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Universidade Federal do Amapá

Programa de pós-graduação em História Social da Amazônia

Karoline Veloso de Oliveira

Orientadora: Lara Vanessa de Castro

OS TRABALHOS DE SUBSISTÊNCIA: LUTA PELA


SOBREVIVÊNCIA DE MULHERES POBRES TRABALHADORAS NA
“BELLE ÉPOQUE” BELENENSE (1900-1925)

Macapá-AP

2022
INTRODUÇÃO

Busca-se com essa pesquisa analisar a história das mulheres trabalhadoras pobres no
cenário do primeiro ciclo da indústria da borracha, na Amazônia paraense, e a forma que o
estado, naquele momento, pretendia imprimir nas mulheres pobres trabalhadoras os deveres
ligados ao gênero feminino. Deveres esses muito ligados aos da “mulher do lar”. Essa pesquisa
objetiva olhar as lutas diárias dessas mulheres pela sobrevivência, das quais exerciam
variabilidades de trabalhos estritamente ligados aos trabalhos de subsistência que faziam da rua,
um espaço público, extensão de sua sobrevivência e também de experiências. Mulheres essas,
sobretudo, imigrantes nordestinas que estavam próximas ao pós-abolição. Tendo isto em vista,
o que o foi possível para sobrevivência foram as variabilidades de trabalhos ligados à
subsistência como lavadoras, cozinheiras e donas de casa. Dessa forma, esses trabalhos eram
de suma importância para o “comprar do pão” de cada dia e serem principais fatores para
contestar empecilhos que eram lhes postos, já que o espaço publica não era bem visto como
espaços femininos. Neste contexto, o discurso do estado moderno assumia um compromisso
com as modificações do centro urbano de Belém e de hábitos da população em geral. Este
discurso muito atrelado ao período conhecido como “Belle Époque”, que podemos inferir que
foram tempos de intensas coexistências culturais do tradicional com o moderno, que se
perpassavam dos hábitos da tradição cabocla com curadorias de doenças com remédios naturais
da floresta; as operas francesas que chegavam ao Theatro da Paz para satisfazer as elites das
borracha e amantes das artes clássicas. É importante citar que a “bela época” foi um discurso
proposto por trabalhos historiográficos de 1970, cujo objetivo era formular um cenário do qual
este momento fora de extrema modernização cujo o governador da época, Antônio Lemos, tinha
tido principal importância sobre os feitos dessa “era modernizadora” em Belém (SARGES,
2010). Porém, o período que embora tenha tido significativas transformações no centro urbano
de Belém, ainda sim fora tímidas mudanças frente a grande extensão territorial da Amazônia,
sendo o trabalho ainda “modos tradicionais de produção e troca” (WEISTEIN, 1993). O que
deu/dá a Amazônia um lugar com muitas especificidades quanto as formas de se trabalhar nela.
Sendo o extrativismo “atividade com a qual se ocupava a maior parte de sua população, por
todo seu extenso território” (PAZ, p. 172, 2013). Para dar conta do objetivo proposto, essa
pesquisa utilizará fontes jornalística da Folha do Norte (1896) com repositório digital da
biblioteca nacional, fontes da justiça bem como processos crimes e código penal, encontrados
no centro de memória da Amazônia e literária da obra Belém do Grão-Pará (publicada em
1960) do autor marajoara Dalcídio Jurandir.
DESENVOLVIMENTO

Nesta pesquisa a categoria fundante de reflexão diante do objetivo proposto é o trabalho.


