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Os usos sociais da Ciência - Pierre Bourdieu

“Os usos sociais da ciência” é uma conferência dada por Pierre Bourdieu no INRA, “Instituto
nacional de pesquisa agronômica”, em Paris, no ano de 1997. Bourdieu defende a
responsabilidade do cientista social enquanto agente investigador e transformador;

O conceito de “campo” é o mais trabalhado na conferência, por ser considerado essencial


para que se faça uma “ciência da ciência”, pois resolve o antagonismo entre
interpretações “internalistas” e “externalistas”, entre aquelas que tentam, respectivamente,
compreender as disciplinas a partir de seu próprio produto e as que interpretam sempre em
relação ao mundo econômico ou social.

Para Bourdieu, o campo científico é um “universo intermediário” entre esses dois


pólos (internalista e externalista). É um “microcosmo dotado de suas leis próprias” e que
dispõe de certa autonomia (variável de campo para campo) em relação ao macrocosmo e a
outros microcosmos.

“Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da “ciência pura”, totalmente livre de
qualquer necessidade social, e da “ciência escrava” sujeita a todas as demandas
político-econômicas. O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições,
solicitações etc., que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo
social global que o envolve. De fato, as pressões externas, sejam de que natureza forem, só
se exercem por intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo.” (p.22)

Campos científicos heterônomos: mais sujeitos às intervenções de “forças não científicas”


nas lutas internas do campo, como forças políticas e econômicas.

Campos científicos autônomos: aproxima de uma concorrência, conforme o autor, “pura e


perfeita”, e baseada em elementos científicos, na contraposição de argumentos,
demonstrações e refutações, não interrompidas por forças puramente sociais. Resultados
mais imparciais.

Campo científico: “estrutura das relações objetivas entre os agentes” precede os agentes
individuais, determinando de certa forma o que pode ou não pode ser feito. A posição que
um agente ocupa nessa estrutura é determinante para entender os seus posicionamentos.
Os “campos de forças”, porém, podem ser mantidos ou transformados pela ação de
seus agentes. O que forma a estrutura de um campo científico é a distribuição do
capital científico entre os membros, o que lhes confere pesos diferentes, mais ou
menos influência ou poder político dentro do microcosmo em questão. Os agentes
agem no campo, “fazem” o campo, mas sempre a partir de uma posição que ocupam nele e
que precede as suas ações.

O capital científico é uma forma de capital simbólico, que se baseia em relações de


conhecimento e reconhecimento dentro do campo. Um cientista tem suas competências
reconhecidas pelos outros membros do campo (que são também seus concorrentes) dentro
da lógica específica desse microcosmo. Campo simbólico.
“Esse capital (simbólico), de um tipo inteiramente particular, repousa, por sua vez, sobre o
reconhecimento de uma competência que, para além dos efeitos que ela produz e em parte
mediante esses efeitos, proporciona autoridade e contribui para definir não somente as
regras do jogo, mas também suas regularidades, as leis segundo as quais vão se
distribuir os lucros nesse jogo, as leis que fazem que seja ou não importante escrever
sobre tal tema, que é brilhante ou ultrapassado, e o que é mais compensador publicar
no American Journal de tal e tal do que na Revue Française disso e daquilo.” (p.27)

Ciência como espaço hierarquizado: para Bourdieu, existem duas espécies de capital
científico: um temporal, político, institucionalizado (que está ligado, por exemplo, à
obtenção de cargos nas instituições científicas/ heteronomia - institucional) e outro, que é
um capital mais específico, de prestígio pessoal e científico (autonomia - puro).

Devido ao fato da inovação científica ser um processo marcado por conflitos e rupturas de
pressupostos estabelecidos, a acumulação do capital científico mais “puro” é mais
frequentemente alvo de críticas e contestações, enquanto o capital temporal,
institucionalizado, ao basear-se mais na reprodução das estruturas existentes,
estabelece-se com maior facilidade.

Há, então, uma dualidade de poderes dentro dos campos científicos, onde quem obtém
mais poder com frequência não é quem tem mais prestígio científico, mas aquele que
possui mais tempo para agir politicamente, estrategicamente, dentro das estruturas
institucionais. E é neste caminho que o autor apresenta o argumento em defesa da
autonomia dos campos como sendo o modo mais eficaz de diminuir as contradições
entre os diferentes tipos de capital, evitando a utilização excessiva de mecanismos
alheios à lógica científica.

Dentro de um determinado campo, é comum que se encontrem posições


declaradamente opostas, cada uma com suas pretensões de objetividade e
universalidade. A utilização de um conceito como campo permite justamente compreender
estas diferentes posições, estabelecer suas verdades e seus limites, apontando a sua
função de instrumentos nas lutas internas do microcosmo.

“O que a análise sociológica traz, e que, num certo sentido, muda tudo, é antes de qualquer
coisa uma colocação em perspectiva sistemática de visões perspectivas que os agentes
produzem para as necessidades de suas lutas práticas no interior do campo, e que, a
despeito de tudo o que eles fazem para “universalizá-las”, como no exemplo da evocação
da “demanda social”, encontram seu princípio nas particularidades de uma posição no
próprio interior do campo, e que assim postas em seus eixos mudam radicalmente de
sentido e de função.” (p.48)

O fato de a instituição ser pública a coloca em uma posição de “dependência


independente”, pois ao mesmo momento que depende do financiamento estatal é
independente das determinações do campo econômico que interfere com uma influência
muito maior no setor privado (fundamental elemento para a autonomia do campo –
proporcionar menor influência do setor privado que paga a conta e quer escolher a música).
Os grupos dentro do campo “têm em comum serem igualmente autônomos e inscritos na
lógica universalista de uma instituição estatal consagrada e dedicada ao serviço público e
ao interesse geral” (p.59). Existe então um interesse comum entre eles, que é a
manutenção da autonomia do mesmo, a integração dos diferentes agentes, sem eliminar as
suas diferentes funções, mas sem hierarquias.

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