com a
língua. Tal diagnóstico foi fundamental para que se incluísse o Tapete Cultural nas aulas,
momento de compartilhamento de dicas culturais, feitas semanalmente pelo monitor e por
alunos voluntários ou designados por ele, os quais compartilhavam conteúdos adaptados
aos interesses da turma, sobre a língua e cultura-alvo. Dentre os interesses mais comuns
citados pelos alunos estão enriquecimento pessoal, profissional, viagens e fins religiosos.
Vale à pena ressaltar que cada aluno pôde citar mais de um interesse ao mesmo tempo, ao
responder à pesquisa:

Figura 3. Interesse dos alunos pelo árabe

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Além disso, investigamos se o alunato já havia tido alguma instrução formal na


língua árabe, seja em curso ou em aulas particulares, para além das interações culturais
ou linguísticas esporádicas. Este é um fator importante para entender o nível a partir do
qual a turma inicia as aulas:

Figura 4. Conhecimento prévio do árabe.

Então, é possível afirmar, de acordo com as informações apresentadas anteriormente,


que a turma, apesar de predominantemente jovem, é também composta por jovens adultos
e adultos de mais de 40 anos. O grupo, em sua maioria, tem pouco (26,7%) ou nenhum
conhecimento prévio da língua árabe (60%), apesar de ter considerável taxa de contato
orgânico com a língua e a cultura árabes (66,7%).
Para esse grupo, portanto, é que o período remoto deveria ser pensado. Foi com esse
quadro diagnóstico sobre a turma em mente que estratégias, momentos e métodos pedagógicos
multifatoriais e remotos foram desenvolvidos, tendo como objetivo o desenvolvimento das 4
habilidades linguísticas - Fala, Audição, Leitura e Escrita - e visando atingir efetivamente
os grupos etários aqui representados. Além disso, preconizamos a utilização de todos os
canais de aprendizado - Auditivo, Visual e Sinestésico - nas aulas síncronas, assíncronas e
nos exercícios. Ainda antes do início das aulas síncronas, ficou acordado com os alunos que
teríamos 1h/aula síncrona por semana, a qual sempre seria combinada com aulas assíncronas
e com uma agenda de exercícios assíncronos. A aula síncrona, conforme determinação da
UFRJ, sempre aconteceria através do Google Meet, aos sábados às 14h. Seriam sessões
sempre gravadas para que aqueles que não pudessem conectar-se na aula síncrona ao vivo
pudessem assisti-la posteriormente.
A primeira das estratégias foi a organização da estrutura física, online, da sala de
aula do Google Classroom. Na pasta de Atividades do Classroom, foram criadas pastas

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meio à pandemia do covid-19.

para cada uma das aulas (AULA I, AULA II, AULA III…), dentro das quais todos os
materiais pedagógicos usados na preparação e na apresentação das aulas síncronas seriam
disponibilizados para consulta dos alunos. Dentro das pastas de cada aula, os alunos também
encontram uma agenda de prazos para entrega das atividades assíncronas, além de arquivos
Google Docs ou Google Forms com exercícios, a serem digitados e/ou manuscritos, de
escuta, vendo ou gravando vídeos, ditados manuscritos ou digitados, ao vivo ou gravados,
e outros. Lá, também foram postados os vídeos das gravações de todas as aulas síncronas e
os slides nos quais as aulas síncronas foram baseadas.

Figura 5. Exemplo de exercício de fixação baseado em aulas síncronas.

Além disso, dentro das pastas de cada aula, foi também postado um arquivo do Google
Apresentações, com as letras aprendidas a cada aula, para que os alunos vejam as formas
de todas as letras sendo escritas, de forma animada. Essa estratégia visava, em alguma
medida, sanar a falta do quadro negro presente em sala de aula. Esse arquivo estava em
domínio público na internet, coube ao monitor só selecionar que slides referentes a quais
letras seriam disponibilizados e quando, de acordo com o nosso cronograma pedagógico
de alfabetização.
Outro fator positivo desse arquivo de apresentações é que o aluno pode consultar a
qualquer hora e em todas as horas em que fosse necessário escrever manualmente. Essas
apresentações funcionaram melhor do que se o monitor escrevesse em seu caderno e
mostrasse aos alunos pela câmera - devido ao efeito do espelhamento, viam sempre a letra
ao contrário. Além de que o sinal ruim de internet não permitia que eles acompanhassem o
traçar do lápis. O que eles viam, portanto, eram vídeos travados, quase que fotografias de
etapas da escrita das letras. Dessa forma, a mais efetiva das estratégias para demonstrar,
por exemplo, o traçar, o escrever das letras do alfabeto árabe, por onde começar, qual o
sentido seguir, ou quais são as formas isoladas, inicial, medial e final de quais letras, foi a

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meio à pandemia do covid-19.

utilização, em todas as aulas síncronas e assíncronas, do Google Apresentações animado.


Dentro da pasta de todas as aulas, os alunos encontravam, portanto, arquivos intitulados:
“Como escrever ”1 , por exemplo, variando de acordo com as letras tratadas em
cada aula.
Ainda dentro de “Atividades”, foram criadas pastas com os nomes completos de
cada um dos alunos, dentro das quais se encontram 3 arquivos Google Docs: “Banco
de Palavras_Nome do aluno”, “Memorial_Nome do aluno” e “Caderno de Exercícios_
Nome do aluno - ”. Essas atividades foram pensadas como estratégias participativas
para o aluno construir seu próprio material didático e de consulta, seu próprio dicionário
e anotações gramaticais. Ambas, “Memorial” e “Banco de Palavras”, são tarefas a
serem digitadas com o alfabeto árabe, que teve que ser obrigatoriamente baixado nos
computadores, notebooks, tablets e celulares dos alunos. Isso é de extrema importância
porque a alfabetização desses alunos se dará, ao mesmo tempo, tanto de forma manuscrita,
quanto digital, o que geralmente não ocorre, já que a digitação é uma capacidade adquirida
posterior à escrita manual.
Esses dois arquivos Google Docs devem ser atualizados toda semana, até a sexta,
dia anterior à aula síncrona, com o que foi estudado na aula passada. Tais arquivos ficarão
disponíveis para atualização semanal, apenas entre o aluno individualmente e o monitor,
para que o último acompanhe o progresso do primeiro. Já o Google Docs do “Caderno de
Exercícios” deve ser atualizado seguindo a agenda de exercícios da semana, ou digitando,
ou postando fotos dos exercícios escritos nas folhas dos cadernos físicos de árabe.
A intenção do “Banco de Palavras” é gerar um glossário de consulta, com todo
o vocabulário e as expressões aprendidas até determinado momento. Esse “Banco de
Palavras” é individual e atualizado semanalmente. A ideia é construir um minidicionário
com todo o conteúdo lexical aprendido durante a alfabetização. Abaixo, um exemplo
de uma postagem do “Banco de Palavras” da AULA I, feita pelo monitor para servir de
exemplo para os alunos seguirem nas aulas posteriores:

1 Dentro da pasta “AULA I”, dentro de “Atividades” no Google Classroom CLAC Árabe I.

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Figura 6. Exemplo do “Banco de Palavras”.

A intenção do “Memorial” é servir como uma pequena gramática pessoal, um


pequeno livro de anotações - e de consulta - sobre conhecimento estrutural na língua
árabe. É um apanhado das pequenas vitórias acumuladas aula a aula. O “Memorial” é
escrito individualmente, com as próprias palavras dos alunos, em português, sempre com
exemplos em árabe, que deem vida à explicação que escrevem. Abaixo encontra-se um
exemplo de um post do “Memorial” da AULA I, que eu fiz para servir de exemplo para
os alunos seguirem nas aulas posteriores:
AULA 1: Nesta primeira aula de árabe aprendemos que o alfabeto é composto de vogais longas e
consoantes, há vogais breves que, no entanto, não fazem parte do alfabeto: são sinais diacríticos,
escritos sobre ou sob as palavras. Não há letras maiúsculas ou minúsculas, só há escrita cursiva,
no sentido oposto da escrita latina, ou seja, da esquerda para a direita. Há 28 letras no alfabeto
e cada uma delas tem até 4 formas distintas, que variam de acordo com o local que estão na
palavra. Há letras que não se ligam antes, depois ou só ficam isoladas. Não há uma lógica, tem
que memorizar. Aprendemos nessa aula as letras e as vogais breves ( َ - ُ - ِ). Palavras
ou expressões aprendidas nesta aula:

Já o “Caderno de Exercícios (Nome do aluno) - ”, ainda dentro da pasta com o


nome do aluno, é, como o nome sugere, um compêndio de todos os exercícios dos alunos
reunidos num só lugar. Neste arquivo, os alunos postam respostas de exercícios digitados
e fotos de exercícios manuscritos. Abaixo, um exemplo de um “Caderno de Exercícios”
no Google Docs compartilhado somente entre o monitor e o aluno. Abaixo, o exemplo

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de um post de um exercício manuscrito, através de uma foto postada no “Caderno de


Exercícios”. O anonimato do aluno foi garantido nesta postagem, já que seu nome foi
apagado:

Figura 7. Exemplo do “Caderno de Exercício”.

Desta forma, os exercícios ficaram organizados e acessíveis para a consulta de forma


rápida e sistemática. Quase que um workbook de um método tradicional de ensino de árabe
em sala de aula. O mais interessante de notar sobre essa iniciativa é que foi uma sugestão
de um aluno em uma rodada de feedback proposta pelo monitor no fim do primeiro mês de
aula. Até então, os exercícios estavam sendo enviados por e-mail, Whatsapp ou Telegram,
bem desorganizadamente, já que não havia um local para se encontrar todos os exercícios
de um aluno. Esse caso só evidencia a importância da instância participativa do alunato nessa
revolução pedagógica causada pela pandemia do Covid-19.
Já os exercícios de vídeo e áudio solicitados à turma deveriam ser entregues enviados
por e-mail ou pelos aplicativos de mensagem Whatsapp ou Telegram. Dentre os exercícios
de vídeo pedidos, estavam apresentações dos alunos e de seus familiares; atividades de
leitura em vídeo; leitura de diálogo previamente escrito pelo aluno individualmente em
vídeo; diálogos em dupla, escritos pela dupla e lidos em videoconferência gravada e
depois enviada por aplicativos de mensagem ou e-mail.
Além disso, para acomodar as expectativas culturais e lúdicas da turma, foi instituído,
como mencionado antes, o Tapete Cultural, um momento de trocas culturais, religiosas,

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meio à pandemia do covid-19.

linguísticas, políticas, antropológicas, sociológicas, literária, poéticas, científicas sobre


o mundo árabe. Chamamos de Tapete, pois na cultura árabe, beduína, tribal antiga, esse
elemento é o lugar essencial de encontro, o lugar das reuniões, das refeições, das festas, da
recitação e das competições de poesia, da música, ou seja, era o local principal das trocas
de conhecimento das tribos árabes. Por isso, apelidamos de Tapete Cultural o momento
dessas ricas trocas. Desde conteúdos lúdicos até os gramaticais, o Tapete Cultural é o
local de toda e qualquer troca. E algumas inusitadas surgiram, como bandas de rock
progressivo do Saara, festivais de cinema, rodas de conversa, congressos, palestras,
seminários, música, história e muitos outros compuseram a trama desse tapete durante o
semestre.

Figura 8. Exemplo da dinâmica do Tapete Cultural.

Essa verdadeira revolução no método CLAC de alfabetizar a comunidade carioca


na língua árabe é um produto único, de um momento único: não é EaD, não contou com
um Ensino Híbrido ou Blended Learning. Foi ensino remoto emergencial mediado por
tecnologias. Nessa jornada sem muito tempo de preparação, interatividade, participação,
tentativas e erros determinaram o sucesso das aulas. Os desafios encontrados, como, por
exemplo, a dificuldade em diferenciar sons como os a seguir: ‫ ه‬، ‫ خ غ‬، ‫ ر ح‬، ou entre
as letras ‫ ص‬، ‫ س‬ou entre ‫ض‬، ‫ د‬ou ainda ‫ ة‬، ‫ ء‬، ‫ ى‬، ‫ ع‬، ‫ ا‬، ‫ أ‬, só para mencionar alguns,
diagnosticadas através das atividades desenvolvidas síncrona e assincronamente, foram
todas resolvidas com o auxílio da tecnologia. Nesse caso, vídeos foram usados, bem como

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meio à pandemia do covid-19.

áudios, músicas e outros, como meios para explorar e comparar as diferenças fonéticas.
Ou páginas de portais de notícia online com diferentes fontes, para reconhecerem as letras
mesmo que com fontes bem diferentes.
Com imaginação e pesquisa, havia muitas maneiras distintas de atingir efetivamente
os alunos, desde modelos ou esquemas gramaticais presentes em outros livros, até
materiais disponíveis online em domínio público, ou aplicativos educacionais como
EdPuzzle, Lingt, MentiMeter, Padlet, Quizlet, Flipgrid e outros.

3. Conclusão

Um período cheio de desafios e limites, mas com muita potência. Essa é uma das
vantagens específicas do ensino remoto, citada recorrentemente pelos alunos. O que
se observa no ano letivo de 2020, sobretudo em cursos que antes da pandemia eram
presenciais, não pode ser caracterizado nem como Ensino à distância (EaD) e nem
como sala de blended learning, com o uso intensivo de tecnologias, intrínseca à prática
pedagógica diária, como oficialmente tem se apregoado.
Esse híbrido improvisado: o ensino remoto mediado por tecnologias impõe novos
desafios - e limites - dentro de sala de aula de língua estrangeira no nível A1 (de acordo
com o European Common Framework), sobretudo, numa classe de alfabetização em
línguas com outros sistemas alfabéticos, como o árabe. O maior desafio agora é entender
como este novo processo de aprendizagem de língua árabe, no nível de alfabetização, se
dá e, depois de analisar as táticas e materiais didáticos usados em sala de aula voltados ao
desenvolvimento de capacidades linguísticas específicas (F.A.L.E. - Fala, Audição, Leitura
e Escrita), conseguir mensurar seus resultados tangíveis, quantitativa e qualitativamente.

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EMPATIA E ENSINO: REFÚGIO COMO
TEMÁTICA PARA O APRENDIZADO DA
LÍNGUA ÁRABE NO CONTEXTO REMOTO

FELIPE BENJAMIN FRANCISCO


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Prof. do Setor de Estudos Árabes do
Departamento de Letras Orientais e Eslavas. E-mail: felipe.francisco@letras.ufrj.br

ISABELA ALVES PEREIRA


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras Português-Árabe.
E-mail: isabelaalves@letras.ufrj.br
RESUMO

O Brasil é um país de grande diversidade étnica e cultural. Dentre as várias


presenças no território, destaca-se a dos refugiados. Quando são apresentados
testemunhos reais do calvário enfrentado por eles, a tendência é que haja uma
comoção por essas pessoas. Com os refugiados árabes, não poderia ser diferente.
Assumindo a premissa de que o racional e o afetivo não estão dissociados e que,
portanto, o processo de aprendizagem mobiliza o afeto tanto quanto o intelecto,
emergir tal temática mostra-se profícuo para o estudo da língua árabe, uma vez
que o assunto em si desperta interesse ao incitar sentimentos diversos. Nesse
artigo, pois, discutiremos três aulas síncronas do Árabe Conversação II que teve o
tema do refúgio como o mote gerador para aquisição de vocabulário e estruturas
da língua em questão, contando inclusive com a participação de um refugiado
que veio falar à turma. Veremos, especialmente, como a abordagem do assunto
foi adaptada ao ensino remoto com o uso das diversas ferramentas tecnológicas,
o que possibilitou que diversas histórias estivessem ao alcance dos alunos; e,
para concluir, mostraremos como tal estratégia viabilizou uma relação mais íntima
dos alunos com a língua árabe, uma vez que, a partir de então, eles podem usá-la
para chegar a essas pessoas cujo infortúnio tanto lhes enterneceu.
PALAVRAS-CHAVE: Refúgio; Ensino; Língua árabe; Empatia; Mídia.

ABSTRACT

Brazil is a country of large ethnic and cultural diversity. Among the various
presences in the territory, we can highlight the refugees. When real testimonies
of the suffering faced by them are shown, the tendency is to feel grief for these
people. With Arab refugees, it couldn’t be different. Assuming that rational and
affection are not dissociated, and, therefore, the learning process mobilizes
affection as much as the intellect, the emergence of such a theme proves to be
useful for the study of the Arabic language, since the subject in question itself
arouses interest by inciting different feelings. Thus, in this article we will discuss
three Arabic Conversation II classes that had the refuge theme as the generating
motto for acquiring vocabulary and structures of the language, including the
participation of a refugee speaking with the class; we will see, in particular, how
the approach to the subject was adapted to remote lessons using the various
technological tools which ensured that different stories were known to students;
and, to conclude, we will show how this strategy enabled the students to relate
to the Arabic language more intimately, since, from then on, they can use it to
reach those people whose misfortune so much touched them.
KEYWORDS: Refugee; Teaching; Arabic language; Empathy; Media.
FRANCISCO & PEREIRA. Empatia e ensino: refúgio como temática para o aprendizado da língua árabe no contexto remoto.

Introdução

A primeira turma de Árabe Conversação II foi criada em 2020.1, tendo suas aulas
interrompidas logo após o primeiro encontro presencial. As atividades foram retomadas
remotamente em agosto, juntamente com todas as outras turmas do CLAC1. Em todas
as aulas – bem como nas atividades assíncronas –, diversos recursos tecnológicos foram
empregados, o que foi indispensável para o melhor aproveitamento2.
O curso de conversação consiste no uso da língua em diversos contextos
comunicativos, colocando em prática estruturas e vocabulários aprendidos até então, bem
como o aprendizado de expressões idiomáticas recorrentes nos dialetos mais conhecidos.
Envolve, pois, o desenvolvimento da Competência Comunicativa, ou seja, saber usar as
estruturas gramaticais e vocabulário sintática e semanticamente corretos e adequados a
cada contexto. Resta, pois, saber os contextos adequados a serem desenvolvidos.
Somos intelecto e afeto e, pensando nisso, o presente trabalho trará que o modo
mais eficaz de se aprender é quando temos o nosso afeto mobilizado juntamente com
nosso intelecto. Para tal, relataremos três aulas síncronas em que a temática tratada foi
a de refúgio e refugiados. A proposta foi feita pela monitora devido à visibilidade do
assunto nos últimos anos. A temática foi recebida com entusiasmo pela turma cujo perfil
é especialmente voltado para questões políticas.
As aulas consistiram nas etapas a seguir:
1ª etapa: discussão oral – em árabe – sobre quem são os refugiados; o que leva uma
pessoa a fugir do seu país; onde está a maior parte dos refugiados árabes; e perfil dos
refugiados no Brasil. Em seguida, a leitura da definição da ACNUR sobre a definição de
refugiado e, por fim, a exibição – e discussão oral – de um vídeo da BBC Árabe sobre a
refugiada síria Salsabil em São Paulo, capital.
2ª etapa: breve exposição sobre o que é o CONARE e como solicitar refúgio no
Brasil. Em seguida, a apresentação dos testemunhos de três refugiados conhecidos pela
monitora e do formulário de solicitação de refúgio.
3ª etapa: conversa com um refugiado árabe egípcio residente no Brasil.
Essas aulas foram particularmente proveitosas para a turma que muito se envolveu e a
retomou em diversos momentos. Por fim, concluiremos com todos os expostos que, quando
o tema da aula de línguas toca os afetos dos alunos, as estruturas aprendidas se fixam melhor.

1 Por questões éticas, os nomes das pessoas envolvidas foram substituídos por nomes fictícios.
2 Na nossa opinião, isso acabará por provar que, quando retornarmos às atividades presenciais, um ensino híbrido
será inevitável.

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A competência comunicativa

Filho & Franco (2015) afirmam que o conhecimento de línguas

[...] vai além das regras gramaticais, conhecimento de línguas é o que usamos para
alcançar objetivos comunicativos e o reconhecimento do uso da língua como um processo
dinâmico [...] consiste em conhecimento, competência e capacidade de implementar ou
executar essa competência [comunicativa] apropriadamente em uso comunicativo de
língua em contexto específico (FILHO & FRANCO, 2015, p.9).

Ou seja, no processo de aprendizagem de línguas, é necessário não apenas conhecer


as regras que regem determinada língua, mas saber como usá-las em cada contexto, a
fim de que a intenção do emissor seja entendida pelo receptor, de modo a haver assim a
comunicação e, mais profundamente, a interação entre os interlocutores em um diálogo.
A partir de Bachman (1990), os autores concebem tal competência como

sendo composta de três componentes: Competência de Língua, Competência Estratégica


e Mecanismos psico-fisiológicos. Competência de Língua, que compreende os
conhecimentos usados na comunicação via língua, léxico, morfologia, sintaxe, coesão,
coerência semântica e pragmática. Competência Estratégica, que se refere à capacidade
mental para implementação da competência de língua em contextos comunicativos.
Mecanismos psico-fisiológicos compreendem os processos mentais e neurológicos que
envolvem a efetiva execução da língua como um processo físico (FILHO & FRANCO,
2015, p. 9).

Em suma, isso significa que o falante, a partir dos conhecimentos lexicais, morfológicos,
sintáticos e pragmáticos adquiridos sobre aquela língua, elaborará estratégias de discurso,
a fim de contemplar a necessidade comunicativa daquele contexto. Ou seja, elaborará
a melhor maneira para se comunicar o que quer ou que precisa, bem como entender a
resposta do(s) outro(s) interlocutor(es) a partir do que conhece sobre a língua em uso.
Mas, como o estudante de línguas vai adquirir essa competência? Pela exposição à
língua e sua prática contínua. Cabe, pois, ao professor viabilizar os contextos comunicativos
e deixar que os alunos elaborem suas estratégias cognitivas e intrapessoais para responder
às necessidades daquela situação discursiva.

O processo de ensino-aprendizagem pelo intelecto e pelo afeto

Há registros que confirmam a presença árabe no Brasil desde o período colonial3.

3 Fonte: Instituto da Cultura Árabe – ICARABE. Disponível em: <https://icarabe.org/artigos/quando-os-arabes-

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Tal processo migratório foi especialmente intenso em meados do século XIX, quando
os árabes procuraram asilo no Brasil fugindo da violência e miséria consequentes da
ocupação otomana4. A manutenção desse fluxo migratório se manteve ao longo destes
séculos, acentuando-se novamente no início dos anos 2000 devido aos intensos conflitos
no Oriente Médio5.
Ao chegarem no território, os árabes trouxeram consigo seus costumes e crenças, que
foram sendo difundidos e incorporados à cultura brasileira. Tornaram-se conhecidos por
sua culinária, cultura artística, hábitos religiosos diferenciados e ainda, mais recentemente,
foram foco de comentários pela participação de descendentes árabes na política nacional6.
Diante de um cenário nacional com forte participação árabe, bem como a evidência
recente de tais países no contexto internacional, o interesse pelo estudo da língua cresceu.
Aí se encontra, pois, o aluno do CLAC de árabe.
Diante dessa demanda, a formulação do curso de conversação II encarou a
problemática de quais contextos de uso da língua deveriam ser abordados. O processo de
ensino-aprendizagem tende a se basear na aquisição de determinadas competências via
estratégias estritamente cognitivas, num impulso cartesiano de se pensar o conhecimento
(MAGIOLINO, 2013). Por esse modelo, aprender passa a ser a aquisição de informações
segmentadas para uso imediato, sem uma implicação direta no sujeito que é não apenas
intelecto, mas também afeto (SILVA & GOMES, 2017). Pensando no ensino de línguas,
isso significa que o aluno segue o modelo gramatical e vocabular mostrado pelo professor
para o utilizar apenas nas atividades em sala, ou seja, não é afetado pelo que lhe é
apresentado. Como então garantir que os saberes estudados em sala se enraízem na mente
do aluno, num processo de edificação do conhecimento? A resposta é: mobilizando o
afeto, que, segundo Paulo Freire (1999), não se dissocia da cognoscibilidade.
Para saber como tocar o páthos7 da turma, era necessário conhecer o seu perfil.
A turma de Árabe Conversação II era composta por sete alunos, todos especialmente
interessados em política, havendo, inclusive, três estudantes de Relações Internacionais e
um policial militar, o qual se preparava para atuar em missões de paz da ONU no Iêmen e
no norte da África. Ao longo das aulas, todos se mostraram particularmente interessados
na situação dos refugiados árabes cujo êxodo para o Brasil foi ocasionado pelos diversos

chegaram-ao-brasil>.
4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: <https://brasil500anos.ibge.gov.br/
territorio-brasileiro-e-povoamento/arabes/razoes-da-emigracao-arabe>.
5 Idem.
6 Fonte: Idem notas 4 e 5.
7 Palavra grega que pode ser traduzida como afeto; paixão; sofrimento.

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conflitos emergidos e/ou intensificados no início do século XXI. A abordagem de tal


temática já havia sido proposta quando apresentado o cronograma do curso e recebida
com muito entusiasmo. Mas, para além disso, mostrou-se ser uma forte demanda dos
alunos que sempre faziam perguntas relacionadas ao assunto. A abordagem do tema seria,
pois, de qualquer modo, inevitável.
Sendo qualquer curso de conversação inteiramente baseado na interação interpessoal,
como promovê-lo de maneira dinâmica com os interlocutores tão distantes? As mídias
e ferramentas tecnológicas são, sem sombra de dúvida, o maior recurso do professor.
Contudo, tais instrumentos por si só não são garantia de uma aula proveitosa. É necessário
conhecer as melhores ferramentas para cada proposta de trabalho.
A seguir, encontram-se a descrição do trabalho feito e as estratégias midiáticas e
tecnológicas adotadas.

Relato de experiência: a temática do refúgio como estratégia para a prática da língua


árabe

Neste excerto, relataremos as aulas em questão ministradas, a partir da segunda


semana de setembro.
A primeira aula envolvendo a temática foi trazendo conceitos iniciais. Primeiramente,
conversamos sobre quem são os refugiados; o que leva uma pessoa a fugir do seu país;
onde está a maior parte dos refugiados árabes; qual o perfil dos refugiados no Brasil
– sempre na língua alvo, ou seja, o árabe. Os alunos trouxeram várias hipóteses e, os
mais entendidos, informações oficiais e estatísticas. Concluíram que a maior parte dos
refugiados buscam asilo em países vizinhos, portanto a maior parte dos refugiados árabes
se encontram em países árabes e no Brasil, embora haja refugiados de todos os cantos do
planeta, a maior parte é latino-americano. Concluíram, ainda, que aqueles que saem de
seus países o fazem para fugir de guerras, miséria e até desastres naturais.
Fomos, então, ler a definição trazida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR)8. Exercitamos, em árabe, um vocabulário de cunho técnico:
sociológico, como etnia; humanitário, como Direitos Humanos; e político, como conflito.
Vocabulário que mais tarde seria retomado.
Em seguida, assistimos a um vídeo da BBC Árabe “Quem é a Síria cuja foto está

8 Apêndice I. Material adaptado sobre a definição trazida pelo ACNUR. Disponível na íntegra em: <https://www.
unhcr.org/ar/4be7cc274c9.html>.

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exposta numa rua no Brasil?”9. Tratava-se de um vídeo breve, em árabe, sobre uma
refugiada síria, chamada Salsabil, que participou de um projeto junto a uma fotógrafa,
tendo uma foto sua exposta no centro da cidade de São Paulo. O objetivo desse projeto era
fazer as pessoas se desligarem de seus afazeres corridos para prestarem atenção nas pessoas
à sua volta. No vídeo, a moça conta sua história e fala sobre a família, sua formação e
vida profissional. Discutimos o vídeo e, assim, pudemos exercitar um vocabulário básico,
a fim de que a temática passasse a ser a própria Salsabil.
Na aula síncrona seguinte, foi apresentado brevemente o CONARE10 e os meios legais
pela legislação brasileira para a solicitação de refúgio. Em seguida, lemos as histórias de
três refugiados residentes no Brasil11. Exploramos vocabulário e estruturas gramaticais,
e traduzimos suas histórias. Por fim, foi disponibilizado um formulário12, adaptado ao
modelo daquele utilizado pelo governo brasileiro, a fim de que os alunos o preenchessem
com as informações de um testemunho de sua escolha. O preenchimento foi feito como
atividade assíncrona, mas a leitura do documento foi feita ao final da aula síncrona. O
formulário fora vertido previamente ao árabe usando o vocabulário exercitado até então,
com palavras de cunho sociológico, humanitário e político.
Já na terceira aula síncrona, convidamos o egípcio A. para falar à turma. A. se
apresentou, contou-nos sua história e respondeu gentilmente às perguntas feitas pelos
alunos. Foi o ápice das atividades envolvendo a temática. Relacionaram-se, ainda que
virtualmente, e em árabe, com alguém cujo contexto sócio-humanitário havia sido até então
tratado na teoria, apenas. A discussão ganhou um rosto, uma voz e uma personalidade.
E os alunos, extasiados pela oportunidade, esforçaram-se ao máximo para se comunicar.
Atentaram-se à pronúncia, ao vocabulário e à construção das frases de forma coesa e
coerente. Repetiram as perguntas quando necessário, reformulavam-nas quando não eram
compreendidos, buscavam sinônimos quando não sabiam a palavra exata e recorriam,
inclusive, a gestos em última instância, numa entusiástica tentativa de interagir.
Assim, encerramos não o assunto, mas o trato direto à temática, que depois passou
a ser tratada de maneira diluída, sendo aludida com frequência nas aulas posteriores. Os
alunos passaram a utilizar a experiência como referência para se lembrarem de certos

9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oN6DDSlPc-A&t=22s>.


10 Comitê Nacional para os Refugiados, órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. É o responsável
pela avaliação e análise dos pedidos de refúgio no país. Fazem-no por meio de formulários e entrevistas com o
solicitante.
11 Apêndices II, III e IV. O material foi previamente disponibilizado para que os alunos o explorassem no momento
assíncrono de estudo.
12 Apêndice V.

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vocabulários e estruturas gramaticais e, durantes as aulas que se seguiram, sempre surgia


algo como “professora, A. disse dessa maneira, posso dizer assim também?”; “ah, dessa
palavra eu não me esqueço mais, porque demorou para conseguir lembrá-la quando
conversei com o A.”.

Conclusão

De meados de setembro ao início de dezembro, as aulas foram sempre rememoradas.


Os alunos associaram, por exemplo, o vocabulário às aulas, fazendo conexões como
“aprendemos essa palavra no formulário”; ou, ainda, copiavam as estruturas: “professora,
posso dizer a informação X como disse a Salsabil no vídeo que assistimos?”. Também
foi marcante o fato de memorizarem algumas morfologias verbais associando os verbos
novos aos que apareceram ao longo dessas aulas: “professora, esse verbo é da forma VIII,
como os verbos que vimos no texto da Kajal Ahmed, certo? Então a vocalização fica
assim?”.
Contudo, de tudo o que foi trazido nas aulas, o que mais gostaram foi a presença
do refugiado. Mostraram-se entusiasmados por praticarem a língua com um nativo,
esforçando-se para entender o que o egípcio dizia e constatando que conseguem se fazer
entender por um falante de árabe, ainda que acontecessem alguns tropeços.
Citando Freud, Almeida (1993) afirma que este

utiliza o termo “quantum de afeto” para designar esse outro elemento do


representante psíquico da pulsão e o conceitua como correspondendo à pulsão,
“na medida que esta se afasta da ideia e encontra expressão proporcional à sua
quantidade em processos que são sentidos como afetos” (FREUD, 1915, p. 176
apud ALMEIDA, 1993, p. 32).

A pulsão, para Freud, é o impulso energético do psiquismo que condiciona o


comportamento do indivíduo. O afeto é representante dessa pulsão, ou seja, aquilo que
afeta nossa psiquê – positiva ou negativamente – faz liberar esse impulso energético que
é capaz de criar ou modificar comportamentos. Sendo a empatia um indicador de que,
de alguma forma, estamos afetados, ela será capaz de fazer depreender essa energia que
interferirá no nosso comportamento e será aquilo que altera nosso comportamento e se
fixa na memória. Ou seja, estando o aluno sensibilizado com a realidade do refugiado,
sua mente terá mais energia disponível para os recursos cognitivos e comportamentais
no geral que envolvam a temática, inclusive no que tange ao uso da língua. Portanto, a

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fixação das estruturas e vocabulário aprendidos se torna mais eficiente.


Como mencionado no tópico anterior, A. trabalha de segunda a sábado, sendo
inviável sua ida à universidade em um período de aulas presenciais. Portanto, a tecnologia
mostrou-se indispensável para a atividade mais proveitosa aos alunos. Com isso, podemos
concluir que as aulas remotas não substituem o contato presencial com os alunos, que, no
geral, afirmam preferir as aulas presenciais. Isso parece reforçar nosso sentimento de que a
adoção de um ensino híbrido seja capaz de potencializar o processo de ensino-aprendizagem.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, S. F. C. O lugar da afetividade e do desejo na relação ensinar-aprender. In:


Temas psicol. [online]. 1993, v.1, n.1, p. 31-44. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X1993000100006&lng=pt&nrm=iso>.

FRANCO, M. M. S.; ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. O Conceito de Competência


Comunicativa em Retrospectiva e Perspectiva. In: Revista Desempenho, v. 1, n. 11, 4
out. 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1999.

MAGIOLINO, L. L. S. Afetividade e/na educação: sentir e expressar na experiência


(est) ética-contribuições da filosofia espinosana. In: Filosofia e Educação, v. 5, n. 1,
2013. p. 156-183.

MOTT, M. L. Imigração árabe: um certo oriente no Brasil. In: Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000.

SILVA, M. F.; GOMES, C. Afeto na Filosofia de Espinosa: Aportes para Potencialização


dos Corpos na Escola. In: Revista Sul-Americana De Filosofia E Educação
(RESAFE), (27), 2017, p. 119-135.

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Apêndice I

‫؟ئجاللا وه نم‬
‫ي‬ َ ‫ضرعتلا نم رربم فوخت ببسب هتيسنج ةلود جراخ دجوي صخش لك هنأ ىلع ئجال فَّر‬
ُ ‫ع‬
‫ةيعامتجا ةئف ةيوضعل هئامتنا وأ هتيسنج وأ هنيد وأ هقرع ىلإ عجرت بابسأل داهطضالل‬
‫عازنللو برحلا راثآل ضرعتلا وأ ناسنالا قوقح كاهتنا وأ ةيسايسلا هئارآ وأ ةنيعم‬
‫فينعلا‬.
 

Quem é o refugiado?
É considerado refugiado todas as pessoas que precisam sair de seu país de origem
por causa de um medo real da exposição a perseguição por razões relacionadas a: sua
etnia, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico, visão política,
violação de direitos humanos e exposição aos efeitos da guerra e de conflitos violentos
(conflito armado).   

Apêndice II

‫ةيصخشلا ةذبنلا‬
‫قارعلا نم انأو دمحأ لاجاك يمسا‬/‫ناتسدرك‬. ‫ يف لصوملا ةنيدم يف تدلو انأ‬20 ‫ربمفون‬
‫ ماع يف‬1993 ‫ةكرش يف ًةسدنهم لمعأ تنك كانهو اهيف اهلك يتايح تشعو‬. ‫نيرهش لبق‬،
‫تضّرعت‬ ُ ‫ق نم باصتغاللو فاطتخالل‬ ِ ‫قارعلا يف ةيمالسالا ةلودلا( شعادلا ميظنت لب‬
‫صوصخ نييديزيلل ريطخ يقارعلا ناتسدرك كلذ ىلإ ةفاضإلاب برحلا لالخ )ماشلاو‬ ً ‫ا‬.
‫تعطتسا نكلو ليزاربلا يف لهأ يل سيل‬ ُ ‫يل مّدق يكيلوثاك ريد دوهج لضفب هيلإ لوصولا‬
‫ناريط ةركذت‬.
‫ءوجللا سمتلأ يتلا ىلوألا ةّرملا هذه‬.
‫لصوملا يف يناوخإو يبأو يمأ‬.

Perfil Pessoal
Meu nome é Kajal Ahmed e sou do Iraque/Curdistão. Eu nasci na cidade de Mossul,
em 20/11/1993, onde vivi minha vida toda e lá trabalhava como engenheira em uma
companhia. Há dois meses fui sequestrada e estuprada (lit.: exposta ao sequestro e ao

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estupro) pelo grupo ISIS durante a guerra e juntamente a isso o Curdistão Iraquiano é
perigoso para os Yazidis especialmente.
Não tenho família no Brasil, mas consegui acesso a ele graças aos esforços de um
mosteiro católico que me deu uma passagem aérea.
Essa é a primeira vez que solicito refúgio.
Minha mãe, meu pai e meus dois irmãos estão em Mossul.

Apêndice III

‫ةيصخشلا ةذبنلا‬
‫ايروس نم ملسم انأو روصنم دمحأ يمسا‬. ‫ يف قشمد ةنيدم يف تدلو‬10 ‫ ماع يف رياني‬1990.
‫فصقلل قشمد بونج ضّرعت امدنع برحلا ةيادب ىتح كانه شيعأ تنكو بساحم يتنهم تناك‬
‫ ماع يف ليربأ رهش يف خيراوصلاب‬2018. ‫ءوجللا يبلاط يتلئاعو انأ انحبصأ كلذ دعب‬
‫ةنسلا سفن يف نيئجاللا قئاثو انملتساو ةرهاقلا يف‬.
‫رصم يف جلاعتأ نأ عيطتسأ الو زديإلاب باصم انأو سنجلا يلثم يننأ ًةفاضإ‬.

