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MARINA VERGUEIRO

ARTE
Drika Prates

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EXPOSTA
Autora: Marina Vergueiro
Arte e diagramação: Drika Prates
Revisão de texto: Lila Sá Moreira de Oliveira
Editora: Conecta Brasil
Impressão: Gráfica Bartira
Edição número 1
São Paulo, SP - Brasil - 2019

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À mamãe.

5
_

Exposta

Exposta, mas não à disposição


Gerada e nascida da fenda em que se perdeu Adão
Seu machismo me ataca pelas costas
Como se fosse seu o meu direito de dizer não.

Falar de sexo não me faz um objeto


Morda a língua diante da tentação
Meu corpo não é vitrine
Minha vida não é produto
Me fartei do seu raciocínio bruto
Que me calou por séculos de submissão
O seu complexo de inferioridade
É infantil e pedante
Diante do seu falo, não me calo!
Cansei de sua mentalidade ignorante
Não aceito mais a sua verdade
Meu útero mantém a humanidade viva!
E hoje meu desejo tem voz ativa
Para ela me entrego, para ELE NÃO!
Suas palavras chulas não me atacarão!
Dou risada do seu pré-conceito, seu moralismo
Sua cartilha de machão.

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Não sou puta, não sou santa
Falo o que me entope a garganta
É o respeito que me dá tesão.

Sou sim e sou não


Sou o que me der vontade
E não preciso de sua permissão
Da fenda vim, dela continuarei
Sou fruto da exposição
Mas não boneca inflável
Com dois seios e um vão
Antes de me julgar do calabouço de sua integridade
Memorize que jamais me deitarei em seu colchão
Uso e abuso da liberdade
E seu assédio encontrará a persistência de meus Nãos
Meus versos de amor não encaixo em rótulos
E por apreço a meus óvulos
Repito
Respeito me dá tesão!

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8
_

Mana
De mamas
De bolas
De tramas
E dramas
De camas
De lamas
E gramas
Mana que inflama
De tretas
E trecos
De trampos
E tratos
De pratos
De fatos
E atos
Hiato
Mana de fato
De prantos
E cantos
E cacos
De abraços
E laços
E traços
Mana de carne e aço

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Que pega no compasso
Mana decisiva
Meio concisa
Meio indecisa
Altas brisas
Monalisa
Poetisa
Mana
Com xana, sem xana
Hermana, nem pensa
Me chama!

10
_
´
Saindo do armario

Atrevida!
A gorda acordou se sentindo linda
Diante do espelho sorriu
Gostou do que viu
Ficara bem com o biquíni vermelho.

Gulosa!
Chupou até o caroço da manga-rosa
Não contou calorias no desjejum
Se somasse um quilo, seria só mais um
Criara carinho por suas estrias.

Despudorada!
Vestiu o bronzeador e tirou a bata
Banhou-se de sol e mar
Sob o “fogo amigo” de um olhar
Que emanava nojo, raiva e colesterol.

Debemcomavida!
Seu corpo é casa e não ferida
Desfilou toda fofa pela areia
Cantou e brincou de ser sereia
Não escutou quando lhe cuspiram: balofa!

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Bela!
Nunca se guiou pela novela
Pediu refrigerante e queijo coalho
Em seu sangue corre sal grosso e alho
Pecado, falam, é ser gorda e contente.

Sem vergonha!
Não foi à praia de fronha
Portava traje de banho e nenhum recato
Ela passava e a indignação era abundante, no ato
Dizem imoral ir à praia deste tamanho.

Marota!
Ao sair do mar foi motivo de chacota
Mas sente-se feliz e bonita como é
Ser gorda não a faz menos mulher
Ela dá de ombros a quem lhe torce o nariz.

Saciada!
Flertou e levou uma cantada
Só queria ir à praia e esquecer os problemas
Não entendeu quando lhe meteram as algemas
E foi fichada de revolucionária!

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_

Capripeixes

Prazer, eu
Metade pedra metade água
Capripeixes ralada
Alada
Melada
Bronzeada.

Co a gu la da.

No constante exercício da fotossíntese contemplativa


à beira-mar 
Hashtag gratidão não define
Mas dá uma pista 
Sobre as pedras
Sob o sol
Com a brisa
Observando as ondas, sorrateiras
Que se aconchegam nas pedras
E nelas se fundem
Água mole 

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Pedra dura
Tanto bate
Até que fura
Pedra dura
Água mole
Tanto bloqueia 
Que engole
E os musgos grudados nas pedras
Regadas pelo calor molhado de Iemanjá.

Pedra que é vida


Pedra resvaladiça 
Pedra porto seguro
Pedra que escorrega.

Pedra dura machuca


Pedra seca, meu chão
Água doce me ouve
Água salgada, me leve
Oxum, Iemanjá, Oxalá
Cabra, salmão, tambaqui

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Todos moram aqui
Lotação máxima, perigo de acidente 
Se não guenta o tranco, nem tente 
Espalhe esta corrente:
Aqui é 8 ou 80
Excesso de amor
Beaucoup de treta 
Um bocado de paz interior
E
todo
o
Sol
do 
planeta!

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_

Saudade

A falta que você me faz


Eu afogo entre os dedos da mão
Abafando meu gemido
Entre o travesseiro e o colchão
Me acariciando com o que ficou pra trás
Eu me umedeço no seu corpo suado
E preencho meu vazio com seu tesão
Viro de lado e peço que me aperte mais
Até que se consuma minha erupção
Já com o desejo saciado
Abro os olhos e me arrebata a razão
A falta que você me faz
Não me satisfaz!

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_

Ela

Penso nesta 
E me sai aquela
E nos versos dela
Me vem a outra
E meu sentimento vai a planar
Sem saber se cá ou se lá
O que é real?
O que é fantasia?
O quão concreta é essa 
Ou aquela poesia?
Se rimo deste ou daquele lado?
Se rimo alternado?
Se não rimo e me calo
E mato a poesia.

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_

Dizem que a mente é o paraíso


Pois pode nos levar a qualquer lugar
A minha precisa é de juízo
Pois jamais se contenta em exagerar.

Pensar é o bem que me persegue


Pensar é o mal que me cativa
E não há neurônio meu que sossegue!
E não há dor que em mim não viva!

Pensamentos vêm em sequência


Roubando do momento o encanto
Penso em tudo e em qualquer consequência

Que sempre me reserva o pranto


Que bom é este mal do pensar
Mas quem me dera não pensar tanto!

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_

Não tenho uma causa


Não tenho um projeto
Sonho tudo!
Sonho nada!
Inspiro e sou asfixiada
Pela combustão de minhas ideias
Expiro aliviada
Eu dormi.

Mordida

Ando sentindo muita raiva ultimamente


Em intensidade semelhante
À de quando eu era adolescente
É raiva antes, depois e durante
Raiva em estado bruto, raiva latente.

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_

Maria,
Você não merece ser estuprada!
Por ninguém, nenhum motivo, nunca nem nada
Simplesmente porque não
Por nenhuma razão
Nem fisicamente
Nem psicologicamente
Quando te penetram à força na mente
Quando te mentem, te subjugam
Te podam
Te drenam na ponta do dedo
E você
Submersa no medo
Não merece ser estuprada
Nem pelo estuprador do parque
Nem pelo namorado
Nem pelo estudante de medicina homofóbico e mimado

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Nem pelo policial fardado
Ou pelo empresário corrupto
Fervorosos praticantes de estupro
Maria não merece ser estuprada pelo Estado!
Muito menos pela boca de um pseudodeputado!

Maria não merece ser estuprada


Porque é chef de cozinha, evangélica, faxineira ou advogada
Porque gosta de dar a bundinha
Ou porque é bonita, feminista, depilada
Lésbica ou preta
Porque tem pau ou buceta
É trans, gay ou ninfeta
Maria somos todas nós
E nenhuma de nós merece ser estuprada por ninguém!
Nenhum motivo, nunca nem nada
Simplesmente porque não!

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_

O lado dele da cama

Cada vez que eu me encolhia


Do lado esquerdo desta cama
Metade fria, metade vazia
Acho que eu já sabia
Que ele estava a caminho
Para se apossar com maestria
Da parte que lhe cabe em nosso ninho.

