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DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Asafe Cortina
Noção de inferência
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
A inferenciação é um processo de construção de sentido que relaciona um
texto com conhecimentos prévios, de forma que o leitor possa entender o
significado de partes de um texto ao relacioná-lo com outros elementos,
como, por exemplo, outros textos, situações, contextos, conhecimentos
prévios e etc.
Neste capítulo, você vai estudar sobre a inferência e os elementos
textuais que servem como pistas para a construção de sentidos; esses
elementos podem ser linguísticos e não linguísticos e aliados aos conhe-
cimentos prévios do leitor, que capacitam-no a chegar a determinadas
conclusões e, portanto, a inferir conclusões.
A inferência
Imagine os seguintes cenários:
Cenário 1
Um amigo está em sua casa para uma visita, você lhe oferece uma xícara
de café e ele responde: “Gosto mais de chá!”.
Cenário 2
É fim de tarde, você chega em casa e convida seu esposo para ir à academia
se exercitar um pouco e ele responde: “Hoje o dia foi estressante e não parei
sentado na minha cadeira no escritório.”.
2 Noção de inferência
Cenário 3
Marcos está na sua casa e está suando muito. Ele olha para o ar-condicionado
e percebe que está desligado, então diz: “Como o dia está quente hoje, né?”.
Cenário 4
Você lê uma notícia sobre um acidente em um jornal que diz: “Acidente
fatal de carro na rodovia 101. O veículo transportava quatro pessoas quando
perdeu o controle e saiu da estrada. O motorista sobreviveu.”.
Cenário 5
É época de Copa do mundo, que está acontecendo no Brasil. Você não
entende quase nada de futebol e muito menos de como funciona a Copa.
Contudo, ao chegar no aeroporto você passa por uma banca de revistas e um
dos jornais diz: “Copa do mundo: semifinais”.
Alguns minutos depois, ainda no aeroporto, você vê uma grande comoção.
Alguém lhe informa: “É a seleção de futebol da França que está voltando
para casa.”.
Possivelmente, que ele está cansado e não irá à academia com você, correto?
Embora, semelhantemente ao primeiro caso, seu marido não tenha explici-
tamente rejeitado a sua oferta, a proposição citada por ele lhe permitiu um
processo intelectual por meio da qual a relação entre a fala e o contexto daquele
momento lhe possibilitaram concluir que ele, provavelmente, estaria cansado
demais para se exercitar.
Contudo, podemos afirmar com total certeza de que o convite para ir à
academia foi rejeitado? Não!
Inferências são fortemente relacionadas ao contexto e às demais relações
textuais e situacionais.
Vamos considerar que, por exemplo, o marido do cenário é uma pessoa
que ama se exercitar e que não perde um dia sem ir à academia. Ademais,
você sabe que ele é o tipo de pessoa que só relaxa e descansa depois de um
dia exaustivo de trabalho quando vai para a academia e se exercita (Acredite,
há pessoas assim!). Portanto, quando ele responde: “Hoje o dia foi estressante
e não parei sentado na minha cadeira no escritório.”, o que você infere? Que
deve colocar seus tênis porque vocês irão para a academia.
O cenário 3, embora bastante semelhante aos dois primeiros, traz para o
processo de inferência um elemento não linguístico que também servirá como
“proposição” para que você chegue a uma conclusão.
Quando seu amigo está na sua casa, visivelmente suado e seu ar-condi-
cionado está desligado e ele diz: “Como o dia está quente hoje, né?”, o que é
possível inferir?
A primeira inferência (por meio do elemento não linguístico: o suor) é
bastante simples: Marcos está com calor.
A segunda pode ser um pouco mais sutil. Ao olhar para o ar-condicionado e
proferir a frase dita, Marcos pode estar sugerindo, discretamente, que você ligue
o aparelho. Dessa maneira, a informação “por favor, ligue o ar-condicionado
porque eu estou com muito calor” está implícita na frase de Marcos e pode
ser entendida como um pedido por meio de um processo inferencial.
O cenário 4 também nos possibilita conclusões por meio de inferência.
Quando lemos a respeito de um acidente fatal de um carro que carregava quatro
pessoas e a notícia diz: “O motorista sobreviveu.”, podemos inferir que as
demais pessoas não sobreviveram. Isso ocorre por meio de duas informações:
a primeira é explícita por intermédio da palavra “fatal”, que nos informa que
houve morte no acidente. A segunda, contudo, pode ser concluída por meio da
inferência: se a informação foi de que o motorista sobreviveu, possivelmente
as outras três pessoas faleceram, caso contrário, haveria outra informação
linguística, como: “o motorista e mais um passageiro sobreviveram”.
4 Noção de inferência
Neste capítulo, usaremos a palavra “texto” para “toda e qualquer manifestação linguística
que carrega significado(s)”, não apenas o escrito.
Quando necessário, classificaremos o texto como “texto escrito” ou “texto oral”.
sem fio) para “brincar” de qualquer outra coisa. Só é possível inferir a crítica
da forma como o autor desejou se o leitor tem o conhecimento a respeito da
brincadeira.
A Figura 3 também exige uma certa inferência para que a crítica seja reali-
zada da forma como pretendida pelo autor. No momento em que Armandinho
afirma que o dicionário deles está desatualizado por causa dos diferentes
significados da palavra justiça, os autores estão criticando os movimentos
políticos brasileiros dos últimos tempos. Essa inferência só pode ocorrer para
quem está consciente do cenário político atual e de todas as decorrências dele.
