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[...] Comecei a trabalhar garimpo mais meu pai [...]. Trabalhei na terra seca. Quando
tava chovendo, nóis tava lá trabalhando, quando a chuva estiava, nóis ia no rancho
trocar a roupa e ia trabalhar seco. [...] Primeiro nóis relemo o cascalho, eu mais ele
metemo o ralo e relemo. Agora carrega o cascalho do carumbé para deitar num
lajedo pra secar [...] e meter no ralo. No dia de carregar foi uma irmã minha. Se você
ver a distância que nos carreguemos! Batemo esta cangaia, chama cangaia.
Batemo esta gangaia, carreguemo e amotoamos na beira de um córrego, num dia de
sexta-feira. Quando foi um dia de sábado, foi o meu irmão e pai lavar. E no é que
tinha cinco diamantes?! [...] Teve pedra de 9 grão, de 8 e aí acabava a precisão da
gente, se tivesse com precisão acabava.
Alda Silva Pereira (2019)
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Texto apresentado como requisito avaliativo, da disciplina Seminários Multidisciplinares de Pesquisa,
ministrada pelos professores Janja Costa Araujo e Cloves Luiz Pereira Oliveira, junto ao PPGNEIM.
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Graduada em Licenciatura em História (UEFS/BA), bacharela em Serviço Social (UNIT/SE), mestra em
Serviço Social (UFS/SE) e doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulher, Gênero e Feminismo
(NEIM/UFBA).
experiência da mulher como grupo. Sueli Carneiro (2019) argumenta que o mito da
fragilidade feminina nunca se sustentou em se tratando das mulheres negras, haja vista que as
mesmas nunca se viram ou foram tratadas como frágeis.
As reflexões apontadas por feministas negras dão conta da falácia do sexismo como
causa (única) da opressão das mulheres, ratificando sua natureza interligada permeada pela
interlocução das opressões de raça, gênero e classe. Se os escritos de Friedan fomentaram as
expectativas das mulheres brancas das classes média e alta, com nível superior de que através
do trabalho quebrariam os grilhões da dependência econômica masculina, permitindo-as
alcançar a liberdade, às mulheres negras e pobres, não eram facultadas as mesmas
prerrogativas. Dona Alda, mulher garimpeira desde a infância, não pode escolher entre
trabalhar ou não. Após a morte da mãe assumiu juntamente com os irmãos a responsabilidade
pelo sustento de sua família. Enquanto sua irmã mais velha cuidava dos irmãos mais novos,
ela partia juntamente com seu pai para a serra e como gente grande fazia todo o processo de
preparação e carregamento do cascalho a ser apurado posteriormente. O sentido do trabalho
nesse caso tinha mais a ver com a autopreservação do que com a realização pessoal e/ou
liberdade que o trabalho poderia lhe proporcionar. “Ser capaz de trabalhar e ter que de
trabalhar são duas coisas bem diferentes”, pontuou Hooks (2019b, p. 149). As mulheres
negras, mesmo que crianças, sempre foram vistas como “batedoras de cangaia”, eram mulas!
No intuito de continuar revirando os cascalhos e os silêncios que recobrem as
experiências laborativas de mulheres nos garimpos de diamantes da Chapada Diamantina, na
Bahia, este texto se propõe a apresentar aspectos teóricos metodológicos, que serão
mobilizados no âmbito do projeto de pesquisa intitulado: O peso do garimpo: quanto vale o
trabalho da mulher negra? Divisão sexual do trabalho, na Chapada Diamantina/BA
(anos de 1950 a 1996), em desenvolvimento no Programa de Pós Graduação em Estudos
Interdisplinares sobre Mulher, Gênero e Feminismo. A pesquisa tem como objetivo geral
realizar uma analise comparativa das experiências de trabalho de mulheres negras nos
garimpos de serra (tradicional) e de draga (mecanizado), de modo a perscrutar as mudanças,
deslocamentos e permanências no que se refere a divisão sexual do trabalho. Além disso,
busco identificar e caracterizar os papéis exercidos pelas mulheres negras no mundo do
trabalho do garimpo, bem como a construção social da separação entre as funções masculinas
e femininas; historicizar, através da pesquisa bibliográfica e documental, a inserção das
mulheres na mineração/garimpo; verificar como ocorre a relação entre o trabalho remunerado
e o trabalho doméstico das mulheres que atuaram nos garimpos; investigar o contexto
histórico da Chapada Diamantina, no período recortado, de modo a reconstituir os processos
econômicos e sociais, as relações de produção e trabalho; e por fim será mapeado e analisado
as formas de dominação e controle masculinos, as táticas e estratégias das mulheres para
negociar com o patriarcado, assim como as formas de resistência exercidas pelas mulheres
envoltas ao mundo do garimpo.