Eu já devia saber
Que ele tava chegando
Senão, por que me espremer neste canto
Como se espaço pra ele eu estivesse guardando?
Borrifando perfume de lavanda no lençol
Já respeitando as fronteiras, de bruços ou de lado
Com a persiana fechada para não o incomodar com o sol
Com o corpo nu e já posicionado
Pronto para ser fisgado sem anzol
Eu já devia pressentir
Que ele tava vindo
Sem pressa, estampando um sorriso lindo
Doido de vontade de me sentir
Tramando desde Guarulhos

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Um jeito diferente de ocupar esta cama
Bagunçando ao som dos nossos barulhos
Somente interrompidos pra dizer que me ama.

Eu já devia ter conhecimento


Que seria ele quem bateria na porta
Para ocupar o lado direito
E acariciar os meus cabelos
Comigo aconchegada em seu peito
Fazendo ouriçar todos meus pelos
Ao deslizar a mão por mim daquele jeito.

Algum anjo já devia ter me dito


Que ele viria amansar meu coração bronco
Se encaixar e encaixar o mito
Juntar o dele com o meu ronco
Numa sinfonia de sono aflito.

Alguma coisa me dizia


Que ele me acordaria com beijinhos
No despertar de cada dia
E sempre, depois dos carinhos
Me abraçaria por trás
Me protegendo daqui ao jamais
Sussurrando declarações sem freios
Lembrando nossos suspiros de ais

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Com a mão direita segurando os meus seios.

Eu já sabia que ele viria


Pra dormir de bruços do meu lado
Cada um num canto
Só com os pés dados
Em paz, em êxtase, colorindo nosso recanto
Porque este lado para ele sempre esteve guardado.

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_

Encontros
Desencontros
Energias cruzadas
A tua indecisão
Me ataca no calcanhar
Não me convém continuar
Assim tão exposta
Verdade ou desafio?
Você amarela na resposta
A verdade, você não sabe
O desafio deixa pra mais tarde.

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_

Amante da madrugada

Sempre é noite quando chega a poesia


Ela é fruto de um pensar incessante
Que só descansa quando é dia
E o sol já cora meu semblante.

É sempre noite quando ela dá a cara, a poesia


Como quem se vende na rua
Ela é dama vadia
Que se exibe nua.

Ela chega devagar


Como quem não quer nada
Leva meu pensamento a vagar
E mata o sono com uma coronhada.

Deita-se na minha cama


E se oferece sem pudores
Se esfrega em mim... Me atazana!
E diz que cura as minhas dores
Ela chega sempre de noite
A poesia, companheira maldita
Chega chegando, num açoite!
E no papel minha alma grita.

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Dama misteriosa que chega do nada
E ri da cara de quem quer dormir
Ela ignora a luz apagada
E se joga em mim sem forças medir.

Sempre é noite quando ela aparece


Sem perguntar de onde veio
Eu a comungo como numa prece
E durmo entre a exaustão e o devaneio.

Apenas de noite ela me procura


A poesia, minha amante vadia
Ela sabe que me leva à loucura
Se não me entrego antes
Da vinda do dia.

Pois ela, essa dama maldita


Não aceita não como resposta
A poesia me cutuca e me irrita
Pois sabe que ganha qualquer aposta.

Dama arredia... Só vem quando tá escuro


Quando imperam o silêncio e a solidão
Para que não a vejam pular o muro
E se deitar nua sobre meu colchão.

À poesia não sei dizer não

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Às vezes serena, outras selvagem
Ela é meu culto, minha adoração
Eu a desejo em alta voltagem.

Ela vem e vai sem escrúpulos


Às vezes se apega e fica por dias
Outras, posso espernear e dar pulos
Que ela se recusa a vir, essa amante tardia
E não aceita controle de tipo nenhum!
É abusada, sedutora, imprevisível
Abomina o tal lugar-comum
É sutil, mas não imperceptível.

A poesia não deixa que eu durma


É insistente e pegajosa!
Não se envolve com qualquer turma
E com a maioria nem quer prosa.

Companheira ingrata, desgraçada


Que me atormenta até altas horas
Quando a chamo, desesperada
É com prazer que ela me ignora.

Poesia, amante formosa e bela


A quem eu nunca, jamais fecho a porta
Será sempre acolhida, ela
Até que entupa minha aorta.

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_

s
Revolucao
s

Minha vida é feita de escolhas


As escolhas quem faz sou eu
Me culpo, me bato, me mato
Não reconheço o corpo meu
Me diluo em lágrimas abafadas
Engulo meu próprio veneno de rato
Me desprezo, me enojo, me humilho
Da infelicidade eu faço um filho
Que, pelo cordão, estou sempre a alimentar
Nesse paradoxo do Amar
Estou sempre a postos pra me odiar
Olho fixamente no espelho
Tentando entender
Que é que me faz engendrar
Que a vida é sofrer?

Minha vida é feita de escolhas


As escolhas quem faz sou eu
Me surpreendo, me incentivo, me orgulho
Uma conquista num corpo só meu
Sorrio gargalhadas escancaradas
Aos venenosos, solidarizo-me com escarradas

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Me valorizo, me levanto, me mantenho
Em pé, mostro tudo que tenho
Sentindo um pouco pelo que há de faltar.

Nesse paradoxo do Ser


Estou sempre a postos a ceder
Olho fixamente no espelho
Tentando entender
Que é que me faz engendrar
Que a vida é sofrer?

Minha vida é feita de escolhas


As escolhas quem faz sou eu
Me analiso, me decido, me ulti-mato
Uma mente minha, um corpo meu
Me controlo, me policio, me dit-adoro
Normalmente, vou seguindo em frente
Vivendo a favor do presente.

Nesse paradoxo do Viver


Peso o peso de escolher
Olho fixamente no espelho
Tentando entender
Que é que me faz fantasiar
Que a vida é sofrer?!

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_

Consolo?

Sou bonita, simpática, inteligente


Sensível, alegre, engraçada...
Na arcada, tenho dente por dente
E uma língua molhada e afiada
Coisas que não me servem de nada
Realmente
Quando sinto esta dor latente
Que por vezes me deixa paralisada.

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_

Entre-coisas
Quando a vida se estreita
E os dias somam ao revés
E os olhos se fundem às paredes
E a razão caminha só
E os outros engolem seco
E as palavras não encontram mais ouvidos
E o que foi é tudo o que é
E o barulho do silêncio perfura
E os dentes se desgarram da vida
E os outros respiram fundo
E as mãos tremem no vazio
E as pernas perderam a função
E a cabeça implora por sim
E o corpo todo diz não
E os outros contam até dez
E a solidão passa o café e faz a cama
E os desejos, lado a lado, se mutilam
E os adeus são cada minuto
E os quadros se borram de lágrimas
E os outros atiram o telefone no gancho
E os anéis e livros são os vestígios
E os lamentos são toda a existência
E a alegria deixou de habitar

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E os abraços são anestesias voláteis
E os outros gritam para calar
Quando já não há como nem quando
Nem por quê nem onde nem nada
Quando viver já é teimosia
A morte é uma aspiração de vida
E a vida é uma inspiração de morte.

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_

Vazio
Por amar demais
Preferi não me mover
Desconsiderar as possibilidades
E permanecer
Por temer tanto
Evitei até pensar
Socar as angústias
E continuar
Por desejar em excesso
Desviei o olhar
Neguei minhas urgências
Para ficar.

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_
v

Ciclo de sesquece

Ano novo tudo igual


Mesmos problemas
Mesmos dilemas
Nada fora do normal
Eventualmente
Mais uma ponte de safena
Pra dançar macarena
No casamento de alguém
Nada novo nem ninguém
O mesmíssimo esquema  
Tudo como manda o manual  
Colado na testa, de emblema
Autossabotadora profissional.

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_

Maintenant
Poucos anos passaram
Passaram como passa o instante imediato
De antes e depois do útero
Durante o primeiro suspiro desesperado
Passaram... E se foram...
E tudo continuou
Como tudo sempre continua
No cerne de mentes atormentadas
Foram poucos os anos
Voláteis como os efeitos de uma droga
Mas poucas não foram as semanas
Em maior quantidade se impuseram
Os dias e a insistência das horas
Os minutos pesaram cheios de segundos...

