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CAPÍTULO 5 - O LUGAR

DO HABITAR DOMÉSTICO
CASA, DOCE LAR - ÉRICA NEGREIROS

DE CAMARGO
Ana Cláudia Romano e Isabela Abdalla Aguiar
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, a autora Érica Negreiros de

Camargo abordará a questão do habitar

doméstico e do conceito de lugar, assim

como o conceito de espaço perante o

mundo e o sentimento de se sentir inserido

em seu meio.
PARTE I
LUGAR OU ESPAÇO
A diferença de lugar e espaço vem primariamente do
seu uso ao longo dos anos. Enquanto o termo
"espaço" tem seu sentido (cunhado pela literatura
pós-iluminista) relacionado com o desenvolvimento
de leis e generalizações científicas, sem a
interferência humana, também caracterizado como
"intangível e vazio" (segundo o geógrafo Tim
Cresswell), o termo "lugar" carrega uma conotação
de um espaço natural e neutro no qual o humano
pode impor o que assim desejar.
A EXPERIÊNCIA DO LUGAR SOB O

PRISMA DA GEOGRAFIA HUMANISTA


A partir dos anos 1970 o conceito de "lugar" passou a ser
estudado por geógrafos humanistas inspirados pela
fenomenologia e o existencialismo, buscando o sentido do "estar
no mundo". E foi assim que alguns geógrafos passaram a inserir o
humano no conceito de "lugar", colocando uma priorização da
experiência humana no lugar, sendo assim considerado que "ser
humano é estar em um lugar".
O arquiteto Norberg-Schultz, em 1980, faz uma crítica à
abordagem da ciência em relação ao lugar: "O lugar é mais do
que uma localização abstrata", "implica uma composição de
coisas concretas com substância material, forma, textura e cor"
afirma ele.

Há também a visão do geógrafo Yi-Fu Tuan, que acredita que os


conceitos de "espaço" e "lugar" não podem ser definidos um
sem o outro e diz que o espaço é um conceito mais abstrato do
que o lugar e a transformação de um espaço para um lugar se
dá justamente pela experiência humana vivida em um espaço
onde o conhecemos melhor e dotamos de valor através de
diversos meios, como os sentidos, percepção visual ativa e a
simbolização que é feita indiretamente.
A experiência de estar em um lugar gera uma

"resonância interna", criando uma

familiaridade com o lugar, segundo a escritora

e crítica de arte Lucy Lippard.


"Sentir" um lugar não é ago instantâneo, mas

sim um processo que leva tempo e é

registrado no corpo como um "conhecimento

subconciente", segundo Tuan.


O sentimento de lugar e de pertencimento ao

ritmo de vida daquele lugar pode ser obtido a

partir de ações, que o geógrafo David Seamon

denomina de "rotinas tempo-espaço". Ações

cotidianas que são repetidas muitas vezes por

uma pessoa.
Tuan explica que a relação que temos
com objetos e humanos é diferente pois
"as coisas e objetos são resistentes e
confiáveis".
Porém também acrescenta que sem as
pessoas certas, os lugares e objetos
perdem seu significado, podendo até
mesmo causar irritação ou tristeza, ao
invés de conforto. "Um humano pode se
aninhar em outro".
ESPAÇO ABERTO OU FECHADO
Edward Relph, geógrafo, defende que
não há necessidade desse espaço
Tuan fala que apesar de concreto e menciona a primeira viagem
espaços abertos também de navio de Claude Lévi-Strauss para a
poderem ser lugares, não américa latina: "um lar, de fato, diante
oferecem a estabilidade e do qual a natureza apresentava-se
diferente todas as manhãs".
proteção de um lugar
Relph também diz que nenhum aspecto
fechado, fixo.
físico, comunitário ou características
comumente associadas a um lugar
podem explicar a "essência" atribuída ao
"sentido básico de lugar". Essa questão
é levantada por Tuan também.
"O QUE FAZ DE UMA MERA