Para Silvia Pertence o trabalho enquanto categoria analítica assume uma questão fundante nas
relações sociais e na construção das identidades individuais. O trabalho é um eixo fundador que
abre um leque de possibilidades de análises de uma determinada sociedade (PERTENCE,
2016). Com isso, o trabalho possibilidade observamos o meio pelo qual o indivíduo tem contato
com o mundo diante de si. Ao tratarmos de trabalhos femininos de mulheres pobres não é difícil
imaginarmos que eles tinham variedades de formas e que em diversas situações assumiam
trabalhos que eram ligados ao gênero como os trabalhos de cuidados. Quanto a esses tipos de
trabalhos de subsistência, grupos de feministas pontuam, que não é possível o trabalho com
base no assalariamento existir sem os trabalhos das donas de casa, dos quais são por vezes
assumidos por mulheres. Pensar o mundo do trabalho é verificar que as relações econômicas
do capitalismo e suas formas de produção são mais complexas que simples formulas como
pontua Marcel van der line “há uma grande classe de pessoas dentro do capitalismo cujo
trabalho é mercantilizado de muitas formas” (line, p. 26, 2005). Essas muitas formas de
produção fazem parte de um sistema do qual está no cerne da economia do capitalismo, as
combinações entre elas assumem importantes posições na acumulação de capital nas mãos dos
capitalistas. Embora o “trabalho assalariado seja (sic) de fato uma característica definidora do
capitalismo, mas não em todos os empreendimentos produtivos” (line, p. 322, 2013). O autor
diz com isso que as combinações das relações entre as economias periféricas que produzem
matéria prima para a produção capitalista dos centros, cujos produtos finais são manufaturados,
essas duas formas não podem ser dissociadas. A divisão internacional do trabalho assume
muitas formas a partir da globalização que torna sistema de produção capitalista mundializada,
em final do século XIX e começo do XX. Numa caracterização mais clara, o trabalho de
subsistência doméstico assumido por mulheres, segundo Maria Mies, são “diversas atividades
humanas que vão desde a gravidez, o nascimento dos filhos, até a produção, o processamento
e a preparação de alimentos, roupas, cuidados com a casa, limpeza, bem como a satisfação de
necessidades emocionais e sexuais” (MIES in line, p. 356, 2013).

Dinâmicas essas que estão inseridas em dimensões da história social que não podem ser
separadas das questões de gênero e dos complexos campos culturais. As questões de gêneros
podem ser vistas nos trabalhos de Franciane Lacerda e Cristiana Cancela que discutem as
experiências cotidianas do que era ser mulher nessas primeiras décadas do século XX.
Franciane lança luz das idas e vindas de mulheres imigrantes cearenses que eram levadas a
migrarem para a Amazônia em busca de melhores condições de vida, sobretudo para as cidades
polos da borracha como Belém e Manaus, muitas eram “chefes de famílias extensas, pelas quais
eram responsáveis” (LACERDA, p. 28). Essa imigração muito estimulada pelo governo do Pará
que objetivava tanta a mão de obra como também o povoamento da Amazônia. Diante disso a
autora, por fim, captura as experiências que essas mulheres traziam consigo e imprimiam na
história de suas vivencias (LACERDA, 2006). Já Cancela aborda temas como experiências de
“tramas de amor” que envolviam meninas e mulheres dos autos de processos crimes no cenário
da Belém belepoqueana. Ela demonstra que as mais variadas formas de representação das
imagens femininas, particularmente, aquelas associadas às mulheres pobres, estão contidas nos
depoimentos das testemunhas dos processos crimes e autos criminais, nas matérias de jornais,
na descrição de viajantes e memorialistas (CANCELA, 1997). Essas duas autoras são essenciais
para adentramos a história das mulheres desse tempo que ambienta tanto o lugar com que elas
se inserem e como, também, nos permite pensar as maneiras das quais essas mulheres pensavam
e viam a história das suas vidas.