Infinitos segundos chegaram


E partiram como corpos
Que deixam de funcionar
E se tornam inúteis, inertes
Até desaparecer com a força
Dos novos segundos que se acumulam
No passado e pesam no presente
E novos segundos com seus

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Peculiares significados
Vão se somando aos já passados
Sem que tenham a leveza
E a efemeridade que possuem
De fato, simples segundos
Porque em certas vidas incertas
O tempo é pesado em quilos
E pesa como toneladas
Sobre ombros frágeis e vulneráveis
Cheios de culpas
Vazios de significados...
Segundos que esperam
O segundo seguinte
O clímax, o insight
Que acontece somente
De um segundo para o outro
Segundos que esperam
São segundos que passam
Cheios de expectativas
Vazios de significados...

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_

Desculpas
Desculpa pra sim
Desculpa pra não
Desculpa mesmo assim
Esfarrapada, cheia de culpa
Desculpa pra beber
Desculpa pra comer
Desculpa pra fazer
Mas acima de sempre
Desculpa pra não fazer
Desculpa da menstruação
Do anticoncepcional
Desculpa excepcional
Do medo da gestação
Desculpa da lateral
Da zaga, do meio de campo
Desculpa matriarcal
Ancestral, social
Econômica e cultural
Desculpa tanto e tanto
Desculpa pelo pranto
Desculpa depressiva
Desculpa pesada, massiva
Desculpa pra estar viva

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Não ativa
De cabeç’ativa
Desculpa por enlouquecer
Desculpa em ação e em pensamento
Desculpa pelo processo lento
Pesando na minha, na sua
Na de todos
Daqui até a lua...
Desculpa a infantilidade
De verdade!
Desculpas constantemente
Diariamente
Frequentemente
Insistentemente
Compulsivamente
Mente. Mente. Mente.

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_

Teimosia

Eu me destruo por prazer


Pra fazer uso do indicador
Pra apontar “tá vendo o que me causa dor”!
Pra andar na rua marcada
“Olha a moça! Coitada...”
Mas eu não sou piedade
E caço, no divã, feroz
Uma porta, um túnel, uma ponte
Uma queda d´água, uma fonte
Uma coisinha que me confronte
Pois, afinal, a vida segue bela
A chuva não me deprime
Passo longe de me atirar da janela
Toco meu teclado adiante
E faço minha letra contente
Caminhando na lógica da mente
Já sem roupas, sem culpas
Não acho nem um nó
Nadinha que cause dó
E justifique tamanha estupidez
Mas eu remexo o lodo
E me inundo num machucar consciente
Meto a faca no pulso

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Só pra ver a cicatriz
Puxo a manga e escondo o bis
De repente, um sopro é sobrevivente
Do desabamento do pensar
Ele inspira, expira, suspira
Fica esperando, crente
Que alguém vá o salvar
Mas eu lhe passo a perna e passo reto
Aperto o passo e me estrepo
Eu tropeço
Dou de cara com o teimoso
Que me dá um tapa na cabeça
“Um e um não são cem!
Pare com isso, meu bem!
Sente e reconheça!
Deixa que a felicidade cresça!”
Atrevido, malcriado... Petulante!
Lhe cuspo o rosto!
Que audácia! Que ultraje!
Imaginar que logo eu, tão arrogante
Iria viver pra lhe dar qualquer gosto!
Esmago o infeliz
Com o entulho do pensamento
Vou botando tudo pra dentro
Pra abafar o que ele diz
Jogo pedra e cimento

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Mas ele ainda vive
Soterrado nos escombros
Dou de ombros, ignoro
Me torturo porque adoro!
(Dá uma pitada no meu drama)
Mas o danado não desiste
Quase morto, esmagado, ainda insiste
Sem pressa, sem prazo, sem carga
Vai cavando, lentamente
Sua vinda à superfície
Me olha no olho e sorri
Como quem diz
“Essa eu venci”
Não esfrega na cara
Nem ri da minha cara
Me toca de leve e me pede uma chance
Não menciona o paraíso
Pois sabe que eu não quero isso
Diz que a felicidade dá medo
Mas está ao alcance
Não quero que seja tarde
Então eu logo cedo.

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_

Mimada
Já! Já! Já!
Quero prazer imediato!
Pago em dinheiro, no ato
Com o divã, depois eu trato
Traz a breja e o tempero
E me deixa repetir o prato!
Rápido!!!
Preciso de prazer a jato
Compro ressaca e brigadeiro
Culpa, Coca-Cola e mato
O hemograma que vá pro isqueiro
Nem tente cortar meu barato
Com seu papo careta e chato
De almofadinha nato
Quero prazer imediato!

43
_
Madrugadas

Com os olhos quase colados


Provavelmente sonhando com o passado
Eu dormia com ele ao meu lado...
Cansada
Dormia um sono pesado
Desses que não são interrompidos
Nem ao som de gritos
De repente
Um calor louco
Deixa meu ronco rouco
E derruba as paredes do meu sonhar
Com os dedos passeando pelo meu corpo
Suavemente
Ora sim, ora não
Protagonizando um carinho indecente
Ele me cheira e me conduz a mão
De leve, como quem não quer nada
Liderando o meu acordar
Apenas o suficiente
Pra brincar de se gostar
Entre suspiros e bocejos
Terminamos a brincadeira
Com um beijo
Já de dia, bem mais tarde
Acordo e me pergunto
Foi sonho ou realidade?

44
_

La matutina

Já é dia
E antes do despertador tocar
Ele me faz tocá-lo
E aperta minha mão
Pra que eu sinta
A consistência de sua excitação
Suponhamos que eu minta
E finja que não me dá tesão
Quanto tempo será que eu resisto
À tentação, assim, servida na mão?
Eu assusto e ele resiste
Eu afrouxo, ele insiste
Ele aperta de novo a minha mão
Busca meus olhos
E me diz bom dia
E dá um sorriso de alegria
Num movimento rápido e preciso
Do jeito que é preciso
Ele me coloca por cima
E somos duas forças sexuais
Que se atraem como ímãs
Eu tô pronta e quero mais
Ele tá pronto e quer mais

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Com ou sem camisinha
Tanto faz
Que a decisão não seja minha
(A covardia me satisfaz)
Mas eu não tô nessa sozinha
E ele vai pelo que é de paz
Veste a borracha
O uniforme de bom rapaz
Desses que cê não acha
Perdido em qualquer lugar
Nem errando de bar em bar
Bom rapaz, pero tarado
Já puxou a minha calcinha de lado
E se enche de satisfação
Ao me tatear e sentir o molhado
Com um dos meus seios na mão
Ele nota o meu querer ouriçado
Pede pra eu virar de lado
E me invade quase de supetão
Já são quase oito
E o alarme-coito
Já soou neste colchão!

46
_

Crua

Não uso batom porque quero


Que resquícios de beijos meus
Sejam lembranças e desejos
Não marcas vulgares
Dissonantes e inapropriadas
Prontas para serem borradas
Por dedos que não os meus.

Não uso batom porque quero


Sentir o gosto da sua boca
E que você sinta a intensidade
Do amor que meus lábios professam
Sem pudores, sem tabus
Lábios, dentes, línguas e salivas
Cozinhando sentimentos nus.

47
_
s

Atencao
s

Não me atice!
Não me atice, nobre senhore!
Sou mulher e sou primata
Não me presenteie com expectativas
Pra depois sair pela culatra.

48
49
_

Sinto muito, amigue


Mas siga sua caminhada
Sem mexer comigo
Teu olhar me balançou
E meu sangue saiu em disparada
Mas você não conhece o que sou
E nevou no meu umbigo
Quando me falou que
O que me oferece é nada:
Con la luna de testigo
Abrir a perna e boca calada
Não faz meu estilo
Ser carne de segunda
Afinal
Jaz um coração ao norte da minha bunda
Além disso
Gosto de ostentar
Uma consciência em paz
E embora não a conheça
Respeito sua companheira
Muito mais do que você imagina ou quer
É coisa minha com o universo
O que é certo é certo
E meu amor próprio
Eu trago perto.

