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integração ao drama
Resumo
Em “La Favola di Orfeo”, de Cláudio Monteverdi, surgem as primeiras formas instrumentais relacionadas ao drama
lírico. Lá estão presentes duas formas instrumentais que podem ser consideradas como as mais antigas formas
sinfônicas da ópera: ritornelo e sinfonia. O objetivo deste trabalho é refletir sobre alguns elementos composicionais
das duas formas do drama Monteverdiano que indiquem o quanto do desenvolvimento da música instrumental
européia - que floresceu intensamente a partir do século XVII – se deve a essas duas pequenas formas.
Palavras-chave: Configuração motívica, Ritornelo, Sinfonia, Recitativo e Drama Seiscentista.
Monteverdi faz seguir à última linha (cujo acompanhamento cria um eloqüente efeito
suspensivo sobre o acorde de miM sem resolução) uma grande pausa, cujo silêncio resume toda
a poesia. Quando é tocado o último ritornelo, após o vazio evocativo desse fragmento de tempo,
ele soa completamente inflamado pela poesia e fecha harmoniosamente o Prólogo como se nunca
houvesse sido tocado. No exemplo a seguir está transcrita a última intervenção do ritornelo:
Figura.1
O recitativo se caracteriza pelo “dizer” melódico dos versos num campo de maior
liberdade no uso de regiões harmônicas, mas desinteressado do delineamento motívico, seja
melódico ou rítmico, e do compromisso com a direcionalidade melódica e harmônica. O
ritornelo que interliga os recitativos do Prólogo, ao contrário do recitativo, apresenta uma intensa
direcionalidade harmônica caracterizada pela marcha ascendente do baixo que parte de ré menor
e percorre as regiões de lá m, fá maior para voltar a ré. A frase melódica inicial do ritornelo está
composta por dois motivos. O primeiro (a) é definido melodicamente por um tetracorde
diatônico descendente e ritmicamente por meio de um metro dáctilo. O segundo motivo (b), um
fragmento do mesmo tetracorde, sugere metricamente o iâmbico. O contraste métrico e a
identidade melódica entre os dois elementos criam ao mesmo tempo equilíbrio e diversidade e
favorece aquilo que Schoenberg define como compreensibilidade (fasslichkeit). As duas
recorrências seguintes (compassos 2 e 3) desta frase se definem por uma relação imitativa que
indica a provável origem contrapontística da construção fraseológica por recorrência de motivo.
É como se o motivo fosse o sujeito de uma construção fugal, ou na definição de Reti, inspirada
no contraponto renascentista, em que as identidades motívicas numa estrutura temática teriam se
originado das “afinidades entre as vozes alcançadas tanto por imitação quanto variação” (Reti,
1951,60). Ainda em relação à mesma questão pode-se lembrar do conceito de sentença
relacionado à construção temática definido por Schoenberg como um tipo de composição
fraseológica de forte coerência interna em que a segunda frase repete a primeira como se fosse
uma resposta tonal ao sujeito.
O ritornelo do Prólogo contrasta com o recitativo por seu corte fraseológico e temático
bem delineado e pela inexorável marcha harmônica comandada pelo baixo que percorre, com seu
metro espondaico, uma volta completa pelas regiões vizinhas de ré menor. Configura assim uma
eloqüência estritamente musical, mas que justaposta à expressividade do recitativo confere ao
Prólogo uma dimensão em que se fundem o poético e o musical, ambos a serviço do drama.
A outra das formas presentes no “Orfeo” é a sinfonia, palavra que tem um significado
etimológico muito menos preciso do que ritornelo, pois não significava no início do século XVII
nada mais do que uma pequena peça para ser tocada por instrumentos. As sinfonias presentes no
drama Monteverdiano representam um momento em que o significado dramático e poético de
uma passagem se transporta para as linhas despojadas de uma forma instrumental fugaz. O
transporte do conteúdo literário para a forma instrumental se faz muitas vezes por meio das
figuras de retórica em que os afetos são representados na composição musical. A eloqüência é
retórica, mas sobra desse processo um tipo de eloqüência que é musical. As figuras estão lá,
entretanto o discurso musical não subsiste apenas com sua justaposição, mas progride por
encadeamentos de acordes, por uma textura tramada, por contornos melódicos, e pelo moto
rítmico resultante da combinação de metros e acentos. Tudo se movendo por sons que arquitetam
um espaço qualificado para a escuta. A beleza da sinfonia do drama reside nestes segundos em
que a palavra se cala, breve momento que se transforma num ponto de encontro, um posto de
troca entre a poesia, o drama e a música.
Um caso pontual é o da sinfonia que acompanha a saída da mensageira no II Ato. A
escrita instrumental de Monteverdi, com traços concisos e funcionais, “condensa uma riqueza de
harmonia cromática e dissonante” em perfeita sintonia com a dor da Mensageira por ter trazido a
Orfeu a notícia da morte de Eurídice, a amada do herói. (Kimbell,1991:79).
Ex.2
Após os desolados diálogos entre a Mensageira, um Pastor e Orfeo a sinfonia surge como
o fecho conclusivo, a “palavra sonora” que faltava para selar o destino de Orfeu e sua Eurídice.
A linha superior da Sinfonia se inicia pela nota longa seguida por uma escala descendente e é
uma clara referência da entrada da Mensageira que profere três frases, todas elas iniciadas pela
interjeição “Ahi” , uma nota longa que decai melódicamente em seguida:
Ex.3
Bibliografia
Apel, W. Harvard Dictionary of music. Cambridge: Harvard University Press, 1974.
Kimbell, D. Italian Opera. Cambridge: Cambridge Press, 1991. 684p.
Monteverdi, C. L’Orfeo: favola in muica. Viena: Universal Malipiero (ed.): s.d. 171p
Nogueira, M. P. Muito Além do melodramma. São Paulo: Edunesp. 2006. 319p.
Reti, R. The Thematic Process in Music. Nova York: Macmillan, 1951. 362p.
Schoenberg, A. Fundamentos da Composição Musical. Sçao Paulo: Edusp, 1991. 272p.
Stravinsky, I. Poética Musical. Madrid: Taurus, 1977. 137p.