Quem não tem os conhecimentos de mundo necessários para compreender a
tirinha como um todo, provavelmente não compreenderá o motivo pelo qual
a tirinha é tão crítica; poderá, certamente, associar a outro momento e, ainda
assim, conseguir inferir algo. Contudo, é importante observar as condições
de produção de um texto para que as inferências aconteçam de forma correta.
Essa tirinha foi escrita especificamente após os casos de corrupção política
ocorridos no Brasil nos últimos anos e o objetivo do autor era criticar a justiça
(ou a falta dela) no cenário atual.
Na Figura 4, podemos observar — com humor — uma inferência errada.
Quando Armandinho se referiu que a senhora vivia de renda, sua amiga
realizou um processo de inferência e chegou à conclusão de que a senhora
era rentista (ou seja, que vivia de certo valor de dinheiro). Contudo, o que
Armandinho desejou dizer era que a senhora fazia objetos de renda. Esse caso
ilustra a necessidade de conhecimentos extralinguísticos que são necessários
para que uma inferência ocorra de maneira eficiente.
Os exemplos acima nos permitem perceber que os processos de inferência
são fundamentais e constantemente presentes durante a compreensão da leitura.
Ou seja, utilizamos as informações que são explicitamente apresentadas no
texto e somamos aos nossos conhecimentos prévios para obtermos outras
informações.
Na verdade, linguisticamente, podemos chegar a conclusão de que todo o
processo de compreensão de texto é apenas uma inferência: sempre tentamos
inferir o que o autor quis dizer com determinadas palavras. Algumas inferências
são óbvias e únicas, mas outras podem ter múltiplas interpretações.
A capacidade de inferir é uma habilidade que se desenvolve à medida que
o conhecimento de mundo de um leitor e sua “carga de leitura” são ampliados.
A qualidade de uma leitura está fortemente relacionada às inferências prove-
nientes da interação entre o texto e o leitor; a proficiência de leitura também
está relacionada com a capacidade de inferir.
12 Noção de inferência
A minha casa nunca está vazia. Minha mãe está quase sempre lá. E não
estou exagerando, nem mentido. Minha mãe realmente não sai de casa.
Ela tem a crença de que nunca devemos deixar nossa casa vazia e que
um de nós sempre precisa estar lá. Como meu pai trabalha e eu tenho
a escola, ela ficou encarregada de cuidar da casa.
Se um dia você chegar na minha casa e não encontrar ninguém lá,
pode ter certeza de que alguma coisa muito grave aconteceu. Só assim
mesmo para que a minha mãe saia de casa sem que outra pessoa esteja
lá para “zelar pela casa”, como ela diz. Só me lembro de uma vez que
cheguei em casa e não havia ninguém, quando a irmã da minha mãe
sofreu um acidente e não tinha ninguém para levá-la ao hospital.
Ontem eu estava na escola. O dia foi bastante agitado. Começou com
uma prova de geografia que estava dificílima. E para ajudar, tive outra
prova, mas dessa vez de matemática, logo depois do recreio.
Como de costume, saí da escola perto das três e meia da tarde e voltei
de bicicleta para casa.
Chegando lá, achei algo bastante estranho. A porta da frente estava
aberta.
Suspeitei que minha mãe estivesse estendendo roupa ao lado da
casa e tivesse deixado a porta aberta enquanto fazia isso, mas assim que
entrei na casa senti que algo estava diferente.
Procurei por todos os cômodos e ninguém estava lá: a casa estava
vazia.
No texto acima, o leitor consegue inferir, com a última frase, que algo de
grave deve ter ocorrido com a família do personagem. Como que o leitor pode
chegar a essa conclusão? Porque as informações que sustentam essa ideia e
permitem que ele construa esse sentido são apresentadas no mesmo texto.
Obviamente, esse é um exemplo bastante curto e o processo inferencial
bastante rápido, mas imagine que os dois primeiros parágrafos estejam na
página dez do livro e que os cinco últimos estejam na página duzentos. Dessa
forma, o acesso às informações apresentadas que fazem o leitor inferir que
houve algum problema na família do personagem não ocorre de forma tão
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instantânea; será preciso que o leitor resgate na sua memória que sempre que
a casa do personagem estiver vazia, algum problema aconteceu.
Esse texto nos exemplifica o tipo de pista de inferência que se encontra
dentro do próprio texto. Se tirássemos a frase “Procurei por todos os cômo-
dos e ninguém estava lá: a casa estava vazia.” desse determinado contexto,
não conseguiríamos compreender que alguma situação grave ocorreu com
alguém da história, pois não haveria uma ligação entre essa sentença e a outra
informação que permitissem essa inferência.
As pistas que contribuem para a inferência também (e na grande maioria
dos casos) provêm de fora do texto; ou seja, da habilidade do leitor de elencar
o texto com referenciais extratextuais e chegar a determinadas conclusões.
Por isso, conhecimentos de mundo e “bagagem de leitura” são fundamentais
para os processos de inferência.
É preciso atentar que os processos de inferência não ocorrem exclusivamente
por meio de elementos linguísticos escritos. Os elementos visuais também
podem ter um papel determinante na inferência, como é o caso da Figura 5,
que quase não contém texto escrito, mas suas imagens nos permitem chegar
a uma determinada conclusão por meio de um processo de inferência.
A Figura 6 (assim como a Figura 5) apresenta componentes não linguísticos
(mas visuais) que servem como pistas para as devidas inferências.
Leitura recomendada
DELL’ISOLA, R.; PÉRET, L. Leitura: inferência e contexto sociocultural. Belo Horizonte:
Formato/Saraiva, 2001.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.