50
_
s
Premonicao?
s

Bom demais pra ser verdade


Moreno bonito e forte
Me deixou sem norte
Com seu plano de longa durabilidade
Apostei todas minhas fichas na sorte
E ignorei a implacável morte
Quando a oferta é demais
O santo fica com um pé atrás
Mas o outro nem para no cais
Acelera e quer mais
Acha que a sorte não acaba jamais
E esquece da inevitável morte
A última sorte
Cedo ou tarde demais
Quando há de acabar
Não existe sul nem norte
Não há leste ou oeste
Não existe sorte
A não ser a sorte da morte.

51
_

Wannabe

Se fingir de homem
Vestir roupa de homem
Ter cheiro de homem
Ter gosto de homem
Ter marra de homem
Não faz de você um homem.

52
_

Exorcismo
Dedicado ao patriarcado

Volta e meia tenho uma fantasia


Posso estar dormindo ou acordada
Quando sinto um jato de azia
Que me deixa transtornada
E de repente
Me lembro o quanto eu quero
Te arrancar dente por dente
E escarrar na sua cara
Admirar suas feições me implorando
Enquanto atravesso seu ânus com uma vara
Ao som da sua voz gritando
“Para! Para!”
Sobre esta minha singela vingança
Que levo a cabo aqui dentro de mim
Quero que você saiba
Timtim por timtim
Pois não me basta somente
Perfurar seu peito com uma lança
Eu quero te ver chorar desesperadamente
Como uma criança
Ajoelhado

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Pedindo perdão por cada pecado
Sabe o que eu quero?
É torturar você com o mais puro esmero
Furando seus olhos com palitos de dente
Lentamente
Estapeando o seu rosto
Enquanto eu reitero
O quanto eu desprezo você
De maneira tão pungente
O quanto eu prefiro morrer
Do que ser tocada por você novamente
Em seguida
Antes de acabar com a sua vida
Vou explodir seus tímpanos
Ao pé do ouvido
Sem antes deixar de lembrá-lo, claro
Tudo o que fez comigo
A sua língua...
Vou cortar com um facão
E jogar no chão

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Observando sorridente
Eu vou gritar: “Vai, mente!”
O teu sexo, o tal diamante
Vou cortar rente
Eu quero te ver em estado agonizante
E logo, com um pedaço de pau
Vou golpear com força entre as suas pernas
Vai
Faz agora aquela sua cara de mau
Com a qual
Você dizia que mulheres têm que ser subalternas
Você, que drenou a vida que eu tinha
Vai morrer na ponta de uma faca de cozinha
Com ela vou finalizar minha vingança
Rasgando devagarinho a sua pança
Revirando suas tripas
Até que me cause ânsia
E por fim, sem perder a elegância
Vomitar sobre seu corpo
Morto.

55
_

Tchau tchau
Se meu luto te incomoda
E minha dor e minha saudade
Pra você é “andar pra trás”
Abra a porta e vá embora
Se apresse pra não voltar jamais.

56
_

Migalhas
Amar em vão...
Amar ou não?
Devo abrir mão?
Ou seguir catando migalhas pelo chão?
Amar em vão
É exercitar o coração?
Ou simplesmente negar a condição
De reciprocidade inexistente?
Amar em vão
O que é então?
Trocar o sim
Pelo não?
Mesmo a dois
Amargar na solidão?
Amar em vão...
É viver enclausurada
Numa esperança eterna
Que corrói a razão
E te joga na merda.

57
_

C’est fini

O que restou do amor?


Uma caixa com roupas, livros e sapatos
Um micro-ondas quebrado
E uma fisgada de dor
Sobrou também
Um emaranhado de rancor e culpa
Uma escova de dente
Um alicate, duas giletes e um pente.

Do amor?
Ficou a raiva cega
Aquela negação que entrega
Mas que se entrega às lembranças do ardor.

O gosto do amor desperdiçado


É tão azedo quanto amargo
Uma pena
Mas é preciso regurgitá-lo
Antes que se transforme
em gangrena.

58
_

De nada. De nada, amor


Fica à vontade
Pra me procurar sempre que precisar
Em busca de informação
Ou só matar a saudade
Por mensagem de texto, e-mail
Ou código Morse
Apareça e impregne minha verdade
Suma, desapareça
Com tua peculiar fugacidade
De nada, amor
De nada adiantou
Pois nada restou
Todo esse amor, meu amor
Foi em vão
É amor que apodrece no coração
Amor interrompido
Que não vira pó, nem desaparece
Mas quando chega tua mensagem
Estremece!

59
_

Infarto

Há uma semana exatamente


Eu estava ajoelhada a seus pés
Com a boca cheia de seu aval
Enquanto você dizia querer algo totalmente sexual
Eu lentamente
Matava a saudade do seu pau
Ignorando, obviamente
O que viria depois, o stress
Alimentando nossa versão do monstro do lago Ness
Sentindo você no meu mais fundo
Como se só existíssemos nós no mundo
Te puxando cada vez mais pra dentro
Pra ver se, finalmente
Você entende o que eu penso
Talvez assim
Tão no meio do centro de mim
Você enxergue, enfim
Que eu só quero é ser amada
No turno diurno ou no da madrugada
Atacando no meio-campo
Ou pelas beiradas
Gozando o riso e ejaculando o pranto
Te encontrando em cada canto

60
Entre DRs e sermões
Enfeitiçada pelo teu encanto
No entanto
O que a gente se completa no quarto
Fora dele é tipo AVC e infarto
Há uma semana
Exatamente
Eu estava crente
Que poderia haver paz entre a gente...

61
_

A gente não se entende


Nosso idioma é diferente
Somos de universos paralelos
Vivemos cada um no seu hemisfério
Ele vai de bolacha e Coca-Cola
E eu harmonizo um rosé com gorgonzola

62
_

E se...

Tantos convites perdidos


Por causa de tantos Nãos
Tantos orgasmos contidos
Ao alcance de nossas mãos
Meu amor se deu por vencido
E assinou sua própria extinção!

x=()

Elx me chamou pro combate


Eu arreguei
Elx estranhou
Eu sempre pronta pro ataque
Desta vez preferi empate.

63
_

Na real
Quer saber a verdade?
Cansei de sentir saudade
E de ter que implorar pra te encher de beijinhos
Sua mania de negar meus carinhos
Já está beirando a maldade
E se o que você quer é ficar sozinhe
Vá embora com vontade
Desobstrua meus caminhos
E desapareça sem fazer alarde.

64
_

Amor natimorto
Amor natimorto
Que eu carrego incrustado em mim
Tão simples seria fazer um aborto
E expelir este parasita, enfim
Amor que era lindo, alegre e leve
Durante o período de gestação
Transformou-se num meticuloso verme
Que se alimenta dos meus sorrisos
Desde que fez um banquete da rejeição.

Amor declarado morto


Como pode ser tão vivo
Dentro dos limites do meu corpo?
E ir além
Dominar meus pensamentos
E se intrometer nos meus sonhos...

Como pode esse amor ainda viver


Com o atestado de óbito pronto?
Um amor que não queria morrer
Mas não teve a chance de ficar no ponto
Um jovem amor que caiu no velho conto
De amá-lo só e somente a ele

65
Até o fim do meu viver...

Esse amor foi abandonado na estrada


Sem bagagem ou documento
Logo na primeira parada
Mesmo com fome e frio
Ele não sucumbiu
Pois suga a seiva do meu sentimento
E se protege sob minha pele bronzeada.

Amor morto-vivo, vivo-morto


Que consome e some com o meu sorrir
Será triste e feliz
O dia que eu te arrancar do meu corpo
O dia que eu te parir!

66
67
_

Você está disposta


A sentir meu gosto?
A me cheirar o rosto
E me dar a mão?

Você está disposta


A me dizer o que gosta
Me tatear toda exposta
E não soltar minha mão?

