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• CIÊNCIA

MEDICINA

Fármacos magnéticos
Testes em animais
dão sinal verde para
a pesquisa de compostos
à base de ferro capazes
de tratar câncer

m
tipo de remédio dife- conhecidas como lipossomas, emprega- Alemanha, na França e no Japão -, es-

U rente, à base de fluidos


magnéticos, materiais
feitos principalmente a
partir de partículas de
óxido de ferro, despontam como alter-
nativa para o diagnóstico e o tratamen-
to de tumores. Os testes em animais
das por serem compatíveis com o orga-
nismo e, desse modo, evitar que o sis-
tema imunológico as reconheça como
invasoras e acione os mecanismos de
defesa contra elas. Após descobrírem
os alvos preferenciais, os pesquisadores
podem trabalhar para fazer com que os
sas partículas têm cerca de 15 nanôme-
tros (um nanômetro é a bilionésima par-
te do metro) e indicam os problemas a
serem combatidos porque o magnetis-
mo que as caracteriza pode ser detecta-
do por máquinas que geram campos
magnéticos. "Aspartículas poderiam ser
de laboratório realizados na Univer- materiais magnéticos transportem me- usadas como agente de contraste para
sidade de Brasília (UnB), um dos cen- dicamentos dirigidos especificamente a detectar micrometástases menores que
tros de pesquisa mais expressivos nessa esses órgãos, que assim poderiam ser 1 milímetro, que escapam à ressonân-
área no Brasil,indicam os destinos pre- utilizados em doses mais baixas, sobre- cia nuclear magnética': diz Paulo César
ferenciais dessas substâncias e atestam tudo para combater metástases. Mas os Morais, pesquisador do Instituto de Fí-
que são mínimas as reações indesejadas materiais magnéticos podem ter uma sica da UnB.
no organismo. Os fluidos mostram uma função ainda mais abrangente: localizar Em um estudo aceito para publica-
toxicidade aceitável e cumprem as exi- tumores em qualquer região do corpo, ção no [ournal af Magnetism and Mag-
gências básicas rumo aos testes prelimi- antes de as partículas estacionarem no netic Materials, a equipe de Brasília -
nares com seres humanos, ainda sem fígado, no baço ou no pulmão. Os pes- coordenada por Morais e por Zulmira
data para começar. quisadores acreditam que isso seja pos- Lacava, do Instituto de Ciências Bioló-
Composto pelas partículas magné- sível quando conseguirem prender às gicas da UnB - caracteriza a magnetita,
ticas dispersas em soro fisiológico, que partículas anticorpos específicos, cha- mineral formado por óxido de ferro, co-
formam uma solução cuja cor varia do mados monoclonais, que reconhecem mo "urna droga potencial com valor dia-
vermelho ao preto, o fluido magnético as células cancerosas. Em ambos os ca- gnóstico e terapêutico" Devidamente
dirige-se preferencialmente para o fíga- sos, haveria menos efeitos colaterais e coberta com moléculas que a deixem es-
do, o baço ou o pulmão. O destino final se tornaria mais tangível a possibilida- tável, biodegradável e não-tóxica, a ma-
depende das moléculas que recobrem de de atingir apenas as células tumo- gnetita não produz efeitos tóxicos nem
as partículas, geralmente envolvidas em rais, poupando as sadias. alterações nas células do sangue, provo-
um tipo de açúcar chamado dextrana Estudadas mais intensamente de cando apenas reações inflamatórias
ou em vesículas esféricas de gordura, cinco anos para cá - inicialmente na amenas, que desaparecem em sete dias.

48 . NOVEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 81


''As amostras de fluido baseadas em Os testes em animais que revela- por mais de cinco minutos seguidos,
magnetita são bastante toleráveis pelo ram o destino e o tempo de vida das sob o risco de o calor danificar o mate-
organismo", diz Zulmira, responsável partículas foram feitos com fluido rial genético das células sadias.
pelos testes das partículas em animais. produzido por uma indústria alemã, a Outro uso potencial das partículas é
"E, por conterem ferro, são reaprovei- Berlin Heart, fabricante de corações a remoção de vírus - como o da Aids
tadas pelo próprio organismo." A afini- artificiais, com quem a equipe da UnB ou o da hepatite - do sangue. O proje-
dade desse mineral com os tecidos tor- compartilhava os resultados. Desde o to consiste em uma modificação do sis-
nou-se evidente quando os estudos em ano passado as partículas são produzi- tema de hemodiálise comum, que filtra
laboratório indicaram que uma das pa- das no Instituto de Química da Uni- o sangue de pessoas com problemas nos
radas finais das partículas pode ser a me- versidade Federal de Goiás (UFG) e, a rins. Nesse caso, há uma segunda etapa:
dula óssea, tecido em que se formam as partir deste mês, na própria UnE. o sangue removido do corpo é mistura-
hemácias, as células vermelhas do san- do ao fluido magnético contendo anti-
gue, ricas em hemoglobina (molécula aPlicações médicas do flui- corpos monoclonais que se ligam aos
contendo átomos de ferro que distribui do dependem de um equi- vírus. Um filtro magnético retém os ví-
oxigênio pelo corpo). pamento que destrói as cé- rus e deixa passar o sangue limpo, que
Os estudos deixaram claro que lulas tumorais pelo calor, retoma às artérias.
não só o destino, mas também o tem- ~ num processo chamado O trabalho da equipe da UnB en-
po de vida das partículas depende da magnetotermocitólise.O protótipo cons- contra-se no mesmo estágio do de gru-
cobertura: envolvidas por dextrana, truído pela equipe da UnE tem a forma pos internacionais: tentando ligar de
têm uma vida média de 15 minutos, de uma bobina de 15centímetros de altu- modo eficiente as partículas aos anti-
mas podem permanecer de uma a duas ra e cria um campo magnético alterna- corpos monoclonais, já utilizados no
horas em circulação se recobertas por do que faz vibrar as partículas magnéti- tratamento de câncer. O sucesso de-
vesículas de gordura. As pesquisas in- cas presas às células, produzindo calor. pende não só de sorte, mas de refinados
dicaram ainda por onde não ir: com- O aquecimento localizado é, na verda- cálculos que levam ao equilíbrio entre
postos à base de manganês ou cobre, de, o que mais interessa. ''A temperatu- o número de anticorpos e o tempo de
por exemplo, são muito tóxicos para o ra aumenta de 5 a 10 graus centígrados, vida, o destino e o tamanho das par-
organismo, como demonstraram os o suficiente para eliminar as microme- tículas:quanto maiores, poderiam trans-
pesquisadores em artigos publicados tástases", informa Morais. Os testes in- portar mais anticorpos, mas dificil-
principalmente no [ournal of Magne- dicaram o limite de segurança do cam- mente chegariam a regiões como o
tism and Magnetic Matertals. po magnético, que não pode funcionar interior do cérebro. •

Magnetita: em escala
nanométrica, vetar
de medicamentos

PESQUISA FAPESP 81 • NOVEMBRO DE 2002 • 49

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