LOCALIDADE UM LUGAR?"
"insideness" e "outsideness": termos cunhados por Relph
que significam um indivíduo estar inserido - ou não - em um
lugar, podendo variar em intensidade, gerando mais ou
menos o sentimento de estar inserindo e de identificação
com o lugar.
Estar inserido em um lugar gera sentimento de segurança,
descontração e conforto.
O antrpólogo Roberto DaMatta lembra que da palavra "casa"
descendem as outras "casamento, casadouro, casal" e
explica que "ser expulso de casa" é algo violento, pois assim a
pessoa estará sendo privada daquele ambiente de
familiaridade e hospitalidade, que se encaixa no que
chamamos de "amor, carinho e consideração".
A VIDA HUMANA
Segundo Tuan, a vida humana se constitui de um

"movimento dialético" que permeia entre "refúgio

e aventura" e "dependência e liberdade".


Ele explica que até mesmo em um espaço fechado

inseridos na solidão de um lugar protegido, é

possível experimentar a presença obssessiva do

espaço exterior.
A definição de Tuan para "espaço aberto" seria o

inverso do espaço fechado e se trata de um local

desumanizado.
OUTSIDENESS E NOSTALGIA
Relph explica que quando uma pessoa não se encaixa em

um lugar novo, ou até mesmo em um lugar no qual

costumava morar, ela está experimentando o sentimento

de outsideness.
Esse sentimento pode se transformar em nostalgia ao não

reconhecer um local ou não estar inserido nele.


A autenticidade das experiências de um lugar é o que cria

o sentimento de insideness, significando que as atitudes

genuínas e de sincero compromisso com a identidade do

local geram esse sentimento de pertencimento.


EXEMPLO "Fig. 13 Cena do filme “Mon Oncle”
(1958), o qual seu diretor Jacques Tati

satiriza o processo de imposição


massificada de um suposto moderno
conceito de conforto, cujas regras
estéticas e funcionais, em voga com as
inovações tecnológicas vigentes no
contexto pós-guerra, são dotadas por
uma família de classe média. O
“moderno” passa a interferir
desastrosamente nos relacionamentos
estabelecidos no e com o ambiente
doméstico/familiar, e a tornar os
moradores deslocados em suas próprias
casas. "

FILME MON ONCLE (CAMARGO, 2007, P. 180)