68
_

Se mexe
Sai deste muro
Dá um passo pra frente
Dá um passo pra trás
Corre, dá um pulo
Especificamente
Me diz se quer mais
Sai do quarto escuro
Age racionalmente
Se entrega
E não olha pra trás.

69
_

Beijos calientes
Abraços fogosos
Mão naquilo
Aquilo na mão
Mas pelamor
Sexo não!

Línguas al dente
Sussurros gostosos
Aquilo na mão
Por favor
Sem penetração!

Carinhos rentes
Corpos calorosos
Mão naquilo
Aquilo na mão
Vem logo amor
A gente faz com proteção!

70
_

Eu tive Aids por dois meses


Há 7 anos, eu tive Aids por dois meses
Não morri
Eu continuo aqui
A Aids não
Ela vazou
Evaporou de mim
E sumiu
A Aids é coisa do meu passado
Desde que me tornei indetectável
O HIV sobreviveu
Assim como eu
Ele é um vírus que você não vê
Pois eu pareço tanto com você!
Não é mesmo?
Eu poderia ser você
E você poderia ser eu
O HIV não escolhe bicha, machão
Santa ou ateu
Para o HIV, tanto faz onde você se meteu
Ou com quem você meteu
O HIV é meu, é teu
É de quem cruzar seu caminho
Seja monogâmica, “fiel”, bolsominion
Esquerdomacho, idosa, tarado

71
72
Mãe de família, trava, empresário
O HIV se lixa se você tá no armário!

Ele chegou como quem não quer nada


Me encheu de beijinhos
E me levou ao orgasmo
O HIV é um vírus apaixonado
E, não, isso não é um pleonasmo
Me lembro do meu primeiro namorado
(Já sei o que você está pensando)
NÃO, ele não é o culpado!
Ou você aponta o dedo na cara de quem te deixou gripade?
Ele foi vítima do estigma
Tão cruel que já dói na rima
Justamente por medo da discriminação
Me privei de amar e ser amada
Enclausurei meu tesão
E em vida me fiz sepultada.

Mesmo indetectável e intransmissível


Eu me sentia des-pre-zí-vel
Por causa de um vírus invisível
Que há um quarto de século
já não é mais uma sentença de morte
Acorda!
Amar NÃO É brincar com a própria sorte!

73
Amar é simplesmente amar 
E nos faz mais fortes!

Vírus da Imunodeficiência HUMANA


Por que você acha que é diferente com você?
Hein, boy!? Hein, mana?!
Seu preconceito não me engana!
E nem te coloca à margem da epidemia
Pode parar com esta putaria
De me julgar baseada no seu preconceito
Meu HIV não é um defeito
É um vírus, uma doença crônica
Uma falha no sistema
Definitivamente
Não é meu maior problema
Você tem medo de trepar comigo porque vai pegar?
Você tem medo de me amar porque eu vou morrer?
Ou você não sabe por que nunca conheceu ninguém com
HIV?
PARA!
Respira!
Em que mundo você vive?
Não vamos todos morrer?
Você se apresenta às pessoas
“Oi, prazer, sou fulane,
Tenho diabetes e enxaqueca”?

74
Pelo amor da buceta
(Mãe de cada um de nós).

O que é maior pra você


Sua ignorância?
Seu preconceito?
Ou o HIV?

75
_

PositHIVa
20 de maio de 2012

Hoje meu mundo não desabou


E as nuvens pesadas se esvaíram no céu
Um sorriso de criança ainda me anima
Mesmo sentada na cadeira de réu
Você que pensa que minha vida acabou
Você não me conhece
Prazer!
Sou Marina
E minhas angústias eu aprisiono num papel
Nunca injetei cocaína
Mas degusto cannabis a a granel
Cerveja, vinho, vodka, energético
Sempre em doses cavalares
Agora fazem parte do passado
Assim como o estilo de vida frenético
Hoje meus pulmões respiram novos ares
Mais leves, livres e purificados.
Já não me importa teu falso cognato
Mea culpa e desculpas esfarrapadas
Eu as ignoro no ato
Com minha bela família e amigos amados
Não me sobra tempo para escapadas

76
77
Minha vida já não é encher linguiça
Nem passar argamassa nos hiatos
Terá dias que irei à missa
Só para agradecer à Deusa pela vida
Não é papo de bitolada, crente ou gente indecente
Nem de padre, pastora, sheik ou rabino
Mas de quem o corpo padeceu doente
E um vírus mudou seu destino
Hoje transbordo gratidão à Deusa e àqueles
Por poder levantar e seguir em frente
Agarrada na família
E aos amigos mais rentes
Passo batido pelas amenidades
Foda-se o que regurgitou o presidente
Para não ficar sozinha na ilha
Vou esquivando as tais verdades
Mirando sempre a paz e a realidade
Como mulher, amiga, irmã, como filha
Cravei na minha vida os meus dentes
E àqueles poucos não quero deixar saudade
Ao menos não por enquanto
Quero-os bem do meu lado
Quase grudados
Sem espaço para correr o pranto
Porque o amor é a única verdade
E não me cansa idolatrá-lo tanto!

78
_
v

Imunodeficiencia

Maldito covarde
Me dominou sem alarde
Covarde maldito
Calou meu grito!

79
_

Este vírus não tem cheiro


Nem cara nem cor
Sutil e pungentemente
Ele te ataca
(normalmente)
Pelo coração
Pois quem você ama
Não sabe
Ou mente.

80
_

Abandono
Dentro de todo
E qualquer sofrimento
Há rancor e há lamento
Há dor e há lodo
Mas há sobretudo
Amor e crescimento
Quando a dor que
Deu o sustento
É regada com a secura
E o abandono do tempo
Não há flor que floresça
Não é falta de amor
Nem puro e simples rancor
É como arrancar do solo a flor
E impedir que o amor cresça.

81
_

Mea culpa

Quando eu posso ir aí?


Tô te devendo uma visita
Tô com tanto trabalho, cê não acredita!
As coisas estão feias por aqui
Mas me fala de você!
Como você está?
Tá conseguindo se alimentar?
Passa o tempo vendo TV?
Se precisar de mim, é só chamar
É, é verdade que eu não ligo
Mas, porra! Você sabe que sou tua amiga!
Isso nunca vai mudar
Viu minha mensagem de texto?
E aquele e-mail que eu te mandei?
O mantra foi eu mesma que inventei
E acho que se aplica ao contexto
Pô, você me deixou superpreocupada!
Mas tô trabalhando pra caramba
E a pós tá me quebrando as gambas
Ando sem tempo pra nada
Olha, esta semana eu não consigo ir
Mas na próxima acho que vai dar
Em qual hospital você está?

82
Precisa de algo? Lexotan? Biovir?
Qualquer coisa é só gritar
Eu tô sempre do teu lado
Nossa amizade tem grande significado
E você tem meu Face, Twitter e celular.

83
_

Viva
Comunicativa
Impulsiva
Expressiva
Hiperativa
Positiva
Negativa
Reflexiva
Sativa
Explosiva
Sensitiva
Passiva
Ativa
Criativa
Expectativa
Explicativa
Autoexplicativa
Obsessiva
Incisiva
Possessiva
Destrutiva
Agressiva
Flagelativa.

84
85
86
_

Justica
s

Só sei que em algum momento


Sobre o qual me é escassa a memória
Conduzi-me a um severo julgamento
E me enquadrei na casta da escória.

Eram tão densos os desejos


Que me envolvi em sólida proteção
Para dissipar o carinho dos teus beijos
E assim evitar uma iminente explosão.

Não é nada que já não se saiba


Acovardar-se e esconder o rosto
Por mais que não haja lugar onde caiba
Uma parede qualquer protege e dá encosto.

A ideias aviltantes, penas intransigentes


Que pisoteiam o gênero, a espécie e a essência
E ao resvalo do prazer, cravam os dentes
Diante do crime, alegam pertinência.

Acabei cavando um porto-seguro,


Onde torturei e acorrentei minha libido
E mandei vedar pra lhe garantir o escuro
Porém, queimei os arquivos e caso perdido

87
_

Será que hoje é dia de alta?