A cultura é pensada nessa pesquisa como o seu fio condutor de analisar a sociedade
belepoquena das primeiras décadas do século XX. Nesse sentido, a reflexão sobre cultura nessa
pesquisa é a pensada por, E. P. Thompson, como “um conjunto de diferentes recursos, em que
há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a
metrópole; é arena de elementos conflitivos – que somente sob uma pressão imperiosa [...]
assume a forma de um “sistema” (THOMPSON, p.62, 2016). Nesse aspecto, a pressão
imperiosa é dos próprios estados modernos recém implementados, que através de modificações
diversas tinham como intensão a implementação de um estado com hábitos burgueses
“civilizados” que alcançassem o “progresso” positivista, este por sua vez só sendo possível
através das modificações de que iam desde a esfera psicológica social bem com as
transformações modernizadoras dos centros da cidade de Belém. Porém, essa pesquisa pretende
observar uma história de baixo que estava dentro desses sistemas, mas que as pessoas, no caso
dessa pesquisa mulheres pobres trabalhadoras, não deixam de pensar e repensar suas vidas e
agirem de formas cujos seus possíveis interesses antagônicos fossem respostas as imposições
que eram lhes colocadas. Sendo as tradições populares um vocabulário completo de legitimação
das vivencias cotidianas da classe popular, é seu lugar de afirmação (THOMPSON, 2016, p.
21). Levando isto em consideração, a hipótese a ser levantada nesta pesquisa é se podemos
falar de uma classe ou grupo de trabalhadoras femininas. Quanto a questão de classe,
Thompson, nos faz refletir:
“A classe se delineia segundo o modo como os homens e mulheres
vivem suas relações de produção e segundo sua experiência de suas
situações determinadas, no interior do “conjunto” de suas relações,
com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo
pelo qual se valerem dessas experiências em nível cultural”
(THOMPSON, 2012).
Então, classe é um resultado de conjuntos de experiências, que ao tratarmos de mulheres
imigrantes nordestinas estamos falando de fluxos e trocas interculturais que essas mulheres
imprimiam nos seus espaços, sendo a busca por auto sustento através do trabalho seu principal
motor que estimulava a imigração à Amazônia paraense, e para mudar de vida. Numa
perspectiva de compreender a história social e cultural, Antonie Prost pontua que “toda história
social um pouco ambiciosa e preocupada em apreender o real na sua totalidade deve ser também
história cultural” (PROST, p. 137, 1998), o que torna ambas categorias inseparáveis. Com isso,
sobre essas questões teóricas para fazer refletir os objetos de pesquisa desse trabalho, o olhar
sobre a cultura enriquece a percepção da história social, pois, assim como demonstra Raymond
Williams, há uma possibilidade total de conceituar cultura, é enxerga-la como “processo social
construtivo, que cria “modos de vida” específicos e diferentes, que poderiam ter sido
aprofundados de forma notável pela ênfase no processo material” (WILLIAMS, 1979 apud
BADARÓ, p.128, 2012 ), o autor nesse trecho pontua que a cultura sendo, também, criadora de
modos de vida, não pode ser ignorada pela perspectiva “universalista abstrato unilinear” que
Thompson denomina de “economicismo vulgar”.

Então, pensar em mulheres imigrantes no quadro belepoqueano Paraense é olhar para


um tempo do qual moderno e tradicional ainda eram fortemente observáveis, e esses dois polos
influíam no fazer social. Os instrumentos metodológicos que essa pesquisa usará afim de
alcançar seu objetivo proposto, são documentos de natureza jornalística, documentos judiciais
e literária. Sobre os documentos jornalísticos, Tania Regina de Luca, na coletânea da obra
Fontes Históricas, nos orienta que ao tratarmos com fonte dessa natureza é necessário olharmos
fonte impressas “história dos, nos e por meio dos periódicos” (LUCA, p. 111, 2005 in
PINSKY), que significa que devemos saber a história daquele veículo de comunicação, quem
está por traz das redações desses periódicos, quais eram os contextos políticos e sociais dos
esses periódicos estavam inseridos e, por fim, fazer a pratica do oficio da historiadora, do qual
é investigar o documento sempre por suspeição, pois nenhum é neutro e tão pouco relata a
história tal qual aconteceu.