‫هيلإ لوصولا ىلع يندعاستس ةيليزارب ةقيدص نكلو ليزاربلا يف لهأ يل سيل‬.
‫ةرهاقلا يف يخأو يبأو يمأ‬.

Perfil Pessoal
Meu nome é Ahmad Mansour e sou um muçulmano sírio. Nasci na cidade de
Damasco em 10/01/1990. Minha profissão era de contador e trabalhava lá até o início
da guerra quando o sul de Damasco foi bombardeado (lit.: exposto ao bombardeio com
mísseis) no mês de abril do ano de 2018. Depois disso, eu e minha família nos tornamos
solicitantes de refúgio no Cairo e retiramos nossos documentos de refugiados no mesmo
ano.
Juntamente, sou homossexual e tenho AIDS e não consigo me tratar no Egito.
Não tenho família no Brasil, mas uma amiga brasileira me ajudará.
Minha mãe, meu pai e meu irmão estão no Cairo.

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Apêndice IV

‫ةيصخشلا ةذبنلا‬

‫نميلا نم ملسم انأو راجن دمحم يمسا‬. ‫ يف زعت ةنيدم يف تدلو‬3 ‫ ماع يف رياربف‬1992.‫تناك‬
‫رجات يتنهم‬. ‫ةيئادتبالا ةسردملا يف طقف تسرد‬. ‫راصح يف اهنكل زعت يف شيعأ تنكو‬
‫يدلب اومكحي نأ ديري يذلا يثوحلا ميظنت نم‬. ‫موي لك لافطألا دض صنقي‬. ‫ةركذت تيرتشا‬
‫ةيدودحلا ةرجهلا ةئيه هيلإ يلوخد تضفر نكلو ادنك ىلا ناريط‬. ‫ليزاربلا يف لهأ يل سيل‬
‫تعطتسا نكلو‬ ُ ‫ةركذت ينتطعأ يتلا ةيدودحلا ةرجهلا ةئيه ةدعاسم لضفب هيلإ لوصولا‬
‫ليزاربلا ىلا ناريط‬.
‫ءاعنص يف يتنبو ينباو يتجوز‬.

Perfil Pessoal
Meu nome é Mohammed Najjar e sou muçulmano do Yemen. Nasci na cidade de
Taz em 03/02/1992. Meu trabalho era comerciante. Estudei apenas na escola primária.
Eu vivia em Taz mas ela foi sitiada pelo grupo Al-Huthi que quer governar meu país.
Eles atiram contra crianças todos os dias. Comprei uma passagem aérea ao Canadá, mas
a autoridade migratória da fronteira recusou minha entrada. Não tenho família no Brasil,
mas consegui acesso a ele graças à ajuda autoridade migratória da fronteira que me deu
uma passagem aérea para o Brasil.
Minha esposa, meu filho e minha filha estão em Sanaa.

Apêndice V

Formulário ‫ةرامتسالا‬

Nome ‫مسالا‬
Sexo ‫سنجلا‬
Nacionalidade ‫نطولا‬ / ‫ةيسنجلا‬
Data de Nascimento ‫داليملا خيرات‬
Religião ‫ةنايدلا‬
Ocupação Profissional ‫ةنهملا‬

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Você foi vítima de violação de Direitos Humanos ‫ ؟ناسنإلا قوقح كاهتنال تضّرعت له‬
( ) ‫ ال‬não ( ) ‫ معن‬sim

Com base em... ‫ساسأ ىلع‬...


etnia ( ) ‫علا‬
ِ ‫قر‬
religião ( ) ‫ةنايدلا‬
nacionalidade ( ) ‫ةيسنجلا‬
pertencimento a um determinado grupo social ( ) ‫يعم ةيعامتجا ةئفل ءامتنالا‬ ّ ‫ةن‬
opiniões políticas ( ) ‫ ةيسايسلا ءارآلا‬
sofrer os efeitos de guerra e conflito violento ( ) ‫فينعلا عازنللو برحلا راثآل ضرعتلا‬

‫ي‬
ُ ‫بلط ىلإو كدلب ةرداغم ىلإ كتعفد يتلا بابسألاب رابخإلا ىجر‬
‫ليزاربلا يف ءوجللا‬
Por favor, informe as razões que o motivaram a sair seu país de origem para buscar asilo no
Brasil

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UMA ANÁLISE HISTÓRICO-CRÍTICA
DE OFICINAS DE ESCRITA A PARTIR
DO CLACQUETE – PRÁTICAS
AUDIOVISUAIS

Beatriz da Silva Gomes


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Administração.
E-mail: beasgomes1997@gmail.com

Milene Bandeira Almeida


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras Português-
Inglês. E-mail: milene.bandeira@letras.ufrj.br

Paulo Cezar Maia


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorando no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Literatura. E-mail: paulomaia@letras.ufrj.br
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo discutir a noção de oficina a partir de uma análise histórico-
crítica. O estudo do termo tem como finalidade aprofundar o entendimento acerca das oficinas de
escrita criativa desenvolvidas pelo Grupo de Educação Multimídia (GEM), com foco nas atividades
realizadas no curso CLACquete – Práticas Audiovisuais, que teve como objetivo orientar os monitores
do Curso de Línguas Aberto à Comunidade (CLAC) sobre o uso crítico de ferramentas digitais para
atividades letivas. O CLACquete desenvolve oficinas produtivas de transposição de linguagem,
operando “traduções intersemióticas” (JAKOBSON, 2010) da literatura para o audiovisual, a partir
da articulação entre referências teóricas e técnicas com uma orientação histórico-crítica. O curso
utiliza-se da acumulação metodológica e dos princípios do GEM sobre politecnia (SAVIANI, 2007),
trabalho coletivo e interdisciplinaridade para o desenvolvimento de metodologias participativas de
ensino-aprendizagem para o ensino em ambiente remoto e com recursos digitais limitados. As
oficinas do GEM utilizam-se da organização coletiva do trabalho produtivo, articulando as diversas
linguagens aos interesses dos participantes. Com isso em mente, o objetivo do presente trabalho
é realizar uma análise histórico-crítica acerca de conceitos sobre oficina sob as perspectivas de
Sennett (2009); Pistrak (2011); Oulipo (ALENCAR; MORAES, 2005). Por fim, o objetivo central
desta pesquisa é investigar como o conceito de oficina de escrita tem sido abordado no CLACquete,
tomando como referência outras propostas de abordagens ativas que desconsideram a perspectiva
histórico-crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Oficinas; Escrita; Politecnia.

ABSTRACT

The objective of this paper is to discuss the notion of workshop from a historical-critical analysis.
The study of the term has the finality of deepening the understanding about writing workshops
developed on Grupo de EducaçãoMultimídia (GEM), with the focus on the activities that were
developed on the course CLACquete – PráticasAudiovisuais. The objective of this course was to
orient the monitors from the Curso de LínguasAberto à Comunidade (CLAC) – Language course
opened to the community – about the critical use of digital tools on academic activities. CLACquete
develops productive workshops of language transposition operating on intersemiotic translations
(JAKOBSON, 2010) from literature to the audiovisual starting from the articulation between theoretical
and technical references with a historical-critical orientation. The course uses the methodological
accumulation and the principles of GEM regarding polytechnic (SAVIANI, 2007), the collective work
and the interdisciplinarity for the development of participative methodologies of teach-learning for
the teaching in a remote environment and with the limited digital resources. The GEM workshops
draw on the collective organization of productive work, articulating the diverse languages and the
interest of the participants. With this in mind, the objective of this work is to achieve a historical-
critical analysis about the concepts of workshop under the perspectives of Sennett (2009); Pistrak
(2011); Oulipo (ALENCAR; MORAES, 2005). To conclude, the central objective of this research is
to investigate how the concept of writing workshop has been approached on CLACquete, taking
as reference other proposals of active approaches that disregard the historical-critical perspective.
KEYWORDS: Workshops; Writing; Polytechnic.
GOMES; ALMEIDA & MAIA. Uma análise histórico-crítica de oficinas de escrita a partir do clacquete - práticas audiovi-
suais.

Introdução

O objetivo deste artigo é pensar e discutir, por meio de uma análise histórico-
crítica, o conceito sobre oficina a partir das perspectivas de três diferentes estudiosos,
sendo eles Richard Sennett (2009); M. M. Pistrak (2011); e a proposta de Oulipo, de
2005, que trazem distintos pontos de vista acerca das diferentes formas de oficina. Em
“O Artífice” (2009), Richard Sennett traça a concepção de oficina a partir da ideia do
aprendizado pela experiência, vinda da escola pragmatista americana. Em contrapartida,
em “Fundamentos da Escola do Trabalho”, de 1924, Moisey Pistrak traz o conceito de
oficina como a educação pelo trabalho dentro da politecnia, advinda da experiência do
período de formação cultural da União Soviética, que possui então um objetivo social
de educar por meio do trabalho coletivo, auto-organizado e crítico. No contexto pós-
surrealista, surge a oficina do Ouvroir de la Littérature Potentielle (OULIPO) com seu
caráter experimental e seu estímulo à criatividade e à autonomia das formas estéticas
sobre o mundo, a partir de um ponto de vista estruturalista.
A proposta de pesquisa surgiu a partir de experiências acumuladas no
desenvolvimento e realização de oficinas produtivas com foco em linguagens produzidas
através de parcerias entre o Grupo de Educação Multimídia (GEM/UFRJ) e instituições
educativas. A demanda por essas ações tem como origem o impasse de leitores na cultura
de massa, que tem feito com que haja uma diminuição considerável na leitura e escrita dos
alunos nas escolas e, consequentemente, que haja uma menor criticidade por parte desses
indivíduos. Desenvolver esta pesquisa e se aprofundar nas bases teóricas do conceito de
oficina é instrumento importante para o GEM e seu objetivo de desenvolver e difundir
metodologias de ensino para a formação de sujeitos críticos e criativos.
Com isso em mente, após a análise das três perspectivas, faremos uma análise mais
aprofundada em relação às oficinas de escrita criativa do GEM, tendo como objeto de
análise o curso CLACquete e o processo de escrita em suas oficinas realizadas em 2020.

As oficinas
Richard Sennett e sua oficina como aprendizado pela atividade

O movimento pragmático, que surgiu no fim do século XIX, busca “conferir sentido
filosófico à experiência concreta” (SENNETT, 2009, p. 319), ou seja, atrela a filosofia às
práticas e experiências humanas.

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Em sua obra, “O Artífice”, Richard Sennett traz um capítulo destinado à oficina e


trabalha esse conceito a partir dos ideais do movimento pragmatista. Com isso, Sennett
apresenta as oficinas de seus primórdios até os dias atuais, ou seja, das guildas medievais
até os modernos laboratórios. O autor questiona o que chama de visão romantizada de
Karl Marx, Charles Fourier e Claude Saint-Simon, que “viam a oficina como um espaço
de trabalho em condições humanas [...], um lugar onde o trabalho e a vida se misturavam
frente a frente” (id, p. 67), contrapondo-se a essas concepções ao explicitar o caráter
instrumental das relações desenvolvidas naquele meio.
Para Sennett, as oficinas existem como um espaço social e “estabelecem um
movimento de coesão entre as pessoas através de rituais de trabalho” (id, p. 88). Portanto,
são espaços pequenos de produção coletiva e socialização nos quais há transferência de
conhecimento mediante autoridade e formação de autonomia.
Apesar de serem espaço no qual família e o trabalho convivem, as guildas se mantêm
por pactos religiosos de honra e por recompensas sociais, não por laços sanguíneos e
afetivos. O mestre é centro da guilda e da “família” pois centraliza a autoridade e
a autonomia. O primeiro aspecto confere a essa figura o controle sobre a formação e
condições de trabalho de seus subordinados, pois “numa oficina, as habilidades do mestre
podem valer-lhe o direito de mandar” (id., p.68). O segundo termo é definido pelo autor
“como um impulso vindo de dentro que nos compele a trabalhar de uma forma expressiva,
por nós mesmos” (id., p. 79).
A autoridade e autonomia atreladas à originalidade conferem ao mestre o título de
artista. Porém, devido ao caráter único que certifica a uma obra o status de arte, o artista
é, pois, menos autônomo que o artesão, uma vez que assume uma postura vulnerável
decorrente de sua “solidão” e passividade em relação ao seu público. Ademais, devido à
intransferenciabilidade do talento do mestre e de sua arte de criar, a morte desse encerra
a produção mesmo em oficinas sustentadas nessa figura. O autor afirma que “uma oficina
bem gerida deve equilibrar conhecimento tácito e explícito” (id., p. 93) e que cabe ao
mestre − se desejado e possível − compartilhar seu saber. Porém, questiona a validade
da reprodução “estéril” na qual o luthier moderno estaria sujeito caso se aprisionasse no
processo de imitação.
Sennett define o experienciar e praticar cotidianos como ferramenta de formação
e desenvolvimento do homem. A unidade entre a ação física e mental presente no
artífice, segundo o autor, permite o desenvolvimento de habilidade mediante repetição e
entendimento do processo material. Sennett propõe, por fim, o que chama de “ofício da

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experiência”, ou seja, pensar a experiência enquanto técnica, de forma a proporcionar o


equilíbrio entre a habilidade e a sensibilidade.

Moisey Pistrak e sua oficina como educação pelo trabalho

Em seu livro “Fundamentos da escola do trabalho”, escrito em 1924, Moisey Pistrak


apresenta sua proposta pedagógica para a formação de estudantes localizados no contexto
de formação cultural da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Segundo o
autor, sua obra deve ser lida como um processo de construção de uma pedagogia social.
Para ele, é fundamental que haja uma educação ativa e produtiva, que auxilie na formação
dos indivíduos e seja, também, focada na realidade social e política do momento.
Dentre as cinco seções que compõem o livro, destaca-se, no presente artigo, o tópico
“O trabalho na escola”, que discorre acerca de formas de se liquidar a separação entre a
formação teórica e a formação para a vida pessoal e social. Segundo o autor, não se trata
somente de introduzir o trabalho na escola, mas sim de criar uma relação orgânica entre
esses dois elementos para que eles componham e formem a vida social dos estudantes.
Na obra, o autor também trabalha o conceito de oficinas escolares e como elas devem
ser pensadas como uma forma de fazer com que o aluno, por meio da prática, entenda a
importância da divisão de trabalho e da produção, desenvolva uma consciência mais ativa
e crie elos que o liguem à produção associada à sua realidade (MOREIRA, 2011, p. 335).
Além disso, o autor também vê a oficina como uma importante ferramenta de produções
que sejam de interesse social e como uma maneira de auxiliar os alunos a entenderem
sua importância no ponto de vista social, tanto individualmente como coletivamente
(MOREIRA, 2011, p. 335). Para melhor diferenciar o trabalho individual do trabalho
coletivo, o autor salienta que o individual é focado na racionalização da utilização do
tempo e da força de trabalho durante a produção e o coletivo é focado em pensar em
diferentes formas de estímulos sociais relacionados à organização e à autonomia do aluno,
por meio de atividades dentro da escola.

O movimento Oulipo com sua oficina experimental

Os ateliês do Oulipo surgiram em 1960 de forma coletiva e receberam o nome de


Ouvroir de Littérature Potentielle. O grupo foi formado por escritores e matemáticos e
tinha como objetivo “inventar (ou reinventar) regras de tipo formal que pudessem ser

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propostas a amadores desejosos de produzir textos” (ALENCAR; MORAES, 2005, p. 11).


Em 1960, uma grande revolução cultural estava ocorrendo, o pós-surrealismo, que, assim
como nas oficinas de Oulipo, trazia essa ideia de romper com o tradicional e experimentar
diferentes formas e fórmulas. Com isso em mente, o grupo literário buscava meios de
relacionar linguagem e matemática, de modo que pudesse romper com os exercícios de
escrita automática das antigas vanguardas europeias (MAIA, 2020, p. 7). Além disso,
o grupo também buscava pesquisar e encontrar novas estruturas e suas potencialidades
(ALENCAR; MORAES, 2005, p. 11).
O Oulipo acreditava que a criatividade literária surgiria por meio da reescritura
e da releitura de textos, de forma coletiva (MAIA, 2020, p.7) e, para que esse processo
acontecesse, os escritores que compunham a Oulipo se baseavam no conceito dos
contraintes1, ou seja, nas restrições que podem haver ao longo do processo criativo, como
regras pré-estabelecidas que estão ali não para limitar, mas sim para estimular a libertação
do código poético. Esse conceito de restrição era usado em seus ateliês como uma forma
de experimentação, visto que ela era pensada não como uma limitação, mas sim como
uma abertura para a exploração e para os potenciais da escrita.
Segundo o movimento, a literatura está implícita na linguagem, pois trata-se de uma
permutação de elementos e funções limitadas, cujos diferentes arranjos criam possibilidades
e extraem diferentes sensações de um mesmo material (ALENCAR; MORAES, 2005, p.
24). As oficinas do Oulipo propõem-se, porém, não a produzir literatura, mas a produzir
textos nos quais se apreende o literário de forma ativa e coletiva. Para o grupo, a produção
de um texto se dá pela reescrita e a releitura de outros textos, dois processos fundamentais
em uma oficina, visto que “escreve-se sempre a partir de outro texto e lê-se a cada vez
sempre um outro texto” (id, p. 24).
O exercício da escrita desenvolvido nas oficinas do Oulipo rompe com a noção
de que esse ato é necessariamente um processo solitário. O trabalho coletivo torna-se
inspiração e produz engajamento para todos, além de propiciar o aumento no número de
potenciais escritores que experienciam o contato, o direito à palavra. Por fim, é importante
ressaltar que os itens produzidos nas oficinas provêm de técnicas, mas não se tratam de
reproduções, e sim de criações de diferentes fragmentos que se unem justamente em sua
origem e em sua diferença.

1 Restrições (tradução livre)

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O GEM
O Projeto

O Grupo de Educação Multimídia é um laboratório que planeja, desenvolve e


realiza metodologias participativas de ensino-aprendizagem para a formação crítica em
linguagem de leitores, escritores e educadores a partir de oficinas produtivas críticas
e criativas de transposição de linguagens. O GEM realiza oficinas que respondem à
demanda geralmente reclamada pelos professores em relação à baixa frequência de leitura
e escrita nas escolas do ciclo básico e à reclamação sobre a popularidade das mídias
digitais e o contingenciamento gerado pela presença da cultura de massa no cotidiano dos
estudantes (MAIA, 2020). Essas ações se pautam no engajamento produzido pelas mídias
nos indivíduos, para aproximá-los e fazê-los consumir e se apropriar de obras literárias e
audiovisuais que dispensam ou que lhes são negadas.
As traduções intersemióticas operadas nas oficinas possibilitam o contato
aprofundado com as tramas que constituem as diferentes linguagens e, portanto, a
formação crítica dos sujeitos que praticam a leitura e a escrita que compõem o processo
de tradução. O trabalho produtivo articulado ao ensino visa produzir um sujeito crítico e
autônomo que, ao planejar, desenvolver e avaliar um processo, se torne multiplicador da
metodologia e integralmente consciente.

Princípios e metodologia

Por realizar metodologias participativas de ensino-aprendizagem e preocupar-


se com o desenvolvimento de uma formação crítica dos seus participantes, o GEM
segue três fundamentos: o da politecnia − trabalho como princípio educativo, formação
omnilateral e integral; o trabalho coletivo − atividades realizadas de forma coletiva; e
a interdisciplinaridade − oficinas realizadas com o uso de diferentes áreas, como, por
exemplo, o uso da literatura com o audiovisual.
Utilizando-se desses fundamentos, o laboratório trabalha com essas metodologias
para elaborar e oferecer suas oficinas e reflete sobre a questão da demanda da formação
de leitores e escritores críticos e sobre como preenchê-la, como mencionado acima.

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Oficinas do Travessias

O Grupo de Educação Multimídia vem realizando diversas oficinas que perpassam


os diferentes projetos que fazem parte do laboratório. Neste presente artigo, serão
apresentadas as oficinas desenvolvidas e realizadas pelo projeto “Travessias: Palavra-
Imagem”, que integra o laboratório.
O Travessias busca, ao longo de seus anos de existência, realizar metodologias
participativas e dialógicas nos meios nos quais atua; logo, a proposta do projeto é criar
oficinas que estejam em sincronia com a cultura e com o público do ambiente em que
são inseridas. Suas ações são voltadas para atender à demanda por leitura e escrita e à
reclamação de professores acerca do intenso uso de aparelhos e mídias digitais em aula.
A solução encontrada pelo projeto configura-se em articular leitura e escrita às mídias
digitais através da tradução intersemiótica e do trabalho politécnico. A resposta para o
problema é, pois, utilizar o desejo de alunos, aquilo que engajam, como ponte para a
aproximação com a literatura, aprofundando ao mesmo tempo sua visão de mundo e seu
conhecimento técnico.

Para o Travessias, traduzir textos literários para mídias audiovisuais significa


repor a literatura em circulação em grupos que, de outro modo, talvez a
dispensassem. As oficinas realizadas investem na criatividade, na perspectiva
crítica e, principalmente, nas articulações intertextuais entre as referências dos
estudantes e as que lhes são apresentadas. (MAIA, 2020, p. 7)


As oficinas são processos coletivos que possuem tempo e espaço limitado, o que
permite a geração de um produto e de um processo experimentado e sistematizado. O
objetivo do uso da tradução intersemiótica em processos coletivos e politécnicos é o de
estimular que os participantes explorem os potenciais presentes nas diferentes linguagens,
e, consequentemente, apropriem-se e desvendem o processo de leitura e escrita.
A oficina que será analisada advém do projeto Travessias e segue os mesmos
princípios e fundamentos presentes não só nele, mas também no GEM, como será visto
no próximo tópico.

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CLACquete e oficina de escrita

O “CLACquete - Práticas audiovisuais” é fruto da parceria entre o Curso de Línguas


Aberto à Comunidade (CLAC) e o Grupo de Educação Multimídia (GEM/UFRJ). O curso
foi criado a partir da urgência de se pensar metodologias de ensino que articulem teoria e
prática para atividades do CLAC de forma remota. Uma das formas de fazer isso é por meio
de oficinas produtivas que fazem uso experimental de tecnologias digitais e acessíveis,
do audiovisual e da transposição de linguagens para a formação crítica dos monitores de
língua, mediante processo de produção de produtos imagéticos e audiovisuais pautados
em uma metodologia participativa que poderá ser replicada em suas aulas de línguas.
O objetivo do CLACquete é o de realizar transposições da literatura para as linguagens
imagéticas e audiovisuais com orientação prática e teórica, utilizando e experienciando
a acumulação e os princípios do GEM de trabalho coletivo e interdisciplinaridade, além
de desenvolver metodologia para a produção de produtos para contextos formativos com
o uso de poucos recursos, como celulares e aplicativos gratuitos, como o InShot, e com
a subversão de ferramentas privadas comumente usadas, como o Google Meet, Google
Drawing e Google Classroom. Com isso, o objetivo central da oficina é o de ajudar os
monitores a pensar em formas de articular a teoria à prática, utilizando o audiovisual, e
também em metodologias participativas de ensino-aprendizagem.

Oficinas

Para realizar os objetivos do CLACquete, duas oficinas foram aplicadas ao longo


de 2020, sendo ambas pensadas para trabalhar os aspectos da leitura crítica e da escrita
criativa, utilizando-se do conceito de tradução-intersemiótica, que, de acordo com Roman
Jakobson, é uma “interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-
verbais.”(JAKOBSON, 2010, p. 65).
Foi realizada uma oficina de storyboard intitulada “Era Uma Vez”, que consiste
em um exercício de adaptação de um poema e de diferentes figuras em uma história
sequencial verbal e não-verbal, racionalizando a continuidade elementar entre as figuras
para gerar uma narrativa sequencial.
A segunda oficina realizada no curso teve como foco a produção de um filminuto -
filme de um minuto - a partir dos conceitos de movimento, “desenvolvimento temporal de
uma imagem” (XAVIER, 2012, p. 18); plano, “segmento contínuo da imagem” (id. p.27);

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e decupagem clássica, “processo de decomposição do filme” (id. p.27). O programa foi


composto pelas etapas de roteirização, seleção de materiais com base no conceito de
cinema de arquivo (FAROCKI, 2017) e montagem. Todo o processo de preparação e
desenvolvimento da oficina foi pautado em fundamentações teóricas e estéticas acumuladas
pelo GEM e em procedimentos de análise formal de materiais que corroboraram a
aprendizagem e entendimento do conteúdo proposto. O objetivo dessa segunda parte do
curso foi o de propor metodologias para a realização de produtos audiovisuais, utilizando-
se da ferramenta gratuita InShot, um aplicativo de edição de vídeos.
O processo de tradução envolve a leitura e a escrita de forma interdependente. Nas
atividades do GEM, entendemos a escrita em seu âmbito criativo e transcriativo, ou seja,
não em stricto sensu, mas, sim, como ato de criar, recriar e comunicar, utilizando-se de
diferentes signos e seus potenciais. Com isso, trabalhamos, ao longo das duas oficinas, com
esse pensamento ao elaborarmos, junto com os participantes, atividades que os fizessem
pensar a leitura e a escrita de forma criativa e crítica. Essas atividades consistiram em
reescrever um poema com imagens, planos e pequenas falas a partir de um argumento
extraído e, assim, produzir um storyboard, e reescrever um texto com uso de imagens
estáticas ou em movimento, sons e leitura ritmada com o intuito de produzir um filminuto.

Análise a partir da oficina do CLACquete


Como os conceitos estão presentes nas oficinas do GEM

As oficinas têm sido o meio pelo qual o GEM pesquisa, desenvolve e compartilha
sua metodologia para o ensino de linguagens. O caráter coletivo, restrito e prático desse
tipo de atividade associado ao trabalho com traduções intersemióticas e transcriações,
com o uso de tecnologias para expandir as possibilidades e criar engajamento, permite a
formação de sujeitos críticos e autônomos.
Assim como as oficinas medievais descritas por Sennett (2009), o laboratório é
um espaço de produção coletiva e transferência de conhecimentos através do trabalho.
Em ambos os contextos, a atividade produtiva está atrelada ao exercício e à prática do
pensamento, das noções necessárias para a execução. Porém, o compromisso com a
formação de uma consciência crítica nos sujeitos envolvidos nas oficinas do GEM supera
o pensar e saber fazer das oficinas de Sennett, ao estimular o pensar também sobre as
relações, interesses e estruturas que compõem o processo de fazer algo.
As oficinas escolares idealizadas pelo projeto pedagógico de Pistrak no contexto da

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URSS têm a politecnia como um de seus princípios. O foco desta proposta é a formação
de sujeitos técnicos que desenvolvem suas habilidades técnicas e sua consciência crítica
mediante processo histórico-crítico. Ainda que tenha pontos de convergência com o
trabalho produzido pelo GEM, é fundamental destacar que o laboratório se compromete
a produzir metodologias para a formação de sujeitos críticos que, ao ingressar como
trabalhadores em funções produtivas, não assumam uma posição alienada e passiva. A
divergência, pois, entre as duas visões não está nas bases que fundamentam o processo,
mas, sim, no que esse visa a produzir. Ademais, é fundamental destacar que as duas visões
apresentadas divergem na questão da formação de indivíduos conscientes e críticos por
meio de um processo histórico-crítico, característica que não está presente nas oficinas de
Sennett, mas sim no projeto de Pistrak.
É no ato de desvendar as tramas que formam as diferentes linguagens trabalhadas
nas oficinas que o sujeito se forma enquanto autônomo e é na libertação da linguagem
que o processo criativo é desmistificado e as potencialidades da literatura são reveladas e
popularizadas. Posto isso, as oficinas do Oulipo são referência para o GEM por trazerem
a ideia de experimentação a partir da reprodução e releitura de textos, não de forma
automática e inconsciente, mas de forma consciente e crítica como um meio de libertação
do sujeito. Por isso, o conceito de contraintes é usado nas oficinas do GEM, como uma
forma de libertar o processo de produção de um texto literário ou audiovisual de seu uso
rotineiro, abrindo portas para novas perspectivas que são intrínsecas à forma.Entretanto,
assim como nas outras oficinas, a do Oulipo distancia-se um pouco das realizadas pelo
GEM por também não trazer uma perspectiva histórico-crítica no processo de reelaboração
de textos e por não explorar perspectivas transdisciplinares.

Conceitos e oficinas do CLACquete

Como parte das oficinas do GEM, o CLACquete foi pensado a partir de três
conceitos: o da educação para e pelo trabalho, presente nas oficinas de Sennett e no
projeto pedagógico de Pistrak; o da experimentação e da restrição, presentes nas oficinas
de Oulipo; e o do direito à palavra, também presente em Oulipo. Esses conceitos estão
associados à noção de tradução intersemiótica, dada por Jakobson, que é também uma
parte integrante das oficinas.
Com isso em mente, as etapas das duas oficinas realizadas no CLACquete foram
pensadas de forma que fossem trabalhados todos os conceitos ao longo do processo, com

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o objetivo de, assim, formar os participantes de forma consciente e crítica, utilizando-se


também de uma perspectiva histórico-crítica dos materiais usados nas oficinas.
A primeira oficina realizada foi a “Era Uma Vez”. Com foco no processo de leitura,
essa foi uma oficina de criação de storyboard que se utilizou da transposição de uma obra
literária para uma obra imagética e teve como base a obra homônima da escritora indígena
Graça Graúna e os personagens do “Trio da caatinga”, criados pelo cartunista brasileiro
Henfil. A ação consistiu na criação coletiva de uma tirinha que articula os dois elementos
a partir de um argumento sintetizado pelo grupo. O objetivo final desta oficina foi o de
trabalhar, junto com os monitores de língua do CLAC, não só no processo de criação
de storyboard, mas também nas questões histórico-críticas presentes na leitura do texto
utilizado, visto que ele fora escrito por uma indígena e dialoga com a luta dos indígenas no
processo de colonização. No final da oficina, os participantes produziram suas storyboards
com base no poema lido e nas discussões feitas sobre o conteúdo histórico do mesmo.
A segunda oficina de escrita realizada teve como objetivo a produção de um
filminuto. Assim como na primeira, envolveu o recurso da tradução intersemiótica ao
propor a realização de um produto audiovisual a partir de um texto. Teve como fundamento
teórico conceitos que são a base do cinema, como movimento, plano, duração e montagem.
A proposta do programa do curso foi destrinchar, através de teoria e prática, o processo
de elaboração de um produto audiovisual, utilizando o cinema clássico como referência.
Assim, foi possível estimular e entender o uso dos artifícios específicos dessa linguagem
que poderiam ser utilizados na confecção do produto.
As oficinas do CLACquete, diferentemente das oficinas medievais descritas por
Sennett, foram realizadas de forma que os participantes pudessem adquirir consciência do
processo de produção e de trabalho, ou seja, com o foco na educação pelo trabalho e não
para o trabalho. O processo em si e os produtos são resultados críticos das ações operadas
pelo GEM. Esses resultados se deram por meio das metodologias participativas utilizadas
nas oficinas, que visam uma participação ativa de todos os participantes em todos os
processos realizados.
Além disso, as oficinas têm como referência a experimentação e a restrição
presentes nas oficinas de Oulipo, ao estimularem os participantes a criar seus próprios
storyboards, a partir de um texto literário, e a criar seus próprios filminutos, a partir de
discussões teóricas de um texto literário. Em relação à restrição, foi estabelecida a partir
do desafio dado aos participantes de utilizarem apenas o poema e as imagens escolhidas
anteriormente para produzirem seus storyboards e do desafio de utilizarem apenas imagens

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fixas ou em movimento e um texto literário narrado por eles mesmos na produção de um


filme de apenas um minuto. Com isso, esses conceitos foram trabalhados de forma que os
participantes pudessem ativar suas criatividades a partir da experimentação e da restrição
de forma consciente e crítica.
Foi também trabalhado o conceito do direito à palavra, presente nas oficinas de
Oulipo, utilizado então nas oficinas com o objetivo de desmistificar a ideia de que é
necessário que haja um talento para escrever. Para isso, as oficinas foram pensadas de
forma que os participantes pudessem se apropriar dos recursos da linguagem de forma
lúdica e a partir de temas que os interessassem para que, no fim, pudessem produzir seus
próprios textos. O objetivo final de utilizar esse conceito é o de popularizar e aproximar
os participantes da literatura.
Por fim, atrelada aos conceitos supracitados, a tradução intersemiótica de Jakobson
é um termo de extrema importância para as oficinas do GEM. Para trabalhar a tradução
intersemiótica, na primeira oficina, os participantes tiveram que produzir um storyboard
a partir de um texto literário e de imagens que diferiam do texto em questão. Na segunda
oficina, foram trabalhadas diferentes fundamentações teóricas e práticas, ou seja, textos,
termos e produções audiovisuais para que, ao fim do curso, os participantes produzissem
os filmes a partir das leituras e discussões feitas e das cenas cinematográficas assistidas,
além de também terem que utilizar um texto literário e imagens para sua criação.

Conclusão

O presente artigo assenta-se na experiência de duas edições do curso CLACquete,


que foi elaborado a partir da acumulação teórica, metodológica e estética do GEM, para
discorrer acerca da noção de oficina de escrita. Pesquisar e fundamentar a oficina é crucial
para revisar questões centrais que guiam as ações do laboratório desde sua criação.
Entender e se apropriar de um conceito é revisar formas nas quais esse é inserido em
diversos contextos, para, então, reconstruí-lo e questioná-lo à luz da atualidade. A escolha
pela perspectiva histórico-crítica, portanto, se pauta no compromisso que o laboratório
assume com a produção de metodologias que tenham como resultado o desenvolvimento
de sujeitos críticos que sejam autônomos e conscientes, e não reprodutores. Além disso, o
uso da tradução intersemiótica no curso permite o desenvolvimento da escrita criativa ao
trabalhar com a interdisciplinaridade.
Três visões de oficina são apresentadas e discutidas ao longo do artigo: a oficina

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GOMES; ALMEIDA & MAIA. Uma análise histórico-crítica de oficinas de escrita a partir do clacquete - práticas audiovi-
suais.

pragmática de Sennett, o projeto pedagógico de oficinas escolares de Pistrak e as oficinas


criativas do Oulipo. Estas carregam como premissa a criação de uma metodologia
experimental de formação de leitores e escritores a partir dos mecanismos de tradução
e restrição. Essas articulam teoria e prática em contexto educacional para a formação
de futuros cidadãos-trabalhadores que seriam responsáveis pela perpetuação do modelo
soviético. Por fim, aquelas, através do exemplo das guildas medievais, associam o fazer e
o pensar ao expor que a realização do trabalho produz a formação intelectual do indivíduo.
Todas as perspectivas corroboram a noção de que as oficinas preveem um processo
coletivo no qual há transferência de conhecimento e associação entre a educação e o
trabalho. Porém, apesar de haver semelhanças, percebe-se que as oficinas do GEM e
do CLACquete, especificamente, se fundamentam em um processo histórico-crítico de
educação pelo trabalho, o que as distancia da perspectiva pragmática de Sennett. Além
disso, o objetivo é o desenvolvimento crítico e a formação de futuros trabalhadores
politizados que atuarão conscientemente em diversas áreas do mercado de trabalho, e não
a formação de técnicos para um contexto específico, como previa o projeto pedagógico
de Pistrak. Por fim, as oficinas do GEM têm como foco o trabalho com linguagens,
mas tem como produto processos que formam de maneira transdisciplinar, ou seja, que
desenvolvem diversas capacidades para diferentes contextos educativos. As oficinas do
movimento Oulipo são referências técnicas e teóricas para o laboratório, porém possuem
campos de atuação indefinidos e limitações quanto às disciplinas envolvidas, além de não
possuírem uma perspectiva histórico-crítica.
As oficinas realizadas no CLACquete se apropriaram das referências de escrita
apresentadas, porém inovaram ao trazer o aspecto histórico-crítico adequado ao nosso
contexto, característica essa que não está presente em todas as perspectivas, apesar de ter
alguns elementos desse aspecto em Pistrak. O objetivo do curso ao inovar foi o de, então,
formar sujeitos críticos e criativos que pudessem, por meio do processo das oficinas,
pensar de forma crítica e consciente sobre o que estava sendo produzido ao longo do curso
e se apropriar das tecnologias disponíveis, que são imperativas atualmente. Para isso, o
curso utilizou-se da tradução intersemiótica em seus exercícios de escrita, ao trabalhar
com a interdisciplinaridade entre leitura, escrita e audiovisual.