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Tendo como base os ensinamentos da feminista negra Bell Hooks, a psicóloga Grada Kilomba (2019, p. 28)
argumenta que sujeitos são aqueles que têm o direito de definir suas próprias realidades e nomear a suas
histórias. Na condição de objeto esta realidade é definida por outros, as identidades são criadas pelos outros. A
passagem da condição de objeto a sujeito concebe a escrita como ato político.
historiográfico não ficou imune a estas transformações. Conforme destacaram Perrot (1995) e
Soihet (1997) a relação dialética do movimento feminista e o movimento de revisão da
história, atuantes nas décadas de 1960 e 1970 foi decisiva para o surgimento de novas
abordagens. O ramo que se convencionou chamar de História das Mulheres surgiu em
contraposição à historiografia positivista. A ênfase dessa narrativa histórica tradicional
reservava pouco espaço às mulheres na medida em que era a cena pública o centro das
atenções e lá elas pouco apareciam, ressalva Perrot (1989). Outro aspecto de que trata essa
historiadora diz respeito ao silenciamento das fontes tradicionais em relação às experiências
femininas. Esse silenciamento depõe contra sua existência concreta, o que ratifica a
importância da História Oral como instrumentos dos mais adequados para o registro da
memória feminina.
Para alcançar os objetivos traçados por essa pesquisa, que busca analisar
comparativamente as experiências de trabalho de mulheres negras nos garimpos de diamantes
(de serra e draga) da Chapada Diamantina-BA, no que tange à configuração da divisão sexual
do trabalho me valho das lentes epistêmicas do feminismo negro interseccional. Nesse sentido
defendo a pluralidade metodológica me valendo de métodos e/ou abordagens críticas na
análise das fontes que viabilize auto definição e empoderamento das mulheres em suas
vivências. Nesse sentido é que tomarei como principal referência as trajetórias de vida de
homens e mulheres que compartilharam experiências comuns no garimpo, considerando o
recorte temporal que compreende os anos de 1950 e 1996, tendo como base metodológica a
História Oral.
Essa metodologia, ao possibilitar a construção de novas versões para a História, ao
“dar voz” a grupos historicamente excluídos, pode fazer desta uma atividade mais
democrática, por pensá-la a partir das referências e também do imaginário daqueles que
vivenciaram e participaram de um determinado período. A História Oral mostra-se como
campo fértil na reversão do silenciamento em que as mulheres foram submetidas enquanto
sujeitos com/da história. Como método de pesquisa produz uma “fonte especial”, cuja
característica principal pauta-se na subjetividade. Esta particularidade atribuída à História
Oral de modo a desqualificá-la se constituiu, até a década de 1970, num entrave quanto a sua
incorporação ao universo da pesquisa histórica. Acreditava-se que em razão dos depoimentos
expressarem uma visão de mundo particular, estes não poderiam ser considerados
representativos de uma época ou grupo. Todavia, conforme ponderou Alberti (1990),
atualmente não é mais negativo o fato do depoente eventualmente distorcer a realidade, ter
falhas de memória ou até mesmo “errar” em seu relato, o que importa é refletir de forma mais
ampla estas ocorrências, localizando seus porquês e em que medida sua concepção difere (ou
não) das dos outros depoentes.
Pela natureza dessa pesquisa, o procedimento a adotado consistirá em trabalhar com
memórias individuais e coletivas na perspectiva de histórias de vida, (re) compondo por meio
delas, as práticas sociais vivenciadas no período que compreenderá este estudo. Acredita-se
que essa modalidade oferece vantagens por pensar a história através da experiência vivida
pelo entrevistado. A história de vida, segundo Piscitelli (2005) outorga um lugar de privilégio
às experiências dos sujeitos a partir de seus pontos de vistas, sendo importante para a
integração de percepções individuais à pautas sociais mais amplas. Esse mérito reforça a
responsabilidade e o rigor de quem trabalha com entrevistas, pois é preciso ter claro que esta
não é um “retrato” do passado e que as leituras que as pessoas fazem do mesmo são
interpretadas e ressignificadas a partir das necessidades do presente. Debert (1986) reforça
que a produção de novos documentos através da História Oral torna-se rico à medida em que
toma o presente como parâmetro ou considera que o destinatário final das fontes produzidas
está no futuro.
