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O Polo Naval de Rio


Grande e a importância da
instrumentação geotécnica

Elevação do deck
box da plataforma
petrobras 55 durante a
operação de mating

Hyllttonn Bazan, engenheiro civil No atual contexto econômico da portuário. Neste cenário, uma das
Fugro In Situ Geotecnia região sul do estado do Rio Grande principais construções que impul-
Vinicius Ferreira, engenheiro civil do Sul, sobretudo na cidade do Rio sionaram a economia local e pos-
Fugro In Situ Geotecnia Grande, houve um aumento no nú- sibilitaram a consolidação do Polo
Miguel Thormann, engenheiro civil mero de obras civis, principalmen- Naval gaúcho foi o dique seco do
Consultor te em obras relacionadas ao setor Estaleiro Rio Grande.

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Leitura de inclinômetro junto a parede sul do dique no polo naval do rio grande

A implantação de um Polo Naval empreendimento. Além disso, o “Porto Cone Sul”. As condições geo-
em Rio Grande partiu de uma de- distrito industrial retroportuário do gráficas favorecem a cidade, pois a
cisão do governo federal de rea- município dispunha de área livre profundidade do canal em frente ao
tivar a indústria naval em um pri- para o desenvolvimento da indús- dique seco de 16 metros é excelente.
meiro instante para, em seguida, tria necessária para atender às de- Há cotas de até -21 metros em frente
descentralizá-la. Nesse contexto o mandas dos estaleiros. ao cais norte. Outra grande vantagem
porto do Rio Grande ofereceu área Esse porto, por ter grande atuação no é a oferta de infraestrutura de trans-
disponível para a realização de tal extremo sul do Brasil, é considerado porte, o que é um fator de redução

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Com o içamento do deck box houve alterações no carregamento do dique. Através da instrumentação se observa a influência das cargas nos
pontos instrumentados

de custos e aumento da eficiência PLANO DE vezes dependente da experiência pes-


e logística, agregando maior valor MONITORAMENTO soal dos profissionais envolvidos.
às mercadorias. A instrumentação do Polo Naval do
A instrumentação geotécnica não
Diques secos são estruturas situa- consiste meramente no ato de se- Rio Grande foi dividida em quatro se-
das à beira mar, que têm como fun- lecionar instrumentos, mas em um tores (cais sul, cais norte, dique seco
ção a construção, reforma ou ma- processo de planejamento que deve e oficinas). Cada setor instrumenta-
nutenção de equipamentos navais, abordar desde a definição de obje- do possui uma série de diferentes
tais como navios, submarinos e pla- tivos até a implementação dos pro- instrumentos, que permitem moni-
taformas de extração de petróleo. O cedimentos de coleta e análise dos torar e analisar o comportamento do
dique seco construído no Superpor- dados (Dunnicliff, 1988). Cada passo solo e estruturas.
to da cidade de Rio Grande possui é crítico para o sucesso do programa A Fugro In Situ Geotecnia iniciou as
350 metros de comprimento, 133 de instrumentação, e o processo en- atividades de instrumentação no
metros de largura e 14 metros de volve as capacidades de instrumen- Polo Naval em 2008, com a instalação
profundidade, estando posiciona- tos e pessoas. de inclinômetros, que fazem parte de
do às margens da Lagoa dos Patos, Uma deficiência corrente em progra- um conjunto de instrumentos distri-
próximo ao encontro entre esta e o mas de instrumentação é a não defini- buídos de forma a possibilitar o con-
Oceano Atlântico. ção de um plano de ação. Isto é, devem trole da integridade das paredes dia-
O calado do dique é de 12 metros, ser estabelecidas previamente as ações fragma do dique seco ou das estacas
o qual é condicionado pela soleira a desencadear caso as variáveis medi- prancha, bem como a estabilidade do
da porta batel (cota -12 metros). das venham a ultrapassar limites consi- maciço de solo em áreas estratégicas,
A laje de dique possui uma leve in- derados aceitáveis. A definição dos ní- tais como os 42 m de extensão do cais
clinação, com cotas variando entre veis de alerta – valores que diferenciam norte, os 350 m do cais sul, os 20 mil
– 13,80 metros no centro e -13,96 um valor conforme e uma desconfor- m² de oficinas e também os 45,5 mil
metros nas bordas. midade – é uma etapa sensível, muitas m² do dique seco.
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A instrumentação do site é consti- pinos de recalque e 35 marcos su- Diferentemente do que ocorre em
tuída por quarenta inclinômetros, perficiais no dique seco e 18 pinos situações rotineiras de instrumenta-
setenta e oito células de carga, 75 de recalque nas oficinas. ção de maciços geológicos, no caso
pinos de recalque e 61 marcos su- O monitoramento de toda a instru- da obra em questão as ações moni-
perficiais, distribuídos da seguinte mentação é realizado quinzenal- toradas tipicamente estão associadas
forma: 7 inclinômetros, 4 células mente. A diversidade de instrumen- ao içamento de cargas conhecidas.
de cargas, 14 pinos de recalque e tos instalados nos quatro setores do A importância do monitoramento é
15 marcos superficiais no cais sul; Polo Naval possibilita o cruzamento grande no sentido de verificar se de-
4 inclinômetros, 2 células de carga, de dados dos diferentes dispositivos, terminado guindaste pode provocar
6 pinos de recalque e 11 marcos contribuindo para um melhor enten- movimentações ou aumento de car-
superficiais no cais norte; 20 incli- dimento do comportamento do solo ga nos tirantes. Dessa forma, a ação
nômetros, 72 células de carga, 37 e estruturas locais. do administrador é facilitada pela