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APRENDIZAGEM INVERTIDA: REFLEXÕES
SOBRE O USO E APLICABILIDADE DA
METODOLOGIA ATIVA EM TEMPOS DE

DISTANCIAMENTO SOCIAL

MARCOS ANTÔNIO GOMES LIMA FILHO


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras - Português
e Italiano. E-mail: marcosantonio@letras.ufrj.br

FERNANDA GERBIS FELLIPE LACERDA


Ministério das Relações Exteriores Italiano. Bolsista de pós-doutorado.
E-mail: fernandagerbis@letras.ufrj.br
RESUMO

O objetivo deste artigo se ramifica em duas partes complementares. Inicialmente,


busca-se discutir sobre as impressões a respeito da iniciativa do projeto CLAC em
adotar a modalidade remota durante os meses de quarentena. Em termos de
interação, a experiência trouxe inúmeras adaptações frente às novas perspectivas no
processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Em um segundo momento,
o artigo põe-se a tratar das consequentes escolhas metodológicas feitas mediante
observação do desenvolvimento das aulas em uma das turmas de italiano do projeto.
O enfoque aqui, portanto, recairá sobre a decisão em aplicar a metodologia ativa
do aprendizado invertido (cf. Bergmann; Sams, 2014) como estratégia nuclear ao
repensar a sala de aula e suas respectivas atribuições, além de conferir valor ao
método, haja vista sua grande funcionalidade e contribuições, especialmente neste
período em que objetividade, organização e incentivo instrutivo à autonomia pelo
professor são determinantes para manter a participação e desempenho da turma.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino remoto; aprendizado invertido; metodologia ativa;
autonomia.

ABSTRACT

The purpose of this paper is divided into two complementary parts. Initially, we seek
to discuss the impressions regarding the CLAC project’s initiative to adopt the remote
modality during the quarantine months. In terms of interaction, the experience brought
numerous adaptations to the new perspectives in the teaching-learning process of
foreign languages. In the second instance, the article deals with the consequent
methodological choices made by observing the development of classes in one of
the Italian classes of the project. The focus here, therefore, will be on the decision
to apply the active methodology of flipped learning (cf. BERGMANN; SAMS, 2014)
as a core strategy when rethinking the classroom and its respective attributions, in
addition to giving value to the method, given its great functionality and contributions
, especially in this period in which objectivity, organization and instructive incentive to
autonomy by the teacher are crucial to maintain class participation and performance.
KEYWORDS: Remote education; inverted teaching; active methodology; autonomy.
FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

Introdução

É inegável que, mais do que nunca, a cultura digital tornou-se aliada imprescindível
da educação a partir dos transtornos trazidos pela pandemia do novo coronavírus, a qual
forçou a migração dos protagonistas das salas de aulas às plataformas virtuais de maneira
repentina e, em muitos casos, despreparada. O aporte teórico que a comunidade científica
compartilha até então sobre docência e práticas de ensino raramente se volta às discussões
em torno da modalidade de ensino remoto ou do uso de recursos tecnológicos e ferramen-
tas online como parte integrante da relação ensino-aprendizagem. Isso ocorre, pois, sendo
uma modalidade teoricamente recente, o ensino remoto tenha sido estereotipado como
inferior ao presencial, por acreditar-se que o aproveitamento não é o mesmo que se tem
em modalidade presencial, seja por motivos como falta de disciplina, seja pela ausência
do contato direto com o professor e colegas de classe.
Com a popularização dos dispositivos informáticos em rede, é possível desenvolver
novas estratégias interativas e imersivas de ensino-aprendizado de línguas estrangeiras.
Há inúmeros ambientes do ciberespaço que disponibilizam incontáveis acervos audiovi-
suais certificados por organismos oficiais. Neste momento, a sala de aula e suas metodo-
logias precisaram ser repensadas, incluindo todo este aparato digital, levando em conta os
princípios de interação deste âmbito, tendo em vista a produção de conhecimento acadê-
mico em paralelo à reformulação dos modelos de ensino até aqui conhecidos.
A práxis docente, certamente, requer movimento em diversos aspectos. O professor,
no seu exercício, se torna um colaborador ativo na trajetória de cada um de seus alunos
e precisa estar em constante cinesia tanto dentro quanto fora de sala de aula: ele observa,
se atualiza e insere aquilo que é funcional e relevante para o desenrolar das suas aulas.
A pandemia do novo coronavírus reduziu o movimento físico, cessou por alguns meses
os andares entre as carteiras e a linguagem corporal ficou mais escassa. O pensamento,
contudo, teve que se reinventar ainda mais, buscando outros meios metodológicos que
preenchessem as lacunas deixadas pela falta de preparação ao enfrentar o novo.
Foi implementada a experimentação de novas práticas na tentativa de entregar aulas
de língua que fossem minimamente próximas daquilo que é oferecido no ensino pre-
sencial. Entretanto, o grande abismo interacional instaurado por peculiaridades, como
a demora na resposta e/ou ausência da imagem de alguns alunos devido a conexão com
internet de baixa qualidade, ou por outras razões, acarretaram na defasagem principal-
mente na relação aluno-aluno durante os encontros síncronos. Diante disso, a solução para

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

amenizar tal conflito foi procurar por uma metodologia que incentivasse a autonomia de
cada um dos alunos de modo que se empenhassem, através da pesquisa e da descoberta,
nos conteúdos determinados pelo professor.
As considerações que serão feitas posteriormente seguem uma abordagem descriti-
vo-qualitativa e dizem respeito a uma metodologia que, por disposição e boa recepção de
ambas as partes − docente e discente − se mostrou muito funcional. Tal aplicabilidade, no
entanto, não é assegurada em todos os casos. Fatores internos − determinação, concen-
tração − e externos − acessibilidade, administração do tempo − pertinentes especialmente
aos alunos, são variáveis indispensáveis na consolidação da estratégia perfilhada.

O método: um breve relato histórico

A palavra método advém do grego méthodos, uma composição de meta, que inter-
preta-se como “ordem” e hodós, que denota “caminho”. Isso quer dizer que sua concep-
ção está ligada à decisão por um determinado caminho conjuntamente a uma ação orde-
nada por princípios, a fim de atingir fins e resultados específicos.
A literatura científica confere à concepção de método a ideia de “um conjunto de
etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo
da ciência, ou para um determinado fim”. (cf. Rampazzo, 2002, p.13 apud Vilaça, 2008,
p. 75). Ele é, de acordo com Balboni (2012), uma sucessão de procedimentos instru-
mentalizados e ordenados a serem seguidos de maneira linear, construídos com base em
objetivos pré-estabelecidos:

O método é a tradução da abordagem em procedimentos operacionais, por meio dos


quais organizar e implementar as indicações da própria abordagem. O método, portanto,
lida com ferramentas organizacionais para o ensino de línguas. Pode ser adequado ou
inadequado, consistente ou inconsistente. (Balboni, 2012, p. 234, tradução nossa)1

Dentro do ensino de línguas estrangeiras, embora se apresente uma vasta diversi-


dade conceitual em relação ao termo, algumas merecem destaque por suas contribuições
e presença frequente no suporte teórico da área, a saber, Edward Anthony (1963) e Ri-
chards & Rodgers (1986).

1 Il metodo è la traduzione dell’approccio in procedure operative, per mezzo delle quali organizzare e realizzare
le indicazioni dell’approccio stesso. Il metodo si occupa quindi di strumenti di organizzazione dell’educazione
linguistica. Può essere adeguato o inadeguato, coerente o incoerente.

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

É necessário, portanto, para se compreender sobre o que se entende por método/


metodologia, assim como a importância da sua escolha no contexto de atuação do
professor, comentarmos sumariamente sobre alguns dos principais métodos postulados
desde o começo do século XX. Vale ressaltar que são apresentadas as metodologias em
linhas gerais de suas aplicações, somente.
No âmbito do ensino de línguas estrangeiras, o assunto desperta constante interes-
se. A metodologia é, basicamente, o exoesqueleto da prática de ensino e, como qualquer
exoesqueleto, de tempos em tempos ela se renova, recebendo roupagem inteiramente
nova e se adaptando às exigências educacionais vigentes. É claro que alguns métodos são
eternizados, por sua boa aplicabilidade.
A questão é que a busca por um método perfeito foi, durante muito tempo, uma ob-
sessão (cf. Brown, 2001). Essa incessável busca, pautada no sonho da descoberta de um
método que pudesse ser utilizado em todos os contextos e atendesse a todo e qualquer alu-
no, fazia com que cada método novo que surgisse, de certa forma, desempenhasse o papel
de romper radicalmente com o anterior. Cada nova metodologia de ensino se colocava
como uma revolução contra as falhas e lacunas das anteriores, contestando sua validade.
Na segunda metade do século XX, com o aumento de procura por cursos de língua
estrangeira devido à crescente globalização e portanto, novas exigências do mercado (cf.
Brown, 2001), os estudos voltados para as metodologias de ensino se intensificaram, con-
cebendo diversos formatos inéditos e outros, modificados ou aperfeiçoados a partir dos
já existentes.
Alguns dos métodos mais difundidos e aplicados são o Método da Gramática - Tra-
dução, o Método Audiolingual, o Método Direto, o Pós-método e o Método Comuni-
cativo, convenientemente chamado também de Abordagem Comunicativa (cf. Almeida
Filho, 1993). Todos estes possuem fortes relações interdisciplinares, já que suas configu-
rações levam em conta, majoritariamente, concepções advindas de diversas áreas huma-
nas, como a Linguística, a Psicologia, a Sociologia, dentre outras ciências.
As críticas insurgentes sobre as disciplinas-base em questão, à vista de sua grande
intervenção no exercício metodológico, estimulavam reformulações, adaptaçõe e a elabo-
ração de novas metodologias.

A era pós-método e as metodologias ativas

O grande emaranhado de concepções metodológicas rígidas e os sucessivos fracas-


sos na busca por um suposto método perfeito propaga então um movimento de ecletismo

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

entre pesquisadores. O descontentamento culminou, de certa forma, na defesa da flexibi-


lização metodológica no ensino de línguas estrangeiras, com a qual se pretendia valorizar
mais o perfil específico das turmas e dos contextos de aprendizagem.
Podemos chamar tal recorte histórico de “a era pós-método”. Isto significa que os
esforços se voltam agora a uma procura não por um método alternativo, mas por alternati-
vas aos métodos propostos por teóricos da área de ensino de línguas (cf. Kumaravadivelu,
2003, p. 32 apud Magalhães, 2012, p.7). Dessa forma, o professor pode tomar decisões
metodológicas mais coerentes ao contexto de ensino-aprendizagem em que atua, usando
da maior flexibilidade e autonomia enquanto se ocupa de tarefas como a auto-avaliação
de sua prática e a observação mais minuciosa da produção de seus alunos, de maneira a
identificar e atender as necessidades individuais destes e com isso, paulatinamente, remo-
delar suas ações.
É neste cenário que surgem as metodologias ativas, as quais hibridizam meios para
o aluno engajar-se mais na investigação orientada e colaborativa dos conteúdos e nas
competências socioemocionais. As metodologias ativas trabalham com toda sorte de
aparato que cause impacto na absorção de conhecimento pelo aluno: problemas reais,
desafios, jogos, leituras, valores fundamentais, combinação de tempos individuais e
tempos coletivos. Isso exige uma mudança de configuração do currículo, da participação
dos professores, da organização das atividades didáticas e da organização dos espaços
e tempos. Sendo assim, as metodologias ativas elevam o discente ao protagonismo do
conhecimento que, por sua vez, passa atuar como agente ativo do aprendizado. Sobre tal
reflexão, Lima (2019) nos esclarece que:

Sendo assim, as metodologias ativas de ensino têm como centralidade a construção


da aprendizagem do aluno pelo aluno, desenvolvendo sua autonomia por de meio
experiências reais ou hipotéticas, nas quais o ensino visa promover meios, ferramen-
tas e mediação (por parte do professor) para realizar ações que levem o estudante a
construir e compreender o seu processo de aprender. (cf. Lima, 2019, p. 21)

Sobre escolhas metodológicas em um período atípico

Viver em tempos de pandemia não tem sido uma tarefa fácil. No campo da educação,
vários desafios surgiram quase que de repente, promovendo mudanças drásticas na rela-
ção e contato entre professor e aluno.

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ciamentos social.

Uma das medidas acordadas pelo projeto CLAC2 e seus monitores, antes mesmo do
período remoto se iniciar, foi a reorganização da carga horária semanal de todos os cursos
de línguas. As horas de aula seriam, então, distribuídas entre encontros síncronos e assín-
cronos, de modo a tentar refrear a desmotivação e a possível evasão dos alunos.
Os desafios que enfrentaríamos estavam, de certa forma, fora do nosso campo de
visão, já que nunca havíamos adotado a modalidade remota nos cursos e nem todos esta-
vam equipados adequadamente para exercer a monitoria. Tudo foi definido e preparado
com agilidade, desde a formação didática dos monitores, treinamentos no uso de algumas
ferramentas digitais, até a adaptação de alunos às plataformas que serviriam como salas
de aula virtuais, de modo a não perder também o segundo semestre de 2020.
Questões como planejamento, material didático, uso de ferramentas complementa-
res e avaliação não se mostraram preocupantes. Entretanto, a dúvida sobre qual seria a
metodologia ideal para um contexto atípico como esse se tornou uma grande interrogação
poucos dias antes do início do semestre. A princípio, a iniciativa foi fazer uma sondagem
do perfil da turma, e a partir daí definir as estratégias metodológicas.
Composta por um total de 13 alunos, a turma se mostrou bastante heterogênea em
termos de nível, idade e objetivos. Alguns haviam retornado ao curso após um intervalo
de dois anos, outros admitiram não terem tido o aproveitamento esperado no nível ante-
rior e, por isso, ainda encontravam bastante dificuldades em certos tópicos já estudados.
Nos encontros de orientação, foi decidido que a distribuição da aula de aproxima-
damente quatro horas seguidas teria o seguinte formato: as três primeiras horas seriam
reservadas para o encontro assíncrono, no qual materiais autorais ou não seriam disponi-
bilizados e uma espécie de consultoria seria aberta para resolução de dúvidas durante a
realização das atividades propostas. O encontro síncrono aconteceria no final, com uma
hora de duração e, neste espaço, se investiria no aperfeiçoamento da competência oral/
auditiva dos alunos.
Coincidentemente, a ordem na atribuição e realização das tarefas já seguia aquilo
que posteriormente se elegeria como a metodologia mais adequada para o processo de
ensino-aprendizagem da turma em questão. Outros princípios regentes pertinentes a tal
estratégia foram acoplados gradualmente.
Os sujeitos envolvidos nas atuais circunstâncias estão sendo provocados por uma
nova relação com o conhecimento, em que, por ambas as partes, se percebe a necessidade

2 CLAC - Cursos de Línguas Abertos à Comunidade. Projeto de extensão da Faculdade de Letras da UFRJ, no
qual seus alunos de graduação, das diversas habilitações, atuam como monitores bolsistas de língua.

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ciamentos social.
de aprender a aprender e de se adequar aos desafios da cultura digital. O que era antes
vigente apenas no plano de educação presencial, está passando por um constante processo
de redimensionamento, dando luz a novos estilos de ensinar e aprender.
Nesse redimensionamento, a metodologia escolhida para o funcionamento das aulas
dependeu em grande parte da motivação e das condições de estudo dos alunos. O pro-
fessor certamente possui uma responsabilidade ímpar, isto é, aquela de incentivar seus
aprendizes e ensiná-los a desenvolver habilidades que os tornem capazes de aprender
autonomamente. Sendo assim, tendo em vista que um dos maiores desafios do período
remoto é justamente o de estudar sozinho, a metodologia também colabora para tal.

Flipped learning - a ordem dos fatores altera o produto - e os produtores

Embora muitas vezes definido de forma simplista como “trabalho escolar em casa
e trabalho de casa na escola’’, o Flipped Learning é uma metodologia ativa que permite
aos professores implementar outras metodologias, em suas salas de aula. O aprendizado
invertido parte do movimento da instrução direta do espaço de aprendizagem do grupo ao
espaço de aprendizagem individual, enquanto o primeiro é transformado em um ambiente
dinâmico e interativo de aprendizagem onde o educador orienta os alunos à medida que
aplicam conceitos e se envolvem criativamente no assunto discutido.
A metodologia começou a ser implementada no ensino básico entre os anos de 2006
e 2007, na escola Woodland Park, no Colorado, Estados Unidos e teve como idealiza-
dores os professores Jonathan Bergmann e Aaron Sams. Os docentes, que compunham
a equipe de química da instituição, buscavam alternativas para seus alunos que estavam
frequentemente ausentes em suas aulas devido ao fato de a escola se localizar em um lu-
gar de difícil acesso. Os alunos perdiam tempo demais com o trajeto.
Assim, Bergmann e Sams inspiraram-se na prática já existente de gravações de au-
las do tipo screencasting, fazendo, assim, com que os alunos que precisassem tivessem
acesso aos conteúdos, a qualquer momento e em qualquer lugar. No entanto, o que se pôde
notar foi que o acesso aos conteúdos gravados era total: todos os alunos passaram a consu-
mir os conteúdos em formato audiovisual e o impacto, durante a aula, era muito positivo.
A inversão da sala de aula e consequentemente da ordem tradicional no processo de
ensino-aprendizagem se dá também por dois questionamentos: “Qual o valor do tempo
da aula presencial se o aluno pode acessar facilmente o conteúdo mesmo sem estar em
sala e para que realmente os alunos precisam de um professor presente fisicamente?” (cf.
Bergmann; Sams, 2014, p. 10). Por fim, logo começaram a experimentar as práticas do

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ciamentos social.
novo formato, fornecendo instruções diretas através de vídeos e outros tipos de materiais
didáticos que permitissem aos alunos a explorar antes das aulas presenciais. Isso possibi-
litou o uso mais estratégico do tempo de aula presencial para atividades colaborativas ou
que requeressem atenção individualizada.
Como resultado dessa primeira experiência, Bergmann e Sams descobriram que o
tempo começa a ser mais bem gerenciado, tanto pela parte docente quanto pela discente.
O novo modelo, de fato, mostrou-se mais funcional ao “engajar cada um dos aprendizes le-
vando seu aprendizado mais profundo e mais longe” (BERGMANN; SAMS, 2014, p. 12).

FLIP: Os Pilares da aprendizagem invertida

A aprendizagem invertida não é um processo definido; permite muitas expressões


do modelo. Não existe uma estratégia única que funcione em cada sala de aula,
para cada professor e para cada aluno. No entanto, a aprendizagem invertida é
adaptável ao seu estilo, métodos e circunstâncias. Cada professor pode persona-
lizar sua versão de aprendizagem invertida para seus alunos. Ele também permi-
te que os professores utilizem seus pontos fortes como educadores. No entanto,
existem alguns componentes principais de todos os ambientes de aprendizagem
invertidos bem-sucedidos. (BERGMANN; SAMS, 2014, p. 7, tradução nossa)3

Bergmann & Sams (2014) utilizam vídeos em sala de aula como ferramenta didática,
no entanto, muitos adeptos à metodologia não utilizam vídeos como aparato didático. Ou
seja, o que importa para aplicá-la é adotar ferramentas tecnológicas e o ensino assíncrono
com uma abordagem voltada para o aluno, visando criar um ambiente estimulante à curio-
sidade, já que a metodologia é replicável, escalável e personalizável para cada professor.
Portanto, o Flipped Classroom não define ferramentas ou aparatos obrigatórios e
deixa a cargo do professor encontrar meios para inovar e aplicar os conceitos da “sala de
aula invertida”, buscando estimular os alunos a terem uma melhor experiência durante o
processo de aprendizagem. Entretanto, alguns princípios devem ser levados em conta du-
rante seu funcionamento, os quais formam a sigla FLIP: Flexible Environment, Learning
Culture, Intentional Content e Professional Educator (cf. Bergmann; Sams, 2014, p. 19).
O ambiente flexível (Flexible environment) diz respeito à criação de um espaço de
flexibilidade tanto para o professor quanto para o aluno. Permite ao docente aderir a uma
ampla variedade de modelos de ensino, e aos alunos permite rearranjar seu próprio tempo,

3 No original: Flipped learning isn’t a set process; It allows for many expressions of the model. There is no
single strategy that works in every class-room, for every teacher, and for each student. However. flipped learning
is adaptable to your style, methods, and circumstances. Each teacher can personalize their version of flipped
learning for their students. It also allows teachers to play to their individual strengths as educators. However,
there are some key components of all successful flipped learning environments.

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

combinar prazos colaborativamente e gerenciar seu próprio aprendizado. Quanto à Cultu-


ra do Aprendizado (Learning Culture), este princípio faz menção propriamente a uma das
intenções primordiais da inversão, ou seja, dedicar o tempo de aula presencial − podemos
aqui levar em consideração o momento síncrono das aulas em modalidade remota − a
explorar mais profundamente o tópico, já que entram em aula munidos de certo conhe-
cimento. O Conteúdo Intencional (Intentional Content) diz respeito à produção, seleção
e entrega de material que faça sentido para os alunos, auxiliando na maximização do
entendimento dos conteúdos. Por fim, o Educador Profissional (Professional Educator)
toca no papel ainda mais relevante do professor nesta metodologia. Com mais tempo para
avaliar, o educador pode refletir sobre sua prática, identificar necessidades com agilidade
e dar feedback mais detalhado a cada um de seus alunos e refletir sobre as suas práticas.
Ademais, é necessário destacar outros aspectos configuracionais da aprendizagem
invertida, tão primordiais quanto aqueles mencionados anteriormente. Bergmann & Sams
(2016, p.9) elencam “a idealização de espaços3 colaborativos e individuais, a ênfase à
centralização do estudante e ao aprendizado, não ao ensino” como princípios gerais que
devem ser apreciados.

O Flipped learning em modalidade remota

Para a implementação do flipped learning durante o período remoto no projeto


CLAC, os alunos foram instruídos sobre como seriam realizadas as tarefas e o que exata-
mente seria cobrado deles em ambos os encontros − síncrono e assíncrono. Em linguagem
mais acessível e sem menção à metodologia, os princípios regentes do ensino invertido
foram transmitidos pelo professor para a familiarização dos alunos com as expectativas
em relação às atribuições lançadas a cada sessão da aula.
A divisão da aula foi objetiva e aparentemente não causou incompreensões. Nas três
primeiras horas de aula, os alunos foram submetidos, dentro da plataforma Google Class-
room, a conteúdos referentes à lição do material didático do curso e atividades de diversos
gêneros que fariam ponte com a sessão síncrona. Basicamente, eram selecionados de um
a dois vídeos curtos e uma pequena lista de exercícios obrigatórios sobre um determinado
tópico gramatical ou lexical, além de exercícios extra que os aprendizes poderiam acessar
caso julgassem necessário, estes últimos sem obrigatoriedade de entrega. Mesmo este
sendo o “espaço individual” de absorção de conhecimento, assim como mencionado por
Bergmann & Sams (2014), algumas propostas partiam da colaboração entre a turma. Um

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

exemplo de tais propostas foi a postagem de comentários sobre determinados textos ou


vídeos, na qual os aprendizes podiam ter contato com a produção de seus colegas. Foi
também estabelecido um espaço para feedback e solução de dúvidas, deixando a sala de
aula virtual aberta, à disposição deles, caso precisassem falar com o professor.
A sessão síncrona estabeleceu-se durante a última hora de aula, quase que como uma
espécie de consolidação do conteúdo tratado. Neste momento, era esperado que os alunos
tivessem completado todas as tarefas propostas e que chegassem na sessão síncrona já
alinhados para aplicar colaborativamente o conhecimento explorado, em atividades pen-
sadas em especial para o desenvolvimento da competência oral. Não houve exposição di-
reta de tópicos gramaticais durante esta sessão, nem mesmo atividades de caráter passivo.
A metodologia foi muito bem recebida e efetivada no curso, trazendo bom índice de
produtividade entre os alunos, pois foi possível, por meio da otimização do tempo e da
distribuição inovadora de responsabilidades, sugerida pelo formato estratégico do flipped
learning, oferecer mais suporte aos alunos menos autônomos, enquanto os outros pavi-
mentaram seu próprio caminho de aprendizagem. Foi possível alinhar colaborativamente
os alunos mais independentes aos alunos que ainda não haviam consolidado o senso de
autonomia.
Evidentemente, como em qualquer metodologia, obstáculos inesperados − ou talvez
até bem previsíveis, se avaliada − surgiram e não foram facilmente driblados. Esperar que
uma turma siga instruções com excelência constante é utópico. Surgirão outros compro-
missos, a memória pode falhar ou até mesmo, em um dia ruim, o desinteresse pode agir
contra. Em outras palavras, os aprendizes nem sempre estarão disponíveis e isso pode
pesar em certos princípios da aprendizagem invertida. Para exemplificar, ao não realizar
as atividades elaboradas para a sessão assíncrona e pular esta etapa, julgando que a sessão
síncrona será suficiente para recuperar o conhecimento não apreendido, os alunos se vêem
totalmente perdidos, já que o espaço coletivo requer que os participantes o adentrem ao menos
com noções básicas do tópico. Sendo o professor também responsável pela percepção socioe-
mocional da sua classe, foi necessário, nesses casos, tomar um tempo da sessão síncrona para,
de maneira breve, reforçar o conteúdo e observar mais atentamente estes alunos.

Considerações finais

Este artigo, de modo geral, versou sobre os aspectos gerais da metodologia ativa
de aprendizagem invertida proposta por Bergmann e Sams (2014) e sua implementação,

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FILHO & LACERDA. Aprendizagem invertida: reflexões sobre o uso e aplicabilidade da metodologia ativa em tempos de distan-
ciamentos social.

entendida, nesta pesquisa, como uma estratégia de ensino híbrido que possibilita mais
autonomia ao aluno e flexibilidade didática ao professor.
Assim, acompanhando os objetivos estabelecidos, primeiramente foram apresenta-
das posições teóricas sobre o conceito de método, de forma a situar o leitor historicamente
nos diferentes tratamentos dados ao assunto e também para propiciar condições para que
se pudesse estabelecer um panorama comparativo em relação ao que consiste uma meto-
dologia ativa, em especial o ensino invertido. Para tanto foram feitas algumas considera-
ções sobre a era pós-método, período que levou a grandes mudanças na ideia de busca por
um método de ensino-aprendizagem perfeito.
Posteriormente, uma discussão foi levantada sobre os desafios enfrentados na edu-
cação durante o período de pandemia e quais seriam as metodologias ideais para um pe-
ríodo tão atípico como esse, em que as ferramentas virtuais se apresentaram como parte
indispensável da prática docente.
Diante disso, estrutura e princípios da metodologia ativa da aprendizagem inverti-
da foram formalmente elencados, assim como a experiência de sua aplicação, durante o
período remoto, em uma turma de italiano do projeto CLAC, expondo seus aspectos prá-
ticos em linhas gerais. Pode-se concluir que suas contribuições são muitas, pois acelera
o aprendizado por meio da absorção de conceitos em materiais retilíneos e intencionais,
flexibiliza os estudos pela otimização do tempo, promove mais precisão na performance
durante o encontro síncrono e favorece ainda mais a adesão do aluno devido ao protago-
nismo no seu próprio processo.
Com isso, para fins de conclusão, espera-se que o modelo metodológico sirva como
inspiração para os monitores de línguas estrangeiras do projeto CLAC, assim como para
quaisquer educadores que tenham contato com este artigo, ao elaborar seus projetos de
aplicação da sala de aula invertida.

Referências bibliográficas

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REVISTA LÍNGUAS & ENSINO – volume 3 | p.126-138 | ISSN: 2447-6145 138


TÔ VENDO UMA ESPERANÇA:
REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE
LEITOR CRÍTICO A PARTIR DO USO DE
METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS
NOS MEIOS DIGITAIS

Erica Gonçalves Lima


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Inglês. E-mail: ericagoncalves@letras.ufrj.br

Luiza Fernandes Braga


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Italiano. E-mail: luizabraga@letras.ufrj.br

Paulo Cezar Maia


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorando no Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Literatura. E-mail: paulomaia@letras.ufrj.br
RESUMO

No presente artigo, discutiremos o conceito de leitor crítico de literatura a partir de


uma perspectiva histórico-crítica pensando a formação de leitores numa realidade
contingenciada pela cultura de massa (Maia, 2020). Discorreremos sobre como
tal noção fundamenta as ações do Grupo de Educação Multimídia (GEM/UFRJ)
enquanto analisamos o curso CLACquete – Práticas Audiovisuais. Este curso tem
como público-alvo os monitores do Cursos de Línguas Abertos à Comunidade
(CLAC) e seu objetivo é a criação de metodologias participativas, com base no
princípio pedagógico da politecnia (cf. Saviani, 2007), em ambiente remoto, a partir
do uso experimental de ferramentas digitais. Ao articular a perspectiva de leitura
e escrita de Roman Jakobson a uma perspectiva pedagógica histórico-crítica,
afirmamos a tradução intersemiótica (cf. Jakobson, 1976) como um horizonte
metodológico potente para pensar a questão do leitor na contemporaneidade e
para desenvolver uma formação crítica em linguagem.
PALAVRAS-CHAVE: Educação politécnica; Desenvolvimento de metodologias;
Leitura crítica.

ABSTRACT

In this paper we will discuss the concept of literature’s critical reader from a
historical-critical perspective focusing on the instruction of readers in a reality
contingent by the mass culture (cf. Maia, 2020). We discourse about how such
idea is the basis for Grupo de EducaçãoMultimídia (GEM/UFRJ) projects while
analysing the course CLACquete – PráticasAudiovisuais. This course had as a
target audience the tutors of Curso de LínguasAberto à Comunidade (CLAC)
and its main goal is the creation of participatory methodologies, having as a
foundation the pedagogical principle of polytechnic training (cf. Saviani, 2007) in
remote environments experimenting the use of digital tools. Articulating Roman
Jakobson’s perspective of reading and writing to the historical-critical pedagogical
perspective, we highlight intersemiotic translation (cf. jakobson, 1976) as a
powerful methodological horizont to think about the matters of the reader in the
contemporary times and to develop a linguistic critical instruction.
KEYWORDS: Polytechnic education; Methodological development; Critical
reading.
LIMA, BRAGA & MAIA. Tô vendo uma esperança: reflexões sobre o conceito de leitor crítico a partir do uso de metodolo-
gias participativas nos meios digitais.

Introdução

Este artigo procura aprofundar o entendimento do conceito de leitor crítico de literatura


e procura também refletir sobre como este é central no processo de estruturação das ações
do Grupo de Educação Multimídia (GEM/UFRJ). Ao longo do trabalho, explicitamos
essa ação através da análise do curso CLACquete – Práticas Audiovisuais (GEM/CLAC).
O engajamento na leitura por parte de sujeitos contingenciados pela cultura de massa
e pelas mídias digitais é um desafio. Maia (2020) aponta a relação entre os baixos índices
de leitura de literatura com a crescente popularização e uso das mídias digitais e com o
impacto causado pela sociedade do espetáculo. Além disso, explicita a necessidade de se
criar, a partir de uma base politécnica, metodologias participativas de ensino-aprendizagem
de linguagem que articulem literatura e audiovisual, com foco na democratização destas
linguagens e da tecnologia para a formação de leitores críticos, participativos e autônomos.
É sobre tal problemática que este artigo se debruça. O trabalho politécnico (cf. Saviani,
2007) e o uso e a democratização dos meios digitais (cf. Feenberg, 2010) são entendidos
aqui como um caminho para discutir e trabalhar estratégias para a formação de leitores. À
vista disso, será abordado o que é leitor crítico (cf. Candido, 2002) na contemporaneidade
a partir do horizonte da tradução intersemiótica (cf. Jakobson, 1976) como metodologia
de ensino-aprendizagem a partir de uma perspectiva histórico-crítica.

O papel do leitor

Como apresenta Compagnon (1999), ao longo da história dos estudos literários,


autores distintos teorizaram sobre o papel do leitor. Alguns argumentaram que o leitor
não deveria ser considerado como elemento literário, bastando o foco no texto. Outros
enxergaram o leitor como objeto de análise importante a ser considerado. A admissão do
leitor na teoria faz emergir questões complexas, pois abre perguntas em relação ao que é
o processo de leitura, como analisar a recepção e qual é o papel do leitor.
Ainda de acordo com o autor, as vertentes que ignoravam o leitor o faziam pois
consideravam que a obra literária bastava em si mesma, não precisando nem do leitor
nem do autor, como defendia Mallarmé. Ou seja, alguns críticos e autores acreditavam
que não se podia construir um sentido para o texto, pois ele já existia de forma definida
e preexistente a qualquer leitura. O texto não necessitaria de interpretações, pois tais
interpretações são significações, construções de significados alheias. Desta maneira, a

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LIMA, BRAGA & MAIA. Tô vendo uma esperança: reflexões sobre o conceito de leitor crítico a partir do uso de metodolo-
gias participativas nos meios digitais.

leitura fracassaria diante do texto em si (COMPAGNON, 1999, p. 142).


Porém, a admissão do público-alvo da obra literária fez emergir questões sobre os
limites e as liberdades acerca do leitor e do texto – o que Compagnon chama de “jogos de
liberdade e da imposição”. Entre outros pensadores, Proust, ao teorizar sobre tal ponto,
defende que não é possível atingir o livro, mas, sim, atingir “um espírito reagindo [ao]
livro e misturando-se a ele. Não poderia haver acesso imediato, puro, ao livro.” (PROUST,
1987 apud COMPAGNON, 1999, p. 143). Proust defendia que não existia nada em
comum nas leituras das pessoas, uma vez que suas interpretações, ao serem livres e se
relacionarem com as experiências individuais, naturalmente iriam variar muito. Assim, o
texto seria “um efeito experimentado pelo leitor, e não um objeto definido, preexistente à
leitura” (COMPAGNON, 1999, p. 149).
Ainda na visão de Proust, a escrita e leitura coincidiriam e o leitor seria um literato.
Em suas palavras: “a leitura seria uma escritura, da mesma forma que a escrita era uma
leitura, já que em O Tempo Redescoberto, a escrita é descrita como a tradução de um livro
interior. E a leitura como uma nova tradução num outro livro interior. ‘O dever e a tarefa
de um escritor’, concluía Prost, ‘são os de um tradutor’” (COMPAGNON, 1999, p. 145).
Em relação à leitura, Jakobson (1973) compreende tal processo em duas esferas:
uma superficial, que se refere à ação de decodificar um texto em seu código, entendendo
o conhecimento linguístico a partir do texto; e uma esfera mais profunda, que se refere
a quando o leitor reflete sobre o texto, desvelando as articulações entre sua forma e
conteúdo e construindo seu sentido. Dessa maneira, a leitura é um processo articulado:
não é apenas a decodificação linguística de um texto, mas também um desvelamento
que ativamente dialoga com a produção e a questiona, visando a elaboração de uma
recodificação, uma organização metalinguística, que depende também da bagagem
cultural e da vivência dos sujeitos envolvidos. Para o teórico, a leitura é uma reescritura,
um processo ativo de tradução, visto que “o nível cognitivo da linguagem não só admite,
mas exige a interpretação por meio de outros códigos, a recodificação, isto é, a tradução”
(JAKOBSON, 1976, p. 70).
Para Jakobson, a escrita é como uma transcriação. É o processo em que se escolhe
elementos para formar uma produção a depender de seu objetivo. É uma composição, um
trabalho que articula forma e conteúdo e mobiliza diferentes referências para causar um
determinado efeito e para expressar uma perspectiva, uma mensagem, uma resposta, para
gerar uma outra criação, autônoma, mas dependente de suas referências. À luz disso, leitura
e escrita são processos ativos de tradução: a primeira, uma recodificação metalinguística;

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gias participativas nos meios digitais.

a segunda, uma ressignificação. A partir desta informação, podemos pensar sobre a leitura
e o protagonista desta ação, o leitor, o indivíduo que, através de seu filtro formativo,
crítico e histórico-social, irá traduzir determinado texto.
A partir da análise de uma sociedade capitalista e no embate com esta, o elemento
fundamental da perspectiva histórico-crítica é o desenvolvimento de uma consciência de
historicidade e das relações sociais na formação dos sujeitos visando a transformação da
realidade através da apropriação, ressignificação e criação de novos valores morais de sua
sociedade, em oposição à hegemonia da cultura capitalista e das ideias da classe dominante
que hoje a definem (cf. Ramos e Moratori, 2017). É na apropriação de ferramentas que é
possível superar a alienação produzida pela lógica capitalista e definir novos sentidos para
a vida, o trabalho e a educação. Sendo assim, uma leitura dialética (histórico-materialista)
do mundo e dos produtos culturais e artísticos, tais quais os textos literários, se forma a
partir da fundamentação crítica, científica e cultural e corresponde a um olhar que analisa
o modo como ferramentas são usadas, como escolhas são feitas coletiva e historicamente,
e que analisa quem e o que se produz e para quem.

A tradução intersemiótica como metodologia

Tal entendimento oferecido por Jakobson sobre a natureza do exercício de tradução


nos processos de leitura e escrita fundamenta a tradução intersemiótica, termo cunhado
por ele. Em sua visão, a tradução intersemiótica é definida como uma transmutação, a
conversão de uma mensagem em outro sistema de signos, isto é, uma adaptação dos
signos de uma linguagem em signos de outra linguagem. Nas palavras do teórico: “A
tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na interpretação de signos verbais por
meio de sistemas de signos não-verbais” (JAKOBSON, 1976,p. 65).
Ao entender a tradução intersemiótica como metodologia, é possível vislumbrar uma
organização de trabalho pedagógico que articule diferentes linguagens – e, neste sentido,
diferentes áreas – e que estimule os dois processos referenciados – a leitura e a escrita –
como processos ativos em prol do desenvolvimento da participação, da autonomia e da
consciência crítica. Isso se dá porque a tradução como meio abre espaço para a reflexão
tanto sobre as produções artísticas apresentadas nas oficinas pelos idealizadores quanto
sobre as produções que os participantes criam. Assim, a oficina de tradução, ao mobilizar
reflexões teóricas e práticas, estimula a “integralidade do trabalho como produção do
conhecimento” (MAIA, 2020, p. 34).