As entrevistas serão do tipo semiestruturadas, que para Laville e Dionne (1999,
p.188) são aquelas “[...] cujos temas são particularizados e as questões (abertas) preparadas
antecipadamente. Mas com plena liberdade quanto a retirada eventual [...], a ordem em que
essas perguntas foram colocadas e ao acréscimo de perguntas improvisadas [...]”. Seguindo as
recomendações de Alberti (2004) as entrevistas terão como centro de interesse a trajetória dos
entrevistados, da infância até o momento em que esse estudo se reporta, passando pelos
diversos acontecimentos e conjunturas que presenciaram, vivenciaram ou de que se
inteiraram. A história de vida permite que, ao longo das narrativas, os temas relevantes para a
pesquisa sejam aprofundados. O roteiro de entrevista – entendido enquanto uma orientação
aberta e flexível – será pensado de modo a contemplar perguntas amplas apresentadas em
grandes blocos. Priorizará uma linguagem simples e direta na formulação das questões,
procurando criar um clima de confiança na relação entrevistadora/entrevistado, deixando-os
livres para contar suas experiências de vida. Um cuidado importante, de que chamou a
atenção Coelho (2005, p.24), diz respeito à necessidade deste tipo de entrevista considerar que
“[...] além das palavras registradas no gravador e transcritas no papel, é preciso considerar a
plenitude dos depoimentos colhidos, ou seja, os silêncios, as emoções e as omissões das
entrevistas”.
Para a composição deste estudo realizarei entrevistas com mulheres e homens.
Mesmo sendo as mulheres as “sujeitas” protagonistas da pesquisa, em face da necessidade
delas opinarem sobre sua condição de opressão, vozes masculinas serão inseridas. Tal opção
se deu em função dos homens terem sido maioria no garimpo e por possibilitar uma análise
comparativa e relacional intrínseca aos conceitos de gênero e divisão sexual do trabalho. Silva
(2007, p. 16) Acrescenta ainda que “[...] as formas e espaços de trabalho femininos têm
também suas representações nas narrativas masculinas [...].” O autor, citando Bourdieu e
Scott, afirma que os símbolos culturais que constituem a masculinidade são construídos como
negações do feminino. Desta forma, as práticas femininas podem ser desveladas a partir das
negações do imaginário masculino, fazendo-se necessário a utilização do gênero como
categoria (relacional) de análise, visto que: “Esse uso [...] sustenta que estudar as mulheres de
maneira isolada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tenha muito
pouco ou nada a ver com o outro sexo.” (SCOTT, 1990, p. 75).
Este trabalho é uma continuidade de pesquisas iniciadas desde a graduação em
História, posteriormente aprofundadas no mestrado. Ao longo de mais de 15 anos realizei
entrevistas com mulheres e homens que tiveram experiências laborativas no garimpo de serra
de Andaraí e Igatu, muitos desses já falecidos. No doutorado utilizarei aproximadamente 15
(quinze) dessas entrevistas, sendo dez (10) realizadas com mulheres e cinco (5) com homens.
A utilização dessas entrevistas em trabalhos futuros foi à época da sua produção autorizada
pelos depoentes. Como nessa nova pesquisa realizarei um estudo comparativo da divisão
sexual do trabalho em duas modalidades de garimpo, num recorte temporal e espacial mais
amplo em relação à pesquisa do mestrado, serão produzidas novas entrevistas para dar conta,
sobretudo das experiências de trabalho das/dos trabalhadoras/es do garimpo de draga, que em
geral não abarcou as/os trabalhadoras/es do garimpo tradicional.