Vista aérea da
operação de mating

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monitoração contínua dos dados b. Monitorar a extensão e a taxa de leitora, que foi a sistemática adota-
da instrumentação. Em um dique, a movimentação horizontal de ater- da neste projeto.
solução para carga excedente pode ros em geral. Na verificação de deslocamentos
consistir simplesmente em relocar ou c. Avaliar a deflexão de obras de con- verticais nas áreas ao redor do dique
retirar um guindaste. tenção. seco estão sendo utilizados pinos de
recalque, que são basicamente dis-
Na instrumentação do Polo Naval há positivos metálicos utilizados como
INSTRUMENTAÇÃO apoio para uma mira ótica. Um pino
inclinômetros de profundidades va-
Os inclinômetros utilizados na instru- riadas (26,5 m à 48,0 m), sendo a co- fêmea é fixado à estrutura de concre-
mentação do Polo Naval do Rio Gran- leta de dados realizada a cada 0,50 m to e um pino macho é rosqueado no
de foram do tipo torpedo. Dunnicliff em toda a extensão dos tubos. pino fêmea sempre que for necessá-
(1988) define esses instrumentos ria a realização das leituras. Já para
como sendo dispositivos baseados Para a medição das forças atuantes os deslocamentos horizontais, estão
no monitoramento das deformações nos tirantes da parede diafragma sendo empregados marcos superfi-
de um tubo, mediante a passagem de do dique seco, recorreu-se a células ciais, consistindo em pinos metálicos
uma sonda ao longo do mesmo. Tal de carga, que fornecem as variações chumbados em blocos de concreto e
sonda contém um sensor de gravida- de esforço normal nos pontos onde instalados no terreno. O trabalho en-
de para medir a inclinação em rela- estão localizadas. Dentre os diver- volve o uso de benchmarks, ou seja,
ção à vertical. O tubo é normalmente sos dispositivos encontrados no referências de nível profundas que
instalado em um furo, com alinha- mercado, para este projeto foram visam assegurar a precisão dos levan-
mento quase vertical, de modo que escolhidas as células de carga de tamentos topográficos.
o inclinômetro forneça dados para a corda vibrante, onde as variações
de tensão são medidas por meio de É importante salientar que a laje de
medição de deslocamentos horizon- fundo do dique também é monito-
tais do subsolo. três transdutores de corda vibrante.
Os dados de cada transdutor de- rada. Na fase de projeto, uma veri-
Os inclinômetros são, segundo Bres- vem ser medidos separadamente ficação que se faz é a “flutuação” do
sani (2009), sensores de grande pre- e em média, para posteriormente dique, pois há um grande esforço de
cisão para monitoramento de mo- ser efetuado o cálculo da tensão subpressão na laje do dique. Foram
vimentos do subsolo, mensurando em cada célula. A coleta dos dados executadas 5.432 estacas em perfil
a variação da inclinação dos tubos- das células de carga pode ser rea- metálico com aproximadamente 5
guia instalados no terreno. As típicas lizada conectando-se as mesmas a metros de embutimento em cama-
aplicações desses dispositivos são um sistema de aquisição automati- da resistente, a mais de 40 metros de
(Dunnicliff, 1988): zada de dados ou, alternativamente, profundidade. Os pinos de recalque
a. Determinar a região de influência procedendo-se a leituras manual- na laje de fundo mostram valores
de um escorregamento. mente com o uso de uma unidade “negativos” se o ponto estiver se ele-
vando ou “positivos” se o ponto mo-
nitorado estiver recalcando.