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gias participativas nos meios digitais.

Ainda de acordo com Maia, metodologias de organização de trabalhos produtivos


que envolvem linguagens possibilitam que sua “chave crítica” esteja “na proposta de
organização coletiva de processos de transformação de textos literários em audiovisuais,
mediante acumulação teórica e de referências críticas e estéticas delimitadas a cada caso”
(cf. Maia, 2020, p. 35-36). Portanto, através de uma articulação entre os conhecimentos
teóricos, referenciais e práticos, o exercício da tradução intersemiótica convida ao
participante das oficinas que se produza uma chave crítica a partir da produção do material
e da travessia entre linguagens. Ainda, segundo o autor, um processo formativo através
da tradução entre linguagens requer diversos recursos expressivos e comunicativos e
apresenta muitos desafios, mas “o central é a organização do processo” (cf. Maia, 2020,
p. 36), numa orientação de leitura que parta de uma metodologia participativa e de um
trabalho produtivo.
Quando incentivamos um processo de tradução intersemiótica, em que estão em jogo
não somente os processos subjetivos de leitura e referência, mas também o conhecimento
técnico e tecnológico, ou seja, o conhecimento dos meios e instrumentos, surge um
novo tipo de demanda: a elaboração de uma oficina produtiva. Produtiva no sentido da
elaboração de um produto através da apropriação das ferramentas disponíveis por parte
do sujeito durante a participação na oficina. É necessário, então, obter propriedade dos
meios de produção audiovisual para que eles sejam transformados em tecnologia social
e democratizada. Para Marx, que cunhou o termo educação politécnica, a formação
tecnológica é peça chave no processo de iniciação do sujeito no manejo das ferramentas
de trabalho, explorando os seus princípios gerais e educando sobre o caráter científico,
ou seja, estimulando a apropriação supracitada. Além disso, Marx (1980, p. 554) também
frisou a importância do envolvimento corporal e intelectual nas atividades. É importante
destacar que todas essas diretrizes estão amarradas pelo aspecto da pedagogia histórico-
crítica, portanto, fundamentada através de um olhar espaço-historicamente localizado.
Tendo em mente a rica dinâmica da tradução intersemiótica e o déficit de leitura
no contexto brasileiro, o projeto Travessias: Palavra-Imagem do Grupo de Educação
Multimídia (GEM) tem operado há mais de uma década promovendo oficinas em
escolas e universidades do Rio de Janeiro que visam a formação de leitores críticos
através do trabalho produtivo. A transposição de linguagem entre a literatura e outras
mídias (animação, revistas zine, etc.) é justamente o foco do projeto, acreditando que
no trabalho de travessia entre linguagens exista um rico processo de compreensão da
literatura enquanto instrumento formativo que ultrapassa limites inclusive pedagógicos

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gias participativas nos meios digitais.

tradicionais. Citando Cândido:

A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial [...] Longe de ser um
apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente
em grande voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa
como ela, — com altos e baixos, luzes e sombras (Candido, 2002, p.84)

A Literatura em sua forma bruta, debatida através do seu contexto e das possibilidades
por ela apresentadas, portanto, convida o leitor para um campo de experiência que
transcende o debate para o campo da experiência diversa, convidando para reflexões de
assuntos que são apagados por recorte do “Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme
os interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida” (CANDIDO,
2002, p. 84). Desta forma, a partir da seleção de um material literário que interesse ao
objetivo de estudo e à demanda apresentada, preparam-se oficinas nas quais o leitor parte
para o embate com um texto que dialoga e que quebra com o paradigma estabelecido pela
cultura de massa e pelo modo de produção capitalista. A lógica capitalista tem como centro
o trabalho industrial, o qual se baseia na divisão social das tarefas e na fragmentação das
relações. Isso faz com que cada sujeito que realize uma etapa técnica o faça sem conhecer
ou entrar em contato com as outras etapas diferentes. Este é um trabalho unilateral. É
chamado de alienado por não permitir que os trabalhadores entendam para quê servirá
o trabalho, visto que este é isolado do seu resultado integral final. A lógica capitalista
é centralizada na reprodução de narrativas interessantes à manutenção desta ordem. O
processo de leitura crítica é provocado justamente pela tarefa árdua de transpor o texto
conhecendo-o a fundo a ponto de poder encontrar estratégias para transferi-lo a outra
linguagem.
Além disso, as oficinas contam com a articulação ativa com os saberes
multidisciplinares e técnicos, como o recorte e colagem, roteiro, fotografia e montagem,
operação de programas de computador e desenho, por exemplo. Ao fim da oficina, além
das reflexões e debates gerados pelo encontro com o texto, há também um produto
síntese do trabalho formativo e da organização dos participantes. Assim, a oficina visa
não só a quebra da lógica cultural estabelecida pelo sistema convencionalizado pelos
grupos dominantes no que tange ao objeto de estudo, mas estimula uma nova proposta
de organização do trabalho, rompendo com o modelo industrial, fundamentado em etapas
e na capitalização do tempo o’clock, envolvendo todos os participantes em um processo
participativo e ativo. Dessa forma, consolida-se a ideia do trabalho politécnico.

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LIMA, BRAGA & MAIA. Tô vendo uma esperança: reflexões sobre o conceito de leitor crítico a partir do uso de metodolo-
gias participativas nos meios digitais.

Formação de leitores críticos a partir de uma realidade dominada pela popularidade


da cultura de massa e das mídias audiovisuais/digitais

Este entendimento sobre leitura e escrita no âmbito da tradução intersemiótica


é interessante para pensar a leitura de literatura hoje. A tradução intersemiótica é
importante como metodologia de um trabalho politécnico pois permite a fundamentação
de um processo formativo pedagógico que foque, contemporaneamente, nos sujeitos
contingenciados pela cultura de massa e do espetáculo. Maia (2020) afirma que oficinas
de tradução intersemiótica permitem que os sujeitos envolvidos nessa ação sejam
introduzidos aos princípios básicos da literatura e das mídias audiovisuais e a uma análise
dos textos (verbais ou não) que se tem como objetos de estudo em tais oficinas. Isso se
dá porque a articulação entre técnica e reflexão permite “uma análise dos produtos e dos
seus processos, visando revisões da excessiva marca da cultura de massa nas produções
finais e do exibicionismo e individualismo da sociedade do espetáculo nos processos
organizados coletivamente” (MAIA, 2020, p. 38).
A concepção de oficina adotada pelo GEM é descrita e definida por Maia (2020), que
compreende oficinas como “fragmentos de tempo e espaço” que permitem experiências
das quais tensões emergem na mobilização de textos e no diálogo com os mesmos. Isso
ocorre porque há:

De um lado, a predominância da cultura visual e as estratégias de


colonização mercantil da cultura de massa, sobrecarregando diariamente os
estudantes com informação e padrões formais consumidos e reproduzidos
massivamente. De outro, a garantia de atenção e até adesão em atividades
produtivas que envolvam essas formas e os instrumentos tecnológicos
disponíveis em processos que permitam engajar os envolvidos em novas
estratégias de organização e comunicação (Maia, 2020, p. 36).

Neste sentido, a tradução intersemiótica pode ser entendida como metodologia que
organiza um trabalho omnilateral, isto é, um trabalho integral, sem uma consciência
fragmentada, e, assim, desenvolve criticidade e rompe com a lógica da produção capitalista,
unilateral. Segundo os conceitos fundamentados por Marx (1980), a oposição a esta
produção capitalista seria através do completo envolvimento dos sujeitos no processo
produtivo. Neste modelo integral, estariam envolvidos o aspecto físico e a corporeidade
subjetiva dos indivíduos, bem como o pensamento intelectual de caráter abstrato e o
pensamento crítico e cultural.

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O curso CLACquete

O curso CLACquete é um curso experimental, fruto da parceria entre o CLAC e o


Grupo de Educação Multimídia (GEM). O curso foi oferecido aos monitores de língua
estrangeira do CLAC, durante o ano de 2020, e contou com duas edições online. A
terceira edição está sendo elaborada. O foco da ação é criar metodologias participativas
de ensino-aprendizagem em ambiente remoto e experimentar o uso de ferramentas com
poucos recursos de captação e edição de imagens e sons (aparelhos celulares e InShot).
Desta maneira, a proposta consiste em realizar práticas de produção de vídeos a partir da
literatura, num processo teórico-prático de tradução intersemiótica. Como fundamentação
técnica, os participantes se aprofundaram nos princípios do audiovisual para compreender
conscientemente como vídeos e seus efeitos são produzidos e para terem a possibilidade
de não apenas serem consumidores passivos de produtos audiovisuais, mas também
produtores a partir de suas próprias demandas. É dessa maneira que procuramos explicitar
o processo de leitura e tradução, bem como estimular um maior desenvolvimento de
leitura crítica nos participantes. Durante o curso os participantes puderam se apropriar de
ferramentas online, como as plataformas G Suite, para ressignificá-las como instrumentos
que servem a um trabalho crítico e para também multiplicar sua experiência com seus
próprios alunos.
A acumulação do projeto Travessias foi crucial no processo do CLACquete no que
tange à articulação entre a tradução intersemiótica como metodologia e a construção crítica
de narrativas. O programa do curso contou com os princípios do audiovisual (movimento,
decupagem e montagem), além de trabalhar com a noção de instrumentalização do
pensamento, de Farocki, e de ter por base o cinema de arquivo e as oficinas da OuLiPo
(Ouvroir de Littérature Potentielle). A construção crítica que o Travessias embasou
foi resultado das interações entre textos (verbais e não verbais) e participantes e entre
participantes e suas diferentes referências, canônicas ou não. Foi na leitura e na produção
de linguagem literária e audiovisual que os participantes desenvolveram um entendimento
mais aprofundado sobre a relação entre forma e conteúdo dos textos e da relação
imbricada entre teoria e prática. Travessias: Palavra-Imagem foi a base do processo que
permitiu construir a ação. No entanto, o CLACquete se constituiu ao fazer emergir novas
questões educacionais, tal qual a reflexão sobre o ensino de língua nos meios digitais e a
possibilidade de seu caráter democrático, assim como os limites e possibilidades do uso e

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gias participativas nos meios digitais.

criação de metodologias participativas de linguagem para desenvolvimento de criticidade


em plataformas online. Esse processo destina-se à formação dos monitores do CLAC e à
criação de metodologias através da apropriação de conteúdos, reflexões e ferramentas por
parte dos mesmos. Por apropriação queremos salientar a importância do movimento de
replicação de metodologias por parte destes monitores que, após terem desenvolvido uma
maior acumulação sobre linguagem audiovisual e metodologias participativas, utilizem
esses conhecimentos para aplicação nas suas salas de aula.
Nós, autoras deste artigo, somos estudantes em formação, desenvolvendo pesquisa
e semeando extensão. A possibilidade de participar como alunas na primeira edição,
e como professoras na segunda, ilustra a lógica da metodologia participativa, pois, ao
mesmo tempo que tivemos a oportunidade de experimentar a metodologia a partir do
processo de experiência e produção na primeira edição, pudemos participar ativamente
da reelaboração e da coordenação da segunda edição, permitindo uma formação integral
que envolve ensino, pesquisa e extensão. 

Considerações finais

Neste artigo, buscamos refletir sobre o que é leitor crítico, bem como apresentar a
tradução intersemiótica como estratégia de formação de leitores ao engajar e dar sentido
à leitura de literatura visando à produção audiovisual. Nosso propósito é de, através de tal
metodologia, desenvolver a criticidade dos sujeitos participantes das oficinas produtivas,
para que estes se apropriem das mídias que fazem uso ou que consomem cotidianamente
e se tornem sujeitos ativos na leitura dessas mesmas ferramentas e também na produção
de novos textos.
Buscamos também sublinhar a riqueza no encontro de metodologias, saberes culturais
e didáticos entre os monitores do Cursos de Línguas Abertos à Comunidade e os bolsistas
do Grupo de Educação Multimídia a partir da experiência no CLACquete – Práticas
Audiovisuais e de como essa troca possibilita a contemplação do tripé universitário.

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LIMA, BRAGA & MAIA. Tô vendo uma esperança: reflexões sobre o conceito de leitor crítico a partir do uso de metodolo-
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PRODUÇÃO TEXTUAL: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA SOBRE A CONSTRUÇÃO
DO PARÁGRAFO ARGUMENTATIVO

NO ENSINO REMOTO DO CLAC

SAMUEL MALAQUIAS
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras: Português-
Literaturas. E-mail: samuelmalaquias@letras.ufrj.br

MÔNICA TAVARES ORSINI


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. Associada IV do
Departamento de Letras Vernáculas – Setor de Língua Portuguesa.
E-mail: monica.orsini@letras.ufrj.br
RESUMO

Em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, os cursos de Redação do CLAC


viram-se obrigados a pensar em novas estratégias e metodologias para se adaptarem
ao novo contexto. Tais mudanças refletiram-se particularmente nas estratégias de
avaliação. Em face do distanciamento físico e afetivo, decorrente do ensino remoto,
tornou-se imperativo criar propostas avaliativas de acompanhamento da evolução dos
discentes, e não apenas de atribuição de notas. Além disso, o uso de suportes digitais
online e offline impõem estratégias adequadas a essas ferramentas, que podem ou
não equivaler a recursos utilizados no modelo presencial. Assim, no curso de Redação
I, propusemos atividades de produção textual síncronas e assíncronas, segmentadas
em etapas. Essas propostas foram baseadas em Luckesi (2012, p. 35), que afirma
ser a avaliação“um momento dialético de “senso” do estágio em que se está e de
sua distância em relação à perspectiva que está colocada como ponto a ser atingido
à frente”. A evolução positiva dos alunos, no que tange à proficiência de leitura textos
argumentativos e escrita de parágrafos argumentativos, mostrou que as estratégias
avaliativas adotadas atenderam aos seus propósitos, no contexto do ensino remoto
emergencial.
PALAVRAS-CHAVE: Produção textual; Estratégias avaliativas; Argumentação.

ABSTRACT

Considering the pandemic caused by the new coronavirus, CLAC Writing courses were
forced to think about new strategies and methodologies to adapt to the new context. Such
changes were reflected particularly in the evaluation strategies. Because of the physical
and emotional detachment, resulting from remote teaching, it became imperative to
create evaluative activities to monitor the evolution of students. In addition, the use of
online and offline digital media imposes appropriate strategies to these tools, which may
or may not be equivalent to resources used in the face-to-face model. Thus, in the course,
we proposed synchronous and asynchronous textual production activities, segmented
in stages. These proposals were based on Luckesi (2012, p. 35), who affirms that the
evaluation is “a dialectical moment of“sense”of the stage in which it is and its distance in
relation to the perspective that is placed as a point to be reached at front”. The positive
evolution of the students, regarding the proficiency of reading argumentative texts and
writing of argumentative paragraphs, showed that the evaluation strategies adopted
met their purposes, in the context of emergency remote education.
KEYWORDS: Textual production; Evaluative strategies; Argumentation.
MALAQUIAS & ORSINI. Produção textual: um relato de experiência sobre a construção do parágrafo argumentativo no
ensino remoto do CLAC.

Introdução

O CLAC, como são conhecidos os Cursos de Línguas Abertos à Comunidade,


projeto de extensão da Faculdade de Letras da UFRJ, oferece, além de cursos de línguas
estrangeiras, os cursos de Redação e de Oficina de Língua Portuguesa. O curso de
Redação está organizado em três módulos. O primeiro parte da construção do parágrafo
argumentativo, observando os pressupostos teóricos da Linguística Textual (LT), no que
concerne aos mecanismos de coesão e coerência e às estratégias de construção do parágrafo
argumentativo. Nos módulos seguintes, a ênfase recai sobre a produção e interpretação
de textos cujo modo de organização discursivo predominante é o argumentativo,
materializados em diferentes gêneros. Aliamos ao aporte teórico da LT a abordagem
semiótica de linha francesa para o trabalho com textos multimodais, que se caracterizam
pela manifestação de diferentes representações da linguagem e de recursos semióticos
(cf. Teixeira, 2008).
No formato presencial, as aulas do curso de Redação são ministradas uma vez por
semana, com duração de 3 horas. Mas, a pandemia exigiu que repensássemos todo o
curso. No segundo semestre de 2020, após meses de capacitação e planejamento, o
CLAC retomou suas atividades na modalidade remota. Nesse formato, o conteúdo
programático do curso de Redação foi cumprido tal qual no presencial. Entretanto, como
apontam os especialistas que se dedicam à investigação das novas tecnologias para o
ensino, as especificidades do ambiente virtual de aprendizagem demandam a necessidade
de redistribuir as horas de trabalho da semana em atividades síncronas e assíncronas.
O formato definido por nós foi o seguinte: um encontro síncrono semanal de, no
máximo, duas horas de duração, para evitar a fadiga e a falta de atenção, e uma hora
semanal de atividades assíncronas, que reuniram leitura, interpretação e análise de
aspectos referentes à organização de textos, além de fóruns de discussão e produções
textuais. Usamos, para a criação de um ambiente virtual de aprendizagem, o Google
Meet, o Google Classroom e o WhatsApp. O Google Meet foi utilizado para a realização
dos encontros síncronos. No Google Classroom, disponibilizamos o material do curso:
apostila, handouts, slides e exercícios. Por último, o WhatsApp nos serviu para trocar
informações com mais rapidez, dar avisos, conversar sobre dúvidas, o que também era
feito através do Google Meet e do mural do Google Classroom.
Acerca da avaliação, objeto de descrição deste artigo, optamos pelo modelo de
acompanhamento processual, isto é, aquele centrado na observação da evolução do aluno

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durante o curso; pois uma avaliação pontual, por meio de provas, seria inadequada para o
novo contexto. Segundo Luckesi (2012), a avaliação é um instrumento para verificar em
que medida o conteúdo ensinado foi compreendido pelos alunos, orientando os próximos
passos. Serve, portanto, para que o monitor identifique se pode ou não prosseguir com o
conteúdo, se deve ou não aprofundar mais o assunto e quais medidas devem ser tomadas
para que o aluno aprenda. Por esse motivo, adotamos as seguintes estratégias de avaliação:
(i) a participação dos alunos nos fóruns de discussão e (ii) suas produções escritas e
reescritas, após os comentários feitos pelo monitor.
Além de Luckesi (2012), fundamentamo-nos em Antunes (2006). A autora afirma
que a atividade de produção textual não se resume a propor um tema, que deve ser
desenvolvido pelos alunos e, em seguida, corrigido e encerrado. Tal perspectiva, que vê o
texto como produto, é questionada por Antunes (2006), para quem o texto é um processo.
Desta forma, a correção do texto de um aluno constitui uma das etapas do processo.
Antes dessa etapa, o aluno deve discutir o tema e planejar o seu texto para, em seguida,
escrevê-lo e revisá-lo. Após a revisão, o aluno entregará seu texto ao monitor que irá
corrigi-lo, isto é, irá tecer comentários e fazer as correções. Na sequência, o texto é
devolvido ao aluno para ser reescrito. A atividade de reescritura é indispensável para a
evolução do aluno.
Embora o curso de Redação, no modelo presencial, já investisse em atividades
avaliativas processuais, o ensino remoto emergencial trouxe a urgência de um modelo
de avaliação que contribuísse para o melhor acompanhamento e monitoramento da
aprendizagem dos alunos, tendo em vista as novas circunstâncias em que estes e os
monitores responsáveis pelas turmas se encontravam. Por esse motivo, no lugar de provas,
optamos por acompanhar seu desenvolvimento no decorrer do semestre.
Nas seções que se seguem, relataremos as atividades avaliativas desenvolvidas em
2020.2. Porém, apresentaremos, primeiramente, de forma breve, o perfil dos alunos do
curso.

Perfil dos alunos

As turmas do curso de redação do CLAC, geralmente, são bastante heterogêneas,


tendo em vista a idade e o nível de escolaridade dos estudantes, pois o único requisito
para cursá-lo é ter 16 anos ou mais. Na turma de Redação I, em 2020.2, havia 6 alunos,
cujas idades variavam entre 20 e 60 anos. Do conjunto, três já apresentavam diploma de

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nível superior, em áreas distintas, música, química e teologia e três estavam cursando
Letras, na própria UFRJ.

Estratégias de avaliação

Além das estratégias formais de avaliação, por meio do fórum de discussão e da escrita
e reescrita de parágrafos argumentativos, é importante ressaltar que consideramos a
participação dos alunos no curso através da realização das atividades e do cumprimento
dos prazos. Assim, tais aspectos também foram observados no momento do cálculo da
média final.
Passamos agora à descrição das estratégias avaliativas que nortearam o curso na
modalidade remota.

Fórum de discussão: o debate continua

Segundo Cabral (2017), todo texto é organizado estruturalmente, tendo em vista


os propósitos do enunciador e a finalidade do gênero. O conhecimento a respeito dessa
estrutura contribui para a sua elaboração, no caso do produtor, e, para sua compreensão,
em se tratando do leitor. Por isso, dizemos que todo texto, para pertencer a um tipo ou
gênero, deve obedecer a critérios relativos à construção dos parágrafos, à seleção lexical,
entre outras coisas, de maneira que seja coerente. Esses aspectos relativos ao planejamento
do texto podem ser observados em duas etapas pois, segundo o autor, “as ideias que
comporão o conteúdo de um texto não se encontram organizadas, exatamente como o
produtor deseja. Por isso é importante organizá-las para a escrita pensando num plano
textual que reflita aquilo que ele deseja dizer” (p. 14-15).
O planejamento é a etapa inicial do processo de produção de um texto escrito. O
aluno deve pensar, considerando o tema, quais argumentos ou fatos podem ou não entrar
em sua produção, pois o desconhecimento sobre aquilo que se pretende escrever é um
obstáculo. Assim, nas aulas de redação presenciais, os monitores dedicavam parte do
tempo disponível para discutir com os alunos o tema e suas possíveis delimitações. A
metodologia empregada era o debate, que poderia pressupor a organização da sala em
roda e, posteriormente, sistematização das informações discutidas no quadro pelo monitor,
formulando um planejamento para a escrita do texto. Além do debate, o tema também era
discutido por meio da análise de textos relacionados ao que o aluno deveria abordar na

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sua produção escrita.


No ensino remoto, a redução do tempo síncrono e as dificuldades de interação entre
monitores e alunos inviabilizaram o debate propriamente dito. No meio remoto, as regras
de etiqueta quanto à tomada de turno mudam. Por isso, a discussão sobre o tema, etapa
imprescindível na elaboração de um texto, foi feita de forma assíncrona, por meio do
“fórum de discussão”, utilizando a função ‘pergunta’, disponível no Google Classroom.
A dinâmica ocorria da seguinte forma: o monitor lançava uma pergunta acerca do tema
escolhido. Os alunos, de forma offline, apresentavam seus pontos de vista, sustentando-
os por meio de argumentos. Nesse contexto, réplicas e tréplicas eram bem-vindas, o que
promovia uma maior reflexão sobre o tema para, posterior, planejamento do texto.
O tema do primeiro fórum consistiu, então, no debate acerca da abertura dos colégios,
no contexto da Covid-19, como vemos na imagem abaixo. A figura 1 mostra que o tema
é transformado em pergunta.

Figura 1. Pergunta para discussão no Google Classroom

A intervenção do monitor no sentido de motivar os alunos a participarem do


fórum foi necessária, pois, mesmo sendo parte da nota, alguns mostraram-se resistentes
à participação no fórum. Além disso, para que as discussões não ficassem limitadas
a opiniões vagas e sem fundamento, o monitor pedia que os alunos citassem a fonte,
pesquisada de forma assíncrona, em que estavam as informações apresentadas nos
comentários. Se, por um lado, essa tarefa tenha sido importante para incentivá-los a
pesquisar antes de opinar e para construir argumentos sólidos; por outro, percebemos
que alguns alunos simplesmente pegavam fragmentos dos textos lidos e ‘jogavam’ nos
comentários. Abaixo, reproduzimos parte da interação dos alunos, no fórum em que
discutimos o tema da reabertura das escolas.

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Figura 2. Participação no fórum de discussão

Neste fórum de discussão, os alunos, que tiveram seus nomes preservados, mostram
posicionamento contrário à reabertura das escolas, defendendo tal ponto de vista por meio
de argumentos, como o fato de as crianças serem transmissoras do vírus da Covid-19, o
que poderia afetar os mais velhos, bem como a ausência de uma sistema de teste que fosse
eficiente.
Cada fórum de discussão, que era parte da nota final, valia 1.5 ponto. Sendo o
nosso principal interesse fazer com que a etapa do fórum contribuísse para a produção
da primeira versão do parágrafo, avaliamos a participação do aluno com base na relação
entre as ideias presentes nele e sua relação com o texto produzido.
Deste modo, o fórum de discussão mostrou-se como uma estratégia alternativa
adequada ao modo como as discussões vinham sendo travadas no presencial – ou seja,
permitiu aos alunos um aprofundamento e, em alguns casos, um primeiro contato com o
tema acerca do qual ele teria que escrever.

Produção dos parágrafos argumentativos: escrita e reescrita

De acordo com Santos, Cuba Riche e Teixeira (2012, p.103), “quando a escrita é
vista como um processo, há várias etapas até a produção final do texto”. O debate e a
reflexão acerca do tema constituem uma das etapas e, no modelo remoto, ocorreram por

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meio do fórum de discussão. Desse modo, os alunos tomavam conhecimento do tema e


refletiam sobre o ponto de vista que seria defendido posteriormente em seus textos.
A segunda etapa do processo refere-se ao planejamento do texto, que, no presencial,
era feito com a ajuda do monitor, sistematizando as informações no quadro. No modelo
remoto, esta etapa foi realizada pelo aluno de forma assíncrona, após a etapa do fórum ter
sido esgotada. Para tal, elaboramos, no Google Forms um template que era ‘preenchido’
pelo aluno a cada novo tema proposto. A figura 3 apresenta o planejamento de um dos
alunos para o tema referente à figura 2.

Figura 3. Planejamento para a produção de texto

Por se tratar de um parágrafo argumentativo, especificamente no módulo 1 do curso


de Redação, o planejamento corresponde à elaboração da tese, isto é, do ponto de vista do
produtor do texto e o(s) argumento(s) que o sustentem. A estratégia ensinada é a de que o
aluno transforme sua tese em uma pergunta, o que lhe permitirá propor o(s) argumento(s)
que fundamente(m) o ponto de vista defendido.
Após a discussão sobre o tema e o planejamento do texto, partíamos para a produção
textual. No contexto do ensino remoto, propusemos algumas mudanças na elaboração da
proposta, considerando a discussão sobre ensino de gêneros textuais. Conforme Marcuschi
(2008), os gêneros são práticas sociocomunicativas que orientam a elaboração do discurso.
Na nossa rotina diária, ao conversarmos, apresentarmos um seminário, escrevermos um
texto, entre outras coisas, há elementos que regulam o uso da escrita. Na linha bakhtiniana,

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Marcuschi (2008) defende que os gêneros se organizam em “estilo”, que diz respeito às
escolhas linguísticas feitas pelo enunciador; “estrutura composicional”, referente à forma
e à disposição dos elementos no texto; e, por fim, “conteúdo”, isto é, o tema de que trata
o texto. Tais elementos são regulados pelo cotexto, ou seja, a situação, os interlocutores e
seus propósitos, entre outros fatores.
Considerando, pois, que os textos se materializam em situações reais, com base no
seu propósito e nos interlocutores (MARCUSCHI, 2008), no formato remoto, recorremos
à formulação de uma situação interacional e indicamos os interlocutores a fim de dar ao
aluno uma finalidade para escrever. Na figura 4, apresentamos o enunciado disponibilizado
para o aluno no Google Classroom.

Figura 4. Enunciado da 1ª proposta de produção textual

Após a produção do aluno, de forma assíncrona, o texto era compartilhado com


o monitor para ser corrigido/comentado. Para realizar a correção, optamos pela função
comentário do Google Docs, que nos permite propor alterações e interagir com o aluno,
como ilustrado na figura 5.

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Figura 5. Proposta de produção do aluno

A etapa seguinte corresponde à reescritura por parte do aluno, com base nas correções/
sugestões do monitor. Como é possível observar na figura 6, a primeira reescritura revela
significativa melhora, sobretudo no que diz respeito à organização das ideias.

Figura 6. Reescrita

As atividades de escrita e reescrita tiveram maior peso na avaliação, pois, além dos
motivos mencionados na seção anterior, envolviam maior complexidade. Além disso, por
não estarem acostumados a fazer reescrituras de seus textos, o maior peso dessa etapa
funcionou como um fator importante para garantir a adesão dos alunos.

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Embora alguns alunos tenham deixado de fazer a reescritura em algum momento do


curso, por estarem cansados em virtude da necessidade de conciliar as aulas do CLAC
com outras atividades, de modo geral, todos reconheceram a importância dessa etapa
para a evolução e progresso de sua escrita.

O ensino remoto do ponto de vista dos alunos

Ao final do semestre, antes de encerrarmos as aulas do curso, a coordenação do


CLAC disponibilizou um questionário, a fim de avaliar a experiência dos alunos durante
o período remoto. Quanto às turmas de redação, considerando os três módulos, apenas
quatro alunos responderam. Logo, a descrição aqui apresentada contempla apenas esse
universo.
De modo geral, os alunos não consideraram que sua participação nos encontros
síncronos tenha sido satisfatória. Mesmo assim, apenas um aluno relatou que a gravação
dos encontros síncronos e sua disponibilização na sala de aula virtual tenha sido utilizada
para sanar dúvidas. As estratégias utilizadas para superar as dificuldades foram a realização
das atividades assíncronas elaboradas pelo monitor e a consulta à apostila elaborada pelos
monitores, sob a orientação dos professores que participam do projeto.
Quando perguntados sobre a organização da rotina de estudos, no modelo remoto,
com encontros síncronos e atividades assíncronas, os alunos confessaram terem dificuldade
em se organizar e se concentrar no ambiente doméstico. Relataram ainda a existência de
problemas relativos à conexão de internet, fator que funciona como desmotivador para o
aluno.
Sobre a experiência no remoto comparado ao aproveitamento do curso no modelo
presencial, os alunos afirmaram preferirem o presencial por acreditar que favorece o
engajamento e a organização.

Conclusão

O ensino de produção textual deve estar pautado no desenvolvimento das habilidades


de leitura e de escrita, habilitando o aluno a ler e escrever textos de diferentes gêneros e
tipos textuais, de acordo com sua frequência nas práticas comunicativas, sobretudo as mais
formais. Por isso, focalizamos, nos cursos de redação do CLAC, textos argumentativos,
pois segundo Koch e Elias (2016), a argumentação é inerente à linguagem. Desse modo,

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ensino remoto do CLAC.

desde a conversa mais espontânea à entrevista de emprego, argumentamos a todo momento.


Tendo em vista o uso da argumentação nas diferentes práticas sociais, o CLAC de redação
contribui para a imersão de seus alunos não só no mercado de trabalho, mas nas diferentes
esferas sociais em que há o uso da linguagem.
No modelo remoto, para alcançar nossos objetivos, propusemos o debate de diferentes
temas, por meio da ferramenta‘fórum de discussão’, a escrita e reescrita de parágrafos
argumentativos, além de exercícios orais e escritos de prática textual. Nesse contexto,
acreditamos que o uso da ferramenta Google Docs favoreceu o diálogo entre monitor e
aluno, contribuindo para a sua evolução.
Esperamos que a nossa experiência com o ensino remoto contribua para que possamos
entender que a inserção de novas tecnologias no ensino é um caminho sem volta e que,
futuramente, ao retornarmos ao modelo presencial, tenhamos essas ferramentas para
melhorar a qualidade do nosso trabalho.

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PRÁTICA ORAL E INTERAÇÃO: O
ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA EM TEMPOS DE

ISOLAMENTO SOCIAL

BRUNO DE SOUZA MEDEIROS


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduando em Letras: Português-
Espanhol. E-mail: brunomedeiros@letras.ufrj.br

CAROLINA PEREZ SUAREZ DA SILVA


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Espanhol. E-mail: carolperez@letras.ufrj.br

JEAN CARLOS DA SILVA GOMES


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorando em Linguística.
E-mail: gomes.jean@letras.ufrj.br
RESUMO

A interação entre os estudantes é um elemento fundamental para o processo de


aprendizagem de uma língua estrangeira. No entanto, questiona-se como promovê-la
em um formato de ensino remoto, levando em consideração que os aprendizes não
apresentam contato direto nas aulas. Este trabalho tem, portanto, o objetivo geral de
contribuir para a discussão de novas metodologias de ensino de língua estrangeira em
período de distanciamento social. Já o objetivo específico é apresentar uma atividade
assíncrona desenvolvida para o ensino remoto de espanhol do nível 1 do CLAC. A
tarefa consistia na elaboração de uma videochamada, realizada em grupo, em que os
alunos deveriam discutir mudanças em suas rotinas durante o período de pandemia.
Buscou-se, por meio dessa, promover a interação e a prática oral coletiva. Observou-se
uma grande adesão dos discentes na realização da atividade, o que permitiu uma boa
avaliação do desempenho oral dos aprendizes em contexto real de uso da língua. Além
disso, destaca-se que, após esse momento, se constatou uma maior participação dos
alunos nos encontros síncronos.
PALAVRAS-CHAVE: Interação; ensino de língua estrangeira; Espanhol; ensino
remoto; prática oral.

RESUMEN

La interacción entre estudiantes es un elemento fundamental en el proceso de


aprendizaje de una lengua extranjera. Sin embargo, se cuestiona cómo promoverla en
un formato de enseñanza remota, considerando que los alumnos no tienen contacto
directo en las clases. Este trabajo tiene, por lo tanto, el objetivo general de contribuir
a la discusión de nuevas metodologías para la enseñanza de lengua extranjera en
periodo de aislamiento social. El objetivo específico es presentar una actividad asíncrona
desarrollada para la enseñanza remota de español de nivel 1 de CLAC. La tarea consistía
en una videollamada en que los alumnos discutían los cambios en sus rutinas durante
el periodo de pandemia. Por ese medio, se buscó promover la interacción y la práctica
oral colectiva. Se observó una gran adherencia de los aprendices en la realización de
la tarea, lo que permitió una buena evaluación del desempeño oral de los alumnos
en contexto real de uso de la lengua. Además, se destaca que, tras ese momento, se
verificó una mayor participación de los alumnos en los encuentros síncronos.
PALABRAS-CLAVE: Interacción; enseñanza de lengua extranjera; Lengua Española,
enseñanza remota; práctica oral.
MEDEIROS, SILVA & GOMES. Prática oral e interação: o ensino de espanhol como língua estrangeira em tempos de iso-
lamento social.

Introdução

O CLAC (Cursos de Línguas Abertos à Comunidade) é um projeto de extensão da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que oferece o ensino de língua estrangeira
em diversos níveis. O curso de espanhol do CLAC é composto por seis níveis, sendo o
Espanhol I correspondente ao nível A1 do Marco Comum Europeu de Referência para o
ensino de línguas (cf. UFRJ, 2019, p. 33).
Nesse projeto, cada curso tem a opção de escolher, de acordo com sua concepção,
a melhor metodologia de ensino. Apesar de não adotar uma metodologia específica, o
curso de espanhol do CLAC possui algumas características bem definidas, como a adoção
de práticas comunicativas, o estímulo à interação entre estudantes e o uso de materiais
autênticos, a fim de possibilitar aos aprendizes o contato com situações reais de uso da
língua, como pode ser visto no catálogo CLAC 2019-2020 (cf. UFRJ, 2019, p. 34):

A ideia de linguagem que permeia todas as ações dirigidas à construção do


processo, coletivamente com orientadores e monitores, está ligada à ideia de que
a linguagem tem papel decisivo no processo de construção do conhecimento,
pois serve de instrumento de mediação, fornecido pela cultura, entre o sujeito e o
objeto do conhecimento e é indispensável à formação de conceitos. Nessa linha
de pensamento, a língua estrangeira é apresentada aos aprendizes, alunos de
língua espanhola, a partir de input contextualizado de mostras de língua em uso
procurando expandir a variedade de espanhol selecionada pelo material didático
a outras variedades de espanhol. (cf. UFRJ, 2019, p. 34)

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou


que o mundo estava diante de uma pandemia do novo coronavírus. Em decorrência, as
aulas presenciais foram suspensas e a coordenação do curso optou por retomar as aulas
em formato remoto. Com isso, novos desafios para o ensino de língua estrangeira foram
impostos à prática profissional dos professores.
Martins (2017) apresenta um histórico das metodologias utilizadas no Brasil no
ensino de língua estrangeira. Em seu estudo, podemos observar que as metodologias de
ensino atuais consideram a interação como um aspecto importante no processo de ensino
e aprendizagem. Diante de tal contexto, algumas questões surgem, como em que grau
as práticas comunicativas e a interação discente em aula podem ser afetadas pelo ensino
remoto? Como é possível promover a interação entre os alunos no ensino remoto de
língua estrangeira em período de pandemia?