É difícil conter a ansiedade
Mas se os leucócitos estiverem em falta
Permanecerei no templo da enfermidade
Com os olhos na tela
Mariana analisa meu hemograma
Conto os segundos a esperar por ela
Hoje dormirei aqui?
Ou na minha cama?

88
_

Paranoia

A paranoia é sedutora
E envolvente
É pele
É areia movediça
É caliente
Ela te iça
Ela mordisca
Ela atiça
E te iça
Te iça
Ela te iça pelos dentes
E enfeitiça
Se alastra rapidamente
Numa sinopse virológica
Da ponta da unha
Ao fio da retórica
Ela é simbólica
Sufocante e paranoica
Ela é brusca
E ilustra sua natureza contagiosa
Invadindo repartição por repartição
Pública, moderada ou sigilosa
Num estupro consentido
(sem sentido)
Da razão.

89
_
´
Crise AERea

O peso que a vida me dá


É o calor de uma vela
Que se (des)vela ao iluminar
O silêncio do vento
Que conduz o pólen aos estigmas
É o gozo de córneas debutantes
Ao se deslumbrar com os primeiros raios de luz
Sob direção de um governo corrupto.

O peso que eu cato na vida


Eu carrego colado no corpo
Pregado nos ossos que me aguentam
Submerso no buraco negro do meu estômago
Nas gorduras localizadas do meu córtex
Impregnado nos meus alvéolos pulmonares
Na fila de espera do intestino grosso
Sob direção da sístole e da diástole.

Viajo a vida com excesso de bagagem


Com a disciplina de um homem-bomba palestino
E o belicismo nazista de Israel
Trago o sorriso involuntário da alegria
Com a displicência de um artista hippie

90
Já exausto e com Alzheimer
Levo malas que não perdem o rumo
Sob direção de um passageiro extraviado.

91
_

Boludez

Ainda ontem me disse:


“Vamos revolucionar o amor
Multiplicar o gozo
E dizimar a dor”.

Fez com que eu risse


Enclausurada no meu rancor
Quem é você, nobre senhore?
Por que fala tanta sandice?

Aquilo que você diz amor


Me derrotou e fui vice
O amor só fez que eu visse
O quanto me enganei
Com primor.

Viciada nele e na dor


Não me venha com babaquice!
Por que você tanto insiste?
Esquece isso, desiste!
De quê te serve o meu amor?

92
_

Minha deusa, me proteja de mim!


Mesmo PhD em autoflagelação
Não quero viver antecipando meu fim
Nem conceder aos inimigos a razão
Aviso aos sanguessugas de plantão
Me encontro sob nova direção!

93
_

A aorta ainda lateja


mas o coração não rasteja.

94
95
_

Vlw Flw

Eu sabia que não daríamos certo


Quando você desdenhou Cazuza
Tive vontade de sair de perto
Mas me confortaram
O silêncio e a repulsa.

Eu queria a sorte de um amor tranquilo


Pero somatizava azia e espirro
Sabor de fruta mordida e gostosa
Tinha suco, tinha prosa
Cheirosa, suculenta
Apetece mas não sustenta!
Eu dizia que te amava
Jogada a seus pés
Sendo teu pão e tua comida
Mas sabe como eu sou? 
Exagerada!
Sempre que posso dou uma inventada
É minha posologia antimonotonia
Volta e meia fecho o livro
E fuxico o luxo
Reviro o lixo
Reciclo tudo

96
Tento ser 
Sustentável no mundo
Calma!
Trago boas novas
Viver é risco de vida
Amar é risco de morte!
Eu opto pela boa sorte
Pela responsabilidade emocional
Pelo tamo junto
Seja qual for o assunto.

Exatamente for this


Pro dia nascer feliz
Um sentimento trago guardado:
Foi por um triz
Mas obrigada
Por ter se mandado!

97
_

Acorda pra vida

Minha filha, acorda pra vida!
Você tá esperando o bonde passar
Tá dormindo até o corpo fatigar
Acorda, filha querida
Veja o sol da sua janela
Levanta da cama
Joga uma água na cara.

Menina mulher, profissional independente


Levanta! Escova esses dentes!
O mundo é seu e tá lá fora
Vai conquistar suas vitórias
Levanta agora!
O ser humano não é uma ilha
Você é linda e divertida
Extremamente inteligente
Valorize-se realmente!

Acorda pra vida
Você é uma pessoa de sorte
Que finalmente está sabendo lidar com a morte
Ano novo. Vida nova
Isso é clichê demais pra você?
Simplesmente seja você!
Olhe pra mim, você não me vê feliz assim?!

98
_

Vamos dividir as mágoas


E multiplicar a alegria
Vou contar de cada nova estria
Que me riscou depois daquele dia
23 de janeiro
Divisor de águas
Tempestade brutal
Chuva ácida
Água fria
Uma dor filha da puta
Que me consumiu até outro dia
Uma espécie de raiva com negação
Saudade e melancolia
De sentir o toque de sua mão macia
De dedos finos e unhas vermelhas
Esta noite eu não contarei ovelhas
Pois tenho um encontro marcado
Minha mãe me espera do outro lado
Vamos acordar em Paris
E almoçar no Tibete
Comigo roncando e o sono pesado
Ela pairando
Levitando ao meu lado
Minha mãe, a tia Bete.

99
_

Não me comove quem fica em cima da rima


Sou pleonasmo, eufemismo
Paradoxo e ironia…
Baldes e baldes de estricnina
Eu digiro entre ojeriza e alegria
Transbordo e regurgito poesia
Sou usuária de amor e ranitidina
E também cheiro doses de purpurina.

100
_

Às vezes viro grão de areia


Escondida na minha dor
E dói nem sei o quê, nem sei onde
É uma mochila de concreto que eu não consigo tirar
Viro alvo tão fácil
Que até um raio vem me procurar
É como se eu estivesse predisposta a apanhar
Só porque me dá pânico me defender
Meus pensamentos inundam meu campo de visão
E passam por mim como tratores.

101
_

Vou construir uma gaiola


Para abrigar meu pensamento
Pra que ele não voe até a saudade
Nem durma ao relento 
Enquanto os meus sonhos invade.

102
_

Baires
Tiene Buenos Aires que se´ yo. – Sanz, Alejandro

Parti apressada
E guardei as expectativas
Numa mala extraviada
Me recusei a olhar pra trás
Nem vislumbro o porvir.

Entranhei os pés no presente


E vou caminhando um traço torto
Uma rota minha somente
Que só me surpreende
Dei a partida e fui embora
E agora?

103
_

Ao ato de fato
Tenho um assunto pendente, amigo
Cujas palavras desertam em diáspora
E me deixam só e abandonada
Aqui no raio do meu umbigo
Solitária, triste e culpada
Pela impossibilidade de me abrir contigo
Mas o alarme soou
E foi dada a largada
Se não for a hora
Já foi!
Pois é agora que revelo quem sou
Por onde estive
O porquê da demora
E que bicho me picou
Que me deixou assim tão arisca
Que mesmo em brasa
Soltando faísca
Me enclausuro e me escondo
Te abro a porta da minha casa
Te acarinho sob minhas asas
E te ofereço um NÃO bem redondo!
Não entendes?
Pra quê tanta crueldade consciente?

104
Pois meu respeito não é papo
E se queres consumar o fato
Preciso que estejas pronto
E saibas que não sou fada
Nem minha vida é um conto!
E se hoje te conto
É porque antes de mais nada
Quero ser respeitada
E ponto!
Na minha caminhada
Não tem espaço pra mané
Sou feita de amor, família e amigos
Cabe a ti decidir o que queres comigo
Queres ser o meu amigo de fé?
Queres que teu corpo seja meu abrigo?
Ou preferes a marcha à ré?
Como único conselho eu digo
Não te imobilizes com teu preconceito!
Estar vivo já é estar em perigo
E pra amar há sempre um jeito
O prazer é só nosso se nos acolhemos no peito
Mas se não tens disposição
Para me amar e caminhar comigo
Me avise logo, caro amigo
E até mais, muito prazer, satisfação!

105
_

Escorpiana

Mulher
Você é Lacan
Na mesa do bar, no café da manhã
Na tarde de sexo
Você sempre Lacan!
No escritório ou em Itapuã
Simplesmente Lacan!