As fontes da justiça como o Código Penal (...) e processos crimes o historiador, Sidney
Chalbour, trabalha extensivamente com documentos dessa natureza no cenário do Rio de
Janeiro. Ele pontua que os julgamentos dos processos crimes quando se tratava de crimes contra
mulheres, objetivavam a defesa de um sistema de normas dominantes burgueses visto como
universal e absoluto, essas normas estavam contidas no Código Penal de 1890 (CHALHOUB,
1986); eles eram feitos para julgar não o criminoso em si, mas se o comportamento da vítima
estava de acordo com as condutas legítimas da ordem dominante. Cristina Donza Cancela
também utilizou esses documentos na busca de retratar as experiências de meninas e mulheres
pobres no cenário da Belém belepoquena, ela através de vasto número de documentos aponta
que as sentenças finais dos juízes, julgava o processo afim de “reparar” a “honra” das supostas
vítimas, casando as meninas com o réu (CANCELA, 1997). Porém a principal inferência da
autora, em contrapartida, é levantar que em alguns casos algumas adolescentes utilizavam dos
próprios dispositivos da justiça para relacionarem-se definitivamente através do casamento com
o parceiro que por algum motivo não era aprovado pela família.

Por fim, a obra literária de Dalcídio Jurandir cujo título pe Belém do Grão Pará
(publicada em 1960), também poder ser um documento a ser alisado como fonte afim de captar
as vivencias de mulheres pobres trabalhadoras. O autor nessa obra retrata a vivência do que ele
chama do “fausto da borracha” que a partir do ano de 1920 começa a sofrer declínio do seu
valor no mercado internacional. É diante de suas obras que Dalcídio retrata sua experiência
extraordinária de uma marajoara de Ponta de Pedras, nascido em 1909, que através de suas
experiências pessoais e coletivas, narra nos seus romances, histórias orais retratando o cotidiano
da capital paraense belepoquena. Quanto a experiência extraordinária de Dalcídio, a
historiadora, Maíra de Oliveira Maia, levanta a tese que através da obra Belém do Grão Pará é
possível observamos essa Belém de 1920, pois através desse romance e de outros seu, o autor
“construiu [..] uma interpretação política da sua experiência testemunhal” de um marajoara
militante comunista pobre do Marajó, com isso a autora influi através dos historiadores
culturalistas ingleses que “a função social da cultura ordinária é a experiência pessoal,
experiência esta como comum a toda a sociedade” (MAIA, p. 18, 2017), e é através da memória
tanto pessoal como coletiva que Jurandir vai produzir a obra Belém do Grão Pará que retrata
várias personagens pobres que estavam longe dos feitos dos tempos modernos de uma “bela
época”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa, portanto, com o objetivo de perceber as lutas diárias de mulheres


imigrantes nordestinas pela sobrevivência na cidade de Belém, nas primeiras décadas do século
XX. Que exerciam variabilidades de trabalhos, estritamente ligados aos trabalhos de
subsistência, e observar suas formas de olhar e repensar suas vivencias cotidianas. Afim de
captar uma história social que não ignora aspectos de uma história antropológica, que enriquece
a percepção da totalidade e do social. Esse trabalho tem finalidade a reflexão prática científica,
que possa contar a história de mulheres pobres trabalhadoras ainda apagadas do fazer-se social.
Atualmente, muitas mães Marias que se encontram em insegurança alimentar e precisam
diariamente lutar pela sobrevivência sua e de sua família, podem ter minimamente identificação
com essa pesquisa. Longe de pensar uma história “repositória”, linear e não dinâmica, mas
pensar em questões de permanências estruturais como a pobreza e fome, que dentro do sistema
concreto capitalista se solidificam no tempo da longa duração, tempo esse, assim como nos
lembra (BLOCH, 2001).

BIBLIOGRAFIA
BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CANCELA, Cristina Donza. Adoráveis e dissimuladas: as relações amorosas das mulheres
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CHALHOUB, Sidney. 1886. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no rio
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LACERDA, Franciane. Migrantes na cidade de Belém: faces da sobrevivência (1889-1916).
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LUCA, Tânia Regina. Fontes Impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
MAIA, Oliveira Maira. Para além da decadência – A “aristocracia do pé no chão” na Belém
de Dalcídio Jurandir. Tese apresentada para o Programa de pós-graduação em história social da
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MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson e a tradição ativa de crítica ativa do
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PETERSEN, Silvia. Repensar a história do trabalho. Paraná: espaço plural. Vol. 34, 2016.
PROST, Antonie. Social e cultural indissociavelmente. In: RIOUX, Jean Pierre. Sirinelli, Jean
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