REVISTA LÍNGUAS & ENSINO – volume 3 | p.162-175 | ISSN: 2447-6145 164


MEDEIROS, SILVA & GOMES. Prática oral e interação: o ensino de espanhol como língua estrangeira em tempos de iso-
lamento social.

Dessa forma, buscamos, com este trabalho, contribuir para a discussão sobre o
empreendimento de novas metodologias de ensino de língua estrangeira em período de
distanciamento social. Mais especificamente, pretendemos desenvolver uma atividade
assíncrona que visa a promover a interação entre os alunos durante o ensino remoto de
espanhol como língua estrangeira do nível 1 do CLAC.
Este artigo está organizado da seguinte maneira: na primeira seção, discorremos
sobre a interação no ensino de língua estrangeira; na segunda seção, tratamos do ensino no
formato remoto; na terceira, descrevemos o processo de formulação e aplicação da tarefa
desenvolvida para este estudo; na quarta seção, apresentamos uma discussão a partir da
participação dos discentes; e, por fim, na última seção, apresentamos as considerações
finais do estudo.

Interação e ensino de língua estrangeira:

Como aponta Martins (2017), durante grande parte da história da educação, o ensino
de língua estrangeira esteve baseado na tradução e versão de textos (abordagem tradicional,
mais usada no ensino de línguas clássicas), no ensino de vocabulário (abordagem direta),
no exercício de estruturas das línguas, na repetição de um estímulo auditivo (abordagem
áudio-oral) ou na memorização de diálogos (abordagem audiovisual). Todas essas
abordagens exigiam pouca participação do aluno e o professor era visto como a figura
principal do processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, a concepção de ensino de
língua mais privilegiada foi a que compreendia os elementos internos à língua como mais
importantes.
Alguns acontecimentos mudaram esse panorama. Novas abordagens, como o método
comunicativo, a perspectiva acional e a abordagem plurilíngue, promoveram a reversão do
pensamento anterior, visto que se diferem das demais metodologias em dois aspectos muito
importantes: o foco do processo e a comunicação. O pensamento produzido, sobretudo no
final do século XX, reconhece o papel do aprendiz no processo de ensino-aprendizagem,
fazendo o professor perder seu monopólio sobre o conhecimento. Além disso, o ensino
baseado no uso ganha mais importância. Nesse sentido, o aluno não necessariamente tem
que saber explicitamente todos os elementos gramaticais da língua estrangeira, mas deve
ser capaz de interagir e se comunicar (cf. Martins, 2017; Schlatter; Garcez; Scaramucci,
2013; Fabrício, 1999).
Um avanço importante no estabelecimento dessa visão foi a elaboração das

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lamento social.

Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM). O mais interessante desse


documento é o destaque que apresenta na língua espanhola. A criação das OCEM representa
uma mudança de perspectiva, por possuir uma concepção de ensino de língua que, além
da competência (inter)pluricultural, da compreensão e da produção oral e escrita, leva em
consideração (ainda que de forma contida) aspectos externos à língua, como visto a seguir
(cf. Brasil, 2006, p. 151).

o desenvolvimento da competência comunicativa vista como um conjunto de


componentes linguísticos, sociolinguísticos e pragmáticos relacionados tanto
ao conhecimento e habilidades necessários ao processamento da comunicação
quanto à sua organização e acessibilidade, assim como sua relação com o uso em
situações socioculturais reais, de maneira a permitir-lhe a interação efetiva com
o outro (...) (BRASIL, 2006, p. 151).

O papel central da interação para o ensino-aprendizado de língua estrangeira tem


sido reforçado por vários estudos, como o de Fabrício (2010, p. 18), ilustrado a seguir:

É pertinente relembrar vários pontos de interesse a partir dessa pesquisa.


Primeiramente, os aprendizes podem ser levados a ter uma atitude mais
participativa e colaborativa em sala de aula, se eles encontrarem espaço para
tal e forem sensibilizados para as estratégias envolvidas no gerenciamento da
conversação e para a complexidade da interação face a face. Em segundo lugar,
fica evidenciado que, uma vez que a interação é construída cooperativamente
e negociada por aqueles que dela participam, para que o discurso flua mais
naturalmente em sala de aula, o mestre tem que abandonar o papel central de
controlador da interação e dar oportunidade aos alunos de negociá-la livremente.
(FABRÍCIO, 1999, p. 18)

Fabrício (1999, p. 18) comenta a necessidade de interação e negociação de sentidos


durante uma aula de língua estrangeira e, consequentemente, a ruptura da antiga hierarquia,
em que o professor está em um nível superior ao de seus alunos, por ser o detentor do
conhecimento. Vale ressaltar ainda o destaque dado pela autora não a qualquer tipo de
interação, mas à interação face a face.
Os apontamentos de Fabrício (1999) são bastante pertinentes para o ensino presencial,
o que nos faz pensar sobre a dificuldade na aplicação de tais elementos no momento do
ensino remoto para o Espanhol 1 no CLAC. O cenário de ensino remoto, por diversas

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vezes, impõe tal papel ao monitor, visto que o contato é intermediado pela tela de um
equipamento eletrônico. Como há resistência dos estudantes em ligar a câmera, com
frequência, a interação tende a ocorrer sobretudo entre professor e aluno. A interação
entre os aprendizes, que é muito importante no processo de aprendizagem, parece ser a
mais prejudicada no formato remoto.
Portela (2006, p. 53) diz que “os métodos comunicativos têm em comum como
característica – o foco no sentido, no significado e na interação propositada entre
sujeitos na língua estrangeira”. Podemos perceber, portanto, a clara adoção de práticas
comunicativas no nível 1 do curso de espanhol. Isso porque algumas bases do curso são o
aprendizado por meio da comunicação da língua-alvo, o uso de textos autênticos durante
a aprendizagem e o aproveitamento das experiências pessoais para a comunicação na
sala de aula. Tudo isso contribui para um ensino interativo e centrado no aluno. Além
disso, visa-se, com essas práticas, ao desenvolvimento da competência comunicativa dos
estudantes, por meio da utilização da língua-alvo na modalidade de uso adequada para
cada situação comunicativa.
Entretanto, é difícil promover essa interação no formato remoto. Por isso, este trabalho
tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de metodologias que permitam a
interação entre os alunos mesmo não havendo contato presencial.

Ensino de língua estrangeira em formato remoto

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia causada pelo Coronavírus. O confinamento
gerou mudanças no comportamento da população. Com isso, as aulas presenciais foram
suspensas e houve a necessidade de se adotar o modelo de ensino remoto no segundo
semestre de 2020.
Ao longo desta seção, discorremos sobre alguns pontos que dizem respeito ao ensino
de espanhol em formato não-presencial. Ainda que se estabeleça uma diferença entre
EAD e Ensino Remoto, acreditamos que, devido às semelhanças que tais modalidades
possuam, é possível discutir afirmações sobre a primeira que nos auxiliem na compreensão
da segunda.
A transposição direta de aulas presenciais de língua estrangeira para o formato remoto
parece não ser possível completamente, visto que esse modelo possui suas especificidades.
Por conseguinte, estratégias comumente empregadas em aulas presenciais, como dinâmicas
em grupos durante a aula síncrona, são inviabilizadas nesse modelo de educação.
A preocupação com o desenvolvimento de um ensino comunicativo em modo não-

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presencial não é recente. Como se pode ver, Selvero (2014), ao estudar a interação na
disciplina de Língua Espanhola do curso de Licenciatura Letras Espanhol e Literaturas
na modalidade de ensino a distância da UFSM, verifica que é possível manter os alunos
motivados e criar estratégias para a interação dos aprendizes no ensino a distância, como
é possível ver a seguir:

As ferramentas interativas têm o objetivo de facilitar o processo


de ensino e aprendizagem, buscando estimular a colaboração e,
dessa maneira, instigar a operação entre os participantes do ensino
a distância. A utilização das ferramentas interativas pode ocorrer
através de distintos meios e técnicas que auxiliem a comunicação e das
abordagens educacionais que consideram a distância física entre aluno
e professor, a flexibilidade de tempo e a localização do aluno, que pode
ser variável. As ferramentas podem ser nomeadas como assíncronas
e síncronas. As primeiras são as que independem do tempo e do
lugar, de forma que podem revolucionar o processo de interação entre
professores e alunos. Entre essas ferramentas é possível citar: e-mail;
fórum ou lista de discussão; webblogs ou blogs e FTP (arquivos com
textos, áudio, imagens de vídeo). (Selvero, 2014, p. 6)

Nesse sentido, Selvero (2014, p. 6) mostra que, mesmo com as limitações do ensino
a distância, algumas estratégias, como atividades assíncronas, podem ser utilizadas
para intensificar o processo de interação entre professores e alunos. Com o intuito de
relacionarmos os alunos com o cenário atual e de contribuirmos para o desenvolvimento
das habilidades comunicativas de nossos alunos, modificamos um pouco a proposta de
Selvero (2014) e elaboramos a oitava atividade assíncrona do semestre, para estimular
a interação entre alunos. Esta consistiu na realização de uma videochamada, na qual os
alunos deviam falar sobre a sua nova rotina nesse período de pandemia.
Tal iniciativa revelou-se necessária nos primeiros dias de aula, em que percebemos
a baixa interação entre os estudantes e nos questionamos sobre possíveis prejuízos ao
desenvolvimento da habilidade comunicativa dos aprendizes. Estivalet e Hack (2011), ao
analisar a habilidade oral de alunos do Curso de Graduação em Letras - Licenciatura em
Inglês, na modalidade a distância, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
constataram a insuficiência de garantias de qualidade na aprendizagem da habilidade oral,
conforme se pode notar a seguir:

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Em relação às conversas orais em língua inglesa com os colegas e tutores de polo,


todos os alunos responderam que realizam esta interação pelo menos 1 vez por
semana, alguns 2 vezes. Já em relação às conversas com professores e tutores
virtuais, a maior parte dos alunos respondeu que conversa pouco e, exclusivamente
nas avaliações e tarefas obrigatórias. Logo, sinais de pouca interação ainda no
Curso e, a necessidade de propiciar-se aos alunos tal experiência (QUADROS;
FINGER, 2008 apud ESTIVALET; HACK, 2011, p. 1771)

Desse modo, percebe-se que o EaD, que é um modelo de educação pensado para
a educação não-presencial, necessita desenvolver estratégias diversificadas para que o
ensino seja efetivo e, assim, os objetivos do ensino possam ser plenamente alcançados. O
ensino remoto, que foi adotado pelo CLAC, difere-se do EaD, pois trata-se de uma solução
rápida para dar continuidade às atividades de ensino. Logo, não se trata propriamente
de uma modalidade de ensino. Ainda assim, verifica-se que, assim como no EaD, é
necessário postular adaptações metodológicas para desenvolver um ensino eficiente de
língua estrangeira.

Metodologia

As aulas do CLAC Espanhol em 2020 foram organizadas em encontros síncronos,


ou seja, aulas ao vivo nas quais o professor estabelecia contato direto com os alunos, e
atividades assíncronas, nas quais os alunos realizavam tarefas referentes ao que havia
sido discutido e trabalhado na disciplina. Porém, ao analisarmos a dinâmica empreendida
nos encontros síncronos, percebemos que as interações se centravam primordialmente
na relação professor-aluno. Essa realidade se difere, portanto, das expectativas dos
docentes com relação ao que se entendia como um ensino eficiente de língua estrangeira;
ou seja, aquele permeado por interações entre os aprendizes por meio de usos reais da
língua, permitindo a comunicação entre os aprendizes, prática fundamental no ensino de
língua estrangeira, visto que, de outro modo, esse processo de aprendizagem se tornaria
descontextualizado e ineficiente. Logo, surgiram diversos questionamentos acerca de
como realizar esse método que adotamos em formato remoto.
Para este trabalho, apresentamos a descrição do processo de formulação e aplicação
de uma atividade assíncrona destinada a alunos do curso de Espanhol 1 do CLAC no
segundo semestre de 2020. Ao longo desta seção, descrevemos o contexto de aplicação
dessa atividade bem como apresentamos sua descrição.
Com o intuito de relacionarmos os alunos com o cenário atual, elaboramos a oitava

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atividade assíncrona do semestre. A tarefa proposta foi aplicada a duas turmas de espanhol
do CLAC. Ambas as turmas eram de nível 1, cujo conteúdo corresponde ao grau A1 do
Marco Comum Europeu de Referência (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019, p.
30). As turmas nas quais a atividade foi aplicada tinham aulas aos sábados pela manhã.
Apesar das semelhanças quanto ao nível e horário, as turmas divergiam em um aspecto
muito relevante: a quantidade de alunos. Enquanto uma turma era composta por 13 alunos,
sendo apenas 8 com participação efetiva nas aulas, a segunda turma era composta por 24
alunos, sendo 23 participantes assíduos nas aulas.
No Catálogo do CLAC (cf. UFRJ, 2019), são apresentadas as habilidades esperadas
de um aluno de espanhol 1. Espera-se que os alunos do nível 1 do CLAC sejam capazes
de desenvolver as seguintes habilidades: descrever a si e o seu entorno, com relação
à apresentação pessoal e uso de formas de tratamento adequadas, aspectos da rotina,
descrição física e psicológica, interesses, gostos pessoais, descrições de ambientes que
frequenta e o uso de formas simples de obrigação e proibição.
A fim de desenvolver tais habilidades, estipula-se que o aluno de espanhol 1 deve
estudar ao longo de um semestre os seguintes conteúdos: presente do indicativo de verbos
regulares, irregulares e reflexivos, pronomes interrogativos e possessivos, construção
impessoal com se, preposições, artigos definidos e indefinidos, adjetivos, substantivos,
gênero e número, pronomes demonstrativos, perífrases verbais (como “tener que +
infinitivo”, “hay que + infinitivo” e “deber + infinitivo”), adjetivos possessivos, advérbios,
pronomes de objeto direto e suas posições, verbos, como gustar, encantar, apetecer,
orações condicionais simples, e a diferença entre hay e está(n) (cf. UFRJ, 2019, p. 37).
A atividade que elaboramos nesse contexto foi baseada na unidade 6 do livro Aula
Internacional 1 (CORPAS; GARMENDIA; GARCÍA, 2018)1 da editora Difusión. Nesta
unidade, os temas abordados englobam a descrição de hábitos e a rotina dos alunos.
Alguns conteúdos que se destacam nessa unidade são os verbos irregulares no presente,
verbos reflexivos no presente do indicativo, dias da semana e vocabulário de atividades
básicas do dia a dia.
Para realizar a atividade que elaboramos, os alunos precisavam organizar-se em duplas,
trios ou quartetos. A tarefa consistia em gravar uma videochamada em que conversavam
sobre a nova rotina promovida pela pandemia. Ficou a cargo dos próprios alunos a escolha
pelo grau de formalidade da conversa e o tipo de hábitos que iriam abordar. Contudo, o

1 O processo de escolha dessa coleção para uso no curso de Espanhol no CLAC encontra-se descrito em Gomes et
al. (2019).

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conteúdo de hábitos e rotinas presentes na unidade 6 do livro Aula Internacional 1 − bem


como os outros conteúdos aprendidos durante o semestre − deveriam ser contemplados
durante a realização da atividade.
Além disso, como uma maneira de tornar a atividade ainda mais dinâmica e
envolvente, era aconselhável que o grupo fosse criativo ao escolher a situação da conversa.
Os aprendizes podiam optar por simular diversas relações interpessoais, como realizar
uma conversa entre amigos, namorados, família, colegas de trabalho, alunos e professor,
ou qualquer outra situação de seu interesse.
Foram estipulados um tempo mínimo e um tempo máximo de duração da
videochamada, que varia de acordo com o número de componentes no grupo.
Consideramos dois minutos, como mínimo, e três minutos, como máximo, para que
cada aluno tivesse um tempo razoável para a realização da tarefa, levando em conta
principalmente o nível dos aprendizes. Assim, as duplas deveriam conversar entre quatro
e seis minutos; os trios deveriam dialogar entre seis e nove minutos; e os quartetos, entre
oito e doze minutos. A figura 1 abaixo representa as orientações dadas aos alunos para a
realização da atividade. Vale pontuar que a atividade foi explicada e discutida durante a
aula síncrona.

Figura 1: atividade assíncrona 8

A atividade foi apresentada aos alunos como na figura 1. A apresentação foi sintética,
pois a explicação mais detalhada foi dada durante a aula síncrona. Vale ressaltar que os

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lamento social.

alunos puderam esclarecer quaisquer dúvidas sobre a realização da tarefa até a data de
entrega. Caso quisessem, os alunos podiam entregar um rascunho antes da entrega oficial
da tarefa para auxiliar a gravação do vídeo.

Resultados e análise

A atividade foi realizada, no total, por uma dupla e seis quartetos, sendo a dupla e um
quarteto da turma A e os demais quartetos da turma B. Tivemos, portanto, a adesão de seis
alunos na turma A e de vinte e quatro na turma B. Dessa forma, consideramos que houve
grande envolvimento dos aprendizes de ambos os grupos.
Foram apresentados nos vídeos diferentes tipos de relações e, consequentemente,
diferentes níveis de formalidade. Dentre elas, havia conversas entre amigos, entre
familiares, entre namorados e também entre colegas de trabalho. Além disso, os alunos
não abordaram somente o tema da rotina, mas também assuntos como saúde mental,
autoconhecimento, desenvolvimento de novas habilidades, empatia e amor ao próximo.
Portanto, apesar da atividade ter um tema específico, os estudantes conseguiram
relacioná-la a outros assuntos que acreditamos possuir também suma importância na
formação crítica dos discentes, o que tornou a atividade ainda mais produtiva. Destacamos
que houve bastante interação entre os alunos nas conversas gravadas, algo que não ocorria
nas aulas síncronas e nas demais atividades assíncronas.
A atividade foi recebida de uma forma muito positiva pelos discentes. Ambas as
turmas relataram ter sido uma tarefa dinâmica e divertida de se realizar. Diferentemente
das outras atividades assíncronas, nessa videochamada, os alunos puderam se conhecer
melhor, trocar conhecimento entre si, desenvolver a expressão oral e pôr em prática os
conhecimentos adquiridos ao longo do semestre.
Alguns grupos enviaram rascunhos escritos antes de gravar a videochamada, a fim
de que os monitores das turmas pudessem sinalizar possíveis melhorias. Esses rascunhos
consistiam em esquemas, tópicos ou resumos do tema que o grupo pretendia abordar
na tarefa. Essa etapa da atividade não tinha o objetivo de realizar muitas correções
gramaticais, visto que a atividade servia de diagnóstico para o estado das habilidades dos
alunos. Verificamos principalmente questões relacionadas à adequação e coerência da
tarefa.
A atividade foi avaliada com base nos parâmetros já utilizados pelo CLAC, a saber:
adequação à proposta, fluência, correção, planejamento e coerência. A adequação refere-

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se ao atendimento dos critérios estabelecidos para a realização da tarefa; a fluência diz


respeito à capacidade de expressão do aluno na língua estrangeira relacionada a pausas,
ritmo e velocidade esperada no nível em que se encontra; a correção refere-se ao uso de
elementos gramaticais por parte do aprendiz; o planejamento diz respeito à avaliação do
processo de preparação da atividade; e, por fim, a coerência refere-se à organização e às
relações lógicas estabelecidas entre as ideias.
Ao avaliarmos as gravações, notamos que os alunos tiveram um ótimo desempenho
tanto na expressão oral quanto na escrita. Alguns conteúdos que não haviam sido
trabalhados nas aulas, por serem de unidades posteriores, foram abordados de forma
correta. Isso mostra não só o planejamento, mas também o estudo para a realização da
atividade.
Notamos algumas dificuldades de caráter técnico. Em alguns casos, os alunos
atrasaram o envio da atividade devido à quantidade de memória consumida pelo arquivo
final depois de transformado em vídeo. Os vídeos da atividade deveriam ser enviados
pelo Google Classroom, por ser a plataforma que a UFRJ adotou durante o ensino remoto.
Esse tipo de transferência de arquivos demanda muito uso da internet, o que gera lentidão.
Acreditamos que o resultado seria ainda melhor caso oferecêssemos um prazo maior
para a execução dessa atividade. Além disso, outro problema foi a qualidade do áudio.
Por diversas vezes, foi difícil compreender a fala dos alunos, pois a gravação falhou em
algumas partes. Isso prejudica a avaliação, visto que algum equívoco pontual pode haver
passado despercebido.
Outra grande dificuldade foi a falta de comunicação entre os alunos. Em 2020, houve
apenas uma aula presencial, mas poucos alunos compareceram, pois já havia risco de
contaminação por coronavírus. Para realizar a atividade, o aluno precisava se comunicar
com uma outra pessoa com quem, nesse caso, não possuía nenhum contato. Assim,
combinar um horário em comum para gravar a videochamada e planejar a atividade com a
outra pessoa foi uma tarefa complexa. Além disso, por questões de personalidade, como a
timidez e a ansiedade, acreditamos que alguns estudantes podem ter preferido não realizar
essa atividade.
No que diz respeito ao uso da língua, vale destacar que, com a realização da tarefa,
foi possível verificar o desempenho dos alunos na língua espanhola, já que nas aulas
síncronas nem todos participavam. Além disso, destacamos que conseguimos alcançar o
principal objetivo dessa tarefa: a interação entre os alunos. No tocante às aulas síncronas,
ressaltamos que, se antes não praticavam a oralidade, após a atividade assíncrona 8,

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passaram a ter mais confiança e sentiram-se mais à vontade em se manifestar. As aulas,


após essa tarefa, passaram a ser mais dinâmicas e interativas. Também notamos que alguns
alunos criaram laços de amizade.

Considerações finais

O resultado da aplicação da atividade assíncrona 8 foi positivo. O principal objetivo,


que era o de estabelecer uma maior interação entre os alunos, incentivá-los a posicionar-
se e a participar das aulas síncronas posteriores à realização da tarefa e aproximá-los uns
dos outros ainda mais, foi alcançado com sucesso.
Com isso, discutimos que atividade docente não deve ser uma tarefa rígida e
imutável através do tempo. É preciso repensá-la por meio de uma atualização das
metodologias interativas de ensino de línguas estrangeiras, principalmente em contextos
tão diferenciados como o do ensino remoto em tempos de isolamento social.
Esperamos que este trabalho possa contribuir não só para a reflexão acerca da
promoção da interação entre os alunos no ensino remoto de língua estrangeira em período
de pandemia, mas também como ferramenta de apoio à criação de atividades mais
interativas em aulas remotas que buscam aplicar o método comunicativo interacional.
Destacamos ainda que a tarefa descrita aqui pode também ser aplicada na modalidade
presencial de ensino de língua estrangeira.

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LÍNGUA ÁRABE EM MODALIDADE

REMOTA: DESAFIOS E SOLUÇÕES

ALINE DA SILVA MOTA


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras: Português-
Árabe. E-mail: alinemot@letras.ufrj.br

BIANCA GRAZIELA S. G. SILVA


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Profa. do Setor de Estudos Árabes
do Departamento de Letras Orientais e Eslavas.
E-mail: biancagraziela@letras.ufrj.br
RESUMO

Este trabalho pretende apresentar uma experiência com o ensino de língua árabe na modalidade
remota, no que diz respeito aos problemas que esse modelo gerou e às soluções encontradas
para superar tais desafios em um momento ímpar da educação brasileira, assim como da
sociedade em geral. Trata-se de um relato de experiência em uma turma do CLAC (Cursos de
Línguas Abertos à Comunidade), turma de Árabe II, no segundo semestre de 2020, em tempos
de pandemia da COVID-19. Foram utilizadas algumas estratégias com o objetivo de dirimir os
problemas apresentados pela turma, a saber, (i) a deficiência da escrita, já que a turma estava
em processo de alfabetização, o qual se inicia no primeiro período e, muitas vezes, é consolidado
apenas no segundo; (ii) a dificuldade de diferenciar fonemas, devido à qualidade de som e
velocidade de internet, dificultando a compreensão. Além disso, foi identificado um terceiro
problema, porém, neste caso, trata-se do resultado da descontinuidade dos estudos e da falta
de contato com o árabe, uma língua pouco divulgada no Brasil e com pouca disponibilidade
de materiais para falantes de português. Tomou-se por base os pressupostos da Linguística
Aplicada ao ensino de língua estrangeira, no que diz respeito à análise dos problemas de
ensino-aprendizagem e às estratégias utilizadas para solucioná-los. Por fim, deseja-se, ainda,
apresentar a experiência de adaptação de ensino com as ferramentas tecnológicas e métodos
de avaliação.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino remoto; Língua árabe; Linguística Aplicada.

ABSTRACT

This article has as a goal to present an experience with the learning of the Arabic language
in the distance teaching, about the problems that this type of learning has created and the
solutions found to overcome the challenges in a particular moment of the brazilian education,
as in the world. It is a report of an experience in a class of CLAC (Cursos de Línguas Abertos
à Comunidade), class of ArabicII, in the second semester of 2020, during the global pandemic
COVID-19. Some strategies were used to end the difficulties coming from the class, that were:
(i) writing deficit, as the class was in a literacy process, that starts in the first semester and
a lot of times is consolidated just in the second; (ii) the obstacle to distinguish phonemes,
due to the quality of the sound and the velocity belonging to theinternet, preventing the
comprehension. Beside this, a third problem was identified, but, in this case, it is about the
result of the interruption of studies and the missing of contact with Arabic, a language not
often widespread in Braziland with little resources to people whose speak portuguese. Based
on the principles of Applied Linguistics to the learning of foreign language, with regard to the
analysis of problems of teaching-learning and the strategies to solve them. At last, there is
the intention to show the experience of adaptation of the teaching with the technology and
methods ofevaluation.
KEYWORDS: Distance teaching; Arabic language; Teaching-learning.
MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

Introdução

Em março de 2020, o Brasil foi surpreendido pelo coronavírus (COVID-19), como


o resto do mundo já vinha sendo. A recomendação da Organização Mundial da Saúde
(OMS) era: “fiquem em casa, saiam apenas para o extremamente necessário”. E, na
segunda quinzena do mês de março, os brasileiros iniciaram uma quarentena para diminuir
a propagação do vírus. Bares, restaurantes, cabeleireiros, shoppings e outros comércios
foram exortados a manterem suas portas fechadas por, no mínimo, 14 dias. As escolas
fecharam, as universidades suspenderam suas aulas pelo mesmo período de tempo. A
situação foi se agravando e o número de óbitos nacional e mundial crescia de forma
alarmante, ficando inviável qualquer tipo de aglomeração por tempo indeterminado.
Com isso, as escolas, primeiramente, começaram a se adaptar a um ensino remoto.
E logo depois, as universidades privadas. As universidades públicas levaram mais tempo
para implementar soluções que permitissem o retorno das aulas, visto que dependiam
de garantir o acesso à internet aos alunos que não o tinham, na tentativa de promover a
igualdade de acesso às aulas. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuante
na linha de frente das pesquisas relacionadas à COVID-19, teve como prioridade a
manutenção do ensino público e gratuito com igualdade de condições. Depois de cinco
meses e de muitos debates sobre democratização do ensino, nos quais permaneciam as
práticas de pesquisa e projetos de extensão, as aulas voltaram a acontecer de maneira
remota.
O CLAC (Cursos de Línguas Abertos à Comunidade) é um projeto de extensão
da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ainda que
com muitos desafios, também se adaptou ao ensino remoto de todos os cursos ofertados.
Houve um planejamento da Coordenação CLAC em conjunto com os Departamentos da
Faculdade de Letras para treinar seus monitores-bolsistas para essa nova modalidade.
A língua árabe sempre foi desafiadora para os alunos por não ser um idioma de
caracteres latinos, ter a escrita da direita para esquerda, apresentando fonemas que não
são comuns em outros idiomas; sem contar que não há divulgação do árabe no Brasil
e escassos materiais didáticos disponíveis em português. Assim, essa nova modalidade
de ensino induziu professores e monitores da língua a buscarem, além do treinamento
oferecido pelo CLAC, diferentes mecanismos para o ensino do idioma.
Este artigo tem como objetivo traçar a trajetória desse semestre excepcional no curso
de árabe do CLAC, desde o treinamento à finalização do curso − inclusive os desafios

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

encontrados−, sendo o objeto de análise uma turma de Nível 2. Para isso, apresentamos
algumas reflexões sobre o ensino de língua, principalmente com a internet como
instrumento e a relação com a Linguística Aplicada, cuja importância para este trabalho está
relacionada aos procedimentos práticos no âmbito do ensino e aprendizagem de línguas,
na busca de refletir sobre métodos de soluções de problemas do ensino (MENEZES, 2009
apud HANNA, 2012).

Ensino de árabe: um campo para a Linguística Aplicada

Para Souza (2009), as perspectivas teóricas em linguística aplicada “têm tido grande
influência na análise dos contextos e contingências favorecedoras da aprendizagem de
línguas estrangeiras” (p.211). Hanna (2012, p.96), conceitua Linguística Aplicada como
um “amplo campo interdisciplinar de estudo que identifica, investiga, e oferece soluções
para problemas que envolvam o uso e os usuários de línguas estrangeiras; é o estudo da
língua em relação aos problemas práticos do mundo real”. Essa perspectiva interdisciplinar
é o motivo de assumirmos essa teoria como aparato para o trabalho, considerando (i) sua
abrangência no campo do ensino de língua estrangeira no que diz respeito às reflexões
sobre os métodos e metodologias; (ii) a motivação de se pensar nos problemas de ensino-
aprendizagem e nas soluções possíveis para alcançar os objetivos pretendidos; e (iii) as
reflexões sobre o uso da internet e suas ferramentas no ensino de línguas estrangeiras,
principalmente, no contexto remoto que, no caso da experiência observada neste trabalho,
trata-se de um campo inovador, experimental.
O que desejamos refletir com a representação gráfica é que a Linguística Aplicada
percorre a prática de ensino de línguas − no caso, o árabe −, observa e reflete sobre essa
prática na interação com a internet como instrumento.
Essa perspectiva está enquadrada na ideia de se pensar a prática de ensino de línguas;
uma preocupação da Linguística Aplicada que subjaz o projeto de extensão CLAC, em
que está ofertado o curso de língua árabe que ora apresentamos.

Uma discussão sobre internet e ensino: as vantagens da rede

Quando pensamos em uma experiência de forma remota, pensamos ser uma nova
modalidade de ensino-aprendizagem de línguas, ainda que o modelo remoto não seja algo
novo.
No campo do ensino de línguas estrangeiras, as diferentes abordagens e métodos

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

apresentados são, ao longo dos tempos, substituídos, abandonados ou até remodelados


na tentativa de se chegar a um modelo mais eficaz e produtivo. Assim, as ferramentas
de tecnologia passaram a ser utilizadas em larga escala, modernamente, como estratégia
para alcançar o público atual, totalmente imerso no mundo tecnológico. Neste momento,
entretanto, a internet foi promovida de ferramenta eficaz e alternativa para a única
ferramenta de ensino possível. Na modalidade remota de ensino em questão, o ensino-
aprendizagem deu-se por aulas síncronas, que se constituem em interação professor-aluno
online em tempo real e, assíncronas, com a disponibilização de materiais para estudo.
Os pesquisadores da Linguística Aplicada têm mostrado seu interesse nessa área de
ensino; tomemos por exemplo o livro “Internet e Ensino: novos gêneros, novos desafios”,
nas duas edições, de 2007 e 2009, nas quais os organizadores apresentam uma série de
artigos de linguistas aplicados que defendem o uso da internet no ensino de línguas e
apresentam resultados de pesquisas sobre as contribuições da rede na aprendizagem.
Muitos estudos apresentam as vantagens que o computador traz para melhorar a
qualidade do ensino. Braga (2009), por exemplo, afirma que:
a internet afeta as práticas de ensino de três maneiras distintas: possibilita
a comunicação a distância (em tempo real ou não); propicia ferramentas
técnicas que facilitam a produção de textos hipermídia; abre o acesso a um
banco de informações potencialmente infinito, disponível na rede mundial de
computadores. (BRAGA, 2009, p. 182)

No caso desta experiência com ensino de árabe, a primeira maneira citada corresponde
ao modelo remoto de aulas síncronas (em tempo real) e as assíncronas. E, nas palavras de
Braga (2009), sobre as vantagens da internet no ensino,

adicionalmente, como as plataformas educacionais permitem gravar as discussões


e tarefas realizadas durante o curso ou disciplina, o aluno pode, se desejar, ter
uma visão mais coletiva e diversificada das atividades pedagógicas realizadas,
uma possibilidade dificilmente concretizada na situação presencial, em razão
dos limites impostos pelo espaço e pelo tempo. (BRAGA, 2009, p.183)

A autora ainda destaca a facilidade de o professor poder acompanhar a turma de


forma mais abrangente e eficaz a partir das plataformas técnicas que oferecem ferramentas
para o acompanhamento da interação do aluno, mostrando seu percurso individual. Na
experiência de ensino em foco, utilizamos o Google Sala de Aula, no qual é possível
verificar a interação dos estudantes na entrega das atividades das aulas assíncronas, por

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

exemplo.
Considerando a competência comunicativa como um conjunto de habilidades que o
usuário de uma língua possui relacionadas à capacidade de usar recursos léxico-gramaticais,
textuais, fonológicos e adequá-los aos contextos e situações comunicativas desse idioma,
entendemos que o uso das ferramentas digitais pode favorecer o desenvolvimento do
estudante de língua estrangeira pela exposição aos contextos de produção comunicativos.
Os recursos da web são vastos e a cultura alvo pode ser facilmente visitada e explorada
em todo o seu potencial, diferente do que é possível em aulas presenciais. Araújo (2009)
referenda que:

a aprendizagem mediada por computador tem sido considerada para examinar


como a internet pode criar um ambiente de aprendizagem no qual os aprendizes
podem ganhar competência linguística e cultural na língua-alvo e como a
aplicação de atividades na internet pode apoiar as perspectivas teóricas e os
princípios de aprendizagem de línguas estrangeiras. (ARAUJO, 2009, p.444)

Quando pensamos nessa facilitação da internet para o ensino de línguas, concluímos


que o ensino do árabe pode ser favorecido de forma diferenciada, já que, de um modo
geral, um dos grandes entraves dessa experiência no Brasil é a escassez de materiais e
a dificuldade em ambientar o estudante na cultura árabe, devido a sua pouca difusão.
Assim, a internet com esse nível de acesso, em aulas síncronas e não síncronas, permite ao
professor, por exemplo, apresentar ao aluno textos jornalísticos atuais, materiais de humor
relacionados ao contexto mundial, uma visita online a museus do Egito e bibliotecas
virtuais disponíveis; tudo que se refere ao Mundo Árabe, que, muitas vezes, os materiais
estrangeiros impressos, com os quais se ensina tradicionalmente o idioma, não poderiam
mostrar.
As ferramentas, então, passam a ser um botão que aciona a abertura de uma porta
para os mais de 22 países de língua árabe, com suas peculiaridades, riquezas e culturas
linguísticas que os unem. Diante do exposto, concluímos esta seção com o comentário de
Silva e Lima (2018) em discussão sobre o perfil do CLAC Árabe.

Os cursos têm como objetivo difundir a língua, a cultura e a literatura árabes,


uma vez que o idioma é falado em mais de vinte países; isso o torna uma das
línguas mais utilizadas no mundo com estimativa de 350 milhões de falantes
e, acrescenta-se a isso, cerca de 1 bilhão e 300 milhões de mulçumanos que o

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

utilizam como língua litúrgica. Mesmo assim, essa língua ainda é considerada
um mistério para o ocidente, por conta do alfabeto diferente e do distanciamento
com essa cultura tão diversificada.

Ensino remoto de árabe e o uso das ferramentas: desafios e soluções

O ensino de árabe é um desafio, como já falado anteriormente. Como desenvolver


uma aula deste idioma, não-presencial, de forma produtiva? Com esse questionamento,
a tecnologia tornou-se essencial para que as aulas se desenvolvessem de modo dinâmico
e interativo. A troca entre orientadores, monitores-bolsistas e alunos contribuiu para a
formação tecnológica de todos, pois descobrimos novas ferramentas educativas que,
inicialmente, não tinham esse fim, mas que poderiam ser ressignificadas. Essa questão traz
à tona a ideia de ecletismo no ensino de línguas estrangeiras no que consiste à capacidade
necessária do professor de fazer escolhas de métodos que atendam às necessidades e
características de seu contexto de ensino, pois havia um planejamento para o curso de
árabe nível II. No entanto, a sala de aula convencional foi substituída e adaptada à nova
realidade. Como observa Vilaça (2008), o ecletismo no ensino de línguas acarreta no
aumento da responsabilidade do professor em relação às suas práticas e escolhas.
Esse desafio pode ser mais acentuado quando se trata do ensino de línguas de
escrita não latina. E uma das primeiras dificuldades foi a escrita em árabe no teclado
do computador que, diferentemente do teclado para celular, não possui a facilidade de
visualizar as letras em sua forma isolada. Os alunos foram instruídos sobre como habilitar
seus teclados e assimilarem aos poucos os caracteres do modo QWERTY às posições dos
caracteres árabes.
Outro problema, também relacionado à escrita, foi o de acompanhar o
desenvolvimento da caligrafia. Foi acordado que as atividades avaliativas eram feitas à
mão, fotografadas e enviadas pelo Google Sala de Aula ou WhatsApp.
A tecnologia tem sido aliada por multiplicar as formas de aprender e ensinar. Muitas
plataformas foram imprescindíveis para esse momento do ensino-aprendizagem de
línguas, como o Google Meet - para os encontros síncronos; Kahoot, Quizlet, Padlet - para
atividades assíncronas. Porém, é importante ressaltar que os alunos foram questionados
sobre seus recursos tecnológicos no primeiro dia do curso, para que as atividades fossem
pensadas de acordo com a possibilidade e acessibilidade dos alunos.
No Quizlet, já citado anteriormente, é possível desenvolver atividades diversas com a
conta premium, mas apenas os recursos gratuitos foram utilizados. O professor pode criar

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

suas atividades ou modificar as que já se encontram no banco de dados da plataforma. No


exemplo a seguir, os cartões foram criados pela monitora.
Conforme a figura 1, vemos cartões se referindo aos pronomes sujeito do árabe.
Primeiramente, o aluno se deparava com o pronome.