De la punta del deseo


De tirarte en mis besos
Seguis Lacan, Roja
Y te clabas en mis pechos
Mientras me lees mis derechos
E dorme até amanhã
Eu, acordada a noite inteira
Desperto Lacan
Que me cheira, me sente
Me unha, me dente
Faz que vai me largar
E me agarra até amanhã
Você é Lacan!

Me diz que sou previsível

106
Que brigo à toa, que grito
Mas que meu sofá é irresistível!

Eu ponho Zaz
E você pede mais
Entre gemidos e ais
Você manda um Lacan
Enquanto morde a maçã
E se arruma pra trabalhar
Eu te miro com afã
E você não volta jamais.

107
_

Dela

Desde que você vestiu a minha blusa


Meu olfato de longe te acusa
A tua voz me acaricia
E o teu cheiro me alicia.

Desde que você vestiu minha blusa


Suplico em segredo: me usa, me usa!
Fujo e tento disfarçar
A admiração que escorre do meu olhar.

Mas minha imaginação lambuza


Te despe devagar
E submerge no seu mar.

Desde que você vestiu minha blusa


Minha noia me acusa
A soma dos quadrados dos catetos
É o quadrado da hipotenusa
Meus pré-conceitos obsoletos
Minhas narinas revirando a blusa
Desacorrentando os pensamentos
Caçando o teu cheiro
Lambendo o teu beijo

108
Sorvendo teu gosto
Te acariciando o rosto.

Num dia de agosto


Sou só uma menina confusa
Com uma fantasia que abusa
Desde que vestiu minha blusa.

109
_

Amor de classes

Não preciso de flores nem presentes


Não me importa sua formação
Nem notas no período escolar
Se você usa aparelho nos dentes
Odeia se drogar
Ou rala muito pra se sustentar
Não me afeta em nada, absolutamente
Se eu moro no centro e você na quebrada
Muda o CEP e mais umas paradas
Mas todo mundo é vermelho por dentro
E trabalha até ter falta de tempo
Eu preciso de carinho e atenção
Mimos, beijinhos e tesão
Companhia pra ficar em casa
Testando o colchão
Enquanto suplico em brasa
Que me ame com paixão
Também um pouco de paciência
Dia sim, dia não
Pra superar meus surtos tardios de adolescência
Companheirismo, compreensão e confiança
Quando eu tô adulta e também criança
Pois nem sempre sou razão

110
E pros meus crimes de paixão
Preciso que aceite fiança
Em moeda de arrependimento e perdão.

111
_

Fica?!

Você é daquelas mulheres que


Mesmo depois que vai embora
Fica!
Fica na cabeça
Fica na roupa
Fica na pele
Fica nos arrepios do déjà-vu
E me faz acordar mais cedo
Para ficar pensando...
Vai ficando e
Sorrateiramente
Abruptamente, fica!
E eu quero que você fique!
Mas antes que a gente se enlace
A gente precisa se conhecer
Desta vez, ma beauté
Não quero me afobar
Busco calma
Olhar por olhar
Nosso corpo e nossa alma
Entrelaçando em harmonia
Eu aprecio a sua companhia
Uma história fugaz não me satisfaz

112
Não mais
Desejo a mais pura amizade
Apesar das diferenças todas e da idade
E que você me considere uma amiga
Antes que uma amante
Desejo que você cante e encante
A si mesma, sempre e antes
Que você se fortaleça
E seja sua própria fortaleza
Que você seja leve
E se leve leve
E se a vida cogitar nos levar
Que nos leve leve
No toque de nosso olhar
Você sabe exatamente
Quando eu quero te beijar
Ainda assim eu disfarço
Olho pro lado
Suspiro profundo
Te daria o mundo
Mas não seria bom para nós testemunharmos eu me perder
Pois eu não conheço pequenas doses
Vivi infindas dores
No quesito amores
Não busco nota máxima
Desejo tempo e beijos

113
Muchos besos
Pero tengo miedos
De repetir erros do passado
Ainda assim
Quero estar ao seu lado
Não busco nós
Busco laços
Só não sei como faço!
Me dá um abraço?

114
_
´
ocio improdutivo

Eu não me deixo sentir


Eu não me permito vivenciar meus sentimentos
Eu me ocupo o tempo inteiro
No Instagram, Facebook, Netflix
À base de breja e brigadeiro
Folheando Petit Nicolas, Kirikou, Asterix
Fugindo dos poemas
Engordando os problemas
Esmiuçando as coisas pequenas
Diluindo-me em abas de navegador
De textos que nunca serão lidos
Filmes que passarão batido
Soterrando medo e pavor
São sinopses, ideias, insights
Brutalmente interrompidos
Ainda mesmo dentro do site
Espalhada, sem centro
Não me concentro
Não me entro
Não me fora
Não me dentro
Mas não é só isso
Eu analiso, racionalizo
Esmiuço qualquer sentimento

115
Tentando entender, explicar
Me explicar
Eu converso com as pessoas
Conto para os amigos
E os amigos deles
E seus amigos
Coisas de mim, comigo
E me contam, me falam
Me confrontam, me encaram
Me explicam
Me sussuram,
Me apontam
Me exemplificam
Me gritam
Me confundem
Eu escuto tudo
Com meu olhar mudo
Eu me explico
Me complico
E não fecho o bico
Amplifico
E fico
Com o que sinto
Atolado no esgoto do pensamento,
O zigoto do sofrimento,
Bem onde se fecunda
o embrião da superação!

116
_

Modus operandi

Me faltam horas no dia


Minutos na hora
Segundos no minuto
Mas, principalmente
Dias na semana.
 
Dias úteis, inúteis
Fins de semana voláteis
Inflamáveis, efêmeros, volúveis
Fins de semana tragáveis
Tragados, abocanhados e expelidos
Numa madrugada de domingo
E outro, e outro, e outro.
 
Todo dia é segunda-feira de manhã
E eu já estou atrasada
Como semanas
Mastigo horas
Ora sim, ora não
Sem tempo pra dar um tempo
Perdida no tempo
Me ocupando de tudo
Trabalho, lazer, canudo

117
Sobrevivendo à agenda
Aparando as emendas.
 
Passando momentos, ideias, poesias
Passam-se os dias
Escorrem motivos, metas, intenções.
 
A pressa não passa de
Um emaranhado de decisões
A pressa me passa
Apertando o passo
Do meu passo apressado
Meu passo passado
Meu passo parado
Equilibrando-se
Entre os lados.

118
_

DNA

Aquela topada que forma


A poça de sangue
Negativo pra hepatite B
Positivo pra HIV
Vacinado de gripe
Pneumonia, tétano
Sarampo, tríplice
Febre amarela, HPV
Rubéola, caxumba
É vermelho
E corre nas veias
Tá no cérebro, no estômago
No coração, na saliva
Em qualquer secreção
Na menstruação
No meu gozo
Catarro
Beijo
Está no meu itinerário
E
Em
Todo
E
Qualquer
Lado.

119
_

Batendo ponto

Esofagite erosiva
Associada a úlcera esofágica
Hérnia hiatal redutível
Esofagite crônica
Inespecífica ulcerada.

120
_

s
Adesao

Ranitidina, fluoxetina
Omeprazol, tilenol, gelol
Vitamina C e D
Rayataz, tenofovir
Prozac, ritanovir
AAS
Bactrim
Meticorten, amato, topiramato
Dermodex, valtrex, tylex, cystex
Floratil, rivotril, tylenol
Esomeprazol
Bepantol, floconazol
Cataflam, citalopram, lexotan
Neosaldina, metformina
Feldene, cicatrene
Predinisona, simeticona
Dipirona, domperidona, bupropiona
Zetron, omcilon, naldecon, daflon
Motilium, centrum, pyridium
Cloridrato de sertralina
Lamivudina
Dolutegravir
O que mais
Há de vir?

121
_

Does the Carapuca fits?


s

Você chegou com um trator para que eu te amasse


E me esmagou com uma bigorna
Quando quis ir embora...