A utilização da História Oral articulada a outras fontes e procedimentos
metodológicos viabiliza resgatar o indivíduo como sujeito do processo histórico. Desta
maneira, fez-se necessário a diversificação de fontes e intersecção de diferentes
procedimentos metodológicos, a exemplo da pesquisa documental e bibliográfica. Tal
panorama se apoiou em pressupostos teóricos e metodológicos semelhantes a outros
trabalhos que tematizaram o universo garimpeiro, a exemplo dos trabalhos de Carola (2002),
Jesus (2005), Coelho (2005), Barrozo (2007) e Jesus (2021) que contaram com o cruzamento
dos depoimentos orais com outras modalidades de fontes. Adriana Piscitelli (2005) ao buscar
compreender as estratégias matrimoniais em cinco gerações, de dois grupos de parentesco de
cafeicultores de uma pequena cidade de Minas Gerais também ressaltou os ganhos dessa
articulação. O intercruzamento de fontes será realizado não no sentido de constituir uma
espécie de contraprova, de modo a confirmar ou contestar os depoimentos obtidos, mas dar
maior inteligibilidade às informações produzidas com as entrevistas. Assim, me valho da
leitura da leitura de obras literárias e memorialísticas, projetos e decretos de leis,
correspondências oficiais e pessoais, jornal de circulação regional e estadual, códigos de
mineração e de trabalhos já realizados sobre garimpos e garimpeiros na Bahia (com e sem o
recorte de gênero e raça) e em outros estados brasileiros. A intenção é a de conhecer de forma
ampla o tema e a região em estudo para obter um resultado mais qualificado com as
entrevistas.
As fontes literárias, especialmente os romances históricos Cascalho, de Herberto
Sales, nas suas diversas edições (1944), (1951) e (1956), Garimpos, de Herman Lima (1932),
Maria Dusá, de Lindolfo Rocha (2001) e O Diamante Verde, de Almachio Diniz (1987)
aliadas à oralidade, oferecerão bases importantes para a execução desta pesquisa. A literatura
regional nos possibilita compreender as especificidades do labor garimpeiro, suas relações de
trabalhos, bem como, as condições de vida da população garimpeira. Nela é evidenciado o
tom da realidade miserável, a fome, o perigo, a exploração, mas também a solidariedade e
estratégias de sobrevivência empreendidas pelos garimpeiros/as para resistirem aos
infortúnios da pobreza, tendo o trabalho das mulheres desempenhado papel crucial à
sobrevivência familiar. Tanto nas edições de Cascalho, quanto em Garimpos e Maria Dusá,
aparecem descrições de variadas atividades desenvolvidas por mulheres: costureiras,
benzedeiras, rendeiras, prostitutas, quitandeiras, lavadeiras e também de mulheres
garimpeiras. A presença de mulheres desempenhando funções nos garimpos aparece,
sobretudo, no romance de Lindolfo Rocha (1910) e de Almachio Diniz (1910).
Como a oralidade, a literatura se constitui em significativo artefato capaz de
expressar os sentimentos e as experiências humanas. Deve, portanto, ser inserida no conjunto
de referências sociais e culturais – históricas, portanto, – em que foi produzida, de modo a
auferir dela uma variedade de elementos que iluminam o passado, assim como o presente. Tal
qual apregoa Chartier (1990), na teia imaginativa e ficcional do texto literário, encontra-se o
substrato de uma experiência vivida e de uma realidade histórica localizada no tempo e no
espaço. Transfiguradas em representação pelas palavras do autor, dão conta de uma série de
preocupações, impressões, visões críticas e representações da vida social que permite
tocar a história pelas sensibilidades particularmente desenvolvidas por aqueles que viveram
os fatos trazendo um interessante uso da literatura como um valioso testemunho histórico.
Com a leitura dos memorialistas, dos relatórios, da documentação
administrativa, dos jornais e análise dos dados censitários e imagéticos intenta-se analisar as
condições políticas, econômicas e sociais que operaram durante a segunda metade do século
XX, de modo a entender como estes aspectos influenciaram na vida de homens e mulheres
pobres corroborando para a ampliação da marginalidade do trabalho das mulheres e sua
desvalorização. A pesquisa bibliográfica, diante das parcas referências sobre a região, também
será relevante no desenvolvimento deste estudo. Tal qual apregoou Lima e Mioto (2007, p.
40) “[...] a pesquisa bibliográfica tem sido utilizada [em pesquisas] em que o objeto de estudo
proposto é pouco estudado, tornando difícil a formulação de hipóteses precisas e
operacionalizáveis”. Desta forma, sobretudo na fase exploratória, a mesma instrumentalizará a
pesquisadora “[...] na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o
objeto de estudo proposto.” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 40). Também possibilitará tecer
quadros comparativos com pesquisas realizadas em outras realidades, que apresentem
objetivos comuns aos percorridos neste estudo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRONOGRAMA DE PESQUISA