Figura 1 – Cartão em árabe na plataforma Quizlet

Ao clicar em cima, o cartão se vira e mostra o termo traduzido para o português, como
podemos ver na figura 2. O editor da atividade tem a possibilidade de inserir imagens, e
ainda é possível pesquisá-las no idioma alvo.

Figura 2 – Cartão em árabe na plataforma Quizlet

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

Na figura 3, temos outro recurso do Quizlet, chamado “aprender”, onde os alunos


respondem a um jogo e obtêm as respostas de forma imediata, testando se houve a
memorização dos termos.

Figura 3 –Atividade assíncrona na plataforma Quizlet

A turma em questão, no ensino presencial, tinha 4h de aula e adaptar o conteúdo


para ser explicado em apenas 1h foi desafiador. Por isso, grande parte das atividades,
que seriam feitas em sala de aula, foram modificadas para atividades assíncronas. O
momento de “Plantão de Dúvidas” também ajudou a suprir esse déficit, e foi estabelecido
democraticamente, para que acontecesse em um horário durante a semana em que todos
os alunos conseguissem estar presentes.
Os programas da Google têm sido eficientes para, principalmente, as funções
de comentar e editar arquivos que sincronizam e salvam automaticamente. O Google
Sala de Aula, já citado neste artigo, mostrou-se um recurso eficiente para administrar
a turma. Os materiais, perguntas e atividades podem ser organizados por tópicos, além
disso, as atividades podem ter caráter avaliativo e, quando entregues ao professor, não
podem receber edição até que seja devolvida. E para facilitar, as notas são calculadas
automaticamente pela própria plataforma.

A importância da manutenção de contato com a língua

Na língua árabe, o alfabeto possui 28 letras que podem se modificar de acordo com
sua posição inicial, medial ou final; e a escrita árabe é cursiva, da direita para a esquerda,

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não apresentando diferenciação de maiúsculas e minúsculas. No exemplo abaixo, vemos


a escrita da mesma letra em posições diferentes:

Isolada Inicial Medial Final Nome Valor fonético


‫ه‬ ‫وه‬ ‫رهظ‬ ‫همسا‬ hā [h]

Uma outra particularidade do idioma é que determinadas letras não se conectam


com a letra posterior, como é possível perceber na palavra ‫همسا‬, na qual a letra grifada
apresenta um espaço entre ela e sua posterior.

Isolada Inicial Medial Final Nome Valor fonético


‫ا‬ ‫همسا‬ ‫باب‬ ‫ام‬ 'alife [a:]

No nível 1, os alunos são apresentados ao alfabeto e desenvolvem a conexão ou não


das letras. Para distinguir algumas, é preciso bastante atenção porque possuem escritas
semelhantes, ainda que representem fonemas diferentes.
Após cerca de 7 meses sem estudo de árabe, depois que concluíram o curso 1, os
alunos chegaram ao curso de Árabe 2, no ensino remoto, com um nível alto de defasagem,
apresentavam problemas com a leitura de pequenas palavras às quais já tinham sido
apresentados. Houve confusão com dois grupos de letras especificamente:
Grupo 1:
Letra ‫ث‬ ‫ت‬ ‫ب‬
Valor fonético [θ] [t] [b]

Grupo 2:
Letra ‫خ‬ ‫ح‬ ‫ج‬
Valor fonético [x] [ħ] [ʒ]

A turma lembrava de algumas expressões, saudações e objetos, mas não sentia


confiança para ler as palavras já pronunciadas por não conseguir relacionar as letras aos
sons.
A ementa do nível 2 consiste em noções básicas da estrutura gramatical da língua
árabe moderna, porém foi necessária uma flexibilização do currículo, pois os alunos
precisavam recordar os fonemas para poderem assimilar as vogais e formar sílabas.
Com esse intuito, foi desenvolvida uma atividade assíncrona de revisão das letras. E, no

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encontro síncrono, foi trabalhado, com imagens, o vocabulário já conhecido pela turma. A
proposta do CLAC de disponibilizar um plantão de dúvidas durante a semana também foi
adaptada; o horário foi dividido para solucionar dificuldades específicas de cada aluno.
Aos poucos, os alunos conseguiram fazer a junção consoante + vogal de forma gradual e,
consequentemente, a leitura de palavras completas.
Ainda que o Ensino Remoto, neste caso, represente uma modalidade de ensino
emergencial devido ao tempo de pandemia, podemos pensar em muitas vantagens desse
modelo de interação on-line, pois facilitou o compartilhamento de materiais autênticos e
a visualização de vídeos e plataformas interativas, já que no ensino presencial era mais
difícil essa dinâmica devido ao fato de os recursos tecnológicos serem mais limitados nas
salas de aula.

Avaliação a distância

A avaliação no CLAC se dava por meio de duas provas orais e duas provas
escritas. Com o ensino remoto, as formas avaliativas também precisaram ser adaptadas.
Desde o início, os alunos estavam apreensivos sobre como se daria a avaliação na nova
modalidade. Como orientado pelo CLAC, a maior parte das avaliações aconteceram
de forma assíncrona, com a finalidade de “compensar” o tempo de aula. Pensando na
exploração das habilidades linguísticas, as atividades foram feitas em diversos formatos.
Algumas foram as de gravação de áudios com leituras de palavras e sintagmas nominais;
apresentação dos familiares e seus nomes; gravação de vídeos falando sobre si; e descrição
de objetos ou fotos tiradas pelos alunos, usando palavras do vocabulário estudado.
Em certas aulas, principalmente as que continham textos mais longos, os alunos
mostravam-se mais excitados por, dentro de um contexto, reconhecer seus conhecimentos
já adquiridos.
Com o objetivo de diminuir a subestimação dos alunos consigo mesmos, houve
a proposta de uma avaliação final, de peso leve, para que conseguissem visualizar sua
evolução durante o semestre, principalmente sobre a construção de sintagmas e orações.
A avaliação foi feita durante um encontro síncrono, onde tinham a possibilidade de, a
qualquer momento, sanar dúvidas referentes aos enunciados.

Considerações finais

O Professor Júlio Araújo, do programa de Pós-Graduação em Linguística da

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Universidade Federal do Ceará, escreveu, na introdução do livro “Internet & Ensino: novos
gêneros, outros desafios”, sobre o medo dos professores de usar a internet. Mencionou
a expressão criativa “Tsunami digital”, utilizada por professores da educação básica,
refletindo que a comparação das práticas discursivas em ambiente digital à catástrofe
evidencia “um grito de socorro” dos docentes em relação ao uso da rede.
Essa questão nos interessa e nos servirá de conclusão das reflexões deste artigo
porque a experiência ora apresentada constituiu-se em um desafio e superação desde o
momento em que o curso foi planejado até seu encerramento, já que, neste caso, a internet
foi a mantenedora do ensino remoto; foi a única possibilidade de efetivação das aulas
(síncronas e assíncronas). Reportando-nos à fala do professor sobre o medo da internet há
mais de 10 anos, o ensino remoto parece um salto; porém, ao mesmo tempo, a experiência
com essa modalidade de ensino demonstrou se tratar, ainda, de uma questão de desafio e
superação.
No entanto, não podemos deixar de mencionar o outro lado da questão no que
diz respeito ao ensino do árabe, porque, como sempre se tratou de uma experiência de
desafios devido aos vários motivos mencionados, dentre eles, a escassez de materiais, a
internet foi, ao mesmo tempo, desafio e superação, medo e coragem, problema e solução.
Essa experiência, ainda que muito emergencial e completamente experimental, mostrou-
nos um campo fértil de materiais que não eram usados, sequer mencionados, mas que, a
partir de agora, serão explorados como recurso de fontes didáticas e de contextualização
cultural que poderão dirimir o distanciamento entre as culturas nativa e alvo.
A turma segue preparada para o nível seguinte; a monitora e a orientadora seguem
mais experientes com contextos de emergência no ensino, entendendo que a língua árabe
pode ser ensinada para falantes do português presencialmente, ou de maneira remota;
com materiais impressos ou virtuais. Certamente o momento de ensino-aprendizagem ora
relatado será um marco para o ensino de línguas de um modo geral, assim como para esse
idioma semítico, considerado misterioso, pouco acessível e desafiador.

Referências Bibliográficas

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Janeiro, 2007.
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instrucionais. Linguagem em (Dis)curso. Palhoça, SC, v .9, n.3, p. 441-461, set./dez.
2009.

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MOTA & SILVA. Língua árabe em modalidade remota: desafios e soluções.

BRAGA, D. B. Práticas Letradas Digitais: Considerações sobre possibilidades de


ensino e de reflexão social crítica. In: RODRIGUES-JÚNIOR, A. S. et al. Internet &
Ensino:novos gêneros, outros desafios. 2.ed. Rio de Janeiro:Singular, 2009.
HANNA, V. L. H. Línguas estrangeiras: o ensino em um contexto cultural.
SãoPaulo: Ed. Mackenzie, 2012 – (Coleção conexão inicial; v.2)
SILVA, B. G. S. G; LIMA, S. F. O perfil do CLAC-Árabe. In: TILIO, R. e BEATO-
CABATO A. P. M. (Orgs.) Formação inicial de professores de línguas: experiências
em um projeto de extensão universitária. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018.
SOUZA, R.A. Aprendizagem em regime TANDEM: uma alternativa no ensino de língua
de estrangeiras on-line. In: RODRIGUES-JÚNIOR, A. S. et al. Internet e Ensino:
novos gêneros, outros desafios – 2.ed., Rio de Janeiro: Singular, 2009.
VILAÇA, M. L. C. Método de Ensino de línguas estrangeiras: fundamentos, críticas
eecletismo. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades, v. 7, n 26, p. 73-88;
jul.-set. 2008.

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COMPLEXIDADE NO ENSINO
REMOTO EMERGENCIAL: REFLEXÕES
SOBRE INTERAÇÃO, AUTONOMIA E
MOTIVAÇÃO NO CURSO DE RUSSO
DO CLAC

Diego Leite de Oliveira


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Prof. de Língua Russa do
Departamento de Letras Orientais e Eslavas. E-mail: diegooliveira@letras.ufrj.br

Débora Martignoni Tort


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras - Português-
Russo. E-mail: deboratort@letras.ufrj.br
RESUMO

Neste trabalho, busca-se a reflexão sobre os processos de ensino-aprendizagem


de língua russa, no âmbito do projeto CLAC, à luz dos pressupostos teóricos da
teoria da complexidade (Larsen-Freeman, 1997; Ellis e Larsen-Freeman, 2009;
Paiva e Nascimento 2011), considerando-se aspectos como interação, autonomia e
motivação e sua adaptação ao regime de ensino remoto emergencial, ocasionado
pelas consequências da pandemia da COVID-19. Para isso, propõe-se uma
comparação entre níveis sequenciais do curso de língua russa do CLAC, tomando-
se o nível I, ministrado no período pré-pandemia, e o nível II, ministrado durante
a pandemia. Nesse sentido, considera-se qual o impacto das aulas ministradas
em regime remoto no padrão de interação entre os aprendizes, se é observada
alguma mudança no grau de autonomia dos alunos e da monitora em relação aos
processos de ensino-aprendizagem, bem como a influência do ensino remoto na
motivação dos alunos do CLAC para continuarem seus estudos.
PALAVRAS-CHAVE: Complexidade; Ensino Remoto Emergencial; Interação,
Autonomia; Motivação.

ABSTRACT

This paper aims atreflecting on teaching-learning processes regarding Russian


Language, in CLAC project, under the theoretical assumptions of Complexity Theory
(Larsen-Freeman, 1997; Ellis e Larsen-Freeman, 2009; Paiva e Nascimento 2011),
considering aspects like interaction, autonomy and motivation and their adaptation
to emergency remote education regime as a result of COVID-19 pandemics
consequences. Thus a study is proposed, which compares two sequential levels
of Russian language course in CLAC,considering the first level offered in the pre-
pandemic period and the second level, given during the pademics period. Thus,
it is taken into account what is the impact of classes given in remote regime to
interaction among learners; to what degree is there any change in the autonomy
of students and monitor in relation to the teaching-learning processes, as well
as the influence on the degree of motivation of CLAC learners to continue their
studies.
KEYWORDS: Complexity; Emergency Remote Education; Interaction; Autonomy;
Motivation.
OLIVEIRA & TORT. Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação, autonomia e motivação no
curso de russo do CLAC.

Introdução

Nas últimas duas décadas aproximadamente, os estudos sobre os processos de


ensino-aprendizagem de línguas vêm mostrando uma guinada significativa em direção às
teorias da complexidade (LARSEN-FREEMAN, 1997; PAIVA E NASCIMENTO, 2011;
CASTRO, 2018), buscando compreender tais processos como fenômenos dinâmicos,
altamente variados e influenciados por um amplo conjunto de fatores, tais como o contexto,
a relação aprendiz-professor, o tipo de língua estudado, o propósito para se estudar esta
ou aquela língua, etc. Certamente, no âmbito dos estudos sobre complexidade, um amplo
conjunto de contribuições ainda pode ser trazido para a seara do ensino e da aprendizagem
de idiomas e, mais especificamente no que diz respeito a este artigo, para o ensino de
língua russa no Brasil.
No ano de 2020, o mundo se viu refém da rápida disseminação de um novo tipo de
coronavírus, causador da doença que ficou conhecida como COVID-19. Para evitar o
colapso de seu sistema de saúde em decorrência da propagação da doença, diversos países,
inclusive o Brasil, adotaram medidas de isolamento social, de modo que um conjunto
amplo de atividades antes realizadas presencialmente passaram a ser desenvolvidas de
forma remota em caráter emergencial. Não foi diferente com o projeto de extensão CLAC
(Cursos de Línguas Abertos à Comunidade), do qual os autores deste artigo fazem parte.
O presente trabalho visa a apresentar uma reflexão sobre ensino e aprendizagem
em regime remoto emergencial, causado pelo contexto de pandemia, em contraposição
ao ensino presencial, desenvolvido em contexto pré-pandemia, no curso de língua
russa oferecido pelo CLAC. Para isso, adotamos os pressupostos teóricos dos sistemas
adaptativos complexos, aplicados aos processos de ensino-aprendizagem de idiomas,
debruçando-nos mais especificamente sobre aspectos como interação, autonomia e
motivação, mediados pelas mudanças que transformações bruscas no ambiente de ensino
(presencial para virtual) causaram no curso de língua russa oferecido pelo projeto CLAC.
O objetivo é comparar duas turmas sequenciais de nível I e nível II em contextos de
ensino distintos: a primeira em regime presencial e a segunda em regime remoto.
Assim, este artigo se divide em quatro partes: a primeira consiste nesta introdução,
na qual apresentamos em linhas gerais o objeto de estudo do presente trabalho; na
segunda seção, expomos brevemente as principais características de sistemas adaptativos
complexos e como essa concepção vem sendo aplicada ao ensino-aprendizagem de
idiomas, considerando os aspectos interação, autonomia e motivação. A terceira seção se

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curso de russo do CLAC.

divide em três subpartes: na primeira, fornecemos um sucinto histórico sobre a organização


do curso de língua russa no CLAC acompanhado dos aspectos metodológicos utilizados
no trabalho; na segunda, apresentamos uma comparação entre o ensino presencial e o
impacto do ensino remoto no curso em termos de interação, autonomia e motivação: e,
na terceira, tecemos alguns comentários breves à luz da teoria da complexidade. Para
encerrar o artigo, a quarta seção acrescenta algumas considerações finais sobre o assunto.

Teoria da complexidade e ensino de língua estrangeira

Um sistema adaptativo complexo é aquele que emerge a partir da interação


de múltiplos fatores que, analisados separadamente, não dão conta de explicar o
funcionamento do sistema como um todo. Além disso, o sistema exibe grande capacidade
de adaptação às mudanças que lhe acometem no decorrer do tempo. De acordo com Ridder
et al. (2017), todos os sistemas adaptativos complexos compartilham características em
comum, independentemente de estarmos falando sobre economias globais, sobre colônias
de formigas, sobre o cérebro humano, sobre sistemas ecológicos etc. Para os pesquisadores,
sistemas adaptativos complexos são sistemas abertos, que interagem continuamente com
o seu meio, permitindo uma retroalimentação (ou feedback). Esse tipo de interação pode
se dar na forma de troca de informação, energia, transferência de material para dentro ou
para fora do sistema, no qual predominam as interações locais ou vizinhas, positivas ou
negativas. Com isso, interações do passado contribuem para as interações do presente,
que juntas constituem a base para as interações futuras (cf. Ridder et al., 2017 e Beckner
et al., 2009).
Como exemplo de sistema adaptativo complexo, podemos considerar a língua
que falamos cotidianamente. É possível observar que, ao mesmo tempo em que exibe
estrutura aparente, a língua apresenta um alto grau de variação e adaptação a fatores
diversificados. Para Beckner et al. (2009), a língua como um sistema envolve agentes
múltiplos interagindo entre si, que podem ser caracterizados como os falantes em uma
comunidade de fala, de modo que o comportamento de cada falante é a consequência de
fatores diversos em competição, que incluem a modalidade (fala ou escrita), o registro
(formal ou informal), o grau de escolaridade de seus usuários, a origem geográfica do
usuário da língua, fatores perceptuais e muitos outros. Além disso, se nos debruçarmos,
mais especificamente, sobre a emergência das estruturas linguísticas, podemos evidenciar
seu surgimento a partir de padrões inter-relacionados como experiência com o uso da

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língua, interação social entre os falantes numa comunidade e habilidades cognitivas de


domínio geral, que, de acordo com Diessel (2019), envolvem áreas como memória e
processamento (categorização, analogia etc.), conceptualização (metáfora, metonímia,
segregação figura-fundo etc.) e cognição social (compartilhamento de atenção, base
comum etc.). Nesse sentido, podemos dizer que a língua, não só em seu aspecto social,
mas também em seu aspecto cognitivo, é um sistema dinâmico, complexo e adaptativo.
Se a língua vem sendo encarada como um sistema adaptativo complexo, é
natural que a perspectiva da complexidade tenha também atraído pesquisadores que se
debruçam sobre os processos de ensino-aprendizagem de idiomas, o que, como já dito,
se tem evidenciado nas últimas duas décadas. A primeira a se debruçar sobre o tema
foi a pesquisadora americana Diane Larsen-Freeman (1997), para quem um desafio na
pesquisa sobre aquisição de segunda língua tem sido como captar o dinamismo evidente na
evolução das interlínguas dos falantes. Segundo a pesquisadora, o processo de aquisição
de uma segunda língua é complexo e depende de muitos fatores que interagem entre si
para desenvolver a interlíngua dos aprendizes, dentre os quais ela ressalta a língua fonte,
a língua alvo, a marcação da L1 e da L2, quantidad e etipo de input, de interação, de
feedback recebido, se a língua está sendo adquirida em contextos de tutoria ou sem tutoria,
a idade do aprendiz, a atitude, fatores psicossociais, fatores relacionados à personalidade e
à cognição, etc (cf. Larsen-Freeman, 1997, p.151). Assim, a pesquisadora enumera alguns
pontos no processo de aquisição de segunda língua que merecem atenção sob a ótica da
complexidade, dentre os quais ressaltamos as diferenças individuais dos aprendize se o
efeito da instrução.
Com relação às diferenças individuais, é fato conhecido que nem todos os aprendizes
são igualmente bem sucedidos ao adquirirem uma segunda língua. Portanto, algumas
questões se colocam: quais são as variáveis envolvidas nesse desenvolvimento não
uniforme e quais instrumentos podem ser usados para medir essas variáveis? Por mais que
sejam levantadas variáveis diversificadas que influenciam diferenças na aprendizagem
de segunda língua, parece não existir um mecanismo capaz de medir ou prever quais
variáveis entrarão em ação no que diz respeito a um aprendiz ou outro.
Quanto ao efeito da instrução, Larsen-Freeman tem questionado a asserção de que
a instrução é apenas mais uma variável a considerar e que, quando a aquisição for mais
bem entendida em seu estado natural, será possível avaliar os efeitos da instrução. Para
a pesquisadora, embora tenha sido uma prática comum lidar com cada fator de análise
separadamente, os efeitos da instrução, assim como os fatores referentes ao aprendiz não

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podem ser considerados depois de terem sido observados os fatores da aprendizagem


natural. Afinal de contas, o comportamento do todo, em sistemas adaptativos complexos,
emerge como produto da interação de todas as suas partes e, portanto, como bem salienta
a pesquisadora, estudar as partes isoladamente não leva à compreensão do todo.
A analogia seminal proposta por Larsen-Freeman entre a aquisição de segunda língua
e os diversos sistemas adaptativos complexos foi muito importante para os estudos sobre
os processos de ensino-aprendizagem de idiomas, proporcionando estudos com focos
diversificados na área, de modo que atualmente já se observam trabalhos substanciais
que se valem da teoria da complexidade. Neste artigo, recorremos mais especificamente a
contribuições trazidas para aspectos como interação, autonomia e motivação.
No que se refere à interação em sala de aula, a contribuição de Seedhouse (2015) se
faz merecedora de atenção neste trabalho. O pesquisador, associando os procedimentos
da análise da conversação aos preceitos da teoria da complexidade, busca compreender
como se organiza a interação em uma sala de aula de L2. Apoiando-se na distinção entre o
discurso institucional − que se orienta em torno de um objetivo, exibindo uma organização
racional − e a conversação habitual − que assume uma negociação de sentidos, a liberdade
de tomada de turnos irrestrita pelos participantes −, Seedhouse sugere haver uma relação
de mão dupla entre pedagogia e interação na sala de aula de L2. Se por um lado o foco
pedagógico influencia o modo de interação em sala de aula, por outro lado, a sala de aula
de L2 tem sua própria organização interacional, que transforma a pedagogia pretendida
em pedagogia real.
Assim, Seedhouse propõe que uma forma de identificar a arquitetura interacional
em uma sala de aula é estabelecer o seu objetivo institucional central, o qual causa
consequências no modo como se dará a organização interacional. De acordo com
o pesquisador, o objetivo institucional central em uma sala de aula de L2 poderia ser
definido como“o professor deve ensinar a L2 aos aprendizes”. Segundo Seedhouse (2015,
p. 377), há três propriedades que derivam diretamente desse objetivo e que moldam o
processo de interação na aula de L2, a saber: 1) a língua é tanto o veículo como o objeto
da instrução; 2) os participantes analisam e comentam as formas linguísticas e os padrões
de interação, utilizando-os como base para futuras interações; e 3) as formas linguísticas
e padrões de interação dos aprendizes estão potencialmente sob avaliação do professor
de algum modo. Dessa forma, na concepção do pesquisador, tem-se um sistema que está
se autoexaminando continuamente e se retroalimentando em termos interacionais, o que
consiste numa propriedade comum a sistemas adaptativos complexos.

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Com relação ao aspecto autonomia, a caracterização proposta por Little (1991, p. 4)


pode consistir em uma base para a discussão. Segundo o autor, autonomia é a capacidade
de desapego, reflexão crítica, tomada de decisão e ação independente. Contudo, ainda que
muito importante para o entendimento do conceito de autonomia, Paiva e Braga (2008)
ressaltam que a definição de Little parece desconsiderar aspectos como os contextos
econômico e educacional. Para as autoras, autonomia é um fenômeno complexo, que
emerge a partir da interação de diversos fatores e, portanto, defendem que a autonomia em
si pode ser compreendida como um sistema adaptativo complexo. Com base em Littlewood
(1996 apud Paiva e Braga, 2008), as autoras defendem que, para aprender uma língua, é
necessário usar a língua e desenvolver a autonomia enquanto comunicador, de modo que
os graus de independência e controle vão variar de acordo com características individuais
e com o contexto sócio-político, mas não apenas isso. De acordo com Paiva (2006),
fatores como o input, o professor, a tecnologia entre muitos outros podem contribuir para
o desenvolvimento e a restrição do processo de autonomia do aprendiz da língua. Dessa
forma, Paiva e Braga (2008) compreendem e buscam mostrar a autonomia como um
processo em constante movimento, especialmente no que se refere às ações, reações e
mudanças que ocorrem no decorrer do tempo.
Considerado o processo de autonomia do aprendiz, o professor deixa de assumir
a posição de detentor máximo do conhecimento em sala de aula − em uma relação
hierárquica em que o docente transmite integralmente os conhecimentos aos discentes
− e passa a assumir o papel de orientador ou facilitador, assegurando a possibilidade de
o aprendiz construir o seu próprio conhecimento (cf. Freire, 1997; Leffa, 2003). Nesse
aspecto, a contribuição de Castro (2018) para o que vem sendo chamado aconselhamento
linguageiro pela ótica dos sistemas adaptativos complexos se faz interessante. Com foco
na aprendizagem linguística individual, o aconselhamento linguageiro visa a auxiliar os
aprendizes a se tornarem mais eficazes, conscientes e reflexivos e, consequentemente,
mais autônomos diante da aprendizagem da língua. De acordo com Castro, no modelo
de aconselhamento linguageiro, o aprendiz é um agente ativo, um protagonista que pode
escolher, planejar e avaliar seus próprios planos de aprendizagem com o apoio de um
orientador, um facilitador do processo. Em um projeto de formação como o CLAC, essa
concepção de aconselhamento linguageiro pode se revelar bastante profícua.
Por fim, consideramos a motivação para a aprendizagem de uma segunda língua. No
âmbito da teoria da complexidade, a motivação, nos termos de Paiva (2011), é entendida
como um subsistema atrelado aos demais sistemas de aquisição de segunda língua, que

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funciona como uma força motora em qualquer processo de aprendizagem. Na concepção de


Paiva, motivação é uma força dinâmica que envolve fatores sociais, afetivos e cognitivos,
manifestados no desejo, atitudes, expectativas, interesses, necessidades, valores, prazer e
esforços dos aprendizes. Assim, a motivação não é concebida como algo estável, sendo
influenciada por fatores de natureza diversa.
Adotando a perspectiva da complexidade aos processos de ensino-aprendizagem
de russo no projeto CLAC e tendo comentado brevemente a interação, a autonomia e a
motivação como aspectos a serem considerados no presente trabalho, passamos agora
à terceira parte do artigo, em que apresentamos os aspectos metodológicos, a análise
empreendida e a discussão de alguns resultados à luz da complexidade.

O que mudou com a pandemia: metodologia, análise e discussão sobre o CLAC-


russo

Breve panorama do curso de russo e metodologia para a presente análise

O curso de língua russa no CLAC conta com a participação de professores e alunos


dos cursos de graduação em Letras Português-Russo, em suas modalidades bacharelado
e licenciatura. Dado o pequeno contingente de professores e alunos no âmbito do curso
de graduação, o projeto CLAC oferece número consideravelmente limitado de turmas,
abertas diante da disponibilidade de estudantes de graduação com nível de proficiência
em língua russa compatível às atividades desenvolvidas, no âmbito do projeto. Havendo
alunos interessados, desenvolve-se uma seleção de monitores e, caso haja algum aluno
selecionado no processo seletivo, uma turma passa a ser oferecida à comunidade externa.
O curso conta com quatro níveis divididos por semestres e tem duração equivalente a dois
anos.
Em geral, no primeiro nível de língua russa do CLAC se inscrevem, em média,
vinte interessados, número que, com o passar do tempo e por razões diversificadas, vai
diminuindo em mais de cinquenta por cento, de modo que o primeiro nível geralmente
se encerra com um grupo de quatro a dez alunos, que irão de fato desenvolver suas
habilidades comunicativas em língua russa nos próximos três níveis.
O curso busca adotar uma combinação de métodos de ensino, trabalhando aspectos
de abordagens diversificadas e incentivando o monitor, que também se encontra em
processo de desenvolvimento das habilidades comunicativas, a atuar como facilitador da

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aprendizagem e não como um detentor de todo o conhecimento a ser passado para o aluno
do CLAC. Em outras palavras, incentiva-se o desenvolvimento da autonomia, tanto por
parte do aluno que busca o CLAC para aprender o idioma russo, como do monitor que
aprimora suas habilidades atuando no projeto de extensão, ministrando aulas, organizando
eventos, desenvolvendo pesquisas, participando de reuniões de orientação.
Para desenvolver a comparação proposta neste trabalho, baseamo-nos em observações
empíricas, experienciadas pela monitora do nível de língua russa I, na modalidade
presencial, e do nível de língua russa II, na modalidade remota. O nível de língua russa
I foi ministrado no segundo semestre do ano de 2019, ocorrido de agosto a dezembro do
referido ano, e o nível de língua russa II foi ministrado no primeiro semestre do ano de
2020, que, em função da pandemia, ocorreu no período entre agosto e novembro de 2020.
Nesse contexto, alunos e monitora se mantiveram os mesmos nas duas turmas.
O objetivo central da comparação consistiu na observação do impacto do ensino
remoto emergencial em aspectos como a interação dos alunos entre si e com a monitora
na sala de aula, o desenvolvimento da autonomia dos alunos e da monitora, bem como
o grau de motivação para se estudar o idioma. Assim, para além das observações da
monitora em sala de aula, pautadas pelo acompanhamento dos alunos, pelas discussões
nas reuniões com o orientador e pela reflexão crítica da metodologia de ensino adotada em
relação aos níveis do curso, a monitora elaborou um questionário, que foi desenvolvido
como um formulário da plataforma Google Forms e enviado aos alunos do curso. Foram
feitas perguntas sobre o período de ensino remoto emergencial, tais como “qual o impacto
do ensino remoto em seus estudos?”, “você se sente motivado a estudar remotamente?”,
“se o CLAC ofertar futuramente ensino remoto, você estaria disposto a prosseguir com os
estudos?”, entre outras, utilizadas para esclarecer pontos da observação do comportamento
dos alunos no período remoto.
Os níveis de russo analisados dispõem de um alunado bastante reduzido, o que em
certa medida facilitou as observações da monitora, assim como as análises desenvolvidas
nas reuniões de orientação. Abaixo, na próxima subseção, exibimos os resultados dessa
análise comparativa entre os semestres avaliados.

Análise: Interação, autonomia e motivação no curso de russo antes e durante a


pandemia

Considerando os fatores interação, motivação e autonomia, analisaremos o

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impacto da mudança do ensino presencial para ensino remoto emergencial, na turma de


segundo período de língua russa do CLAC. Dessa maneira, é necessário considerar como
o ambiente, tanto o físico quanto o virtual, influencia o desenvolvimento das atividades
de ensino. Em relação ao número de alunos, o curso de russo tem um extenso histórico de
evasão, como vimos acima. Em 2019.2, após a evasão natural, o primeiro nível contava
apenas com quatro alunos, os quais prosseguiram para o segundo período. Após a decisão
de adesão do CLAC ao período remoto emergencial, em 2020.1, o número diminuiu para
três, pois um dos alunos não tinha condições de prosseguir os estudos virtualmente.
O curso de russo ocorre aos sábados, das 8h às 12h, no prédio da Faculdade de Letras,
na Ilha do Fundão. Em um primeiro momento, observamos a dificuldade de chegar à sala
de aula, pois aos sábados os ônibus que passam pela Ilha do Fundão têm seus horários
reduzidos, ou são suspensos. Por conta disso, os alunos normalmente tinham entre meia
hora e quarenta minutos de atraso. Por outro lado, pensando no segundo período remoto,
a necessidade da locomoção física é eliminada, e os atrasos se reduziram a cinco ou dez
minutos. Aliás, em resposta ao questionário apresentado aos alunos, a maioria salientou
este como um aspecto positivo do período remoto.
Normalmente, os cursos do CLAC têm uma carga horária semanal de 4horas/aula,
sendo essas divididas em dois dias de aula de 2horas/aula cada. No entanto, os cursos
aos sábados não têm outra opção senão ministrar 4horas/aula seguidas; por isso a aula
no período presencial costumava iniciar às 8:30, havendo um intervalo entre 9h30 e 10h,
e finalizar às 11h40. Ou seja, em média, a carga horária real se fazia reduzida, ficando
em cerca de 2h40. Isso se dá por conta de diversos fatores, como a questão dos atrasos,
o número reduzido de alunos e a consequente facilidade em ministrar o conteúdo, pois
não era necessário dedicar tanto tempo à resolução de dúvidas ou comentários. Por fim,
a necessidade geral de voltar para casa usando o meio de transporte público também era
um fator relevante.
No período remoto emergencial, o CLAC optou por 1h de aula síncrona, 2h
assíncronas e 1h para monitoria, ajudando os alunos com eventuais dúvidas ou dificuldades.
Foi decidido com a turma que as aulas ocorreriam das 11h até 12h, e caso fosse necessária
outra hora de aula, haveria um intervalo entre 12h e 12h30, com retorno às atividades até
13h30. Essa divisão permitiu que a primeira hora fosse focada em conteúdo gramatical,
correção de exercícios ou resolução de dúvidas, enquanto a segunda hora era dedicada
à conversação e exercícios orais, como, por exemplo, criação de frases com o conteúdo
novo. Por outro lado, a maioria dos alunos prefere a modalidade presencial, considerando

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que esta apresenta mais tempo de aula, apesar das dificuldades citadas mais acima.
Em ambos os períodos, 2019.2 e 2020.1, as salas designadas foram as ímpares
do bloco H, o menos conservado do prédio da Faculdade de Letras. Tais salas são
organizadas em um esquema expositivo, com cadeiras de alunos fixas ao chão e a mesa
do professor em um tablado, o que parece ser conflitante para uma aula de ensino de
línguas que utilize elementos de uma abordagem comunicativa. Além disso, devido ao
baixo número de alunos e o tamanho relativamente grande da sala, o eco prejudicava a
comunicação de ambas as partes — alunos e monitora —e os ventiladores eram velhos e
barulhentos, reforçando não só a questão da dificuldade de comunicação, mas também o
consequente desconforto físico em dias quentes. Com o ensino remoto emergencial, além
da necessidade de locomoção supracitada, o ambiente de ensino deixa de apresentar as
características físicas comentadas e passa ocorrer em um ambiente virtual de ensino, com
aulas síncronas e assíncronas, a partir das casas da monitora e dos aprendizes.
Aqueles que aderiram ao período remoto apresentaram condições suficientes para
assistir às aulas síncronas. Eles não tinham problemas significativos com equipamento ou
conexão de internet, e o ambiente doméstico não aparentava ser um empecilho. Por outro
lado, se antes, no regime presencial, o eco da sala e o ruído do ventilador prejudicavam
a compreensão do outro, no ambiente virtual essa dificuldade se traduz em problemas de
conexão. Embora tais problemas tenham existido, eles ocorreram raramente no nível dois
de língua russa do CLAC. Logo, a comunicação dos alunos se deu de maneira mais clara
quando comparada ao período presencial, possibilitando maior interação entre eles. Com
isso, foi criada a possibilidade de aulas de conversação, nas quais os alunos conversam
apenas entre si, sem a interferência direta da monitora. Com exceção de eventuais ruídos,
como latidos de cachorro, ou problemas pontuais com a internet, as aulas remotas seguiram
de maneira tranquila. Todavia, cabe ressaltar que essa não é a mesma realidade para todas
as turmas que adotam o ensino remoto e que, desse modo, a turma de russo em questão
foi afortunada.
Comparando ambos os contextos, presencial e a distância, e considerando o fator
interação, é possível fazer algumas análises do primeiro período de língua russa e do
segundo. Na sala de aula física, a interação ocorria com mais facilidade e naturalmente,
a linguagem corporal era um fator relevante, que se perde em uma sala virtual. Na sala
de aula virtual, dos três alunos, inicialmente apenas dois mantinham a câmera ligada,
mas um deles passou a desligá-la também; o terceiro aluno alegava não ter uma webcam.
Presencialmente, os turnos de fala eram orgânicos por conta da leitura da linguagem

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corporal e, além disso, os alunos podiam interagir nos intervalos, antes e depois da aula.
Essa possibilidade permitia que eles se conhecessem melhor, podendo criar amizades – o
que é um fator relevante para a permanência no curso. Em um ambiente virtual, os turnos
de fala eram ditados conforme o aluno abria ou fechava o microfone, gerando certos
momentos de silêncio, pois os alunos não conseguiam saber se deveriam falar ou não,
destacando a necessidade de uma leitura visual do outro e o impacto da falta da câmera.
No questionário apresentado aos alunos, um deles menciona sua avaliação negativa em
relação à interação em sala de aula no período remoto e cita como fatores de impacto
as câmeras dos demais alunos desligadas e o tempo de duração das aulas mais curto em
relação ao ensino presencial.
Além do fato apresentado acima, deve-se considerar que o ensino a distância síncrono
também acentua as dificuldades comunicativas e interacionais já existentes no presencial.
Um dos três alunos sempre teve dificuldade de interagir tanto com a monitora quanto com
os colegas de turma, falava baixo e tinha certa resistência a participar por conta própria
em atividades interativas. Durante as aulas remotas, a sua insegurança aumentou, ele
não conseguia acompanhar a matéria e entender os colegas, além de não conseguir se
fazer entender. Por conta desses fatores e de alguns outros de cunho pessoal, esse aluno
abandonou as atividades síncronas um pouco depois da primeira avaliação1. Além disso,
através das respostas ao questionário apresentado, foi constatado que esse aluno tinha
maior preferência por aulas assíncronas, como vídeos já gravados, pois assim não seria
necessário se expor e interagir nas chamadas em vídeo.
Embora a interação seja mais natural no contexto presencial, como descrito
anteriormente, no primeiro período de língua russa os alunos não tinham o costume de
interagir ativamente entre si. Durante os intervalos, a maioria dos alunos ficava dentro da
sala, ocasionalmente saindo para comprar algo para comer, mas raramente conversavam.
Já no período remoto, com a presença de apenas dois alunos, fez-se necessário que a
turma se aproximasse. Para facilitar a interação, a monitora desenvolveu atividades
que permitissem os alunos conhecerem um ao outro, encontrando gostos em comum.
Além disso, os exercícios assíncronos foram adaptados para que eles interagissem fora
do horário do encontro síncrono, através de mensagens em um grupo do WhatsApp da
turma, compartilhando músicas e expondo a sua opinião sobre certos assuntos. Essas
atividades foram, inclusive, ressaltadas como pontos positivos do período remoto, por um
dos alunos, no sentido de facilitar a interação também com a monitora.