122
_

Hoje eu te encontrei inesperadamente


De novo
Talvez tenha sido porque o mundo é um ovo
Ou porque
De repente
Faça sol
Ou faça lua
Todos os meus caminhos
Passam pela sua rua
Eu andava depressa
Olhando para o chão
Pensando na estratégia perfeita para te esquecer
Levantei a cabeça
E lá estava você!
Ou será que não?
A miopia sempre me embaça a visão
Sim! É você!
Quem mais poderia ser?
Tua silhueta, teus traços, teu olhar...
O sorriso que adorna o seu maxilar
E que você oferece a conta-gotas
Aos poucos afortunados que resbalam no seu coração
Gosto de pensar que cheguei perto...
Mas Não!
Não fui capaz de penetrar a floresta amazônica da sua

123
Razão
Não foi por falta de querer
Não foi por falta de tentar
Mas não sou páreo para uma ariana tão desapegada
Sou carne dura, porém fraca
Com sentimentos contraditórios sobre contos de fada
Movida a conchinha e olho no olho
E toda vez que você me acordava com café e bolo
Olha só o que eu imaginava
Que talvez eu não fosse só mais um rolo
E que te tocasse profundamente
A nossa história, o nosso lance
Que eu chamo de romance!
Porque me apaixonei
É, isso mesmo
Eu fiz exatamente a única coisa que você me avisou para não fazer
Pois não sou dessas que troca fluídos a esmo
Não mesmo!
Meu carinho tem alvo, propósito e direção
Sou capricórnio com ascendente em peixes
Eu não brinco com assuntos do coração!

124
_
´
imuno-logica

Síndrome da Imunodeficiência adquirida,


Onde foi que eu a adquiri?
Não rolou nada de nada em Madrid
E a viagem tava até medio aburrida
Mas aquele irlandês grisalho
Me deixou bamba em Berlim
Será que foi dele?!?
“I don’t have a condom”
e eu me esqueci de mim
Mas ele garante que não foi com ele
E eu sinceramente acredito
Sinto que foi aquele ex
Promíscuo, adúltero e maldito

Mas que diferença faz


Sentir raiva desse ou daquele?
O relógio não vai pra trás
Fica o dito por não dito
E eu não saberei jamais
E a bem da verdade, agora tanto faz
Só quero encontrar minha paz!

Agora me resta espalhar a mensagem

125
De que “Aids? Não, não comigo”
Não passa de mito
Ilusão
Pura viagem!
Trepou sem proteção, meu bem?!
Não adianta ficar aflite
Entrar em pânico ou enlouquecer
Fugir da verdade
Fugir do teste
Não é atitude que preste
Encare de frente tua responsabilidade
Teu tesão, tua ignorância
Cria coragem!
Se testa e vai saber
Se carrega esse vírus com você
Se for o caso,
Inicie logo tratamento
Evite o sofrimento
Não deixe ao acaso.
Que acaso não cura lamentos.

126
_
v

cambio desligo 

Nem desligado
Nem no vibra
Nem no mudo
O celular fica lá n’outro mundo
Conexão somente com a mente
Profundamente
Cê me entende?
Foco na ação
Momentaneamente
Fuck wifi aberta
Comunicação hoje só internamente
Que horas são não importa, não
Se eu tô errada
Ou tô certa
Não vou publicar
Nem compartilhar
É assunto particular
Minha vida
Meu corpo
Meu lar doce lar.

127
128
´
indice

6_____________________Exposta
9__________________Sororidade
11______________Saindo do Armário
13_________________Capripeixes
16____________________Saudade
17________________________Ela
18__________________Ansiedade
19____________Não tenho uma causa
19____________________Mordida
2 0 _ _ _ Vo c ê n ã o m e r e c e s e r e s t u p r a d a !
22___________O Lado Dele da Cama
25____________Energias Cruzadas
26___________Amante da Madrugada
29__________________Revolução
31__________________Consolo
32_______________Entre-Coisas
3 4 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Va z i o
35______________Ciclo de Sesquecê
36___________________Maintenant
38_________________Desculpas
4 0 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Te i m o s i a
43_____________________Mimada
44__________________Madrugadas
45_____________________Matutina
47________________________Crua

129
48______________________Atenção
50______________B oy L ixo Uniss ex
51__________________Premonição?
5 2 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Wa n n a b e
53____________________Exorcismo
5 6 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Tc h a u Tc h a u
57_____________________Migalhas
5 8 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ C ’e s t F i n i
59________________De nada, amor
60______________________Infarto
62_________A gente não se entende
63________________________E se...
63________________________x = ( )
64______________________Na Real
65_______________Amor Natimorto
6 8 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Vo c ê e s t á d i s p o s t a ?
69______________________Se mexe
70_______________Beijos calientes
71_______Eu tive Aids por 2 meses
7 6 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P o s i t H I Va
79______________Imunodeficiência
80_______Este vírus não tem cheiro
81____________________Abandono
82____________________Mea Culpa
84________________________Viva
87______________________Justiça
88____________________Dia de alta
89_____________________Paranoia

130
90___________________Crise Aérea
92______________________Boludez
93_____________Me proteja de mim
94___________A aorta ainda lateja
9 6 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ V LW F LW
9 8 _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Ac ord a pr a Vi d a
9 9 _ _ _ _ _ _ _ _ Va m o s d i v i d i r a s m á g o a s
100____Quem fica em cima da rima
101____Às vezes viro grão de areia
1 0 2 _ _ _ _ _ _ Vo u c o n s t r u i r u m a g a i o l a
103______________________Baires
104_______________Ao ato de fato
106__________________Escorpiana
108_______________________Dela
110______________Amor de classes
112______________________Fica?!
115____________Ócio Improdutivo
117_____________Modus Operandi
119_______________________DNA
120_______________Batendo Ponto
121_____________________Adesão
122________Does the carapuça fits?
1 2 3 _ _ Hoje eu te encontrei inesperadamente
125________________Imuno-Lógica
127_______________Câmbio Desligo

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agradecimento
A gratidão é transformadora. Ela nos fortalece e nos dá a humil-
dade suficiente para continuarmos passo a passo a nossa revolução
humana íntima e pessoal, a única capaz de transformar verdadei-
ramente o mundo em um lugar mais afetuoso e empático.
Eu só tenho a agradecer a todas as pessoas que me inspiraram,
acolheram, incentivaram e, principalmente, me amaram durante
estes 20 anos de poesia e outros tantos mais de vida.
Mã, π, meu DNA, amo vocês do zigoto!
Meus irmãos, Cã, Lú, vocês inspiraram minha primeira poesia e
isso mudou a minha vida!
Timílda, que me alimenta o corpo e a alma para que eu esteja
saudável e forte.
Pabli, gracias a la vida que me ha dado vos!
Tatá, ter certeza de que sempre caminharemos juntas me enche de
confiança e inspiração.
Drika Prates, mana de xana e artista plástica que me inspirou e me
apoiou ao longo do processo de gestação desta obra e que traduziu
em imagens de maneira tão delicada as ideias tão confusas dentro
de mim, porém tão belas nos traços de sua aquarela.
Mariana Castilho, amiga amada e produtora que sempre me in-
centivou a vencer meus medos e inseguranças para colocar minha
criação artística no mundo e poder me sentir realmente livre. Um
novo capítulo começa agora. Seguimos juntas!
Marianne Schaeffer, parceira das criações audiovisuais e amiga
que tanto admiro, inclusive por topar se aventurar nas minhas
loucuras e, apesar da dificuldade de traduzi-las em vídeo, sempre
supera minhas expectativas!
João Galera, artista plástico e priminho lindo, acompanhar sua
carreira de maneira tão próxima me fez acreditar que era possível
ter a arte e a expressão pessoal como fio condutor da minha vida.
Luís Feltrin, sua sensibilidade artística me inunda de inspiração!
Nossas conversas foram imprescindíveis para que este livro nas-
cesse e eu pudesse finalmente sair do armário do estigma que me
aprisionava.
E todas as outras pessoas com quem compartilho amor e afeto que
participaram desta jornada. Vocês sabem quem são!
A todes vocês, minha eterna gratidão!

Nam Myoho Renge Kyo

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