A OPERAÇÃO DE MATING
MATING (do inglês to mate que sig-
nifica juntar) foi o nome dado para a
operação de união do casco com o
convés da Plataforma P-55, no Polo
Naval. As leituras obtidas durante
essa operação constituíram um es-
petacular conjunto de informações,
as quais possibilitaram aumentar o
entendimento do funcionamento
das estruturas do dique sob ação de
cargas conhecidas, por um período
de tempo definido.
A operação teve início com o inun-
Momento da abertura das comportas inundando o dique pela primeira vez damento dos 45,5 mil m² do dique,

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Vista geral do polo naval do rio grande

acompanhado pela remoção da porta nitoramento geotécnico em obras de


batel (comporta que faz a ligação do porte, conforme recomendações da
dique com o canal de acesso ao Super- NBR 6122/10. As informações obtidas
porto de Rio Grande) e a entrada do permitem a análise do comportamen-
casco de 8,8 mil m² no dique. Na sequ- to dos pontos monitorados em dife-
ência, houve o içamento do deck box rentes fases do projeto, contribuindo
(convés) de 17.000 toneladas a uma al- para a segurança e integridade do
tura de 47 metros, para que o casco se empreendimento e facilitando a to-
posicionasse abaixo do mesmo e fosse mada de decisões caso algum alerta
então realizado o mating, a união. seja fornecido pela instrumentação.

Tal evento consistiu no maior içamen-


to de peso offshore do mundo. LEITURAS
COMPLEMENTARES
Durante a operação do mating, devi-
1. Magalhães FC, Real MV. Análise comparativa
do à importância e complexidade do entre estimadores normatizados de resistência
evento, o monitoramento geotécni- à compressão do concreto aplicada ao concreto
co foi intensificado, com a realização utilizado na laje de fundo do dique seco do Esta-
leiro Rio Grande na cidade de Rio Grande-RS. 4º
de campanhas diárias de leituras. Seminário e Workshop em Engenharia Oceâni-
ca, FURG, Rio Grande/RS, novembro / 2010.
Nesse período, os resultados obtidos
com o monitoramento dos instru- 2. SEDAI/FURG. Desenvolvimento e Consolida-
ção do Polo Naval e Offshore do Rio Grande.
mentos indicaram um comporta- Relatório, 2009, 386 p.
mento estável, mostrando valores 3. Dorneles CN, Borges DC, Pottes DB. O Polo
de variações de cargas nos tirantes e Naval Desenvolvendo Rio Grande. O Congres-
deslocamentos verticais e horizontais so Internacional de Gestão Pública e Desen-
volvimento Regional no Mercosul – O papel da
nas imediações do dique seco dentro universidade. 2010.
da normalidade.
4. Dunnicliff J. Geotechnical instrumentation
for monitoring field performance. 1 ed. Cana-
dá: John Wiley & Sons Inc., 1988.
CONCLUSÕES 5. Bressani L. A. Instrumentação em obras geo-
A experiência adquirida até o mo- técnicas: taludes e escavações. In: Conferência
Brasileira de Estabilidade de Encostas, 5., 2009,
mento na obra do Estaleiro Rio
São Paulo. Anais... São Paul: Associação Brasi-
Grande reforça a importância de um leira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geo-
programa de instrumentação e mo- técnica, 2009. 1 CD.

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