1 O aluno em questão teve uma nota acima da média necessária de 6,0.

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Devemos, com isso, considerar o desenvolvimento pedagógico da monitora. Sendo


o primeiro período de língua russa do CLAC o contato inicial com a sala de aula e com
o ensino de língua russa em si, a falta de experiência resultou em certas dificuldades em
relaçãoao desenvolvimento das aulas. Essa inexperiência era tanto relativa às questões de
didática quanto ao conhecimento da língua. Considerando o tempo de cerca de oito meses
entre o começo de 2020.1 e o início das aulas remotas, a possibilidade de realizar aulas de
conversação está relacionada ao crescimentoda monitora.
Como mencionado acima, o CLAC aderiu ao ensino remoto com uma hora de aula
síncrona e duas assíncronas. Dessa maneira, os momentos assíncronos exigiam maior
autonomia por parte dos alunos. No período remoto, os alunos, acima de tudo, se tornaram
responsáveis pela organização dos seus estudos, decidindo em qual momento e como
fazer os exercícios assíncronos.
Aqui cabe correlacionar aspectos relativos à autonomia e interação observados.
Um dos alunos, quando desenvolvia as atividades assíncronas, fazia questão de anotar
suas dúvidas e manifestá-las em comentários na plataforma do Google Classroom, de
modo que a monitora pudesse esclarecê-las. O outro aluno que permaneceu assistindo
às aulas síncronas, por outro lado, não fazia isso. A partir de uma readaptação das aulas
síncronas, tais dúvidas começaram a ser trabalhadas nos primeiros momentos de aula.
Essa readaptação, com a monitora questionando explicitamente em quais questões houve
dúvidas, se houve uma compreensão total do conteúdo e de qual conteúdo especificamente,
entre outras estratégias, permitiu uma reavaliação por parte dos alunos em relação ao
espaço para o esclarecimento de dúvidas, bem como em relação às próprias respostas.
Logo, a interação do aluno na plataforma migrou para o momento de encontro síncrono −
sua manifestação no Google Classroom2 em termos de exposição de dúvidas foi reduzida
− enquanto o segundo aluno passou a expor as próprias dúvidas com mais frequência e de
forma síncrona, refletindo de forma mais crítica sobre o conteúdo das aulas.
Ainda a respeito da autonomia dos alunos, foram observados graus distintos de
autonomia. Considerando os dois alunos que permaneceram no curso, um deles já exibia
grau considerável de autonomia, desde o primeiro nível do curso de russo. Com o ensino
remoto, sua autonomia se intensificou, de modo que o aluno refletia criticamente sobre o
seu aprendizado e levantava questões para além do conteúdo na sala de aula. Era comum
que ele relacionasse suas dúvidas com coisas que ele já tinha visto em outras situações,
como em vídeos, textos e artigos que ele buscou consumir. O segundo aluno passou a

2 Google Classroom foi a plataforma de ensino assíncrona utilizada no âmbito do projeto CLAC para o ensino remoto.

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exibir certo grau de autonomia, embora não vocalizasse suas dúvidas tão frequentemente.
Esse aluno buscava aplicar construções e palavras que ele adquiria através de conteúdo
externo, mas não questionava mais profundamente as eventuais correções que eram feitas,
aceitando-as como fato, sem maiores discussões.
Por fim, abordamos a relação da motivação dos alunos com o estudo de língua russa.
Os alunos do curso de russo geralmente exibem motivações diversas para estudarem
o idioma, que muitas vezes apresentam pontos de interseção. Geralmente, os alunos
já conhecem uma língua estrangeira e desejam aprender uma terceira língua que seja
diferente daquelas já amplamente divulgadas e estudadas no Brasil. Esse parece ser um
dos motivadores dos dois alunos que permaneceram no curso de russo até o final do
segundo período, ministrado de forma remota.
É de se esperar que um aluno mais motivado queira dedicar mais tempo à língua em
questão, o que se relaciona diretamente com outros aspectos, como sua autonomia e a própria
interação em sala de aula. Para manter os alunos motivados, as aulas foram ainda mais
adaptadas às necessidades e gostos dos dois alunos. Foi constatado que eles tinham maior
preferência às aulas de conversação, além de apreciarem a participação de convidados,
como, por exemplo, em uma aula que foi dedicada à leitura e ao estudo de poemas russos
com a participação de uma aluna do sétimo período da graduação. Esse tipo de adaptação
permitiu que as aulas fluíssem com mais interesse, perdendo o ar de obrigatoriedade e
transformando-se em um momento de divertimento e troca de conhecimentos. Durante
a aula em questão, os alunos foram extremamente participativos, fazendo questões tanto
relativas aos aspectos literários do poema quanto sobre as construções e o vocabulário.
Por outro lado, considerando as respostas dos alunos no questionário, em relação
a uma autoavaliação durante o período remoto, podemos observar que o impacto dessa
forma de ensino em um dos alunos não foi de todo positivo. Dentre os dois alunos que
permaneceram até o final das aulas síncronas do período remoto, o aluno que apresentou
menor grau de autonomia e participação justificou não ter se adaptado a essa modalidade
de ensino, já que divide o computador com outros membros da família e não consegue
absorver bem o conteúdo a distância. Talvez seja possível relacionar suas dificuldades
pessoais referentes ao período remoto com o seu desempenho em sala de aula e no curso
de modo geral. Além disso, não é possível avaliar com cem por cento de certeza se o
motivador da desistência do terceiro aluno em relação aos seus estudos de russo está ou
não correlacionada com a modalidade de ensino remoto emergencial.
A presente análise comparativa não visa a esgotar as possibilidades existentes de

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OLIVEIRA & TORT. Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação, autonomia e motivação no
curso de russo do CLAC.

comparação. No entanto, acreditamos que foi possível apresentar acima alguns pontos
principais para se refletir brevemente sobre interação, autonomia e motivação à luz da
complexidade, o que pretendemos fazer na próxima subseção.

Complexidade na comparação: o impacto do ensino remoto

Os elementos apresentados na subseção anterior nos fornecem subsídios para


pensarmos a mudança no ambiente de ensino, da modalidade presencial para a modalidade
remota, como um fator de impacto, que, consequentemente, modifica a forma de interação
de outros fatores no sistema de ensino-aprendizagem de idiomas. No caso apresentado, é
possível observar de forma breve como a modificação no ambiente de aprendizagem pode
impactar positiva ou negativamente os subsistemas de interação, autonomia e motivação
que envolvem não somente alunos, mas também monitores no projeto CLAC.
Em um primeiro momento, verificamos que o ambiente físico, com suas precariedades
tanto com relação ao acesso, como ao que se refere à permanênciana sala de aula, não
assegurava aos aprendizes e à monitora um espaço totalmente adequado, em termos de
conforto físico mínimo, para que as aulas fossem ministradas a contento. A migração para
o formato remoto e as características individuais dos participantes do curso (monitora e
aprendizes), no que se refere às condições básicas necessárias para que o ensino remoto
se fizesse sem problemas, se demonstraram mais razoáveis, conforme relato da monitora,
o que em certa medida facilitou tanto o relacionamento dos aprendizes entre si, como
dos aprendizes com a monitora. Isso facilitou o processo de interação entre os alunos
em sala de aula e permitiu que a monitora criasse situações em que os alunos pudessem
desenvolver com mais frequência atividades de conversação entre os participantes do
curso, o que não se deve exclusivamente ao período remoto, como foi possível verificar
acima. Evidentemente, não se deve descartar a inter-relação do fator interação com
outros fatores, como a personalidade de alguns dos participantes do processo de ensino-
aprendizagem, talvez mais facilmente adaptável ao ensino remoto e ao uso de plataformas
digitais, e a maior segurança da monitora, transcorrido algum tempo desde sua primeira
experiência com o ensino de língua estrangeira no CLAC.
O ensino remoto, comparativamente ao ensino presencial, requer mais dedicação,
no que diz respeito a um maior comprometimento em relação à prática de atividades
assíncronas, por conta da administração do tempo necessário ao estudo e da necessidade
de contornar a abundância de distratores que facilitam a procrastinação. Nesse sentido, a

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OLIVEIRA & TORT. Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação, autonomia e motivação no
curso de russo do CLAC.

mudança brusca na modalidade de ensino presencial para ensino remoto parece ter causado
um aumento no grau de autonomia de ambos os alunos do curso, talvez proporcionado
pela intensificação na relação entre os participantes no processo, com a criação de outros
canais de comunicação que não exclusivamente a sala de aula física. Como a monitora
incentivou a interação entre os alunos de forma mais intensa no período remoto, em
comparação ao período presencial, um aluno mais autônomo, a partir do momento que
passa a interagir mais com um aluno menos autônomo, pode estimular ambos a buscarem
outras formas de conhecimento, a perguntarem mais e a refletirem mais criticamente em
relação a seu próprio aprendizado. Talvez isso tenha ocorrido durante o processo, já que
a monitora pôde evidenciar de forma sistemática o aumento no grau de autonomia de
ambos os alunos, em proporções distintas.
Por fim, tais fatores não podem ser considerados isoladamente em relação ao
subsistema de motivação. A mudança da modalidade presencial para a modalidade remota
parece não ter se refletido igualmente em todos os alunos do curso. Foram observadas três
situações distintas para cada aluno: a modalidade remota parece ter facilitado o abandono
das atividades síncronas do curso por parte de um deles (embora esse não tenha sido o
único motivador do abandono); a modalidade remota parece ter causado algum impacto
negativo no desenvolvimento de um dos alunos, embora não tenha acarretado desistência
e, em algum grau, possa ter melhorado sua interação e sua autonomia (no questionário o
aluno ressalta o impacto negativo e sua não adaptação ao ensino remoto); e a modalidade
remota não causou impacto negativo, de modo que, pelo contrário, parece ter trazido
muitos pontos positivos para um dos alunos, no que se refere ao estudo do idioma. Esses
pontos levantados nos remetem às relações entre o subsistema de motivação e as diferenças
individuais dos aprendizes, mediadas por fatores psicossociais, econômicos, cognitivos
etc. Como relatado acima, no ensino remoto, um dos alunos precisava compartilhar
o computador com os demais membros da família, já outro tinha dificuldades com a
interação nas atividades síncronas, desejando que apenas conteúdo assíncrono fosse
fornecido. O terceiro não revelou restrições quanto à nova modalidade de ensino e parece
ter conseguido manter-se motivado durante todo o curso. Coincidentemente ou não, trata-
se do aluno que mais interagia e que exibia o grau mais elevado de autonomia.
Considerando os fatores elencados para discussão, podemos observar uma rede
de subsistemas correlacionados entre si (interação, autonomia e motivação), que não
se encerram em si mesmos, mas exibem correlações com outros sistemas de natureza
diversificada, inclusive com aspectos relacionados à monitoria (como vimos, a maior

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OLIVEIRA & TORT. Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação, autonomia e motivação no
curso de russo do CLAC.

experiência por parte da monitora proporcionou que as dificuldades impostas pela distância
física entre os alunos se convertesse na possibilidade de conversação via internet). Se um
fator relacionado a esses sistemas é alterado - no caso, a modalidade de ensino - observamos
uma reacomodação da rede de subsistemas de modo a se adaptar à mudança ocorrida.
Evidentemente, essa adaptação se manifesta de modo diferente para cada participante no
processo. Para um dos participantes, tal modificação resultou em sua desistência de estar
presente às aulas síncronas; para outro, em um bom aproveitamento e provavelmente em
sua permanência no curso. Para além dos extremos nessa linha de impacto em relação aos
aprendizes, encontra-se o aprendiz que, apesar das dificuldades com as quais se deparou
no decorrer do processo, conseguiu se desenvolver no curso remoto, embora tenha
manifestado claramente que se sente prejudicado por essa modalidade. Nesse último
caso, permanece a incógnita sobre sua permanência futura no curso, caso este continue a
ser ministrado remotamente.
Outro ponto a ser analisado diz respeito à monitora como participante do processo
de ensino-aprendizagem. A modalidade de ensino remoto causou impacto não só sobre os
aprendizes matriculados como alunos do curso de russo, mas também sobre a monitora
que atuou com a turma tanto na modalidade presencial, no nível 1, como na modalidade
remota, no nível 2. Evidentemente, o fato de a aluna já ter atuado como monitora
no primeiro nível e ter obtido alguma experiência de ensino, tanto através das aulas
ministradas, como através das reuniões de orientação, treinamento e demais atividades
relacionadas à extensão, causou impacto positivo na forma como atuaria durante o
ensino remoto emergencial. Além disso, fatores também correlacionados às diferenças
individuais da monitora em relação a outros monitores podem ter influenciado no que ela
avalia como experiência positiva com o ensino remoto emergencial.

Considerações finais

O presente trabalho buscou apresentar uma breve reflexão sobre a complexidade
no ensino de língua russa no CLAC, dada a mudança drástica na modalidade de ensino
adotada no referido projeto de extensão, do modo presencial para o modo remoto.
Buscamos observar em que medida a mudança no regime das aulas impacta aspectos
como interação, autonomia e motivação, tendo em vista que esses são subsistemas do
sistema adaptativo complexo que é o ensino-aprendizagem de segunda língua.
Este trabalho se coloca como um primeiro passo em direção à abordagem dos

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OLIVEIRA & TORT. Complexidade no ensino remoto emergencial: reflexões sobre interação, autonomia e motivação no
curso de russo do CLAC.

processos de ensino-aprendizagem de russo no Brasil pela ótica da complexidade e se


tiver instigado minimamente seus leitores em relação à temática abordada, certamente, já
terá cumprido seu papel.

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DO PRESENCIAL PARA O REMOTO:
DESAFIOS PARA O ENSINO DE PLE NO
CONTEXTO PANDÊMICO

Danúsia Torres dos Santos


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora Associada IV do
Departamento de Letras Vernáculas – Setor de Português Língua Estrangeira.
E-mail: danusia@letras.ufrj.br

Gabriela Viol Valle


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras Português/
Literaturas (UFRJ). E-mail: gabrielaviol@letras.ufrj.br

Raquel de Lima Correia


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras-Português/
Literaturas (UFRJ). E-mail: raquel@letras.ufrj.br

Valquíria Fasano Pacheco


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduanda em Letras-Português/
Literaturas (UFRJ). E-mail: valquiriafasanop@letras.ufrj.br
RESUMO

Diante da conjuntura de pandemia no ano de 2020, foi necessária uma adaptação, do modo presencial
para o remoto, no curso de Português Língua Estrangeira (PLE) que integra o Projeto de Extensão Cursos
de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC), da Faculdade de Letras da UFRJ. Sendo assim, repensar o
processo de ensino-aprendizagem de línguas tornou-se compulsório, pois tanto nós, professoras, junto
à coordenação, quanto os alunos, precisamos nos adaptar ao contexto do ensino remoto. Portanto,
o objetivo deste trabalho foi descrever alguns dos desafios enfrentados durante todo o processo.
Pretendemos refletir, em especial, sobre os papéis de professores e alunos no ensino remoto; a importância
redobrada da autonomia da aprendizagem nesse contexto; a autoavaliação como caminho para favorecer
o desenvolvimento dessa autonomia; e a possível interferência das emoções no ensino-aprendizagem de
línguas. Para tanto, foram coletadas, por meio das plataformas do Google, narrativas dos alunos, orais
e escritas, e aplicadas autoavaliações. Como base teórica, utilizamos, principalmente, os conceitos de
avaliação formativa, autoavaliação e autonomia. A partir da análise dos dados, percebemos que houve
mudança no papel do professor, que deixou de ser visto como o elemento principal do processo de ensino-
aprendizagem, e do aluno, que passou a ser mais agentivo, desenvolvendo sua autonomia. Notamos,
ainda, que os estudantes colaboradores desta pesquisa se mostraram, em sua maioria, adaptados ao novo
modelo de ensino, relatando não terem tido grandes dificuldades em lidar com as plataformas.
PALAVRAS-CHAVE: Autoavaliação; Autonomia; Emoção; Ensino-aprendizagem de línguas; Português
língua estrangeira.

ABSTRACT

Upon the conjecture of pandemic in the year 2020, it was necessary to adjust, from the classroom to the
remote mode, in the course Portuguese as a Foreign Language (PortuguêsLínguaEstrangeira – PLE), which
is part of the Extension Project Language Courses open to the Community (Projeto de ExtensãoCursos de
LínguasAbertos à Comunidade - CLAC), offered by the UFRJ Liberal Arts College. This way, rethinking the
language teaching-learning process became mandatory, once teachers, along with the coordination office,
as well as students need to adjust to the remote learning context. Therefore, the objective of this work
was to describe some of the challenges faced during the whole process. We intend to specially reflect over
the roles teachers and students developed in the remote learning: the doubled importance of autonomy
in learning within this context; self-evaluation as a way to favor the development of such autonomy; and
the possible interference of emotions in language teaching and learning. In order to do so, students’ oral
and written narratives were collected by Google platforms and self-evaluation instruments were applied. As
theoretical framework, we mainly used the concepts of formative evaluation, self-evaluation and autonomy.
From data analysis, we realized there have been changes in the role developed by teachers, who are no
longer seen as the main element of the teaching and learning process, and in the student’s role, who
became more agentive, developing autonomy. We also observed that most of the students who cooperated
in this research are adapted to the new learning model and reported having no great difficulties dealing
with the platforms.
KEYWORDS: Self-evaluation; Autonomy; Emotion; Language teaching and learning; Portuguese foreign
language.
SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

Introdução

Devido às consequências impostas pela inesperada pandemia da Covid-19, a sociedade


como um todo precisou se adaptar, de forma rápida, a novos modos de funcionamento nas
mais diversas atividades sociais. Não poderia ser diferente para a área da educação.
Os Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (CLAC), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), projeto de extensão da Faculdade de Letras dedicado à formação
de professores de línguas, ao qual estamos vinculadas, também precisou passar por
uma adaptação. Para que fosse possível o retorno das aulas, dessa vez de modo remoto,
foi preciso repensar diversos aspectos que regiam o curso presencial. Sendo assim, o
primeiro semestre de 2020 foi um período de aprendizado e reestruturação para todos da
comunidade CLAC. De março, quando a pandemia teve início, até julho, nos preparamos
e nos organizamos para iniciar o curso na modalidade remota. Dentre as mudanças
ocorridas na estruturação do curso, destacam-se a alteração na carga horária, o modo
de organização das aulas (seguindo os preceitos da sala de aula invertida) e os métodos
de avaliação, diferentes dos que eram utilizados no modo presencial, quando não eram
aplicadas autoavaliações, por exemplo.
Sendo assim, o contexto específico desta pesquisa é o curso de PLE (Português Língua
Estrangeira) oferecido no âmbito do Projeto CLAC, para quatro turmas, distribuídas entre
os níveis 1 e 4, durante o segundo semestre de 2020. Das 71 pessoas inscritas para o
curso presencial que iniciaria em março de 2020 (intensivo/ 60 horas bimestrais), 42
preencheram o formulário manifestando interesse em fazer o curso remoto (regular/ 60
horas distribuídas em 4 meses) que teve início em agosto desse mesmo ano, e 31 alunos
concluíram o semestre de curso em dezembro de 2020. Cabe destacar que, após o início
das aulas remotas, foi aplicado um formulário em que se solicitava a autorização dos
alunos para que as tarefas e interações realizadas por eles fossem analisadas, informando-
os sobre os objetivos do estudo e a garantia do total anonimato daqueles que aceitassem
colaborar com a pesquisa. Sendo assim, não foram analisados os dados dos alunos que
não autorizaram a pesquisa.
O perfil dos colaboradores desta pesquisa é bastante variado, de modo que a faixa
etária dos participantes abrange dos 25 aos 60 anos e, como alunos de PLE do CLAC,
têm objetivos diversificados, pois podem ser pesquisadores, estudantes de pós-graduação,
comerciários, donas de casa, entre outras profissões, ou ainda pessoas em processo de
solicitação de refúgio ou de naturalização. São bastante diversos os países de origem

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

desses estudantes, como Alemanha, Benin, Colômbia, Congo, Cuba, Egito, Haiti, Irã,
Iraque, Itália, Palestina e Síria e residem em diferentes bairros da cidade do Rio de Janeiro
ou até mesmo em municípios vizinhos. De acordo com as informações coletadas no
formulário da primeira autoavaliação, pouco mais de um quarto dos alunos assistia às
aulas síncronas do local de trabalho, em contraste com a grande maioria, que assistia às
aulas da própria residência. Ainda segundo os dados desse mesmo formulário, metade
deles acompanhava as aulas pelo celular enquanto os outros utilizavam um computador
ou notebook para essa finalidade.
Esta pesquisa se justifica na medida em que, em razão da pandemia, fomos submetidas
a um novo contexto de atuação. Dessa forma, tornou-se premente investigar sobre as
condições de organização e funcionamento da nova conjuntura educacional, bem como
compreender quais as melhores estratégias de ensino-aprendizagem para o ensino remoto.
Outro aspecto fundamental, ao qual precisamos nos dedicar, foi como ocorre a relação
entre alunos e professores nesse contexto e o que difere do ensino presencial. Nesse
percurso de adaptação, o planejamento e a realização das aulas também se apresentaram
como questões cruciais, e o conceito de sala de aula invertida, conforme debatido em
Ofugi e Figueiredo (2017, p.57)1, imprescindível, mas não nos aprofundaremos com
relação a esse aspecto no presente artigo.
Os objetivos deste trabalho foram descrever, refletir e buscar melhor compreender os
desafios enfrentados durante todo o processo, desde lidar com a situação da pandemia, até
ter que mudar o modelo de curso oferecido, de curso intensivo para curso regular. Outro
desafio inevitável foi a avaliação da aprendizagem, que nos revelou desdobramentos
instigantes, os quais são aqui apresentados. Desse modo, ao longo das reuniões de
orientação, a equipe logo percebeu a importância da avaliação formativa, da autoavaliação,
do desenvolvimento da autonomia do aluno nesse contexto e da possível interferência
das emoções no processo de ensino-aprendizagem, decidindo, então, planejar aulas e
elaborar autoavaliações que viabilizassem o registro da percepção dos alunos em relação
às múltiplas adaptações requeridas pelo semestre letivo em andamento.
Quanto à metodologia, a pesquisa foi de natureza qualitativa, baseada nos
pressupostos metodológicos da pesquisa-ação, em que buscamos compreender melhor o

1 Segundo Ofugi e Figueiredo (2017, p.57), a sala de aula invertida “pressupõe que a apresentação de conteúdos,
tradicionalmente feita em sala pelo professor, seja realizada em casa por meio de material desenvolvido ou
designado por ele, geralmente em formato de vídeos que são hospedados online, enquanto atividades de
compreensão e aprofundamento que seriam passadas para casa são realizadas durante a aula, com o auxílio do
professor e de colegas”.

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

momento pandêmico em relação ao ensino, por meio de nossa observação-participante


e reflexão constante e também da visão dos alunos sobre o desenvolvimento do curso.
Foram analisadas as interações dos encontros síncronos com os alunos e as atividades
desenvolvidas no Google Classroom. Além disso, analisamos, também, as respostas ao
formulário de autoavaliação, aplicado na metade do curso, e os relatos de autoavaliação,
realizados ao término.
Os dados gerados a partir das atividades propostas no Google Classroom, das aulas
gravadas e das autoavaliações aplicadas nos possibilitaram refletir, em especial, sobre os
papéis de professores e alunos nessa modalidade de ensino (nova para todos os envolvidos).
Consideramos, sobretudo, a importância redobrada da autonomia da aprendizagem nesse
contexto e como desenvolvê-la no aluno; investigamos de que modo as emoções podem
se relacionar com o ensino-aprendizagem de línguas; e averiguamos se a autoavaliação
pode servir como um caminho para despertar a conscientização do estudante do processo
de ensino-aprendizagem que está experimentando.
O quadro teórico desta pesquisa tem como base os conceitos de avaliação formativa,
segundo Brown (2006, apud RODRIGUES, 2010), Luckesi (2014) e Rodrigues (2019);
autoavaliação, de acordo com o que propõem Villas Boas (2008), Régnier (2002) e Silva,
Bartholomeu e Claus (2007); de autonomia, de acordo com alguns precursores na discussão
desse conceito dentro do ensino e aprendizagem de línguas, como Henri Holec (1981)
e Dickinson (1987apud NICOLAIDES, FERNANDES, 2003; FERNANDES, 2002 e
PERINE, 2014.), e, ainda, na visão de Paulo Freire (1996); e de emoções e aprendizagem,
segundoArnold e Brown (1999), Larsen-Freeman (2001), Gardner e MacIntyre (1993) e
Miccoli (2007 apud ARAGÃO, 2008 e 2011).

Quadro teórico

Avaliação formativa

Ao fazer uma retrospectiva sobre a avaliação, Duboc (2014), com base em Álvarez
Méndez (2002), lembra que as características frequentemente a ela atribuídas, como
objetividade, linearidade e homogeneidade, começam a ser discutidas sob a influência
da antropologia e da sociologia na segunda metade do século XX. A partir daí, são
relembrados os propósitos do ato de avaliar, intrinsecamente subjetivo:

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

Além de sua compreensão como julgamento de valor sobre o objeto avaliado


− e não mais o processo de medida em si − a avaliação passa a ser entendida
como prática processual, formativa, subjetiva e variada não mais a serviço da
exclusão, mas sim, a serviço do desenvolvimento cognitivo e afetivo do aluno.
(DUBOC, 2014, p.36)

Recuperar a noção de avaliar como ato subjetivo possibilitou uma melhor percepção
dos diferentes tipos de avaliação, definidos de acordo com seus objetivos. Segundo Bessani
e Behar (2009, p.95), alguns deles são: i) avaliação diagnóstica, que é aplicada com a
finalidade de averiguar o que o aluno já sabe sobre o conteúdo de determinada disciplina
ou curso; ii) avaliação formativa, inerente ao processo de ensino-aprendizagem na
medida em que o conhecimento vai se engendrando por meio das atividades pedagógicas
realizadas; iii) avaliação somativa, normalmente acontece no final do processo de ensino-
aprendizagem com o intuito de verificar se os objetivos estabelecidos foram atingidos. A
prova e/ou teste são exemplos emblemáticos da avaliação somativa e, devido ao fato de
ser a mais frequentemente adotada, é mimetizada como a única modalidade de avaliação
educacional possível.
Segundo Luckesi (2014, p.192), “a avaliação é uma prática que necessariamente
está presente em todos os atos humanos. Ela é subsidiária da busca do melhor resultado
em qualquer ação humana.” No âmbito do presente trabalho, ressalta-se a importância
da prática avaliativa para o processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.
Contudo, em primeiro lugar, cabe pontuar que conferir uma nota difere-se de avaliar.
Assim, a nota escolar representa“uma forma de registrar o testemunho do educador
ou da educadora de que ele (ela) acompanhou o educando” (LUCKESI, 2014, p.192),
enquanto avaliar se relaciona com essa busca por melhores resultados. Essa distinção
também é destacada por Rodrigues (2019, p.13), para quem “o uso de notas na avalia­ção
[…] está associado à decisão sobre aprovação e reprovação dos estudantes”, o que foge
do objetivo de aprendizagem e melhoria, pois foca apenas no resultado e não no processo.
Isso posto, Luckesi (2014) diz ainda que, para a prática avaliativa, é preciso haver
um planejamento da ação, o que novamente converge com a visão de Rodrigues (2019,
p.13):

A sala de aula de línguas é permeada por concepções como a de língua/linguagem,


ensino de línguas e de avaliação, elementos que integram a abordagem do
professor de línguas. Assim como a concepção de linguagem determinará o

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

planejamento da aula, os materiais selecionados e a dinâmica da sala de aula,


a concepção de avaliação do docente é que possivelmente guiará as práticas
avaliativas realizadas por professores e alunos.

Ademais, os docentes precisam saber com clareza o que avaliar e como avaliar, além
de ser fundamental que os alunos entendam esse processo avaliativo. Essa concepção
se justifica pela visão da avaliação formativa, cuja função, segundo Brown (2006, apud
RODRIGUES, 2010, p.7), é “avaliar os alunos no processo de ‘formar’ suas competências
e habilidades com o objetivo de ajudá-los a continuar esse processo de crescimento”.
Nesse quadro, o feedback é um elemento fundamental (RODRIGUES, 2019, p.16), visto
que situa o aluno no seu processo de aprendizagem e ajuda o professor a aperfeiçoar o
ensino de acordo com as necessidades do aprendiz.
Logo, entendemos que a avaliação formativa não deve ser vista como um produto
final, ao qual será atribuída uma nota e uma eventual aprovação ou reprovação, e sim como
um recurso didático integrado ao processo de ensino-aprendizagem. “Diferentemente da
prova”, conforme destaca (Rodrigues, 2019, p.18), “a autoavaliação não é um instrumento
tão utilizado em sala de aula, porém pode ser considerada uma potencializadora da
avaliação formativa”. Sendo assim, cabe discutir agora o conceito de autoavaliação, o
qual também preza pela busca de melhores resultados através do processo avaliativo.

Autoavaliação

De acordo com Régnier (2002), a autoavaliação pode ser definida como um processo
no qual o indivíduo se julga de forma voluntária e consciente, uma vez que o objetivo
é o melhor conhecimento de si, de suas ações, condutas e do aperfeiçoamento do seu
desenvolvimento. Assim, “a autoavaliação é uma grande aliada da avaliação formativa e
uma forte estratégia metacognitiva” (VILLAS BOAS, 2008, p. 74), pois serve como um
recurso para se conhecer os avanços conquistados pelos estudantes. Além disso, fomenta
o exercício da autonomia e da reciprocidade das relações, já que a autoavaliação possui
como essência convidar o estudante a participar da avaliação.
A autoavaliação pode ser um instrumento importantíssimo para o processo de
aprendizagem de línguas, tanto no ensino presencial quanto no remoto, visto que o
estudante é incentivado a se conscientizar com relação ao seu desenvolvimento e
também a buscar caminhos para preencher lacunas que possivelmente ainda precisam ser

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

resolvidas. Logo, conforme enfatiza Silva, Bartholome e Claus (2007), é fundamental dar
destaque para as conclusões chegadas por meio de uma autoanálise e, principalmente, que
elas se tornem benefícios para o aprendizado. “Portanto, ao se conscientizarem de seu
nível, de suas limitações e potencialidades, alunos, professores e instituições poderão ser
capazes de oferecer uma melhor contribuição para o aprimoramento do processo ensino/
aprendizagem.” (SILVA; BARTHOLOMEU; CLAUS, 2007, p. 92).
Dessa forma, o estudante assume um papel ativo no processo em que é autor e
avaliador. Por isso, como afirma Régnier (2002), esse processo é complexo, visto que os
indivíduos (professores e alunos) possuem como objetivo um melhor conhecimento deles
mesmos. Tratando-se especificamente de estudantes de PLE de nacionalidades diversas,
essa avaliação tende a ser ainda mais afetada por suas diferentes culturas. Por isso, é
preciso considerar as especificidades de cada um para que o processo de autoavaliação
não gere desconfiança, conforme salienta o mesmo autor: “essa desconfiança é oriunda
de um receio de subestimação, mas sobretudo de superestimação de uma competência.”
(RÉGNIER, 2002, p. 14).
Portanto, é importante que a divergência de opiniões (dos estudantes com relação a
si mesmos e dos professores) não influencie no processo de modo que se perca aquilo que
merece destaque: a intenção de desenvolver a capacidade autoavaliativa no aluno para
que ele reflita sobre seu aprendizado e se adapte conforme seus desejos e necessidades,
despertando, assim, sua autonomia.

Autonomia

O processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira levanta diversas questões


para o professor, na medida em que ele precisa compreender esse processo de modo a
perceber quais estratégias pedagógicas são mais eficazes, o que melhor se adapta aos
alunos com os quais está lidando e identificar os objetivos desses alunos ao aprender
determinada língua, por exemplo. Assim, podemos dizer que é um processo que deve
ser bastante flexível e que passa por diversas adaptações para que se torne profícuo para
todos os envolvidos.
Apesar de ser um conceito estudado há bastante tempo, o desenvolvimento da
autonomia dos alunos na aprendizagem se tornou ainda mais importante neste momento
pandêmico. Devido ao isolamento/ distanciamento social, diversas instituições de ensino
tiveram que se ajustar ao modelo de ensino remoto, o qual requer, justamente, mais

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

autonomia por parte do aluno para que o seu aprendizado seja exitoso.
Para discutirmos sobre o conceito de autonomia nesse novo contexto educacional,
utilizaremos como suporte teórico as visões de Henri Holec (1981) e Dickinson (1987),
pioneiros na inserção desse conceito no ensino de línguas e, ainda, a visão de Paulo Freire
(1996). Enquanto os dois primeiros autores discutem a visão de autonomia dos alunos,
o último elucida também a importância da autonomia do professor, até mesmo visando
promovê-la nos educandos. Assim, para compreendermos melhor tais perspectivas,
buscamos entender como cada um dos autores define esse conceito.
Para Henri Holec (1981 apud NICOLAIDES; FERNANDES, 2003, p. 79),
autonomia seria “a habilidade de encarregar-se de sua própria aprendizagem”. De
acordo com Dickinson (1987 apud PERINE, 2014, p. 205) seria “uma situação na qual o
aprendiz é totalmente responsável por todas as decisões relativas ao seu aprendizado e à
implementação dessas decisões”.
Dessa forma, a responsabilidade do aluno diante do seu aprendizado é fundamental
para o seu bom desempenho. Uma vez que os aprendizes são capazes de desenvolver
sua autonomia, podem, consequentemente, obter bons resultados em seus processos de
aprendizagem. Todavia, trabalhar a autonomia não é uma tarefa fácil, por isso,segundo
Holec (1990 apud FERNANDES, 2002, p. 23), “para desenvolver autonomia, o aprendiz
precisa estar preparado psicológica e praticamente”.
Outro ponto indispensável para ser debatido quando falamos sobre autonomia do
aluno é o lugar que ocupa o professor no processo de aprendizagem em que se requer
mais responsabilidade e agentividade do aluno. É importante salientar que ter autonomia
no aprendizado não significa dispensar o educador, uma vez que “o simples fato de o
aluno trabalhar sozinho não significa que estará desenvolvendo autonomia” (Dickinson,
1994, p. 3 apud NICOLAIDES, FERNANDES, 2003, p. 90). Assim, a autonomia será um
fator muito importante para o educando, mas não determinante. Cabe ainda ao professor,
no seu papel de especialista, promover atividades, apresentar e ensinar novos conteúdos,
propor tarefas e estimular o educando a praticar aquilo que está aprendendo.
Paulo Freire (1996) também chama a atenção para o fato de a autonomia do aluno
ser imprescindível, considerando que o professor deve respeitar e aceitar a colaboração
dele, de forma a não atuar como único detentor de poder. Assim, segundo o autor,

Ao pensar sobre o dever que tenho, como professor, de respeitar a dignidade do


educando, sua autonomia, sua identidade em processo, devo pensar também, como

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

já salientei em como ter uma prática educativa em que aquele respeito, que sei
dever ter ao educando, se realize em lugar de ser negado.[...] (FREIRE, 1996, p.33)

Além disso, Paulo Freire (1996) também ressalta que no exercício da nossa profissão
é preciso refletir sobre todo o percurso de ensino-aprendizagem, o que inclui tanto o lugar
do professor quanto o lugar do aluno nesse processo. Desse modo, o autor dá continuidade
a essa ideia explicando que:

[...] Isto exige de mim uma reflexão crítica permanente sobre minha prática através
da qual vou fazendo a avaliação do meu próprio fazer com os educandos. O ideal é
que, cedo ou tarde, se invente uma forma pela qual os educandos possam participar
da avaliação. É que o trabalho do professor é o trabalho do professor com os alunos
e não do professor consigo mesmo.” (FREIRE, 1996, p. 33)

Portanto, a autonomia é um elemento essencial para um processo de ensino-


aprendizagem bem-sucedido, seja para o aluno, seja para o professor. Desenvolvê-la
permite que os sujeitos integrantes desse processo consigam trabalhar de modo mais
cooperativo. Contudo, destacamos a relevância da participação de todos nesse processo
de forma integral, propiciando uma troca proveitosa para cada um dos envolvidos, o que
inclui alunos e professores. Para que a autonomia pudesse se desenvolver nos pareceu
indispensável que o aluno se sentisse confiante e motivado, mais um fator que nos levou
a refletir sobre as interseções entre emoção e aprendizagem de línguas.