OUTSIDENESS E NOSTALGIA
μέτοικος do grego, "metoikos" referia-se à pessoa que apesar
de livre, não possuía direitos de cidadão na polis que residia.
οἶκος - "oikos" quer dizer "residência" e meta pode conter
sentido de "mudança" ou de "em meio a". Ambas as definições
criam o sentido de se mudar para viver em meio de estranhos.
Pois estar no meio de algo não é pertencer àquilo.
Esse sentimento de estar de fora gera um estranhamento. Essa
palavra remete à muitos significados: "que é de fora"; "raro";
"extraordinário", "forasteiro", etc. No entanto, também é usado,
no espanhol com um sentido de "sentir saudade".
HABITAR DOMÉSTICO
"Os sentimentos de identidade e
pertencimento que fazem com que nossa
casa seja percebida como um lugar, para nós,
podem, muitas vezes, corresponder aos
mesmos sentimentos que nos fazem sentir
inseridos – aceitos, abraçados – no país, na
cidade ou na comunidade em que
habitamos." (CAMARGO, 2007, p. 182)
Tuan afirma que o lugar pode ser percebido em
diferentes escalas. Desde um móvel até uma terra.
O sentimento de pátria e a intensa afeição que
sentimos por ela é um sentimento humano comum.
Para ele quanto mais vínculos estabelecemos em
um lugar, maior o sentimento de insideness.
Dessa forma, os ditos "sinais visívies" - como
monumentos históricos, acidentes geográficos, etc
- de uma cidade ou os aspectos físicos do ambiente
doméstico podem ser catalisadores do sentimento
de identidade e pertencimento, assim como as
comunidades que ali vivem.
EXEMPLO
"Em sua resposta, ao lado de uma breve
menção ao tamanho da casa, Sr. Felipe
dedicou sua fala às lembranças do bairro que
morou e das relações familiares e com os
vizinhos estabelecidas ali – como se a casa,
em sua memória, fosse, não mais uma
edificação. Como se o lugar e as pessoas do
lugar é que fossem a própria casa."
(CAMARGO, 2007, p. 184)
A PÁTRIA
O autor Stuart Hill diz que a partir das memórias e histórias contadas
sobre uma nação e a imagem construída dela, é produzido o sentido
que atribuímos a essa nação. Uma cultura nacional seria então um
discurso. Ao nos identificarmos com este, estabelecemos uma
identidade com a pátria.
O filósofo Vincent Descombes afirma que "é na língua falada de um
país onde 'verdadeiramente reside a nacionalidade". (CAMARGO,
2007, p. 191)
Assim, esse sentimento de pátria se dá a partir do momento em que
"a mútua compreensão entre pessoas de um determinado meio
permite o sentimento de se estar em casa." (CAMARGO, 2007, p.
192)
"Confiamos em quem conhecemos." (CAMARGO,
2007, p. 193)
O desejo pela segurança de uma casa é
experimentado também no sentido de nação. Ter
alguém para se apoiar, trocar experiências culturais e
sociais dentro dessa comunidade trazem os
sentimentos de segurança e amparo desejados, pois
o sentimento de vulnerabilidade gera desconforto e
uma sensação de não pertencimento.
Estando no meio de pessoas com as mesmas
referências de país, de cidade ou domésticas, se cria
uma confiança, que está relacionada ao próprio
sentir-se em casa.
O PENSAR
Segundo a visão de Cresswell, o apego que
criamos em relação a um lugar pode influenciar
no pensamento. O pensamento cotidiano
difere do pensamento racional e prático, que
se faz percebido.
Muitas vezes, independente das condições de
um lugar, uma pessoa pode ter extremo
carinho e sensação de segurança a partir desse
sentimento de estar em casa, estar em um
lugar cotidiano.
PLACELESNESS
De acordo com Relph, um grande problema da nova sociedade
contemporânea está na falta de um lugar ao qual as pessoas
pertençam. Isso se deve a uma crescente inautenticidade das
relações causada por motivos como o mundo de negócios ou a
omnipresença proporcionada pela internet.
Esses processos encorajam direta ou indiretamente o
sentimento de "placelesness" - traduzido pelo autor como
"ausência de lugar"-, o que gera um enfraquecimento da
identidade dos lugares, que estão se tornando muito parecidos,
gerando assim uma sensação similar com poucas possibilidades
de experiência novas.
MODERNIDADE
E assim a moderninade se conecta
Relph argumenta que um dos

com a mobilidade e transitoriedade,


motivos para essa diluição do sentido

trazendo consigo a inautenticidade e


de lugar vem do crescimento em

ambiguidade moral.
escala global dos meios de viagem ou

No entanto, a partir da lógica do


turismo.
próprio Relph, que faz uso do relato de
Para ele, os conceitos de casa e lugar

Levi Strauss como base, mesmo uma


estão relacionados às ideias de

pessoa que utiliza da mobilidade ao


envolvimento, comprometimento e

seu máximo não é automaticamente


enraizamento.
uma pessoa sem lugar, já que são
capazes de criar raízes em um espaço
curto de tempo.
“ter raízes em um lugar é ter um ponto

seguro para, a partir dele, olhar o mundo

lá fora; [ter] uma posição própria na

ordem das coisas, na qual nos agarrarmos

firmemente, e um significante apego

espiritual e psicológico a um local em

particular.” (Relph, ibidem; p. 38. Apud

Cresswell, 2002; p. 14).


O SENSO DE COMUNIDADE
Segundo relatos de pessoas entrevistadas, o enraizamento em
um lugar não depende de ele estar fixo, ou não. Depende mais
do senso de comunidade, que é criado ao viver em determinado
local, ao invés do espaço físico em si. Não obstante a qualidade
de vida de um lugar, o sentimento de lar pode ser atribuído às
pessoas que fazem parte do seu ciclo, pois elas geram o
sentimento de pertencimento, segurança e amparo buscado
pelo ser humano.
PARTE II
BIBLIOGRAFIA
CAMARGO, Érica Negreiros. Casa, doce
lar: o habitar doméstico percebido e
vivenciado. São Paulo, 2007. 164-230 p.

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