Emoção e Aprendizagem

Muitos fatores podem influenciar no processo de aprendizagem de uma língua.


Dentre eles, há o fator emocional, uma vez que a aprendizagem dos alunos, colaboradores
desta pesquisa, se deu em um momento muito delicado e atípico: a pandemia. O contexto
pandêmico alterou, de modo geral, o estado emocional dos indivíduos, trazendo sentimentos
como medo, insegurança e ansiedade, devido à incerteza do que viria nos próximos dias
e meses.
Desse modo, decidimos dar atenção ao que os estudantes tinham para destacar
acerca das suas emoções com relação à aprendizagem do português e de que modo elas

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

influenciariam nesse processo. Considerando que, para Arnold e Brown (1999, p. 8 apud
ARAGÃO, 2008, p. 2656) há uma influência das emoções no processo de aquisição,
sendo marcado por “traços individuais da personalidade que residem no aprendiz (...)
fatores intrínsecos do aprendiz”, e que Larsen-Freeman (2001, p. 16 apud ARAGÃO,
2011, p. 168) afirma que “muitos traços individuais de personalidade diferentes facilitam
ou inibem a aquisição de segunda língua”, buscamos observar como os traços individuais
dos estudantes poderiam influenciá-los diante do desafio da pandemia e do ensino remoto.
Sendo assim, outro aspecto interessante seriam as variáveis afetivas, isto é, os fatores
que são responsáveis pelo modo como agimos diante de uma situação. Assim, um aluno
pode se considerar motivado ou desmotivado, animado, ansioso, a partir da forma como
ele se sente e, consequentemente, atua em determinado contexto. Gardner e MacIntyre
(1993, p. 1 apud ARAGÃO, 2011, p.168) explicam que “por variáveis afetivas definimos
aquelas características emocionalmente relevantes que influenciam na maneira como
reagiremos a uma situação qualquer”.
Entendemos, então, de acordo com a perspectiva emocional no aprendizado de
línguas, que é muito “importante compreender como os alunos abordam sua aprendizagem,
suas expectativas, seus eventos marcantes e as razões que os movem na aprendizagem,
como argumentam Aragão (2005, 2007) e Miccoli (2007)” (ARAGÃO, 2011, p.168).
Analisar tais aspectos dentro do contexto pandêmico torna-se um desafio ainda maior,
visto que cada aluno pode lidar com essa situação de uma determinada maneira, tendo
como interferência diferentes motivações.
Portanto, objetivamos, nesta pesquisa, investigar algumas das diferentes
interpretações e reações dos nossos alunos no processo de aprendizagem durante a
pandemia, bem como de que forma os estudantes se adaptaram à repentina mudança
de modelo de ensino, analisando quais foram os pontos destacados pelos alunos para
justificar suas reações.

Metodologia de pesquisa e descrição do corpus

Para nortear metodologicamente este trabalho, adotamos a pesquisa-ação. Thiollent


(1986, p.14) define a pesquisa-ação como “um tipo de pesquisa social de base empírica” e
ressalta a necessária cooperação entre “os pesquisadores e os participantes representativos
da situação ou do problema”.
Ao refletir sobre a pesquisa-ação no âmbito educacional, Tripp (2005, p. 445) destaca

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seu aspecto estratégico “para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo


que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência,
o aprendizado de seus alunos”. Bortoni-Ricardo (2008, p.46), por outro lado, chama a
atenção para a diferença entre o professor e o professor pesquisador, indicando que o que
distingue esse último “é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando
reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências. Para isso, ele
se mantém aberto a novas ideias e estratégias”. Como participantes do CLAC, projeto
de extensão que preza pela constante reflexão sobre as práticas pedagógicas adotadas, as
autoras deste trabalho se enquadram no perfil de professor(as) pesquisador(as) definido
por Bortoni-Ricardo (2008).
Ao abordar as fases da pesquisa-ação: planejamento, implementação, descrição e
avaliação, Tripp (2005) a qualifica como um tipo de investigação-ação, ou seja, pesquisas
que se alternam sistematicamente “entre agir no campo da prática e investigar a respeito
dela” (p.445-446). Tripp destaca, ainda, que a reflexão não se configura como uma das
fases devido ao fato de ser constante. Buscando avaliar o que pode ser melhorado, o
processo tem início com uma reflexão sobre a prática, mas “a reflexão também é essencial
para o planejamento eficaz, implementação e monitoramento, e o ciclo termina com uma
reflexão sobre o que sucedeu.” (p. 454).
Enfrentando o desafio de melhor compreender a situação vivenciada pela equipe
de bolsistas, pela coordenação da área de PLE e pelos alunos do curso, o ensino remoto
em um contexto de pandemia, este trabalho demonstra a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, pois “a Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que
se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo
interdisciplinar” (BRASIL, 2012, p. 16).2
Este trabalho, portanto, é fruto do processo de formação inicial de professoras
pesquisadoras, pois, como destaca Freire (1996, p.16), a tarefa de pesquisar é inerente
à docência: “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa.
O que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor perceba e se assuma,
porque professor, como pesquisador.”
Descreveremos, em seguida, como foi construído o corpus do trabalho, formado a
partir de diferentes procedimentos e instrumentos para geração de dados, possibilitando
sua triangulação e, assim, aumentando sua credibilidade, que, segundo Paiva (2019,

2 Trecho do Artigo 3º do Capítulo I (Da concepção, das diretrizes e dos princípios) da Resolução Nº 7, de
18/12/2018, doMEC/CNE/Câmara de Educação Superior.

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

p.102) “consiste em demonstrar que os resultados da pesquisa e sua interpretação são


apresentados de forma crível”. A autora lembra, ainda, que “a credibilidade pode ser
produzida por envolvimento prolongado, observação persistente, triangulação e discussão
com pares”, entre outros. (LINCON E GUBA, 1985 apud PAIVA, 2019, p.102)
Embora tenham sido gerados dados quantitativos, esses foram interpretados em
interface com os dados qualitativos, conforme preconiza o paradigma qualitativo-
interpretativista. Para a análise das aulas, após a seleção dos trechos mais pertinentes
com relação aos objetivos da pesquisa, adotamos a transcrição não naturalista ou seletiva,
conforme debatida em Azevedo et al. (2017):

a transcrição não naturalista privilegia o discurso verbal e centra-se na omissão dos


elementos idiossincráticos do discurso, tais como gaguez, pausas, vocalizações
involuntárias e linguagem não-verbal, apresentando-se, por isso, como uma
transcrição mais polida e seletiva. (AZEVEDO et al., 2017, p. 161)

O corpus desta pesquisa foi coletado a partir de três momentos do processo de


ensino-aprendizagem: i) a interação oral dos alunos durante uma aula síncrona feita pelo
Google Meet cujo tema de discussão proposto foi, justamente, a pandemia e o processo de
adaptação ao modelo de aula remota; ii) uma proposta de atividade enviada pela plataforma
do Google Classroom que solicitava a opinião dos alunos sobre as aulas remotas e as
plataformas do Google através da elaboração de um email que seria enviado a um amigo;
e iii) a aplicação de duas autoavaliações criadas por meio do Google Forms.
Para a aula, foram selecionados materiais com o intuito de promover debates nos
quais os alunos pudessem expor suas opiniões sobre o tema. Assim, a aula foi dividida
em dois momentos de discussão: i) sobre a situação da COVID-19 no Brasil e ii) sobre as
aulas remotas. Para que essa conversa acontecesse, foram disponibilizados aos alunos no
Google Classroom, dois dias antes da aula, links com os materiais referentes aos temas
citados: uma reportagem e um vídeo.
Para o primeiro momento, foi apresentado aos alunos um painel (figura 1) que
descreve, de forma detalhada, as informações sobre o coronavírus no Brasil: casos
recuperados, casos em acompanhamento, casos confirmados e óbitos confirmados até
aquela semana. Em seguida, para suscitar o debate, foram feitas perguntas como: “o que
você acha dessa situação?” e “você tem acompanhado as notícias sobre a pandemia do

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

Novo Coronavírus?”, entre outras.


No segundo momento, os alunos foram convidados a responder a algumas
perguntas sobre as aulas remotas e sobre como estavam lidando com esse novo formato de
aula. Para essa discussão, foram feitas perguntas como: “O que você acha da volta às aulas
de modo presencial?”; “o que você acha do ensino remoto no contexto de pandemia?”;
“quais seriam as vantagens e desvantagens dessa modalidade de ensino?”; “como você
avalia sua participação nas aulas pela plataforma Google Meet?”; “como você avalia sua
participação nas aulas pela plataforma Google Classroom?”; e “de quais estratégias você
lançou mão para continuar aprendendo português nesse contexto da pandemia?”.

Figura 1 - Painel de informações sobre Coronavírus no Brasil

Fonte: <https://covid.saude.gov.br/>.

A atividade de produção escrita, que também compõe o corpus, foi enviada ao final
da aula síncrona em que discutimos os temas anteriormente citados. O objetivo dessa
proposta foi observar, também, as opiniões dos alunos sobre as aulas remotas e verificar
se as narrativas feitas durante a aula por vídeo estavam de acordo com o que eles relataram
na escrita, buscando uma triangulação dos dados. A atividade foi enviada pelo Google
Classroom com a proposta destacada a seguir.

Quadro 1 - Atividade proposta no Google Classroom-e-mail


Escreva um email para um amigo que vai começar um curso remoto da área profissional dele e
está um pouco preocupado, pois nunca fez um curso nessa modalidade de ensino. No email, relate
como está sendo sua experiência com o ensino remoto de línguas, descreva brevemente as plata-
formas que estão sendo utilizadas em seu curso (Google Meete Google Classroom) e como você
as utiliza. Diga, também, quais são as vantagens e desvantagens desse modo de ensino e quais
desafios você tem enfrentado, nesse contexto de pandemia, para continuar estudando português.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

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SANTOS ET AL. Do presencial para o remoto: desafios para o ensino de ple no contexto pandêmico.

A primeira autoavaliação criada através do Google Forms foi dividida em duas


seções. A Seção 1 foi composta por perguntas de múltipla escolha, seguidas, porém, de
um espaço para que o aluno justificasse a escolha marcada. Para que a visualização desta
seção do formulário possa ficar mais clara, criamos um quadro com as perguntas e opções
de resposta.

Quadro 2- Seção 1 da primeira autoavaliação


Perguntas Opções de resposta
1. Em comparação com o curso presencial, ( ) Mais fácil do que no curso presencial.
como foi para você trabalhar a fala/ a oralidade ( )Tão fácil quanto no curso presencial.
nas aulas remotas durante a pandemia? ( )Tão difícil quanto no curso presencial.
( )Mais difícil do que no curso presencial.

Em relação à resposta anterior, explique o


porquê.3
2. Em comparação com o curso presencial, ( ) Mais fácil do que no curso presencial.
como foi para você trabalhar a escrita nas ( ) Tão fácil quanto no curso presencial.
aulas remotas durante a pandemia? ( ) Tão difícil quanto no curso presencial.
( ) Mais difícil do que no curso presencial.
3. Você teve dificuldade para se adaptar a ( ) Sim, um pouco, no começo.
esse novo modelo de ensino? ( ) Sim, com relação à plataforma Google
Meet.
( ) Sim, com relação à plataforma Google
Classroom.
( ) Não, não tive dificuldade.
4. Você pensou em desistir do curso em ( ) Sim.
algum momento? ( ) Não.
5. Você gostaria que o CLAC continuasse ( ) Sim.
ofertando aulas remotas mesmo após a ( ) Não.
pandemia?
6. Como você se sentiu durante o processo de ( ) Animado.
aprendizagem neste novo modelo de ensino ( ) Desafiado.
no contexto da pandemia? ( ) Desmotivado.
( ) Angustiado.
( ) Ansioso
7. Como esses sentimentos afetaram o seu Sem opções para resposta.
processo de aprendizagem?
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Em seguida, na Seção 2, foi elaborada uma sequência de assertivas para que os alunos
marcassem apenas uma opção de resposta para cada uma, explicitando suas opiniões
sobre como estava se desenvolvendo o processo de aprendizagem no ensino remoto. As

3 Esse pedido de justificativa foi feito nas perguntas de 1 a 5.

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assertivas foram as seguintes: 1) Estudei por minha conta, além das aulas; 2) Cheguei
pontualmente para as aulas por vídeo; 3) Frequentei adequadamente as aulas por vídeo;
4) Participei ativamente das aulas por vídeo; 5) Assisti às gravações sempre que não pude
estar presente no momento da aula; 6) Fiz perguntas quando não entendi alguma coisa;
7) Demonstrei interesse nos assuntos trabalhados nas aulas; 8) Participei das atividades
propostas no Google sala de aula; 9) Respeitei o prazo para o envio das atividades; 10)
Cumpri todas as atividades propostas. E as opções para marcar como resposta foram: sim;
às vezes; poucas vezes e não.
A segunda autoavaliação propôs que o aluno relatasse como percebeu o seu processo
de aprendizagem ao longo do semestre, a partir do enunciado que segue abaixo.

Quadro 3 -Segunda autoavaliação - relato


Chegamos ao final do nosso semestre, concluindo mais uma etapa do curso. Por causa da pande-
mia, tivemos que adotar um novo modelo de ensino: o ensino remoto. É muito importante pensar-
mos um pouco sobre esse novo modelo e de que modo cada pessoa reagiu a ele. A autoavaliação
nos ajuda a perceber e refletir sobre tudo o que estamos vivendo e faz parte do processo de ensino-
-aprendizagem de línguas. Para realizar sua autoavaliação, escreva um parágrafo (mínimo de 7 li-
nhas) relatando como foi a experiência do curso remoto para você. Você deve abordar os seguintes
aspectos no seu texto autoavaliativo: como foi o seu processo de adaptação ao novo formato; como
foi a sua frequência; como foi a sua participação nas aulas por vídeo; como foi a sua participação
nas atividades enviadas pelo Google Sala de Aula; quais dificuldades enfrentou e como fez para
superá-las; qual aprendizado realizado nesse período você destaca (não é necessário se restringir à
língua portuguesa); como você se sentiu nesse novo formato de aula.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Para a análise dos dados, selecionamos as informações presentes nas duas


autoavaliações e nas falas dos alunos nas aulas síncronas sobre a pandemia e o processo
de aprendizagem no curso remoto, pois tanto nas aulas quanto nas duas autoavaliações
foram feitas perguntas para que o aluno pudesse refletir sobre esse processo. Importante
ressaltar que a primeira autoavaliação foi realizada na metade do curso, e registra, portanto,
a visão dos alunos sobre o processo de aprendizagem até então.

Discussão dos dados

A pandemia do Novo Coronavírus fez com que toda a sociedade buscasse


estratégias para se adaptar à nova conjuntura e isso não foi diferente com relação ao
contexto educacional. A Coordenação Pedagógica do Projeto CLAC organizou cursos
para monitores, orientadores e coordenadores a fim de preparar a equipe para o uso de

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recursos digitais, em especial o Google Classroom que possibilita que o professor organize
previamente os materiais e as atividades em tópicos, além de contar com um mural que
pode servir como recurso para interação nos momentos assíncronos e o Google Meet,
plataforma utilizada para os encontros síncronos.
No caso específico do curso de português para estrangeiros, foi necessário ajustar
o módulo para que ele fosse extensivo (com duração de 4 meses) e não mais intensivo
(com duração de 2 meses) como era antes; assim, a adaptação do ensino presencial para
o remoto foi desafiadora tanto para nós, monitoras, quanto para os alunos. Desse modo,
foi preocupação constante da equipe manter os canais de comunicação abertos, tanto por
meio das plataformas Google quanto pelo Whatsapp, com o intuito de sanar dúvidas e de
conversar com os alunos sobre temas relacionados às aulas, permitindo acompanhar seus
processos de adaptação ao ensino remoto e suas percepções, inclusive em interações mais
espontâneas.
Sendo assim, houve um cuidado da equipe com relação à utilização das plataformas
pelos alunos, em especial no que concerne aos estudantes mais velhos e/ou com pouca
familiaridade com o mundo digital, para quem o processo de adaptação às plataformas
poderia ser mais penoso. Para que os alunos fossem se adaptando aos poucos às plataformas,
a equipe de PLE preparou dois vídeos iniciais para os alunos: um de boas-vindas e outro
de apresentação das plataformas, além da indicação de tutoriais disponíveis na internet.
Mesmo assim, como previsto, alguns alunos relataram dificuldades enfrentadas ou receios:

1 - No início eu tive a dificuldade para intervir na aula porque não sabia como
ligar o microfone. (estudante do nível 3)

2 - Mesmo dessa forma de vídeo deu pra se adaptar, confesso que não foi fácil
no início, mas ao decorrer do tempo nos acustumamos. (estudante do nível 3)

3 - No começo foi difícil e com o tempo foi ficando mais fácil. Assisti a maior
parte das aulas e sempre estive presente regularmente e também terminei
todas as atividades e sempre fui ativo nas aulas. (estudante do nível 1)

Por outro lado, ainda sobre o processo de adaptação, alguns alunos ressaltaram a
escolha da plataforma como fator determinante para o aprendizado, além de elencarem
ressalvas no que diz respeito aos recursos digitais utilizados no curso:

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4 - No início eu acho que vai ser muito ruim estudar on-line, mas aparentemente
eu acho que vocês prepararam muito bem a plataforma. Eu acho que a gente não
vai aprender como no presencial, mas depois que experimentei eu achei legal,
não tem muita diferença entre o que vou aprender nessa plataforma e o que vou
aprender no presencial. (estudante do nível 3)

5 - Pra mim o mais difícil foi me adaptar a todos os programas que todos são
diferentes e também para carregar as atividades que eles enviaram era muito
diferente porque eram diferentes plataformas. Outra coisa é que o pessoal não
fica muito focado, muito concentrado por muito tempo. (estudante do nível 3)

Podemos observar, assim, que a maior parte dos alunos do grupo pesquisado se
adaptou bem ao ensino remoto e que se mostrou razoavelmente confortável com o uso dos
recursos utilizados nas aulas. Embora alguns tenham relatado dificuldades no início, no
decorrer do curso, ratificaram que o uso das plataformas foi favorável, conforme veremos
ao longo desta seção do artigo.
No que tange à autoavaliação, vimos como é importante a conscientização das
limitações e potencialidades de alunos e professores, visando o aprimoramento do
processo de ensino/aprendizagem (SILVA; BARTHOLOMEU; CLAUS, 2007, p. 92); por
isso, utilizamos esse recurso para fazer com que os alunos tivessem um papel ativo nesse
processo. A partir de algumas informações presentes na Seção 1 da primeira autoavaliação,
percebemos que a maior parte dos alunos não sentiu muita diferença entre os modelos
de ensino presencial e remoto. Um deles declarou, ainda, que sentiu mais facilidade no
modelo remoto.

6 - Pessoalmente não encontrei nenhuma diferença ou dificuldade para falar nas aulas
remotas do curso e a professora sempre dá oportunidade de falar. (Estudante do nível 3)

7 - Porque para mim são iguais, seja qualquer forma vai me facilitar a falar bem
português. (estudante do nível 3)

8 - Quase não senti diferença nenhuma pois a forma que o curso é dada, é como se
fosse presencial. A explicação é a mesma, a atenção da professora sobre tirá dúvida é a
mesma e a forma de lecionar também é a mesma, isso me ajudou muito a não sentir a
diferença com o curso dado no presencial. (estudante do nível 3)

9 - Achei mais fácil que no presencial. E muito diferentenas aulas presenciais, na hora
das provas e dever de casa temos mais tempos para enviar. (estudante do nível 4)

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Com relação aos dados coletados da Seção 2 da primeira autoavaliação (quadro


2), as assertivas que receberam maior marcação na opção “SIM” foram: “Demonstrei
interesse nos assuntos trabalhados nas aulas”; “Participei ativamente das aulas por vídeo”
e “Fiz perguntas quando não entendi alguma coisa”. No extremo oposto, com menor
número de marcação na opção SIM, está a assertiva “Assisti às gravações sempre que não
pude estar presente no momento da aula”.

Esses dados confirmam declarações dos alunos que apareceram em outros


instrumentos de coleta, quando relembraram a importância do contato com a professora e
com os colegas, no ensino presencial, para o aprendizado. Assim, de acordo com os dados
analisados, podemos depreender que, no ensino remoto, os encontros pelo Google Meet
são os que mais se aproximam das aulas presenciais e, por isso, são valorizados pelos
alunos, ao contrário de suas gravações, pois a assertiva “Assisti às gravações sempre que
não pude estar presente no momento da aula” foi a que recebeu maior marcação na opção
NÃO, considerando todo o conjunto de assertivas da Seção 2 da primeira autoavaliação.

Na segunda autoavaliação, na qual os alunos escreveram um relato sobre sua


experiência no ensino remoto, realizada no término do curso, podemos observar uma
maior consciência por parte deles acerca de todo o processo de aprendizagem. Desse
modo, alguns alunos relataram o que acharam dos seus desempenhos nas plataformas.

10 - Minha participação nas videoaulas era boa e minha participação nas


atividades que também tenho é boa. (estudante do nível 1)

11 - Com relação a frequência das minhas participações nas aulas através do


aplicativo Meet, eu consegui acompanhar todas as aulas justamente por causa
dessa facilidade que a internet nos proporciona. (estudante do nível 3)

12 - No meu caso, eu me adaptei muito fácil ao novo formato remoto que estamos
praticando atualmente. Nos primeiros dias tive uma certa dificuldade apenas
para aprender a respeito de todos os recursos que o site Google Sala de Aula nos
proporciona, mas usando por alguns dias eu consegui captar o que ele é capaz de
fazer e a praticidade realmente é fenomenal. (estudante do nível 3)

Dessa forma, independentemente do contexto, para a aprendizagem de línguas, o

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que deve ser considerado e que foi o foco das práticas avaliativas realizadas durante o
ensino remoto, é o percurso, conforme preconiza a avaliação formativa, e não apenas o
resultado final obtido numa única prova, tornando indispensável a autoavaliação.
Como vimos, a autonomia é um fator fundamental no processo de aprendizagem, uma
vez que é muito importante que os alunos busquem, para além das aulas e do professor,
estratégias que possam auxiliá-los nesse processo. Esse foi um dos motivos da escolha
da autoavaliação como possibilidade avaliativa no curso remoto de PLE, pois, assim,
buscamos fazer com que o aluno tomasse consciência do seu processo de aprendizagem
e da responsabilidade que precisa assumir para que possa aprender.
Dos dados da Seção 1 da primeira autoavaliação, selecionamos algumas respostas
referentes às perguntas “Em comparação com o curso presencial, como foi para você
trabalhar a fala/ a oralidade nas aulas remotas durante a pandemia?” e “Em comparação
com o curso presencial, como foi para você trabalhar a escrita nas aulas remotas durante
a pandemia?”. Como respostas, surgiram opiniões divergentes dos alunos, alguns
considerando mais fácil acompanhar as aulas remotas e outros, mais difícil.

13 - Achei mais difícil que no presencial. Na escrita foi muito difícil porque
eu não tinha tempo para ser acompanhado na correção dos erros gramaticais.
(estudante do nível 4)

14 - Nao tem como entender as coisas, não é igual a sala de aula. (estudante do
nível 4)

15 - Achei mais fácil do que o presencial, porque eu sento mais tranquilidade


para falar. (estudante do nível 2)

16 - Achei mais fácil do que o presencial, por que nós podemos \guardar tempo.
E a professora faz tudo muito semples. (estudante do nível 1)

Observamos, a partir do primeiro comentário acima, que o aluno sentiu falta de


um acompanhamento mais individualizado do professor no que tange às questões
gramaticais, sobretudo na escrita. Embora, no curso remoto, tenha sido disponibilizada
uma aula por semana para tirar dúvidas, esse aluno pode ter sentido falta da possibilidade
de uma interação mais particular com o professor, o que, no presencial, geralmente
acontece antes ou depois das aulas. Desse modo, a ausência dessa possibilidade e/ou o
não comparecimento do aluno às aulas destinadas a sanar dúvidas podem interferir no
desenvolvimento da capacidade do aluno de se tornar protagonista do seu processo de

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aprendizagem.
No comentário seguinte, outro aluno destacou “não ser igual” à sala de aula. Podemos
inferir, com base no modo como esse aluno se expressou, que ele não reconhece, ainda, as
plataformas do Google como um tipo de “sala de aula”.
A partir da seleção de algumas respostas da segunda autoavaliação, em que os alunos
tiveram que escrever um relato falando um pouco sobre o seu processo de aprendizagem,
podemos perceber a postura e a adaptação dos alunos. Nos trechos abaixo, eles apontaram,
por exemplo, as dificuldades que tiveram.

17 - Uma possível dificuldade foi a utilização do Google Sala de aula, devido aos
recursos que ele oferece, mas com uma semana lendo e mexendo bastante no site
pude aprender praticamente tudo que ele oferece. (estudante do nível 2)

18 - Quanto aos exercícios que nos foram enviados, já os tinha feito antes da data
que nos foi dada porque quero muito aprender português. (estudante do nível 2)

19 - Mas eu tive dificuldade com acesso a internet e isso atrapalhou um pouco.


Mas como as aulas eram gravadas eu pude assitir outro dia. (estudante do nível 1)

Nessas falas, podemos observar que, apesar das dificuldades encontradas, a vontade
de aprender provocou a iniciativa nos alunos de agirem de forma autônoma, buscando
sanar as adversidades e possibilitando a continuidade do processo de aprendizagem. Essa
situação mostra exatamente o que aponta Dickinson (1987 apud PERINE, 2014, p. 205)
sobre o fato de o aprendiz ser totalmente responsável pelas suas decisões diante do seu
processo de aprendizagem.
Além das autoavaliações, buscamos analisar as opiniões dos alunos a partir das
discussões nas aulas síncronas, visto que, nesse momento, eles puderam dar seus pontos
de vista em um contexto de interação espontânea. Alguns alunos destacaram ter percebido
que no modelo remoto é preciso mais responsabilidade e compromisso para que o
aprendizado seja efetivo.

20 - Professora, eu acho que a modalidade online é muito boa, mas aqui a gente
tem que ter maior compromisso para estudar (estudante do nível 2)

21 - Tem que se organizar muito mais porque quando é presencial é claro que
e sempre esse horário e também agora, por exemplo, esse encontro aqui, fazer

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as tarefas e também enviar online, ver online, tem que se organizar muito mais
(estudante do nível 3)

22 - Uma coisa que eu falo com a (…) é que a gente precisa falar entre nós em
português para praticar (estudante do nível 2)

É possível notar uma consciência dos alunos em relação à diferença existente


na postura deles no ensino presencial e no remoto. Chama a atenção, por outro lado,
com relação às assertivas da Seção 2 da primeira autoavaliação, o baixo número de
marcações para a opção SIM para as afirmativas: “Estudei por minha conta, além das
aulas” e “Respeitei o prazo para o envio das atividades”, o que sugere a necessidade do
desenvolvimento desses aspectos da autonomia em um bom número de alunos.
Devido à importância de se refletir sobre o emocional dos alunos nessa nova
conjuntura de ensino, pois, como destaca Holec (1990 apud FERNANDES, 2002, p. 23),
para que um aluno consiga desenvolver sua autonomia, ele precisa estar preparado também
psicologicamente, duas das perguntas presentes na Seção 1 da primeira autoavaliação
(figura 2, perguntas 6 e 7) foram voltadas para o estado emocional dos alunos e como ele
afetou seu aprendizado.
Apesar de a nossa expectativa ser de que o ensino remoto e o momento de pandemia
poderiam afetar negativamente o aprendizado dos nossos alunos, para a pergunta:“Como
você se sentiu durante o processo de aprendizagem neste novo modelo de ensino no
contexto da pandemia?”, tivemos o maior percentual de marcações para animado, com
uma diferença significativa para a segunda opção, desafiado. Assim, entendemos que
as variáveis afetivas dos alunos, como explicam Gardner e MacIntyre (1993, p. 1apud
ARAGÃO, 2011, p.168), majoritariamente, são positivas, influenciando de maneira
favorável na forma como eles reagiram emocionalmente ao ensino remoto e, sobretudo,
como passaram pelo processo de aprendizagem.
Dentre as justificativas que foram dadas pelos alunos, na Seção 1 da primeira
autoavaliação, para explicar o porquê de se sentirem animados, temos:

23 - Estar animado me afetou positivamente, foi mais fácil para mim aprender
melhor e praticar o que aprendi. (estudante do nível 3)

24 - Stow animado pq eu quero aprender a falar o portugues melhor e certo


(Aluno do nível 3)

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25 - Me deixou mais concentrada para aprender. (estudante do nível 2).

26 - Eu participei com frequência porque o entorno da minha casa me deu


confiança e coragem, esperava com animação e entusiasmo por cada aula.
(estudante do nível 2)

Alguns alunos apontaram, também, estar em outros estados emocionais, sentindo-


se desafiados ou até mesmo desanimados. As justificativas para o desânimo foram,
principalmente, a ausência de vontade de realizar as atividades propostas e o desconforto
gerado pela necessidade de adaptação. Em sentido contrário, alguns estudantes sentiram-
se instigados pelo desafio que a pandemia proporcionou, visto que a mudança, para esses,
apesar de ter sido encarada com medo e ansiedade, fez com que aprendessem a dominar
suas emoções, como se pode ver a seguir:

27 - Não tinha vontade de fazer as atividades.(estudante do nível 3)

28 - Parei de pensar em passado , como eu perdi muito tempo no pais sem


aprender portugues e decidi sugir a vida (estudante do nível 4).

29 - Fiquei dominada pelo medo e pela ansiedade, mas não desisti de pesquisar
e aprendi, me beneficiando com o emprego de novas tecnologias de informação
e comunicação. (estudante do nível 2)

30 - A maior dificuldade que a gente enfrentou foi na hora de fazer os deveis, na


verdade eu não me senti confortavel nesse novo formato de aula. (estudante do
nível 4)

É interessante destacar que, em algumas falas das aulas síncronas sobre o tema
em pauta, alguns alunos demonstraram se sentir confortáveis para expressar alguns
sentimentos em relação ao novo modelo de ensino e ao momento da pandemia:

31 - Me sinto ansioso para essas aulas, principalmente quando se tornou online. /


Quando eu falei ansioso eu não quis dizer nervoso, tipo assim eu to esperando, eu
to feliz / Antigamente quando tinha que viajar pra faculdade não era assim, não
foi o mesmo sentimento, mas agora é totalmente diferente. (estudante do nível 3)

32 - Eu sinto nervoso porque meu internet é ruim e feliz também


porque vou aprender muito na sala de aula. (estudante do nível 3)

33 - A gente sente um pouco de medo no dia da avaliação, mas normalmente não.


(estudante do nível 3)

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Com base nas nossas análises, foi possível perceber que muitos alunos gostaram
da experiência com o ensino remoto, apesar das dificuldades encontradas no percurso.
Notamos, também, que muitos deles se sentiram animados pelo simples fato de que esse
novo modelo foi o que possibilitou que eles continuassem os estudos. A continuidade do
curso é especialmente importante para solicitantes de refúgio e para pessoas em processo
de naturalização, por exemplo, pois o certificado, obtido no término do curso, é primordial
para consecução desses objetivos.
Merece destaque, ainda, bastante distante do conceito da avaliação formativa, o
último comentário apresentado acima, em que o aluno diz se sentir com medo no “dia da
avaliação”. Nessa fala, notamos a percepção engessada que, muitas vezes, os alunos, e
alguns professores, têm de aprendizado, considerando a avaliação algo pontual, e não um
processo, como salienta Brown (2006 apud RODRIGUES, 2010, p.7).
É importante mencionarmos que embora representem a minoria entre os colaboradores
desta pesquisa, alguns alunos expressaram preferência pelo modelo de ensino presencial.
Ao serem questionados sobre o ensino remoto e se gostariam que as aulas continuassem
nesse modelo mesmo após a pandemia, alguns alunos responderam:

34 - Acho que nas aulas presenciais aproveito mais. Aprendo mais. (estudante
do nível 3)

35 - Com certeza essa experiência foi boa mas para falar sério, temos saudades
dos alunos , amigos, e claro do professores. (estudante do nível 4)

36 - Eu aprendi bastante sobre a gramática portuguesa mas ainda assim


eu gostava muito mais das aulas presenciais. (estudante do nível 3)

Portanto, os dados gerados e analisados indicam que a experiência com o ensino


remoto, de modo geral, foi positiva tanto para os alunos quanto para as professoras,
apesar dos obstáculos encontrados. Elaborar atividades que promovessem a reflexão dos
estudantes sobre os seus processos de aprendizagem foi fundamental para que pudéssemos
observar suas opiniões sobre o ensino remoto, como se sentiram e como perceberam essa
experiência. Conhecer a visão dos alunos sobre sua experiência, certamente, permitiu-nos
compreender melhor o processo que experimentamos enquanto professoras.

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Considerações finais

Apesar de vivermos cercados pela tecnologia e, em grande parte do tempo, conectados


às redes, as dificuldades no processo de adaptação na educação nos alertaram que ainda
precisamos de muito aprendizado e desenvolvimento para que a inserção das tecnologias
no ensino se realize de modo mais eficiente e orgânico. Contudo, pudemos perceber, a
partir da pesquisa realizada, que embora tenhamos esbarrado em algumas dificuldades na
adaptação do curso da modalidade presencial para a remota, a experiência foi profícua.
Cabe, no entanto, uma ressalva com relação aos alunos que ficaram pelo caminho,
tanto aqueles que não manifestaram interesse em continuar o curso no modo remoto, não
preenchendo o formulário em que se apresentava essa proposta, quanto aqueles que, após
iniciarem o curso remoto, acabaram por desistir. Os motivos que levaram à evasão desses
estudantes, além da pandemia em si, repousam em algum ponto que foge ao escopo e ao
alcance deste estudo. Nessa mesma ressalva podemos incluir os alunos que concluíram o
semestre, mas não autorizaram a pesquisa, uma vez que seus dados não foram analisados.
A partir das atividades de autoavaliação propostas aos alunos, e das discussões sobre
os processos de aprendizagem e de adaptação, foi possível observar que é fundamental
que reflitamos sobre o papel do professor e do aluno nesse novo contexto de ensino.
Tendo em vista que o ensino presencial e o remoto apresentam muitas diferenças, foi
imprescindível que nós, como professoras, pensássemos em diferentes estratégias para
serem realizadas no ensino remoto.
Conforme os dados gerados pela pesquisa demonstram, destacamos como a
principal diferença entre esses dois modelos de ensino a importância do desenvolvimento
da autonomia dos alunos. É claro que incentivar a agentividade dos alunos nos seus
processos de aprendizagem é sempre indispensável, seja no ensino presencial ou no
remoto. Todavia, como vimos nos relatos dos próprios alunos, o ensino remoto exige
mais compromisso por parte deles, uma vez que a falta de interação presencial, a falta
do ‘olho no olho’, provoca, em alguns estudantes, a falsa sensação de menor necessidade
de comprometimento. Além disso, foi possível perceber também a influência do aspecto
emocional no processo de adaptação e aprendizagem dos alunos, provocando, na maior
parte dos estudantes do grupo pesquisado, um resultado positivo.
Portanto, de acordo com os dados considerados na pesquisa aqui apresentada,
os alunos conseguiram aprender, desenvolvendo sua autonomia, tanto nos encontros
síncronos quanto nas atividades assíncronas; percebemos a importância da realização

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de tarefas no Google Classroom, da participação ativa dos alunos e da sensibilidade de


compreender a situação que experimentamos ao longo do ano de 2020. Além disso, por
meio das autoavaliações propostas aos alunos, todos os envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem puderam refletir sobre a experiência vivida, bem como sobre as vantagens
e as desvantagens desse modelo de ensino, contribuindo para uma melhor compreensão
dos desafios para o CLAC-PLE apresentados pelo contexto pandêmico. Desse modo,
podemos afirmar que esses desafios − como a sala de aula invertida, a avaliação formativa,
a autoavaliação e o desenvolvimento da autonomia de alunos e professores − alguns já
emergentes no presencial, tornaram-se aprendizados no remoto e, com certeza, serão
considerados, de forma mais consistente, quando o curso for novamente ofertado na
modalidade presencial.

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